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O caso Escher e outros vs. Brasil e o sigilo das comunicações telefônicas.

A fundamentação como garantia de efetividade dos direitos humanos

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24/06/2013 às 10:49

Resumo:


  • O caso Escher e Outros vs. Brasil na Corte Interamericana de Direitos Humanos resultou na condenação do Brasil por violações de direitos à proteção da honra e dignidade, à liberdade de associação e às garantias judiciais, devido a interceptações telefônicas ilícitas e divulgação das comunicações de membros do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra.

  • A decisão busca lições para aproximar o Brasil de um sistema penal e processual penal democrático, respeitando os compromissos internacionais, e espera-se que contribua para a seriedade do direito ao sigilo das comunicações telefônicas e a fundamentação das decisões judiciais.

  • A Corte Interamericana impôs ao Brasil a obrigação de reparação às vítimas, incluindo a publicação da sentença, a investigação dos fatos e a capacitação de funcionários em direitos humanos, e supervisionou o cumprimento da sentença, que foi considerado integral pelo Estado brasileiro.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

A demanda decorreu da violação de direitos humanos por monitoramento ilegal de linhas telefônicas de membros dirigentes de organizações sociais vinculadas ao MST, e posterior divulgação aos meios de comunicação de trechos selecionados dos diálogos interceptados.

Resumo: O presente estudo se propõe a analisar a sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos no caso Escher e Outros vs. Brasil, no qual o país foi condenado pela violação dos deveres de proteção a garantias judicias, à honra e à dignidade e à liberdade de associação, em virtude de interceptações telefônicas ilícitas de comunicações de membros do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra e posterior divulgação de trechos das conversas por agentes públicos. O objetivo é extrair da decisão lições que aproximem o Brasil um pouco mais de um sistema penal e processual penal verdadeiramente democrático, em conformidade com os compromissos que a nação firmou no âmbito internacional. Espera-se que o caso contribua para que o Estado brasileiro leve a sério o direito fundamental ao sigilo das comunicações telefônicas e o dever-garantia da fundamentação de toda e qualquer decisão judicial, especialmente daquelas que relativizam direitos fundamentais.

Palavras-chave: “Corte Interamericana de Direitos Humanos”. “Interceptações Telefônicas”. “Dignidade da Pessoa Humana”. “Liberdade de Associação”. “Fundamentação”.

Sumário: 1. Introdução.2. Exposição dos fatos que originaram a demanda.3. A violação da obrigação de proteger a Honra e a Dignidade (art. 1.1 c/c 11, da CADH).4. A violação da obrigação de respeitar a liberdade de associação (art. 1.1 c/c 16 da CADH).5. A violação da obrigação de proteger as garantias judiciais e de garantir o pleno exercício da proteção judicial (arts. 8.1 e 25.1 c/c 1.1 da CADH).6. A violação da obrigação de respeitar a “Cláusula Federal” e do dever de adotar medidas necessárias ao seu cumprimento (art. 28 c/c 1.1 e 2 da CADH).7. As reparações às vítimas. 8. A supervisão do cumprimento da sentença.9. Reflexões acerca da condenação do Brasil no caso Escher: o desrespeito cultural ao sigilo das comunicações telefônicas. 10. Breves considerações sobre o dever-garantia da motivação na decisão judicial que autoriza interceptações telefônicas a partir do caso Escher. 11. Considerações Finais.


1. Introdução

No caso Escher e Outros vs. Brasil, a Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) julgou[1]uma representação contra o país originada da denúncia de diversas organizações não-governamentais[2] (ONGs) ligadas ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), segundo a qual o Brasil teria violado os artigos 1.1 (Obrigação de Respeitar dos Direitos), 2 (Dever de Adotar Disposições de Direito Interno), 8.1 (Garantias Judiciais), 11 (Proteção da Honra e da Dignidade), 16 (Liberdade de Associação), 25 (Proteção Judicial) e 28 (Cláusula Federal) da Convenção Americana de Direitos Humanos (CADH - Pacto de San José da Costa Rica)[3].

