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A legitimidade para oferecimento da proposta de suspensão condicional do processo penal e o recente entendimento do Superior Tribunal de Justiça

04/06/2013 às 07:41
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O próprio acusado, por meio do seu defensor, poderá requerer a suspensão condicional do processo, conferindo aplicabilidade às garantias asseguradas pela Constituição. O sursis processual se trata de direito subjetivo do réu, desde que preenchidos todos os requisitos previstos no art. 89, da lei nº 9.099/95.

1. Introdução.

Muita discussão se trava quando o assunto é a legitimidade para oferecimento da proposta de suspensão condicional do processo. Alguns autores consideram ser proposta privativa do MP; outros entendem tratar-se de direito subjetivo do réu, que poderia ser feita até mesmo pelo defensor. O presente estudo objetiva trazer algumas reflexões a respeito desta importante questão e o atual entendimento do Superior Tribunal de Justiça.


2. O oferecimento da proposta DE SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO pelo Ministério Público NAS AÇÕES PENAIS PÚBLICAS incondicionadas e NAS AÇÕES PENAIS PÚBLICAS condicionadas À representação.

Com o advento da Lei nº 9099/95, verificou-se uma mitigação do princípio da indisponibilidade da ação penal. Preceitua esse princípio, sucintamente, que o Ministério Público, verificando a ocorrência de algum ilícito penal, não poderá deixar de agir e de propor a devida ação penal.

O Órgão do Ministério Público, verificando o preenchimento dos pressupostos da suspensão processual previstos na Lei, poderá propor a aplicação desse instituto, o que, de certa forma, mitiga o princípio da indisponibilidade da ação penal.

Grande discussão se trava quanto à letra da lei, que dá a ideia de ser o Ministério Público o único legitimado para oferecimento da proposta. No entanto, para que se possa ter o entendimento correto sobre a legitimidade, primeiro há que se perquirir sobre a natureza jurídica da suspensão condicional do processo.


3. A proposta de suspensão condicional do processo nas ações penais privadas.

No que tange à ação penal privada, a legitimidade há de ser do querelante, já que é ele o titular da ação penal. Seria um contrassenso se o querelante ajuizasse a queixa-crime requerendo a condenação do querelado e o Ministério Público oferecesse a suspensão do processo, sem manifestação do querelante.

O que pode ocorrer é o Parquet intervir no processo, manifestando-se pelo oferecimento da proposta, caso em que deverá ser aberta vista ao querelante. Se esse não se opuser, o juiz deverá fazer a proposta ao querelado.

Assim decidiu o Superior Tribunal de Justiça no que se refere à transação penal, in verbis:

 “Na ação penal de iniciativa privada, desde que não haja formal oposição do querelante, o Ministério Público poderá, validamente, formular proposta de transação que, uma vez aceita pelo querelado e homologada pelo Juiz, é definitiva e irretratável.” (STJ. RHC n. 8.123/AP. Rel. Min. Fernando Gonçalves. Publicado no DJU dia 21/06/1999, pg. 202).

O mesmo raciocínio pode ser aplicado à suspensão condicional do processo. O próprio querelante pode fazer a proposta de sursis processual. Se não o fizer, mas sim o Ministério Público, e, não havendo oposição do querelante, titular da ação penal, pode o querelado ser beneficiado por esse instituto. Nesse sentido se manifestou o Superior Tribunal de Justiça:

“HABEAS CORPUS. CRIME DE DANO. AÇÃO PENAL PRIVADA. ARTIGO 89 DA LEI 9.099/95. SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO. CABIMENTO. RÉU QUE RESPONDE A OUTROS PROCESSOS. VEDAÇÃO. INEXISTÊNCIA DE VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA POR SE TRATAR DE BENEFÍCIO LEGAL. ORDEM DENEGADA.

1. A jurisprudência desta Corte Federal Superior é firme no sentido de que cabe o sursis processual também para os crimes de ação penal privada.

2. Tratando-se de benefício legal, pode a lei, ela mesma, estabelecer requisitos para a concessão da suspensão condicional do processo, não importando, pois, qualquer violação do princípio constitucional da presunção de inocência, a exigência de não estar o réu respondendo a outro processo (Precedentes). 3. Ordem denegada.” (STJ. HC 18590/MG. Rel. Min. Hamilton Carvalhido. Publicado no DJU dia 25/02/2002, pg. 453).

“PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. LEI Nº 9.099/95. AÇÃO PENAL PRIVADA.

