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Medida Provisória dos Fundos 157, uma Medida Provisória do Bem

31/05/2013 às 14:04
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Já passa da hora de se adotar providências para não apenas controlar efetivamente os recursos e preservar o direito dos cotistas e de seus herdeiros, mas, também, dar a eles uma destinação útil e produtiva para a sociedade, enquanto não são resgatados.

Milhões de brasileiros que declararam Imposto de Renda entre 1967 e 1983 têm ativos aplicados, mas se esqueceram deles.  Criados para estimular o mercado de capitais no Brasil, os antigos Fundos 157 têm cerca de R$ 1,5 bilhão até agora não resgatados.

De acordo com a Comissão de Valores Mobiliários (CVM), essas aplicações somavam, até 17.07.12, um total de 3.553.431 de cotas em um montante de R$ 1.493.589.778,86, representando um valor médio de R$ 420,00 por cota. Como um aplicador pode ter mais de uma cota, a CVM não sabe o número exato de contribuintes com direito ao benefício.


Breve Histórico dos Fundos 157

Há mais de 46 anos (fevereiro de 1967) o governo federal publicou o Decreto-Lei n° 157, instituindo uma política de incentivos para que a população investisse em ações, visando promover o desenvolvimento do mercado de capitais no país. O contribuinte podia destinar parte do imposto anual, ainda a pagar, para a aquisição de títulos emitidos por empresas nacionais que atendessem a determinados requisitos estabelecidos na lei. Os três primeiros artigos traziam a seguinte redação:

Art 1º De acordo com os termos deste Decreto-lei, os contribuintes do imposto de renda, nos limites das redações previstas nos artigos 3º e 4º, terão a faculdade de oferecer recursos às instituições financeiras, enumeradas no artigo 2º, que os aplicarão na compra de ações e debêntures, emitidas por empresas cuja atuação corresponda aos meios e aos fins estabelecidos no artigo 7º.

Art 2º Os Bancos de Investimento, as Sociedades de Crédito, Financiamento e Investimento e as Sociedades Corretoras, membros das Bôlsas de Valores, autorizados pelo Banco Central da República do Brasil, poderão vender "Certificados de Compra de Ações", sendo facultado aos Bancos de Investimento, em lugar da venda de certificados, receber depósitos. 

Art. 3º Será facultado à pessoa física pagar o imposto devido em cada exercício com redução de dez por cento (10%), desde que aplique, em data que preceder à do vencimento da notificação do imposto de renda, soma equivalente na efetivação do depósito ou na aquisição dos certificados mencionados no artigo anterior.

Assim, eram adquiridas cotas de fundos administrados por instituições financeiras de livre escolha do contribuinte. O percentual variava a cada ano, mas, em média, o governo abria mão de 10% do imposto de renda devido para o Fundo 157. O dinheiro era corrigido de acordo com a política de cada fundo, que aplicava os recursos em ações, títulos ou modalidades de aplicação criadas na época de inflação alta.

O incentivo fiscal deixou de vigorar no início dos anos 1980, quando foi revogado pelo Decreto-Lei n° 2.065, de 1983, em seu art. 14, que trouxe a seguinte redação:

“Fica revogada a redução do Imposto sobre a Renda devido pela pessoa física, prevista pelo Art. 3º do Decreto-Lei nº 157 de 10 de fevereiro de 1967, e legislação posterior.”

Ante o teor lacônico da redação, aliado à falta de informações que era bastante comum naquela ocasião (trinta anos atrás), milhões de contribuintes acreditaram que haviam perdido o dinheiro. Entretanto, os fundos continuaram a render, apenas o aplicador não podia mais usar parte do seu Imposto de Renda para investir novamente. Assim, o dinheiro aplicado durante o período do incentivo ainda existe e pode ser resgatado pelo contribuinte ou seu representante legal, lembrando que o direito ao benefício não prescreve, ou seja, o saldo pode ser resgatado a qualquer momento – o que contraria interesses dos bancos, que auferem grandes lucros com as taxas de administração.  

Em 1985, todos os fundos 157 foram transformados em fundos mútuos de investimentos em ações, por meio da Resolução 1.023/85 (art. 1º) do Conselho Monetário Nacional e o dinheiro de quem não fez a retirada foi transferido para fundos de ações de vários bancos, sob a coordenação da CVM, que assumiu a regulamentação dessas aplicações. O órgão coordenou a transferência dos fundos para outras instituições financeiras, nos casos de extinção daquela onde o dinheiro foi investido, circunstancias essas que também reforçaram a crença de que os investidores perderam seus recursos.