A demanda decorreu da violação de direitos humanos por monitoramento ilegal de linhas telefônicas de membros dirigentes[4] das organizações sociais “Cooperativa Agrícola de Conciliação Avante Ltda.” (COANA) e “Associação Comunitária de Trabalhadores Rurais” (ADECON), ambas vinculadas ao MST, e posterior divulgação aos meios de comunicação de trechos selecionados dos diálogos interceptados.

O presente estudo se propõe a analisar minuciosamente a decisão da Corte para dela extrair lições que aproximem o Brasil um pouco mais de um sistema penal e processual penal verdadeiramente democrático, em conformidade com os compromissos que a Nação firmou no âmbito internacional.


2. Exposição dos fatos que originaram a demanda

No dia 28/04/1999, o Sub-comandante e Chefe do Estado Maior da Polícia Militar do Paraná, coronel Valdemar Kretschmer, solicitou ao então Secretário de Segurança Pública do Estado do Paraná, Cândido Martins, que procedesse aos trâmites necessários ante o Juízo da Comarca de Loanda para realizar a interceptação e monitoramento de comunicações telefônicas de linhas da COANA. No mesmo dia, o ex-secretário de segurança autorizou o coronel Kretschmer a apresentar o requerimento.

Assim, em 05/05/1999, o major Waldir Copetti Neves, Chefe do “Grupo Águia” da Polícia Militar do Paraná, representou à Vara Única de Loanda pela interceptação e monitoramento de uma linha telefônica instalada na sede da COANA, “em virtude das fortes evidências de estar sendo utilizada pela liderança do MST para práticas delituosas”.

A solicitação mencionava supostos indícios de desvios por parte da diretoria da COANA de recursos financeiros concedidos através do Programa Nacional de Agricultura Familiar (PRONAF) e do Programa de Crédito Especial para a Reforma Agrária (PROCERA) aos trabalhadores do assentamento “Pontal do Tigre”, no município de Querência do Norte/PR. Referia-se, ainda, ao assassinato de Eduardo Aghinoni, cuja autoria estava sendo investigada e suspeitava-se que, dentre os motivos do crime, estivesse o desvio desses recursos.

A Vara de Loanda recebeu essa solicitação, iniciando o procedimento de Pedido de Censura de Terminal Telefônico nº 41/99. No mesmo dia, a juíza titular, Elisabeth Khater, autorizou o pedido de interceptação através de uma simples anotação na margem da petição, na qual escreveu “Recebido e Analisado. Defiro. Oficie-se. Em 05.05.99”. A juíza não notificou o Ministério Público da decisão adotada.

No dia 12/05/1999, o Terceiro Sargento da Polícia Militar, Valdecir Pereira da Silva, apresentou à juíza Khater um segundo requerimento de interceptação telefônica, reiterando o pedido de intervenção daquela linha e, sem qualquer motivação ou fundamento, incluindo uma segunda linha telefônica, agora instalada na sede da ADECON.

O pedido foi prontamente concedido, através de uma anotação similar à anterior, e também não se notificou o Ministério Público.

No dia 25 do mesmo mês, o Major Neves solicitou o cancelamento da interceptação do terminal telefônico, pois o monitoramento realizado até aquela data já teria “surtido o efeito esperado”. A juíza atendeu, mais uma vez, ao requerimento e encaminhou ofício à companhia telefônica.

Em 07/06/1999, à noite, fragmentos dos diálogos gravados foram reproduzidos no “Jornal Nacional” da Rede Globo de Televisão, um dos telejornais de alcance nacional de maior audiência no país.

No dia posterior, o ex-secretário de segurança do Paraná realizou uma coletiva de imprensa com jornalistas de diversos meios, na qual comentou a atuação da polícia em operações de desocupação realizadas nos acampamentos do MST; ofereceu explicações sobre as interceptações telefônicas; e expôs sua opinião sobre as conversas divulgadas e as providências que a Secretaria de Segurança adotaria a respeito.