A Lei nº 9.099/95, desde que obedecidos os requisitos autorizadores, permite a transação e a suspensão condicional do processo, inclusive nas ações penais de iniciativa exclusivamente privada. (Precedentes). Habeas corpus concedido.” (STJ. HC 13337/RJ. Rel. Min. Felix Fischer. Publicado no DJU dia 13/08/2001, pg. 181).


4. Natureza jurídica da suspensão condicional do processo.

A grande polêmica da natureza jurídica desse instituto resume-se na seguinte questão: a suspensão condicional do processo constitui direito subjetivo do acusado ou é simplesmente um facultas agendi do Ministério Público?

Tanto doutrina quanto jurisprudência são divergentes nesse ponto. Há duas correntes que merecem destaque.

4.1. A suspensão condicional do processo como uma “facultas agendi” do Ministério Público.

Para essa corrente a suspensão condicional do processo não é direito subjetivo do acusado. Resumidamente, mas de forma bastante límpida, Luiz Flávio Gomes[1] diz o que pensam os doutrinadores que defendem essa tese:

“(...) os que sustentam a doutrina do facultas agendi entendem que a suspensão condicional do processo é ato discricionário, isto é, constitui mero instrumento de execução da política criminal traçada pelo Ministério Público, que seria soberano (intocável) nessa tarefa, seja em relação a uma política criminal institucional, seja no que concerne às políticas criminais de ‘cada comarca’. Suspender ou não o processo é uma mera questão de conveniência ou de política criminal interna, a ser aferida em cada caso concreto pelo Promotor. Nisso residiria a discricionariedade (ou oportunidade) regrada ou limitada. Na ‘conveniência’ ou adequação à sua política criminal (suas diretrizes) residiria o limite!

Caberia ao MP, dizem, examinar se cada delito concreto é ou não de maior reprovabilidade (conforme as linhas da sua política criminal repressiva). O objeto do processo é reprimir e prevenir o delito. A suspensão do processo, por tudo que foi exposto, não seria um direito público subjetivo do acusado. Na eventualidade de que o MP não proponha a suspensão, nada pode ser feito, porque, de acordo com sua conveniência, não se justificava tal medida.” (grifos originais).

Nesse sentido é a lição de Julio Mirabete[2]:

“(…) a proposta de suspensão condicional do processo é também uma atividade discricionária controlada ou limitada, ou regrada, do Ministério Público, não podendo constituir, ao mesmo tempo, um direito do sentenciado. O Ministério Público é o titular, privativo, da ação penal pública, afastada a possibilidade de iniciativa e, portanto, de disponibilidade por parte do juiz (art. 129, I, da Constituição Federal). Não podendo, portanto, a lei, e muito menos uma interpretação extensiva dela, retirar-lhe o direito de pedir a prestação jurisdicional quando entende que deva exercê-la. Consagrado pela Constituição Federal o sistema acusatório, onde existe separação orgânica entre o órgão acusador e o órgão julgador, não pode um usurpar a atribuição ou competência do outro. Por conseqüência, ao titular do ius persequendi pertence com exclusividade também a disponibilidade da ação penal quando a lei mitiga o princípio da obrigatoriedade”.

No mesmo sentido se manifestou o Supremo Tribunal Federal, por voto da lavra do Ministro Sepúlveda Pertence, que, ao julgar habeas corpus em face de recusa do promotor de justiça em fazer proposta de suspensão do processo, assim se pronunciou, in verbis:

“…a obrigatoriedade da ação penal cedeu, nas hipóteses em que admitida a suspensão condicional do processo, a um regime de discricionariedade regrada, ou discricionariedade mitigada pelo Ministério Público. Mas não posso fugir, com todas as vênias, à opção legislativa que, no art. 89 da Lei nº 9.099, caracterizou o instituto como transação processual-penal, a partir de proposta do Ministério Público. Posso chegar, para não consagrar o arbítrio, até a dispensar a espontaneidade ou  originalidade da proposta. O que não posso, num instituto claramente definido como mecanismo de Justiça Criminal transacional ou pactuada, é subtrair da formação desse acordo, é expulsar dessa transação uma das partes do processo, a parte acusatória, o Ministério Público, ao qual, literal e expressamente, a lei teria dado mais, porque lhe reservou a iniciativa da proposta.” (STF. HC 75.343/MG Rel. acórdão Min. Sepúlveda Pertence. Publicado no DJ de 18/06/2001, pg. 03).

