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A indenização devida ao representante comercial pela rescisão sem justa causa do contrato anterior à Lei nº 8.420/92

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27/05/2013 às 15:59
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3 A INDENIZAÇÃO DEVIDA AO REPRESENTANTE COMERCIAL PELA RESCISÃO SEM JUSTA CAUSA

Conforme estudado acima, nos casos de rescisão sem justa causa do contrato de representação comercial por iniciativa do representado, o representante terá direito a uma indenização não inferior a 1/12 (um doze avos) do total da retribuição auferida durante o tempo em que exerceu a representação, corrigido monetariamente.

Considerando a mudança na legislação de representação comercial, pela Lei 8.420/92, que alterou o percentual da indenização de no mínimo 1/20 (um vinte avos) para no mínimo 1/12 (um doze avos) surge a dúvida de qual taxa de indenização deverá ser utilizada nos contratos que tiveram início antes do advento da Lei nº 8.420/92, e que foram rescindidos na vigência desta lei. Este será o assunto que será abordado no tópico seguinte.

3.1 OS CONTRATOS ANTERIORES À LEI Nº 8.420/92

Ainda hoje existem muitos contratos de representação comercial que tiveram início na vigência da Lei 4.886/65. A dúvida que surge quando da rescisão imotivada destes contratos, é como deverá ser feito o cálculo da indenização, tendo em vista as alterações da Lei 8.420/92.

A Lei 4.886/65, na sua redação original, estabelecia no artigo 27, alínea “j”, que:

Art . 27. Do contrato de representação comercial, quando celebrado por escrito, além dos elementos comuns e outros, a juízo dos interessados, constarão, obrigatoriamente:

(...)

j) indenização devida ao representante, pela rescisão do contrato fora dos casos previstos no art. 34, cujo montante não será inferior a um vinte avos (1/20) do total da retribuição auferida durante o tempo em que exerceu a representação, a contar da vigência desta lei.

Por sua vez, a Lei 8.420/92 alterou a forma do cálculo da indenização devida aos representantes comerciais, estabelecendo que:

Art. 27. Do contrato de representação comercial, além dos elementos comuns e outros a juízo dos interessados, constarão obrigatoriamente:

(...)

j) indenização devida ao representante pela rescisão do contrato fora dos casos previstos no art. 35, cujo montante não poderá ser inferior a 1/12 (um doze avos) do total da retribuição auferida durante o tempo em que exerceu a representação.

Desta forma, a partir da publicação da Lei 8.420/92, ou seja, a partir de 08 de maio de 1992, foi alterada a forma de cálculo da indenização devida aos representantes comerciais no caso de rescisão sem justa causa.

A partir daí, inúmeros casos surgiram discutindo como seria aplicado o cálculo da indenização dos representantes comerciais, se no mínimo 1/12 do total da retribuição auferida em todo o período do contrato, ou se 1/20 do período anterior a 08 de maio de 1992 e 1/12 do período posterior.  

O Tribunal de Justiça de Santa Catarina já se manifestou sobre esse assunto:

Através do princípio da reserva legal, inserto nos arts. 5º, XXXVI, da Constituição Federal de 1988 e 6º, §1º, do Código Civil, a indenização pela rescisão do contrato de representação comercial deve abranger dois períodos: anteriormente a 11 de maio de 1992, através da Lei nº 4.886/65, em montante não inferior a 1/20 do total da retribuição auferida no período do exercício da representação; e posteriormente a tal data, pela Lei nº 8.420/92, até a data da rescisão do contrato, em montante não inferior a 1/12.

(Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Primeira Câmara Cível. Apelação Cível nº 99.010137-1, de Joaçaba. Relator: Desembargador Carlos Prudêncio. Data do Julgamento: 16/12/1999).

E ainda:

RESCISÃO CONTRATUAL – DIREITO DO REPRESENTANTE COMERCIAL À INDENIZAÇÃO – DECISÃO DE PRIMEIRO GRAU QUE DEFINIU O MONTANTE DA INDENIZAÇÃO EM 1/12, COM BASE NA LEI Nº 8.240/92 – INVIABILIDADE – OCORRÊNCIA DO FATO GERADOR DA RESCISÃO TANTO SOB A VIGÊNCIA DA LEI ALTERADA (4.886/65) COMO APÓS SUAS ALTERAÇÕES – INCIDÊNCIA DO PRINCÍPIO TEMPUS REGIT ACTUM – FIXAÇÃO DA INDENIZAÇÃO EM 1/20 DURANTE A VIGÊNCIA DA LEI Nº 4.886/65 E EM 1/12 A PARTIR DA PROMULGAÇÃO DA LEI Nº 8.420/92 – APELO DA REQUERIDA ACOLHIDO NO PONTO.

(Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Terceira Câmara de Direito Comercial. Apelação Cível nº 2005.036244-8, de Criciúma. Relator: Desembargador Paulo Roberto Camargo Costa. Data do julgamento: 09 de julho de 2009).

O Tribunal de Justiça do Estado do Paraná também já se pronunciou sobre esse assunto, entendendo pela aplicação de 1/12 avos a partir da vigência da nova redação do artigo 27, “j”, da Lei 8.420/92, e para o período anterior a aplicação do disposto no contrato e na lei então vigente (1/20):

APELAÇÃO CÍVEL. REPRESENTAÇÃO COMERCIAL. QUEBRA DE CONTRATO PELOS REPRESENTADOS. LEGITIMIDADE ATIVA AUSENTE DA PESSOA FÍSICA. LEGITIMIDADE PASSIVA APESAR DA AUSÊNCIA DE CONTRATO ESCRITO E ESTIPULAÇÃO DE EXCLUSIVIDADE NAS REGIÕES DESTINADAS AO AUTOR. - RESCISÃO DA ATIVIDADE DE REPRESENTAÇÃO COMERCIAL SEM JUSTIFICATIVA PLAUSÍVEL. PRESCRIÇÃO. PRAZO DE 05 (CINCO) ANOS APENAS PARA O DIREITO DE AÇÃO. 1/12 AVOS DEVE SER A RETRIBUIÇÃO, PORÉM A PARTIR DA VIGÊNCIA DA NOVA REDAÇÃO DO ART. 27, J DA LEI 8.420/92. PARA O PERÍODO ANTERIOR PREVALECE O DISPOSTO NO CONTRATO E NA LEI ENTÃO VIGENTE (1/20). PROVIMENTO PARCIAL DO RECURSO PARA RECONHECER A CARÊNCIA DO PEDIDO DA PESSOA FÍSICA, OU SEJA, DO PEDIDO ANTERIOR A CONSTITUIÇÃO DA PESSOA JURÍDICA E PARA NOVA FIXAÇÃO DOS PERCENTUAIS DE INDENIZAÇÃO - SENTENÇA PARCIALMENTE REFORMADA.

(Apelação Cível nº 0288800-0, Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, 15ª Câmara Cível. Relator: Paulo Habith. Data de Julgamento: 14/09/2005).

No mesmo sentido, o Superior Tribunal de Justiça já entendeu que:

Contrato de representação comercial. Princípio tempus regit actum. Indenização. Precedentes. 1. Antigo precedente da Terceira Turma assentou que se o contrato foi assinado sob o regime que indicava um determinado piso para o pagamento da indenização, não pode a lei posterior alcançá-lo, prevalecendo o princípio tempus regit actum.

2. Recurso especial conhecido e provido.

(Superior Tribunal de Justiça. 3ª Turma. Recurso Especial nº 659.753 – RS – 2004/0095789-1. Relator: Ministro Carlos Alberto Menezes Direito. Data do Julgamento: 14/12/2006).

Neste caso, conforme o Relator Ministro Carlos Alberto Menezes Direito, o que se vai decidir é questão de direito intertemporal, ou seja, saber se a lei do tempo do contrato permanece em vigor quando do momento em que rompido, mesmo já tendo sido revogada por outra que modificou o critério de pagamento da indenização.

E ainda:

Contrato de representação comercial. Princípio tempus regit actum. Indenização. Precedentes.

1. Antigo precedente da Terceira Turma assentou que se o contrato foi assinado sob o regime que indicava um determinado piso para o pagamento da indenização, não pode a lei posterior alcançá-lo, prevalecendo o princípio tempus regit actum.

1. Recurso especial conhecido e provido.

(Superior Tribunal de Justiça. Terceira Turma. Recurso Especial nº 659.573 – RS – 2004/0095789-1. Relator: Ministro Carlos Alberto Menezes Direito. Data do Julgamento: 14/12/2006).

Um dos principais argumentos para esse entendimento, é de que o contrato de representação comercial assinado sob a vigência de uma lei que indicava determinado piso para o pagamento da indenização, não pode ser alcançado por lei posterior, devendo prevalecer o princípio do tempus regit actum, ou seja, da lei vigente na época da ocorrência dos fatos.