Na coletiva, foi reproduzido o áudio de algumas conversas interceptadas e, por meio da assessoria de imprensa da Secretaria de Segurança, foi entregue aos jornalistas presentes um material com trechos transcritos dos diálogos interceptados.

Na mesma data e nos dias seguintes, fragmentos das gravações foram novamente divulgados pela imprensa televisiva e escrita. Algumas reportagens anunciavam que os trabalhadores semterra planejavam determinados crimes e que o ex-secretário de segurança havia tornado público novos trechos das fitas durante a coletiva de imprensa.

Em 01/07/1999, o major Neves enviou um ofício à juíza Khater, entregando-lhe 123 fitas com conversas telefônicas gravadas durante a interceptação de ambas as linhas telefônicas, no qual foram realizadas certas acusações contra o MST. De acordo com o documento, a primeira etapa das gravações ocorreu entre os dias 14 e 26 de maio de 1999. A segunda etapa, para a qual não constava pedido, nem autorização, nos autos ocorreu entre os dias 9 e 23 de junho de 1999. Não foram apresentadas as transcrições integrais do material obtido, mas apenas resumos dos trechos considerados relevantes para a polícia.

Apenas em 30/05/2000, ou seja, mais de um ano depois das ordens de interceptação, a juíza Khater enviou pela primeira vez os autos do Pedido de Censura para análise do Ministério Público.

Em 8/09/2000, a promotora de justiça atuante na comarca, Nayani Kelly Garcia,requereu que fosse declarada a nulidade das interceptações, com a inutilização das fitas, pelos seguintes argumentos:(a) umpolicial militar sem vínculos com a Comarca de Loanda e que não presidia nenhuma investigação criminal não teria legitimidade para solicitar a interceptação telefônica; (b) o pedido fora elaborado de modo isolado, sem fundamento em uma ação penal ou investigação policial; (c) a interceptação da linha telefônica da ADECON fora requerida pelo sargento Silva, sem nenhuma explicação; (d) o Pedido de Censura não foi anexado a um processo penal ou investigação policial; (e) as decisões que autorizaram os pedidos não foram fundamentadas; e (f) o Ministério Público não foi notificado acerca do procedimento.

A promotora manifestou, ainda, que tais fatos evidenciavam que a diligência não possuía o objetivo de investigar e elucidar a prática de crimes, mas sim monitorar os atos do MST, ou seja, possuía cunho estritamente político, em total desrespeito ao direito constitucional à intimidade, à vida privada e à livre associação.

A juíza Khater rejeitou o parecer ministerial, argumentando que não resultara provada a ilegalidade das interceptações. Entretanto, determinou a incineração das fitas, o que ocorreu no dia 23 de abril de 2002.

Visando a reparação das ilegalidades, já em 19/08/1999, o MST e a Comissão Pastoral da Terra (CPT) apresentaram ao Ministério Público uma representação criminal contra o ex-secretário de segurança, a juíza Khater, o coronel Kretschmer, o major Neves e o sargento Silva, solicitando a investigação de suas condutas pelo possível cometimento dos crimes de usurpação da função pública, interceptação telefônica ilegal, divulgação de segredo de justiça e abuso de autoridade. O Ministério Público enviou a notitia criminis ao Tribunal de Justiça e instaurou-se a Investigação Criminal nº 82.516-5.

Em 6/10/2000, o Tribunal de Justiça emitiu o acórdão nº 4745 do Órgão Especial, ordenando o arquivamento da investigação dos funcionários públicos mencionados no que tange à interceptação telefônica, e o envio dos autos ao juízo de primeira instância para análise da conduta do ex-secretário de segurança, em relação à divulgação dos diálogos interceptados. Na referida decisão, o Tribunal de Justiça considerou que os equívocos que a juíza Khater cometeu configuravam, em uma primeira análise, faltas meramente funcionais.