4.2. A suspensão condicional do processo como um direito subjetivo do réu.

Não obstante os argumentos acima, outra corrente considera a suspensão condicional do processo um direito subjetivo do acusado. Advogam a tese de que, preenchidos determinados pressupostos, o Ministério Público deverá (e não, poderá!) oferecer a proposta de suspensão. Portanto, não se trata de uma faculdade daquele Órgão.

Weber Martins Batista[3], considerado o idealizador da suspensão condicional do processo no Brasil, entende-a como direito subjetivo do acusado. Na mesma linha é a posição de Fernando da Costa Tourinho Filho[4] e também de Cezar Roberto Bitencourt[5], que menciona a impossibilidade de o oferecimento da proposta se localizar no campo de disponibilidade absoluta do Órgão Ministerial.

Cingindo-se a discussão doutrinária sobre a natureza de tal instituto ao confronto entre dois princípios constitucionais – o ius puniendi e o ius libertatis –, há que preponderar, pelo próprio espírito da Constituição da República de 1988, o ius libertatis. Trata-se do entendimento que mais se harmoniza com o atual Estado Democrático de Direito, que consagra a dignidade da pessoa humana como fundamento da República Federativa do Brasil e a liberdade como direito fundamental do indivíduo.

Não pode o indivíduo ser privado de sua liberdade simplesmente pelo fato de a lei dispor “poderá”, e não “deverá”. Há que se considerar como um poder-dever. Assim se posiciona Luiz Flávio Gomes[6], in verbis:

“O poderá do art. 89, destarte, dentro de um Estado Constitucional e Democrático de Direito, que tem no ius libertatis um dos seus eixos principais, só pode ser compreendido como poder-dever. A discricionariedade com que conta o Ministério Público, sendo regrada, não significa liberdade total de escolher a via alternativa (ad libitum). Caso contrário, jamais o princípio da igualdade seria observado, pois, no final, alcançar ou não a suspensão do processo dependeria das convicções particulares de cada representante do Ministério Público. Deixar o dominus litis atuar conforme sua conveniência pessoal significa insegurança jurídica. Fatos idênticos iriam receber tratamentos distintos, visto que, como é natural, cada Promotor – tal como cada juiz, cada advogado – possui seus second codes. A suspensão do processo, desse modo, seria uma verdadeira loteria.” (grifos originais).

Não se pode olvidar das atribuições do Ministério Público asseguradas constitucionalmente, mas há que se considerar que o cidadão não pode sofrer restrições ao seu direito de ir e vir quando preenchidos os pressupostos da suspensão condicional do processo, não sendo admissível que a concessão desse benefício fique ao alvedrio do promotor de justiça ou procurador da república, a depender do caso.

De se salientar ainda que a “suspensão do processo não foi pensada exclusivamente para o acusado (como direito público subjetivo), senão também para a vítima (direito à indenização) e para a sociedade (agilização e desburocratização da Justiça). É instrumento, portanto, de interesse público geral”[7], tendo, portanto, uma gama enorme de outros objetivos.

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Seguem alguns julgados em que se defende a suspensão como direito subjetivo do réu, ipsis litteris:

“RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. SURSIS PROCESSUAL. LEI 9.099/95.INVIABILIDADE DIANTE DA CONDUTA DELITUOSA. ALEGAÇÃO DE CONSTRANGIMENTO. INOCORRÊNCIA. CONCURSO DE CRIMES. SÚMULA 243 DESTA CORTE.

Não obstante o benefício da suspensão condicional do processo, a teor da Lei 9.099/95, constituir-se em direito subjetivo do réu, vale ressaltar a diferença entre a concessão legal abstrata e a realização em concreto. In casu, restou patenteado pelo Juízo Singular que a conduta delituosa, envolvendo a natureza concursal, não mereceria a aplicação do sursis, porquanto ultrapassaria os limites da norma permissiva, argumento que não pode ser afastado na condução heróica, pois sujeita-se ao mérito da ação penal. Recurso desprovido.” (STJ. RHC 16781 / MG. Rel. Min. José Arnaldo da Fonseca. Publicado no DJU dia 13/12/2004, pg. 382).

“PENAL. PROCESSUAL PENAL. SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO. LEI Nº 9099/95. DIREITO SUBJETIVO DO RÉU.

- A suspensão condicional do processo, solução extrapenal para o controle social de crimes de menor potencial ofensivo, é um direito subjetivo do réu, desde que presentes os pressupostos objetivos.

- Não fica ao alvedrio do Ministério Público oferecer ou não a proposta. Ao deixar de oferecê-la, mesmo presentes os pressupostos próprios para aplicação no instituto da suspensão do processo, deve o Juiz não se substituir ao órgão do Ministério Público, mas deve ele decidir.