 O Superior Tribunal de Justiça já entendeu que “... as alterações introduzidas na Lei nº 4.886, de 1965, pela Lei nº 8.240, de 1992, não atingem os contratos que estavam em vigor à época das modificações”. (REsp 198149 / RS, Relator Ministro Ari Pargendler – 3ª Turma, DJ 29/03/2004, p. 229).

Por outro lado, alguns Tribunais, inclusive o Tribunal de Justiça de Santa Catarina e o próprio Superior Tribunal de Justiça já entenderam de forma diversa, afirmando que a indenização do representante comercial será fixada em 1/12 (um doze avos) durante todo o período da representação, mesmo que o contrato tenha iniciado antes do advento da Lei 8.420/92.

Nesse sentido, o Tribunal de Justiça de Santa Catarina já se pronunciou:

COBRANÇA. Contrato de representação comercial. Rescisão sem justa causa reconhecida. Indenização. Ajuste firmado sob a égide da Lei n. 4.886/95. Rescisão operada ao abrigo da Lei n. 8.420/92. Fixação reparatória com base no diploma legal vigente quando da rescisão. Decisum incensurável. Irresignação recursal desatendida.

Rescindido o contrato de REPRESENTAÇÃO COMERCIAL, sem justa causa, já sob o império da Lei 8.420/92, ainda que tenha sido ele celebrado quando em vigor a Lei n. 4.886/65, os critérios a serem observados para o cálculo da indenização incidente são os contemplados no novel diploma. Isso porque, o direito à essa indenização só se concretizou sob os auspícios do novo regramento legal. Esse entendimento vê-se mais reforçado quando, a exemplo do que ocorreu na hipótese, representante e representada, visando adequar as relações contratuais que as ligava à nova normatividade jurídica, acederam em alterar, de comum acordo, o anteriormente contratado, avençando então que, por se tratar de vínculo contratual por prazo indeterminado, faria jus a representante, a título de indenização pelo rompimento sem justa causa desse vínculo, a contar da vigência da Lei n. 8.420/92, ao equivalente a 1/12 do total da retribuição auferida durante o período em que foi exercida a REPRESENTAÇÃO. Clara, pois, a intenção expressa das litigantes de adaptarem suas relações contratuais aos novos desígnios legais, mormente no referente aos critérios indenizatórios.

(Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Apelação Cível nº 2005.013238-8, de Brusque. Segunda Câmara de Direito Comercial. Relator: Desembargador Trindade dos Santos. Data do Julgamento: 16 de março de 2006).

No mesmo diapasão, o Superior Tribunal de Justiça já decidiu:

REPRESENTAÇÃO COMERCIAL. Indenização. Índice de 1/12. Contrato celebrado antes da Lei 8.420/92. Ocorrendo o fato da rescisão do contrato de representação comercial sob a vigência da lei nova, e anulada a cláusula que estipulava o índice de 1/20, é a lei nova que se aplica para definir o quantitativo para o cálculo da indenização, que é de 1/12 sobre o valor da retribuição auferida durante o tempo da representação. Art. 27 da Lei 8.420/92. Recurso conhecido e provido.

(Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 403,101 – SP – 2001/0147443-0. Quarta Turma. Relator: Ministro Ruy Rosado de Aguiar. Data do Julgamento: 11 de junho de 2002).

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A questão atinente a discussão da indenização de 1/20 ou 1/12 cinge-se principalmente ao direito intertemporal. Acentua SILVEIRA (2005), que:

Toda lei tem sua força em determinado local e tempo. Em regra, uma norma tem vigência até que outra a revogue. É, pois, neste ponto que surge o direito intertemporal, direito transitório ou conflito de leis no tempo. Seja qual for a denominação da matéria, o inevitável é que neste campo do direito não há uma única trilha seguida. A sucessão de leis no tempo traz diversos problemas para a aplicação do Direito, porquanto a norma anterior incidiu sobre determinadas situações e, por outro lado, a lei revogadora está pronta para incidir.

Sobre a questão da aplicação do direito intertemporal nos contratos de representação comercial no tocante à indenização, Felício (2009) leciona que:

Assim, se referido contrato foi firmado em observância a lei vigente à época de sua constituição, tornando-se apto para produzir os seus efeitos pela verificação de todos os requisitos indispensáveis, pode-se dizer que o mesmo constitui-se num “ato jurídico perfeito” e, como tal, deve ser respeitado pela lei nova que não poderá alterá-lo.