Concluída a investigação, em 11/04/2001, o Ministério Público ofereceu denúncia contra o ex-secretário de segurança, que, mediante decisão da Segunda Vara Criminal da Comarca de Curitiba, de 23/12/2003, foi condenado em primeira instância às penas reclusão, de dois anos e quatro meses, e multa, sendo a pena privativa de liberdade substituída por prestação de serviços comunitários. Em 19/01/2004, o ex-secretário interpôs recurso de apelação, julgado em 14/10/2004, pela Segunda Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Paraná, que reverteu a decisão de 1º grau, para absolvê-lo, considerando que “o apelante não quebrou o sigilo dos dados obtidos pela interceptação telefônica, uma vez que não se pode quebrar [...] o sigilo de dados que já haviam sido divulgados no dia anterior em rede de televisão”.

Desde 05/10/1999, a COANA, a ADECON e seus representantes já haviam impetrado perante o TJPR um mandado de segurança contra a ordem da juíza Khater, solicitando a suspensão das interceptações telefônicas. Em 05/04/2000, órgão fracionário do Tribunal de Justiça entendeu que as interceptações já haviam cessado e que, portanto, a ação havia perdido seu objeto, ordenando a extinção da ação sem julgamento do mérito. Dessa decisão os impetrantes opuseram embargos de declaração, para que o Tribunal se manifestasse quando ao pedido de destruição das fitas. O recurso acabou rejeitado, ao argumento de que seu pedido somente poderia ser analisado se o mérito do mandado de segurança tivesse sido examinado.

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Em 17/11/1999, foi oferecida uma denúncia administrativa contra a juíza Khater referente a sua conduta nos autos do Pedido de Censura. Em 28/09/2001, a Corregedoria-Geral de Justiça resolveu várias denúncias administrativas contra a mesma juíza e entendeu que a questão já fora apreciada por ocasião do arquivamento da investigação criminal contra ela pelo TJPR, ordenando, então, o arquivamento. 

Posteriormente, atendendo à recomendação do Relatório da Comissão Interamericana, a Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República enviou o caso para a revisão do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o qual recusou tal pedido por entender que a ação penal abordou a matéria sem deixar qualquer resíduo para a atuação do órgão corregedor em sede administrativa, ficando evidente a ausência do interesse procedimental.

Além de tudo, as vítimas promoveram ações civis de reparação de danos morais contra o Estado do Paraná, que quando da prolação da sentença pela Corte ainda não haviam sido julgadas definitivamente.

Em função de todos esses fatos, o caso foi admitido pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos em 02/03/2006, sendo elaborado um relatório de mérito, que continha recomendações ao Estado. O Brasil foi notificado, sendo-lhe concedido o prazo de dois meses para comunicar as medidas adotadas a fim de cumprir as recomendações. Entretanto, após três sucessivas prorrogações sem que houvesse o cumprimento, a Comissão acabou submetendo a demanda à jurisdição da Corte Internacional[5].

Em 07/04/2008, as ONGs representantes apresentaram seu escrito sobre solicitações, argumentos e provas[6], através de advogados constituídos.

O Brasil apresentou contestação, onde suscitou três preliminares: (a) o descumprimento pelos representantes dos prazos previstos no Regulamento da Corte para apresentar seus argumentos e provas[7]; (b) a impossibilidade de alegar violações não consideradas durante o procedimento perante a Comissão Interamericana; e (c) a falta de esgotamento dos recursos judiciais internos.

A Corte entendeu que a primeira alegação não configurava propriamente uma exceção preliminar, porque não impugnaria a admissibilidade da demanda ou a possibilidade de conhecimento e julgamento do caso, razão pela qual se trataria de uma questão probatória.

Quando iniciou a análise da prova produzida nos autos, o Tribunal afirmou que os procedimentos perante si não estão sujeitos às mesmas formalidades das atuações judiciais internas e que a incorporação de determinados elementos ao acervo probatório deve ser efetuada em atenção às circunstâncias do caso concreto, tendo presentes os limites que impõe o respeito à segurança jurídica e ao equilíbrio processual entre as partes[8]. Embora reconhecendo que o escrito dos representantes foi extemporâneo, vez que o prazo terminava em um domingo, e a petição foi entregue na segunda-feira, entendeu, na linha de outros precedentes invocados, que o atraso mínimo não afetava a segurança jurídica ou o equilíbrio processual das partes, porquanto o direito internacional dos direitos humanos cuida da devida e completa proteção desses direitos.