- Recurso Ordinário provido.” (STJ. RHC 6410/PR. Rel acórdão Min. Vicente Leal. Publicado no DJU dia 01/12/1997, pg.62815).

É de bom alvitre mencionar que hão de estar preenchidos todos os pressupostos objetivos e subjetivos para que se possa considerar a suspensão como direito subjetivo do acusado.


5. A legitimidade para oferecimento da proposta não é exclusiva do Ministério Público.

Solucionada a questão da natureza jurídica do sursis processual, e considerando a segunda corrente acima exposta a mais acertada, tem-se que, num primeiro momento, a legitimidade para oferecimento da proposta é conferida ao Ministério Público, por força do art. 89, da nº Lei 9099/95, e configura-se um poder-dever. No entanto, se demonstrará adiante que o oferecimento da proposta de sursis processual não é exclusivo do Parquet.

5.1. A questão da aplicação analógica do art. 28 do CPP.

Em não sendo feita a proposta pelo Órgão Ministerial, discute-se a possibilidade de aplicação analógica do art. 28 do Código de Processo Penal, que prevê:

“Se o órgão do Ministério Público, ao invés de apresentar a denúncia, requerer o arquivamento do inquérito policial ou de quaisquer peças de informação, o juiz, no caso de considerar improcedentes as razões invocadas, fará remessa do inquérito ou peças de informação ao procurador-geral, e este oferecerá a denúncia, designará outro órgão do Ministério Público para oferecê-la, ou insistirá no pedido de arquivamento, ao qual só então estará o juiz obrigado a atender.”

Alguns juristas criticam veementemente a aplicação analógica sob o argumento de que esse artigo assegura a observância do princípio da indisponibilidade da ação penal pública, configurando mesmo um “recurso” pro societatis, contra o indivíduo. Sustentam que, em se admitindo a remessa para o Procurador-Geral no caso da suspensão do processo, ter-se-ia o inverso, ou seja, um “recurso” cujo objetivo seria beneficiar o próprio réu, o que não se coaduna com a ratio desse dispositivo legal.

Não obstante esses argumentos, não se pode negar a aplicação do art. 28, do CPP, à suspensão condicional do processo. Trata-se de aplicação analógica da citada norma e, sendo assim, não há a necessidade de que ela se amolde perfeitamente ao caso da suspensão.

Com certeza não pode haver é um desvirtuamento de nenhum dos institutos no que se refere à aplicação analógica. Não há propriamente nenhuma contradição com o sistema processual penal como um todo. Diante de uma lacuna na lei, utiliza-se do artigo em questão a fim de se evitar que a análise para oferecimento da proposta de suspensão fique a cargo somente do promotor de justiça. Em verdade, trata-se de uma forma de dar maior garantia ao acusado.

Nesse sentido, posiciona-se a jurisprudência majoritária, in verbis:

“Suspensão condicional do processo (L. 9.099/95, art. 89). natureza consensual. recusa do Promotor. aplicação, mutatis mutandis, do art. 28 C. Pr. Penal.

A natureza consensual da suspensão condicional do processo - ainda quando se dispense que a proposta surja espontaneamente do Ministério Público - não prescinde do seu assentimento, embora não deva este sujeitar-se ao critério individual do órgão da instituição em cada caso. Por isso, a fórmula capaz de compatibilizar, na suspensão condicional do processo, o papel insubstituível do Ministério Público, a independência funcional dos seus membros e a unidade da instituição é aquela que - uma vez reunidos os requisitos objetivos da admissibilidade do sursis processual (art. 89 caput) ad instar do art. 28 C. Pr. Penal - impõe ao Juiz submeter à Procuradoria-Geral a recusa de assentimento do Promotor à sua pactuação, que há de ser motivada.” (STF. HC 75343/MG. Rel. acórdão Min. Sepúlveda Pertence. Publicado no DJU dia 18/06/2001).

“RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. CRIME FALIMENTAR. EXCLUSIVIDADE DO MP PARA PROPOR A SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO. CABIMENTO. APLICAÇÃO DO ARTIGO 28 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL.

O legislador outorgou ao Ministério Público e somente a ele a faculdade de propor ou não o benefício da suspensão condicional do processo. Portanto, não cabe ao Juiz se sobrepor àquele órgão quando não é feita a proposta. Quando o Promotor de Justiça, seja qual for o motivo, deixa de oferecer a oportunidade do benefício, o juiz deve encaminhar os autos ao Procurador Geral de Justiça, aplicando, por analogia, o disposto no art. 28 do Código de Processo Penal. Recurso provido.” (STJ. RHC 17242/SP. Rel. Min. José Arnaldo da Fonseca. Publicado no DJU dia 11/04/2005, pg. 336).

