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Investigação criminal presidida pelo Ministério Público: o poder de escolher o que investigar

24/05/2013 às 14:36
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As polícias judiciárias são obrigadas por lei a instaurar procedimento investigativo, já o MP teria a possibilidade de escolher os crimes que deseja investigar diretamente (os delitos que não “interessarem” ao órgão serão objeto de requisição dirigida à polícia).

Pode o Ministério Público investigar diretamente infrações penais, por meio de procedimento instaurado no âmbito do órgão, sob a presidência de Promotor de Justiça/Procurador da República? Esse questionamento tem sido motivo de grande alvoroço no mundo jurídico e político.

Os que respondem SIM à pergunta acima formulada asseveram que: a) o poder de investigação é implícito e pode ser extraído da exegese do texto constitucional; b) já que o Ministério Público pode o mais (oferecer denúncia e seguir como parte no curso do processo), pode o menos (investigar com o fito de subsidiar a propositura da ação penal); c) investigar crimes não é atribuição exclusiva das polícias judiciárias.

Os que respondem NÃO ao questionamento do primeiro parágrafo deste ensaio dizem que: a) não existe teoria dos poderes implícitos do Ministério Público (o constituinte originário não incluiu a atividade investigativa expressamente entre as atribuições do MP porque não queria conferir ao órgão tal poder); b) admitir a investigação direta seria concentrar perniciosamente poder no MP (que findaria investigando e acusando); c) a investigação direta afeta a paridade de armas (no futuro processo).

Com o fito de por fim à celeuma, foi proposta a emenda à Constituição tombada sob número 37/2011, de autoria do Deputado Federal Lourival Mendes, do PT do B/MA, que inclui o § 10 no artigo 144 da CF. Eis a redação proposta:

§ 10. A apuração das infrações penais de que tratam os §§ 1º e 4º deste artigo, incumbem privativamente às polícias federal e civis dos Estados e do Distrito Federal, respectivamente.

O Ministério Público tem criticado duramente a proposta, argumentando que impedir o órgão de investigar diretamente contribuiria para o incremento da impunidade e dos índices de crimes não solucionados. Trata-se de uma inverdade. O MP, ao receber o inquérito policial (o órgão é o destinatário final de apuratórios que investigam crimes de ação penal pública), pode requisitar materialização de diligências com o fito de aclarar os fatos e essa participação ativa não induz nenhuma nulidade, ainda que o mesmo Promotor de Justiça/Procurador da República participe ativamente (e supletivamente) da fase investigativa e após ofereça denúncia (Súmula 234 do STJ). Ora, já que todo inquérito policial necessariamente passa pelo Ministério Público e pode o órgão requisitar diligências, a tal “impunidade” e o alegado “baixo índice de solução de crimes” também é responsabilidade do órgão acusador (é no mínimo inocência pensar que o MP tem fórmulas mágicas para desvendar crimes e que o índice de solução de casos do órgão é maior que o das polícias judiciárias).

Outra falácia é comparar nosso sistema processual penal com o de países estrangeiros. Penso que nosso sistema é muito bom (passível de ajustes, mas bom na essência), justamente porque delimita de maneira clara as atribuições/competências dos órgãos estatais: o Poder Judiciário julga; MP é órgão acusador; as polícias judiciárias investigam infrações penais; a Defensoria Pública defende judicialmente os hipossuficientes acusados de crimes. Essa é a clara divisão de tarefas feita pelo legislador constituinte.

Nesta toada, é importante deixar claro que o MP não tem corpo auxiliar estruturado em carreira e treinado para investigar crimes. Apurar infrações penais não é apenas ouvir pessoas e requisitar documentos. Investigar é fazer levantamentos de campo, ouvir e analisar interceptação telefônica/telemática e quebras de sigilo judicialmente determinadas, realizar vigilâncias, materializar campanas, dentre outras atividades de difícil ou impossível execução pelo Ministério Público (a não ser que o órgão se utilize, inconstitucionalmente, da PM ou da PRF, polícias preventivas por vocação constitucional).

Ademais, e agora adentrando especificamente no tema deste ensaio, não se pode perder de vista que permitir que o MP investigue diretamente infrações penais dá ao órgão um poder descomunal: o de escolher o que investigar. Explico. As polícias judiciárias são obrigadas por lei a instaurar procedimento investigativo sempre que há notícia da prática de crime de ação penal pública incondicionada (artigo 5º, I, do CPP). Já o MP (caso se permita a investigação direta), terá a possibilidade de escolher os crimes que deseja investigar diretamente (os delitos que não “interessarem” ao órgão, serão objeto de requisição dirigida à polícia).

Outra situação muito observada na prática é a instauração de procedimento investigativo no âmbito do MP e, passado algum tempo (e se percebendo que a solução do crime não é tão simples quanto se pensava), haver a conversão do apuratório em requisição de instauração de inquérito policial (com evidente perda de precioso tempo, indispensável à elucidação do delito).

No fim das contas, pode ser que, por exemplo, o intrincado esquema de desvio de verbas públicas se transmude em procedimento investigativo tocado no âmbito do MP e a simplória prática de crime de falso testemunho no âmbito da Justiça do Trabalho vire requisição dirigida à polícia judiciária, vez que não há como controlar o tal “poder de escolher o que investigar”.

Seria verdadeiramente importante que cada órgão bem desempenhasse seu papel constitucional (o caso do “Mensalão”, AP 470,  é um bom exemplo disso – houve exemplar investigação policial tocada pela Polícia Federal e, após, incansável trabalho do MPF na busca da condenação dos acusados na fase processual).

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Enfim, o que a sociedade deseja, afinal, é a integração das instituições (MP e polícia) com vistas a identificar, investigar, processar e buscar a punição de criminosos (cada uma exercendo com denodo, presteza e eficiência seu mister). 

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Sobre o autor
Márcio Alberto Gomes Silva

Delegado de Polícia Federal, Professor do CERS, do Supremo TV, do Gran Cursos On Line, do CICLO, da Escola Nacional dos Delegados de Polícia Federal, da Faculdade Pio X, Mestrando em Direito Público pela UFS, Especialista em Ciências Criminais pela UNAMA/UVB, Especialista em Inteligência Policial pela ESP/ANP/PF, autor dos livros Inquérito Policial – Uma análise jurídica e prática da fase pré-processual, Prática Penal para Delegado de Polícia e Organizações Criminosas – Uma análise jurídica e pragmática da Lei 12.850/13.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Márcio Alberto Gomes. Investigação criminal presidida pelo Ministério Público: o poder de escolher o que investigar. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3614, 24 mai. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/24523. Acesso em: 17 nov. 2024.

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