A mesma autora (FELICIO, 2009) prossegue, afirmando que: “O ato jurídico perfeito alcança apenas as situações consumadas, ou seja, o direito efetivamente exercido à época da lei então vigente”.

Desta forma, todos os direitos já exercidos pela lei antiga consideram-se consumados e intangíveis pela lei nova, o que não vem a ser o caso da indenização do representante comercial, conquanto se trata de direito ainda não exercido.

O Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, no acórdão a seguir sumariado, traduz tal posicionamento, explicitando a inocorrência de afronta aos princípios da irretroatividade da lei, do ato jurídico perfeito e do direito adquirido:

REPRESENTAÇÃO COMERCIAL. INADIMPLEMENTO DAS COMISSÕES. INFRAÇÃO LEGAL E CONTRATUAL. RESCISÃO MOTIVADA. INDENIZAÇÃO 1/12 AVOS. APLICAÇÃO DA LEI 8420/92 MESMO PARA CONTRATOS ANTERIORES. AVISO PRÉVIO AFASTADO EM CASO DE RESCISÃO JUSTIFICADA. INTELIGÊNCIA DO ART. 34. DANOS MORAIS. JUROS MORATÓRIOS. PERCENTUAL. NOVO CÓDIGO CIVIL. (...) Sendo o suporte fático do pedido de indenização a rescisão contratual, a lei aplicável é a vigente, incidindo para efeitos de indenização a fração de 1/12 avos sobre todas as comissões auferidas durante a contratualidade. (...)

(...) Ao aplicar a lei vigente à época da rescisão contratual, o julgador não ofende o princípio da irretroatividade da lei. Trata-se, sim, da aplicação da lei vigente no momento da ocorrência do suporte fático.

(...) No caso, a rescisão ocorreu na vigência da Lei nº 8.420/92, sendo esta a lei a ser aplicada no regramento da matéria. Incide o princípio tempus regit actus.

(...) Assim, correto decisum, devendo a indenização corresponder a 1/12 das comissões auferidas durante toda relação comercial havida entre as litigantes (art. 27, j, da lei nº 4.886/65). (...)

(Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Apelação Cível nº 70011759032.16ª Câmara Cível. Relator: Desembargador Claudir Fidelis Faccenda. Data do Julgamento: 15 de junho de 2005).

Assim, compreende-se que para fins indenizatórios, prevalece a lei vigente ao tempo da rescisão contratual, vez que o direito à indenização somente nasceu quando da vigência das modificações procedidas pela Lei nº 8.420/92, dentre as quais a que estipulava a indenização na proporção de 1/12 decorrente da rescisão do contrato sem justo motivo.

Até porque, quando da entrada em vigor da lei nova, o representante comercial não tinha direito a referida indenização. No máximo, uma expectativa de direito, que só seria concretizada se houvesse o evento “rescisão sem justa causa”. Por isso, a partir da vigência da Lei nº 8.420/92, não há que se falar em direito a indenização pelo montante de no mínimo 1/20 durante a vigência da Lei nº 4.886/65.

Neste sentido, FELICIO (2009) leciona que:

Por outro lado, não se poderia falar também em respeitar o “direito adquirido”, uma vez que à época da entrada em vigor da lei nova, o representante comercial não tinha sequer direito a referida indenização, já que seu contrato ainda se achava em pleno vigor, podendo se cogitar, apenas e tão somente, de uma expectativa de direito, que só seria, hipoteticamente, confirmado ou “adquirido”, no futuro, quando da rescisão contratual.

Como para o direito civil brasileiro o que vale é a lei vigente a época da constituição do direito, vindo o representante comercial adquirir o direito a tal indenização na vigência da lei nova, esta deve ser aplicada ao caso, calculando referida indenização à taxa de 1/12 (um doze avos).

Assim, tendo a rescisão do contrato de representação comercial firmado entre as partes ocorrido sob a égide das alterações introduzidas pela Lei nº 8.420/92, o percentual a ser aplicado é o de no mínimo 1/12, em conformidade com a atual redação da alínea “j” do artigo 27.

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Sobre a autora
Marcele Lingnau

Advogada em Jaraguá do Sul (SC). Pós-graduada em Direito Empresarial.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LINGNAU, Marcele. A indenização devida ao representante comercial pela rescisão sem justa causa do contrato anterior à Lei nº 8.420/92. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3617, 27 mai. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/24539. Acesso em: 23 abr. 2024.

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