Esse entendimento foi até sumulado pelo Supremo Tribunal Federal, in verbis:

Súmula nº 696: “Reunidos os pressupostos legais permissivos da suspensão condicional do processo, mas se recusando o promotor de justiça a propô-la, o juiz, dissentindo, remeterá a questão ao Procurador-Geral, aplicando-se por analogia o art. 28 do Código de Processo Penal.”

Dessarte, pelos argumentos acima expostos, é forçoso concluir pela aplicabilidade, de forma analógica, do art. 28 do Código de Processo Penal no caso em comento.

5.2. O requerimento da proposta feito pelo acusado, por intermédio do seu defensor.

Se o Procurador-Geral de Justiça, no caso do Ministério Público Estadual, ou a Câmara de Coordenação e Revisão, no caso do Ministério Público Federal, também entender que não é o caso de oferecer a suspensão condicional do processo, o juiz não poderá propô-la. Contudo, tratando-se de um direito subjetivo do acusado, pode o defensor a requerer ao juiz.

É o que muitos autores chamam de inversão da iniciativa postulatória: ocorre quando a recusa do Ministério Público se mostra injustificada, sem razão jurídica suficiente. Nesse caso, dever-se-á abrir vista ao Ministério Público para que se manifeste sobre o pleito da defesa.

Se não concordar, os autos deverão ser remetidos ao Procurador-Geral de Justiça ou à Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal, a depender do caso. Em permanecendo a negativa, o juiz deverá resolver essa questão incidente e poderá oferecer a suspensão condicional do processo ao acusado se estiver convencido de que os pressupostos objetivos e subjetivos estão preenchidos, podendo o Ministério Público se valer das vias recursais.

Nesse sentido, posicionou-se recentemente o Superior Tribunal de Justiça, conforme ementa a seguir transcrita:

“HABEAS CORPUS. QUADRILHA OU BANDO. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. FALTA DE JUSTA CAUSA. INSUFICIÊNCIA DE PROVAS. EXCEPCIONALIDADE NÃO VERIFICADA. NECESSIDADE DE DILAÇÃO PROBATÓRIA. VIA INADEQUADA. ACÓRDÃO OBJURGADO EM CONSONÂNCIA COM A JURISPRUDÊNCIA DESTE SODALÍCIO. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO EVIDENCIADO.

 1. Em sede de habeas corpus somente deve ser obstado o feito se restar demonstrada, de forma indubitável, a ocorrência de circunstância extintiva da punibilidade, a ausência de indícios de autoria ou de prova da materialidade do delito, e ainda, a atipicidade da conduta.

2. Estando a decisão impugnada em total consonância com o entendimento jurisprudencial firmado por este Sodalício, não há o que se falar em trancamento da ação penal, pois, de uma superficial análise dos elementos probatórios contidos no presente mandamus, não se vislumbra estarem presentes quaisquer das hipóteses que autorizam a interrupção prematura da persecução criminal por esta via, já que seria necessário o profundo estudo das provas, as quais deverão ser oportunamente valoradas pelo juízo competente.

SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO. ART. 89 DA LEI 9.099/95. NEGATIVA POR PARTE DO ÓRGÃO MINISTERIAL. MOTIVAÇÃO. POSSIBILIDADE DE ANÁLISE PELO PODER JUDICIÁRIO.

1. Tratando-se a suspensão condicional do processo de um meio conciliatório para a resolução de conflitos no âmbito da Justiça Criminal, mostrando-se como uma alternativa à persecução penal estatal, fica evidenciado o interesse público na aplicação do aludido instituto.

2. Embora o órgão ministerial, na qualidade de titular da ação penal pública, seja ordinariamente legitimado a propor a suspensão condicional do processo prevista no artigo 89 da Lei n. 9.099/95, os fundamentos da recusa da proposta podem e devem ser submetidos ao juízo de legalidade por parte do Poder Judiciário.

PROPOSTA NEGADA EM RAZÃO DA AUSÊNCIA DOS REQUISITOS SUBJETIVOS. CULPABILIDADE. CIRCUNSTÂNCIAS DO CRIME. ELEMENTOS QUE INTEGRAM O PRÓPRIO TIPO PENAL INCRIMINADOR ATRIBUÍDO AO PACIENTE NA EXORDIAL ACUSATÓRIA. GRAVIDADE ABSTRATA. FUNDAMENTAÇÃO INIDÔNEA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO. ORDEM PARCIALMENTE CONCEDIDA.