Fundos 157 – “caixa preta” e má gestão

Portanto, um montante de R$ 1,5 bilhão (se é que esse é o valor correto) existe em razão das circunstâncias supracitadas, concomitantemente a uma série de outros fatos, tais como: esquecimento por parte do investidor, pela morte do titular da aplicação (lembremo-nos que as aplicações foram feitas num período de 30 a 46 anos atrás), desconhecimento da existência dos recursos pelos herdeiros, inexistência de herdeiros...

Informações sobre o montante dos Fundos 157 - verdadeira caixa-preta - variou bastante, no passado.

Segundo o jornal O Estado de São Paulo, de 22.05.2000 (em esclarecedora reportagem de Cristina Ribeiro), haviam R$ 1,287 bilhões perdidos nos Fundos 157 espalhados em 31 fundos, representando 3.760.752 cotistas. Somente nos bancos Itaú, Bradesco, BankBoston, Unibanco, HSBC e Safra estavam aplicados R$ 935,3 milhões. Era uma espécie de artigo-denúncia, no sentido de alertar que os recursos dos Fundos 157 estavam desaparecendo sorrateiramente, ano após ano, em detrimento e prejuízo de seus cotistas, em razão das elevadíssimas taxas de administração cobradas pelos bancos, superiores aos ganhos das aplicações. Por exemplo, naquela ocasião, o BNL Ações cobrava 12% de taxa de administração, mesmo com rentabilidade negativa de 11,7% !

Na ocasião, segundo alegação de Marcelo Afonso, então diretor de fundos do BNL, “se cobrassem menos iriam pagar para administrar dinheiro”. Ele só não explicou porque a rentabilidade do fundo era negativa, pois a responsabilidade pela aplicação e boa gestão dos recursos dos Fundos 157 era e é do próprio banco.

Outra razão para cobrança de taxa de administração tão elevada era a de forçar os cotistas a migrarem para outros fundos, como revelou o antigo chefe do departamento financeiro do BANRISUL, Julimar Rotta, em entrevista para um jornal.

Dessa forma, ante a ignorância das pessoas, os bancos vinham e vem obtendo elevadas receitas, se beneficiando também pelo fato de que parte dos cotistas já morreu (mais de quarenta anos) ou se esqueceram dos tais fundos, ignorados até mesmo por parte de suas famílias.

O mais grave é que, segundo o presidente da CVM à época, Francisco Costa e Silva, “depois de 1997 os bancos deixaram de informar os cotistas das aplicações existentes. Por menor que fosse a quantia e por pior que estivesse sendo administrado, isto não poderia ter acontecido”.

Costa e Silva lembrou ainda que “os bancos sempre aplicaram mal esses recursos”.

Segundo notícias datadas de 2005, os Fundos 157 estavam reduzidos a apenas R$ 580 milhões. E agora, eis que os mesmos ressurgem com supostos R$ 1,5 bilhão. Como se vê, as informações são ilógicas e desencontradas, sendo bastante razoável supor a existência de graves irregularidades e total falta de transparência na gestão dos Fundos 157, em consonância com as palavras do antigo presidente da CVM, Costa e Silva. Parece-nos que é o caso de uma auditoria – talvez uma CPI – para averiguar o que ocorreu com os recursos dos Fundos 157, ao longo desses mais de quarenta anos de sua existência.


Medida Provisória dos Fundos 157, uma Medida Provisória “do bem”.

Reportando-nos àquela matéria jornalística, de 22.5.2000, de que os Fundos 157 estavam espalhados em 31 fundos, em diversos bancos e instituições financeiras, é bem de ver que a falta de controle e de transparência é absoluta – o que é bastante conveniente para atender a interesses escusos.

Portanto, já passa da hora de se adotar providências para não apenas controlar efetivamente os recursos e preservar o direito dos cotistas e de seus herdeiros, mas, também, dar a eles uma destinação útil e produtiva para a sociedade, enquanto não são resgatados.

Essa providência deve vir por meio de Medida Provisória, determinando a centralização dos recursos dos Fundos 157 que estão espalhados em 31 fundos, num único fundo, preservando o direito dos cotistas e administrados pela Caixa Econômica Federal, instituição financeira pública federal, detentora de grande experiência na gestão e controle de cadastros dessa natureza, como o FGTS (incluindo as contas inativas), o PIS, o Bolsa-Família, o Seguro Desemprego, o Cadastro Único.

Essa centralização permitirá a reunião dos recursos por cotista (pessoa física), uma vez que é certo que um cotista pode possuir cotas em vários bancos (como ocorria com o FGTS dos trabalhadores, até o final da década de 1980, cuja centralização sofreu, inclusive, as mais diversas críticas e obstáculos de instituições financeiras, muitas das quais foram à falência pouco depois). Além da maior transparência, tal medida proporcionará melhor rentabilidade para os recursos, pois a taxa de administração passará a ser única (por cotista), e não por várias cotas.     