Na segunda preliminar, o Brasil alegou que a violação ao art. 28 da Convenção Americana (cláusula federal) não fora mencionada antes da representação formal à Corte, sendo incluída na demanda a partir de uma informação de que haveria dificuldades de comunicação da União com o Estado do Paraná para cumprimento das recomendações da Comissão. Tal violação não poderia ser valorada, ainda, pois o dispositivo em questão seria apenas uma regra de interpretação da CIDH.

O Tribunal entendeu que a Comissão Interamericana tem autonomia e independência no exercício de seu mandato e que não lhe caberia revisar o procedimento perante o órgão, salvo em casos de erro grave, que possa vulnerar o direito de defesa das partes, devendo o prejuízo ser comprovado. No entanto, o Brasil não demonstrou tal lesão.Além disso, a natureza jurídica do art. 28 da CADH não é relevante, pois o Brasil reconhecera integralmente a competência da Corte para julgar qualquer caso relativo à interpretação e aplicação de todos os dispositivos da Convenção[9].   

Em relação aos recursos judicias internos, terceira preliminar arguida, o Brasil sustentou que o Mandado de Segurança[10]impetrado perante o Tribunal de Justiça do Paraná não era o recurso apropriado para cessar as supostas violações dos direitos humanos, mas sim o Habeas Corpus. Como o Mandado de Segurança teria sido extinto sem análise do mérito, as vítimas deveriam ter interposto recurso ordinário constitucional. Poderiam ter promovido, também, uma ação ordinária para declaração da ilegalidade da prova e destruição das fitas, mas não o fizeram. E a ação penal sobre a divulgação das conversas gravadas tramitou de acordo com o devido processo legal e em um prazo razoável, de modo que a Corte atuaria como uma quarta instância de revisão se analisasse o mérito da causa.

As organizações representantes alegaram que o TJPR não mencionou em sua decisão a suposta inadequação da via processual utilizada e que, desse modo, teria reconhecido implicitamente a validade da ação mandamental para o fim pretendido. Se o Tribunal interno tivesse entendido que a questão deveria ser analisada mediante outra ação, poderia ter tramitado a petição como Habeas Corpus ou extinguido o processo por inadequação do pedido. Como as interceptações já haviam terminado quando do desacolhimento dos embargos declaratórios, não havia mais interesse em levar o caso até o STJ, através de um recurso ordinário constitucional, porque esse meio não se prestaria para que se obtivesse a sanção dos agentes públicos envolvidos nas ilegalidades.

A Corte entendeu que, durante o transcurso da interceptação telefônica ou posteriormente, as pessoas interceptadas e gravadas gozavam de sua liberdade de locomoção. Desse modo, o instrumento cabível seria realmente o Mandado de Segurança, e não o Habeas Corpus. Já quanto à alegação de que caberiam outras ações, entendeu que os “recursos” que devem ser esgotados são aqueles que resultem adequados na situação particular da violação de direitos humanos alegada, de modo que a destruição das fitas não determinaria o término ou a reparação daquelas violações ocorridas, mas apenas poderiam ser um meio de evitar novas divulgações e prevenir violações futuras.

O Brasil alegou que as vítimas denunciaram os fatos ao Ministério Público e que o Tribunal do Paraná decidiu arquivar a investigação no tocante aos policiais militares e à juíza de direito, ordenando o curso da ação penal somente no tocante ao ex-secretário de segurança pública do Paraná, pela divulgação das fitas gravadas. Ao final do processo, o funcionário público foi absolvido por decisão de 2ª instância, que teria observadoas garantias do devido processo legal e da duração razoável do processo. Dessa forma, de acordo com o princípio da subsidiariedade, deveria ser respeitada a solução interna do Estado, até porque não seria manifestamente ilegal.