1. Na linha dos precedentes desta Corte, segundo os quais não se admite a utilização de elementos integrativos do tipo penal para justificar a exacerbação da pena-base, igualmente deve ser vedado o recurso à fundamentação semelhante para, em juízo sumário, negar a suspensão condicional do processo.

2. Na hipótese, o órgão acusatório negou ao paciente a proposta de suspensão condicional do processo, o que foi chancelado tanto pelo juízo monocrático como pelo Tribunal de origem, utilizando-se de elementos que integram a própria descrição abstrata do crime de quadrilha, bem como da suposta gravidade do delito que, pela sua falta de concretude, não atende à garantia constante do artigo 93, inciso IX, da Constituição Federal.

3. Ordem parcialmente concedida para deferir ao paciente a suspensão condicional do processo, devendo o magistrado singular estabelecer as condições previstas no artigo 89, § 1º, da Lei n. 9.099/90 como entender de direito.” (STJ. 5ª Turma. HC 131.108/RJ. Rel. Min. Jorge Mussi. Publicado no DJ de 04/03/2013 – grifou-se).

De fato, merece reverência esse entendimento do Superior Tribunal de Justiça, na medida em que o juízo competente deverá, no âmbito de ação penal pública, oferecer o benefício da suspensão condicional do processo ao acusado caso verifique, mediante provocação da parte interessada, não só a insubsistência dos fundamentos utilizados pelo Ministério Público para negar o benefício, mas o preenchimento dos requisitos previstos no art. 89, da Lei nº 9.099/1995, uma vez que o sursis processual representa verdadeiro direito subjetivo do acusado na hipótese em que atendidos os requisitos previstos no dispositivo supracitado.

Desse modo, os indispensáveis fundamentos da recusa da proposta pelo Ministério Público podem e devem ser submetidos ao juízo de legalidade por parte do Poder Judiciário.

Pensar de modo diverso, diante de uma negativa de proposta infundada por parte do Órgão Ministerial, significaria compelir o Poder Judiciário a prosseguir com uma ação penal desnecessária, na medida em que o sursis processual representa uma alternativa à persecução penal.

5.3. A impossibilidade do oferecimento “ex officio” da proposta de suspensão condicional do processo.

Merece consignar que o juiz não poderá propor a suspensão condicional do processo ex officio, é dizer, sem requerimento das partes. Alguns autores, contudo, consideram essa possibilidade, como Damásio de Jesus[8]:

“(...) nos termos dos princípios da informalidade e celeridade processual, o juiz, desde que presentes as condições legais, deve, de ofício, suspender o processo, cabendo recurso de apelação. A suspensão provisória da ação penal, assim como o sursis tem natureza de medida alternativa. Se o juiz pode aplicar o sursis, que tem natureza punitiva e sancionatória, mesmo em face da discordância do Ministério Público, o mesmo deve ocorrer na suspensão condicional do processo, forma de despenalização.”

Tal assertiva não merece prosperar. Há que se aplicar o princípio da consensualidade, eis que a suspensão condicional do processo restringe-se às partes, e, não sendo o juiz parte no processo penal, a ele não cabe ofertar a proposta.

Assim, em não sendo feita, não cabe ao juiz fazê-la, até porque não poderá agir ex officio, o que feriria a sua necessária imparcialidade. Em resumo, o juiz não pode oferecer de ofício a suspensão do processo porque, se assim procedesse, estaria usurpando competência do Órgão Ministerial garantida constitucionalmente no art. 129, inc. I, da CR/88.

Sendo o Parquet o titular da ação penal, não caberia a terceiro – o juiz – verificar a “conveniência” ou não de se prosseguir na ação penal pública.  Nesse sentido são os excertos abaixo:

“PENAL E PROCESSUAL PENAL. RECURSO ESPECIAL. ART. 306, DA LEI 9.503/97. CONCESSÃO DO SURSIS PROCESSUAL. MOMENTO E INICIATIVA.

I - O juiz não é parte e, portanto, inadmissível, em princípio, ex vi do art. 89 da Lei nº 9.099/95, c/c os arts. 129, inciso I, da Carta Magna e 25, inciso III, da LONMP, que venha a oferecer o sursis processual ex officio ou a requerimento da defesa.