Vale lembrar que tal MP atende aos pressupostos de urgência e relevância, previstos no art. 62 da Constituição.

Art. 62. Em caso de relevância e urgência, o Presidente da República poderá adotar medidas provisórias, com força de lei, devendo submetê-las de imediato ao Congresso Nacional. 

A uma, é urgente, em razão da total falta de transparência dos Fundos 157, responsável por perdas bilionárias ao longo das mais de quatro décadas de sua existência; a duas, é relevante, porque se estará preservando o direito dos cotistas e aplicando os recursos em prol da sociedade.

Antes que as “cassandras de plantão” se manifestem, a medida não se equipara a um “seqüestro de ativos” (hipótese em que a edição de MP é proibida, nos termos do § 1º, II do art. 62, CF), pois o  direito dos cotistas ou de seus herdeiros estarão preservados, uma vez que eles podem, a qualquer tempo, solicitar resgate das aplicações.

§ 1º É vedada a edição de medidas provisórias sobre matéria: (...)

II - que vise a detenção ou seqüestro de bens, de poupança popular ou qualquer outro ativo financeiro

No passado defendemos o uso dos Fundos 157 em obras de infraestrutura do PAC, por meio de artigo intitulado “Os Fundos 157 e o PAC – Programa de Aceleração do Crescimento” (2007), cujo teor pode ser obtido por meio de consulta a internet.  

Nada impede que os recursos dos Fundos 157 tenham essa destinação, aplicados preferencialmente em obras que promovam retorno econômico e fiscal no curto ou médio prazo, como nos projetos que integram o PPI - Projeto-Piloto de Investimentos.

Ou ainda, que os recursos dos Fundos 157 se somem aos recursos do FI FGTS (Fundo de Investimento do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço), um dos maiores fundos de investimento em infraestrutura do mundo.    

Entretanto, propomos uma alternativa à aplicação dos recursos dos Fundos 157: o investimento diretamente em pessoas, particularmente aquelas em situação de intensa exclusão e vulnerabilidade social, por meio de obras e equipamentos relacionados à Assistência Social. Usando uma terminologia mais técnica, investimento em obras socioassistenciais.

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São várias as possibilidades que se descortinam: construção de Centros-Dia e construção de Residências Inclusivas, equipamentos especializados para atendimento a pessoas com deficiência, idosos, crianças e adolescentes, famílias em vulnerabilidade social; construção de Centros de Referência Especializado para População em Situação de Rua (CentroPOP), para atendimento aos moradores de rua; construção de CREAS – Centro de Referência Especializado de Assistência Social,  relevante unidade pública que oferta serviços especializados e continuados a famílias e pessoas em situação de ameaça ou violação de direitos.

Grande parte desses termos, muito específicos da área da Assistência Social, são desconhecidos para a maioria das pessoas que, por outro lado, sabem o que é um PS - Posto de Saúde (atualmente, Estratégia Saúde da Família – ESF), a unidade básica da área da Saúde. Por analogia, podemos dizer que aqueles termos “desconhecidos” referem-se a unidades da Assistência Social.

Explicações à parte, pensamos que os recursos remanescentes dos Fundos 157 (que, pelas informações mais recentes, estão em torno de R$ 1,5 bilhão), podem ser investidos em pessoas e famílias, por meio das obras supracitadas, e sem prejuízo para seus cotistas ou herdeiros.

Explico.

Como a proposta envolve a centralização dos recursos dos Fundos 157 em uma instituição financeira – no caso, a Caixa – que consolidará os vários investimentos (cotas) de um mesmo cotista (por meio do CPF), este (ou seus herdeiros) poderão, a qualquer momento, dirigir-se à referida instituição financeira, verificando o saldo do qual é credor, devidamente corrigido e atualizado, que lhe será ressarcido, mesmo que os recursos tenham sido investidos na forma anteriormente proposta, caso em que o Tesouro Nacional ressarcirá a instituição financeira por meio de procedimentos a serem estabelecidos.

Entendemos que essa medida será uma forma efetiva do Governo Federal proteger os Fundos 157, já que a CVM nada fez. Independente do que ocorra com os recursos dos Fundos 157, pensamos que cabe uma investigação a respeito – talvez uma CPI – para averiguar o que ocorreu, de fato, com os recursos bilionários que estavam nesses fundos (verdadeira “caixa preta”) e se as fortunas que os bancos ganharam apenas com as receitas de “taxas de administração” (responsáveis, em grande parte, pela corrosão dos recursos dos Fundos 157) encontram-se em parâmetros legais.