A Comissão manifestou-se no sentido de que a atividade investigatória para apurar as violações fora incompatível com os padrões consagrados pela Convenção Interamericana.

A Corte consignou que os representantes haviam esgotado a via penal, uma vez que, quando a Comissão Interamericana emitiu o Relatório de Admissibilidade da causa, a ação penal já havia transitado em julgado, com o arquivamento do caso em relação aos policiais e à juíza e a absolvição do secretário de segurança. Em relação à alegação de funcionar como quarta instância, a Corte afirmou que não determina responsabilidades individuais, mas apenas dos Estados signatários da Convenção. Assim, cabe à Corte avaliar se o Estado violou ou não suas obrigações internacionais em decorrência das atuações de seus órgãos judiciais, o que pode implicar a análise de procedimentos internos para estabelecer suas compatibilidades com os padrões da Convenção Americana. Por fim, a CIDH reconheceu que não há necessidade de mencionar os artigos da Convenção que os representantes consideram violados[11].

O Brasil encaminhou representantes ao Tribunal e nomeou o Dr.Roberto de Figueiredo Caldas[12] comojuiz ad hocpara participar do julgamento da causa.

Durante a instrução, as partes apresentaram diversos documentos. Foram juntadas declarações de 8 testemunhas e 2 peritos, prestadas perante agentes dotados de fé pública.

Considerando as peculiaridades da causa, a então Presidente da Corte, Cecilia Medina Quiroga, convocou uma audiência pública, que ocorreu em 03/12/2008, na Cidade do México, para oitiva direta de outras 3 testemunhas, apresentação de laudos periciais propostos pela Comissão[13] e pelo Brasil[14]e alegações finais orais das partes.

Posteriormente,foram remetidas também as alegações finais escritas. A Presidente solicitou a legislação interna vigente na época dos fatos, jurisprudência dos tribunais superiores brasileiros e informações sobre os recursos internos (mandado de segurança, embargos de declaração e recurso ordinário constitucional).

Em 15/05/2009, a Corte recebeu um parecer do Núcleo de Direitos Humanos da Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas do Rio de Janeiro, na qualidade de amicus curiae, onde a instituição apresentou uma análise dos recursos internos utilizados pelas vítimas e sua compatibilidade com a jurisprudência nacional e internacional.

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Sobre o autor
Carlo Velho Masi

Advogado criminalista (OAB-RS 81.412). Vice-presidente da Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas no Estado do Rio Grande do Sul (ABRACRIM-RS). Mestre e Doutorando em Ciências Criminais pela PUC-RS. Especialista em Direito Penal e Política Criminal: Sistema Constitucional e Direitos Humanos pela UFRGS. Especialista em Direito Penal Econômico pela Universidade de Coimbra/IBCCRIM. Especialista em Ciências Penais pela PUC-RS. Especialista em Direito Penal e Direito Processual Penal pela UNISINOS. Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais pela PUC-RS. Membro da Comissão Nacional de Judicialização e Amicus Curiae da ABRACRIM. Membro da Comissão Especial de Políticas Criminais e Segurança Pública da OAB-RS. Parecerista da Revista Brasileira de Ciências Criminais (RBCCRIM) e da Revista de Estudos Criminais (REC) do ITEC. Coordenador do Grupo de Estudos Avançados Justiça Penal Negocial e Direito Penal Empresarial, do IBCCRIM-RS. Foi moderador do Grupo de Estudos em Processo Penal da Escola Superior de Advocacia (ESA/OAB-RS). Coordenador Estadual Adjunto do IBCCRIM no Rio Grande do Sul. Membro da Associação das Advogadas e dos Advogados Criminalistas do Estado do Rio Grande do Sul (ACRIERGS). Escritor, pesquisador e palestrante na área das Ciências Criminais. Professor convidado em diversos cursos de pós-graduação.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MASI, Carlo Velho. O caso Escher e outros vs. Brasil e o sigilo das comunicações telefônicas.: A fundamentação como garantia de efetividade dos direitos humanos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3645, 24 jun. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/24469. Acesso em: 22 dez. 2024.

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