II - A eventual divergência entre o órgão de acusação e o órgão julgador acerca da concessão do sursis processual se resolve, na hipótese de recusa de proposta, pela aplicação do mecanismo previsto no art. 28 do CPP (Precedentes do Pretório Excelso e do STJ). Recurso provido.” (STJ. REsp 704924 / SP. Rel. Min. Felix Fischer. Publicado DJU dia 23/05/2005, pg. 342).

“RECURSO ESPECIAL. DIREITO PROCESSUAL PENAL. SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO. CONCESSÃO DE OFÍCIO PELO TRIBUNAL ESTADUAL. IMPOSSIBILIDADE. PROSSEGUIMENTO DA AÇÃO PENAL.

1. ‘O Superior Tribunal de Justiça e o Supremo Tribunal Federal consolidaram entendimento no sentido da inadmissibilidade de concessão de ofício da suspensão condicional do processo, devendo eventual discordância entre magistrado e Ministério Público ser resolvida por intermédio da aplicação analógica do artigo 28 do Código de Processo Penal.’ (REsp 254.249/SP, da minha Relatoria, in DJ 27/8/2001).

2. ‘Reunidos os pressupostos legais permissivos da suspensão condicional do processo, mas se recusando o Promotor de Justiça a propô-la, o Juiz, dissentindo, remeterá a questão ao Procurador-Geral, aplicando-se por analogia o art. 28 do Código de Processo Penal.’ (Súmula do STF, Enunciado nº 696). 3. Recurso especial provido.” (STJ. REsp 539073 / RJ. Rel. Min. Hamilton Carvalhido. Publicado no DJU dia 06/12/2004, pg. 376).

“RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL PENAL. LEI 9.099/95, ART. 89. SUSPENSÃO DO PROCESSO EX-OFFICIO. IMPOSSIBILIDADE. TITULARIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO. APLICAÇÃO ANALÓGICA DO ART. 28 DO CPP.

Não cabe ao Juiz, que não é titular da ação penal, substituir-se ao Parquet para formular proposta de suspensão condicional do processo. A eventual divergência sobre o não oferecimento da proposta resolve-se à luz do mecanismo estabelecido no art. 28 c/c o art. 3º do CPP. Precedentes do STF e desta Corte. Recurso conhecido e provido.” (STJ. REsp 181158 / SP. Rel. Min. José Arnaldo da Fonseca. Publicado no DJU dia 14/06/1999, pg. 218).

Nessa esteira é a lição de Eduardo Silva[9], citado na obra de Flávio Augusto Fontes de Lima[10]:

“Em igual diapasão, Eduardo Silva afasta (...) a concessão de ofício pelo juiz, por ser a concessão da suspensão uma solução consensual, em virtude da titularidade exclusiva da ação penal pelo Ministério Público (...).”

De tudo que foi analisado conclui-se que o sursis processual é um direito subjetivo do acusado, desde que preenchidos os pressupostos de ordem objetiva e subjetiva. Se houver divergência entre o Ministério Público e o juiz, cabe a aplicação analógica do art. 28, do Código de Processo Penal. Se, mantida a negativa, o juiz for provocado pela defesa a se manifestar sobre a possibilidade de suspensão condicional do processo, poderá concedê-la, já que deverá resolver essa questão incidente, não ficando adstrito à manifestação ministerial, abrindo-se a via recursal para eventual reforma da decisão. Por fim, se o promotor entender incabível a proposta e o juiz decidir nesse mesmo sentido, resta à defesa a impetração de habeas corpus para sanar possível constrangimento ilegal, com espeque no art. 5º, inc. XXXV, CF/88. Segue decisão do Superior Tribunal de Justiça, in verbis:

“PROCESSO PENAL. SUSPENSÃO DO PROCESSO. INDEFERIMENTO. HABEAS CORPUS. CABIMENTO. TRIBUNAL A QUO. REQUISITOS OBJETIVOS E SUBJETIVOS. ANÁLISE. OBRIGATORIEDADE.

1. O habeas corpus é o meio recursal próprio para combater a decisão que não reconhece o direito ao benefício de suspensão condicional do processo;

2. O Tribunal a quo deve verificar a presença dos requisitos legais e, se presentes, conceder o benefício do art. 89 da Lei 9.099/95; 3. Ordem concedida para anular a sentença e possibilitar o conhecimento do writ impetrado perante o Tribunal recorrido.” (STJ. HC 29887/SP. Rel Min. Paulo Medina. Publicado DJU dia 08/11/2004, pg. 300).