Propostas no Legislativo

Nos idos de 2003, por provocação de nossa parte, o Senador Roberto Saturnino apresentou o PLS 199/2003, aprovado no Senado, determinando que os cotistas serão convocados para resgatar os respectivos valores. Segundo o PLS 199/2003, as instituições que tenham sob sua administração saldos de cotas do Fundo 157 deverão, no prazo de 90 dias após a entrada em vigor da lei, repassar a relação dos titulares à Associação Nacional dos Bancos de Investimento (ANBID), que publicará editais em jornais de grande circulação nacional, por três vezes consecutivas, convocando os titulares a resgatar as respectivas cotas. Também será permitido aos cotistas manifestar interesse em manter a aplicação. Caso eles não atendam à convocação e deixem de resgatar os valores, os recursos serão transferidos para um fundo residual, a ser administrado pela Caixa Econômica Federal (CEF) que os administrará e, dois anos depois, os repassaria ao Tesouro Nacional.

Na verdade, a ideia original não previa repasse posterior para o Tesouro Nacional, (após dois anos, como consta no projeto) mas, sim, a aplicação dos recursos em setores produtivos e sempre preservando o direito dos cotistas ou seus herdeiros.

A assessoria do ilustre Senador Saturnino alterou a ideia original, distorcendo a intenção do projeto (investimento dos recursos sem perda do direito dos cotistas, à semelhança do que ocorre com as contas inativas do FGTS). Inclusive o PLS apresentado trazia o BNDES, em vez da Caixa, fato corrigido pelo então Relator, Senador Aloisio Mercadante. 

Após a aprovação no Senado, o PLS 199/2003 começou a tramitar na Câmara dos Deputados em 24.06.2005 (quase oito anos) como o PL 5503/2005, em regime de “prioridade”.

O PL 5503/2005 teve vários relatores, e todos retiveram irregularmente o referido projeto de lei, devolvendo-o sem qualquer manifestação, em razão de poderoso lobye de instituições financeiras na Comissão de Finanças e Tributação, da Câmara dos Deputados.

Em 26.05.2011, por sugestão nossa, o Deputado Lúcio Vieira Lima (PMDB/BA) apresentou emenda ao PL 5503/2005, dando-lhe destinação mais útil: que os recursos dos Fundos 157 fossem transferidos para os Municípios brasileiros com menor Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDH-M), para aplicação exclusiva em ações e serviços públicos relacionados à saúde, educação e infraestrutura.

Novamente, silêncio.

Em 04/01/2013 o PL 5503/2005 foi devolvido, mais uma vez sem manifestação, pelo Relator, o deputado Pauderney Avelino. Antes, havia “mofado” nas gavetas do antigo Relator, o Dep. Luiz Carlos Hauly, por quase seis anos, sem quaisquer manifestações.

Portanto, é um estranho e conveniente silêncio que se verifica nos bastidores da Comissão de Finanças e Tributação da Câmara dos Deputados, sobre o tema, nesses quase oito anos, reforçando a tese de que “onde há fumaça, há fogo”. E ao que parece, muito fogo.

Essas circunstâncias, em seu conjunto, justificam e reforçam a ideia que ora propomos, ou seja, a edição de uma Medida Provisória determinando a centralização dos recursos dos Fundos 157 num único fundo (que poderia ser denominado de Fundo Residual 157), em uma única Instituição Financeira oficial – a Caixa -, preservando o direito dos cotistas e ao mesmo tempo, investindo os recursos em atividades produtivas ou, preferencialmente, em ações socioassistenciais. 

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Sobre o autor
Milton Cordova Junior

Advogado, Mestrando em Estudos Jurídicos Avançados, pós-graduado em Direito Público, com Extensão em Defesa Nacional pela Escola Superior de Defesa, extensões em Direito Constitucional e Direito Constitucional Tributário. Empregado de empresa pública federal. Recebeu Voto de Aplauso do Senado Federal por relevantes contribuições à efetivação da cidadania e dos direitos políticos (acesso in http://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2007/09/26/ccj-aprova-voto-de-aplauso-ao-advogado-milton-cordova-junior). Idealizador do fundo de subsídios habitacional denominado FAR - Fundo de Arrendamento Residencial, que sustenta o Programa Minha Casa Minha Vida, implementado por meio da Medida Provisória 1.823/99, de 29.04.1999.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CORDOVA JUNIOR, Milton. Medida Provisória dos Fundos 157, uma Medida Provisória do Bem. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3621, 31 mai. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/24573. Acesso em: 18 abr. 2024.

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