Urge salientar que o grande problema – quando da verificação do preenchimento, pelo acusado, dos pressupostos para a concessão da suspensão – encontra-se nos de ordem subjetiva, eis que de difícil constatação na prática. A Lei deveria ter fixado, ao menos, os parâmetros para esses requisitos. Como não o fez, as discussões sobre o não-oferecimento da proposta pelo Ministério Público tornam-se questão árdua no mundo forense. O autor Francisco Gomes Câmara, referido na obra de Flávio Augusto Fontes de Lima[11], sugere que, ante a negativa do MP em conceder o benefício, valha-se o acusado da arguição de suspeição do promotor, por força do art. 104 CPP. Apesar desse autor falar genericamente, há que se entender que a arguição deve ocorrer quando o não-oferecimento se basear na ausência de pressupostos subjetivos, eis que os objetivos são de fácil constatação.


6. CONCLUSÃO.

Diante de todas essas considerações, há de se concluir, tal como o recente entendimento do STJ exposto acima, que, diante do interesse público do instituto, a proposta de suspensão condicional do processo não pode ficar ao mero talante do Ministério Público, sob pena de subversão à própria ordem jurídica, cumprindo enfatizar não ser possível a concessão ex officio de sobredito benefício pelo juízo.

Noutro giro, também o próprio acusado, por meio do seu defensor, poderá requerer a concessão de tal benefício, conferindo, deste modo, a exata aplicabilidade das garantias asseguradas pela Constituição da República de 1988, a partir do entendimento de que se trata, o sursis processual, de direito subjetivo do réu, desde que preenchidos todos os requisitos previstos no art. 89, da lei nº 9.099/95.


7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

- BATISTA, Weber Martins, FUX, Luiz. Juizados Especiais Cíveis e Criminais e Suspensão Condicional do Processo Penal. Rio de Janeiro: Forense.

- BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal. 9ª. ed., v. I. São Paulo:  Saraiva.

- GOMES, Luiz Flávio. Suspensão Condicional do Processo Penal: e a representação nas lesões corporais, sob a perspectiva do novo modelo consensual de Justiça Criminal. 2ª Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais.

- JESUS, Damásio Evangelista de. Lei dos Juizados especiais criminais anotada. São Paulo.

- LIMA, Flávio Augusto Fontes de. Suspensão Condicional do Processo Penal no Direito Brasileiro. Rio de Janeiro: Forense.

- MIRABETE, Julio Fabbrini. Juizados Especiais Criminais. Comentários, Jurisprudência, Legislação. São Paulo: Atlas.

- SILVA, Eduardo Araújo da. Suspensão Condicional do Processo: Impossibilidade de concessão ex officio. São Paulo: Boletim do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais.

- TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Prática de Processo Penal. 21ª ed. São Paulo: Saraiva.


Notas

[1] GOMES, Luiz Flávio. Suspensão Condicional do Processo Penal: e a representação nas lesões corporais, sob a perspectiva do novo modelo consensual de Justiça Criminal. 2ª Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, pg. 139/140.

[2] MIRABETE, Julio Fabbrini. Juizados Especiais Criminais. Comentários, Jurisprudência, Legislação. São Paulo: Atlas, pg. 153.

[3] BATISTA, Weber Martins, FUX, Luiz. Juizados Especiais Cíveis e Criminais e Suspensão Condicional do Processo Penal. Rio de Janeiro: Forense.

[4] TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Prática de Processo Penal. São Paulo: Saraiva, 21ª ed.

[5] BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal. 9ª. ed., v. I. São Paulo: Saraiva, pg. 665/666.

[6] GOMES, Luiz Flávio. ob. cit. pg. 154/155.

[7] GOMES, Luiz Flávio. ob. cit. pg. 153.

[8] JESUS, Damásio Evangelista de. Lei dos Juizados especiais criminais anotada. São Paulo, pg. 92.

[9] SILVA, Eduardo Araújo da. Suspensão Condicional do Processo: Impossibilidade de concessão ex officio. São Paulo: Boletim do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais.

[10] LIMA, Flávio Augusto Fontes de. Suspensão Condicional do Processo Penal no Direito Brasileiro. Rio de Janeiro: Forense, pg. 43.

[11] LIMA, Flávio Augusto Fontes de. ob. cit. pg. 52.

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Sobre o autor
Gustavo D' Assunção Costa

Procurador Federal. Especialista em Direito Processual Civil.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

COSTA, Gustavo D' Assunção. A legitimidade para oferecimento da proposta de suspensão condicional do processo penal e o recente entendimento do Superior Tribunal de Justiça. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3625, 4 jun. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/24628. Acesso em: 21 nov. 2024.

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