A noção de prequestionamento surgiu da atividade processual das partes. As partes debatem ao longo do processo sobre questões de fato e de direito postas na lide.
A Constituição Brasileira de 1891 adotou a concepção do writ of error do direito norte americano no sentido de que somente fosse cabível recurso extraordinário perante o STF se as partes houvessem antes questionado a validade e a incidência de leis federais e constitucionais na instância ordinária a quo, de modo que pudesse o Tribunal local se posicionado de modo explicito sobre aquela questão.
O mesmo ocorreu no direito argentino com o recurso extraordinário. A questão federal deveria ser debatida na instância a quo, mediante plantiamento del caso constitucional o federal, ou surgida da própria decisão recorrida, independente de provocação das partes.
A CF de 1946 não reiterou o modelo de 1891, razão pela qual se formou jurisprudência no sentido de que a exigência do prequestionamento está implícita na Constituição Federal, culminando-se com as Súmulas 282 e 356 do STF e Súmula 184 do TST.
A Constituição de 1988 também não trata expressamente da necessidade de prequestionamento. Logo, prevalecem as Súmulas 282 e 356 do STF no sentido de que somente caberá recurso extraordinário se houver antes sido adotada tese a respeito. Da mesma forma, no STJ há a Súmula 211 e no Tribunal Superior do trabalho as Súmulas 184 e 297. Tal vertente jurisprudencial traduziu-se no anseio de que o prequestionamento fosse outro critério seletivo, ao lado dos requisitos de admissibilidade, que pudesse abrandar o número excessivo de recursos ingressos nos Tribunais Superiores. Frise-se que a redação atual dos artigos 102, III e 105, III da CF, preceitua, respectivamente, o cabimento de recursos extraordinário e especial, contra causas decididas em única ou última instância, isto é, o que não foi decidido não pode reexaminado. Neste sentido, com relação ao recurso extraordinário, Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery afirmam Prequestionar significa provocar o tribunal inferior a pronunciar-se sobre a questão constitucional previamente à interposição do RE. [1]
Em suma, o que se exige é que antes da questão federal ou constitucional ser submetida aos Tribunais Superiores, especialmente, STF, STJ e TST, tenha sido adotada na decisão recorrida tese explícita a respeito. Logo, não basta que as partes tenham questionado a validade ou incidência da lei federal ou Constitucional no recurso perante o tribunal local, seja apelação na justiça comum ou recurso ordinário na justiça do Trabalho. Se da decisão a ser recorrida não constar tese explícita a respeito, a parte terá que insistir nesta apreciação, ainda no tribunal a quo mediante a interposição de embargos de declaração de modo a prequestionar o tema ventilado no recurso principal. Teresa Arruda Alvim Wambier denomina isto de embargos de declaração prequestionadores. [2]
Há ainda quem defenda que o prequestionamento seja necessário ainda quando a violação da norma jurídica seja do próprio acórdão proferido pelo Tribunal local. Neste sentido: Ainda que o objeto de inconformismo esteja no próprio acórdão recorrido, necessário se faz o seu prequestionamento explicito por meio dos embargos declaratórios[3] Todavia tal situação, revela-se discutível de interposição de embargos de declaração, porquanto, aqui, não haveria em tese, omissão do acórdão recorrido, vez que não houve antes questionamento no apelo principal. Sérgio Pinto Martins assinala que não haveria, neste caso o prequestionamento, mas sim pós-questionamento.[4]
Quanto ao cabimento de embargos de declaração prequestionadores não é algo assim tão pacífico e induvidoso na atividade judicial, ao menos o que se verifica em sede trabalhista.
Tal análise pressupõe observação dos critérios de identificação de questões de fato e de questões de direito. A partir de tal análise teremos uma clara ideia de qual a dimensão descritiva que deverá conter o acórdão recorrido para que possa ser viabilizado de plano, a interposição de recursos aos tribunais superiores, ou se será necessária antes a interposição de embargos de declaração prequestionadores.
Cotejar a pretensão ou defesa com o acórdão local e afirmar que ali há violação à norma jurídica federal e constitucional ou negativa de vigência, muitas das vezes não se circunscreve apenas à literalidade de conceitos jurídicos ali inseridos no texto da norma legal ou constitucional. Muitas das vezes é necessária uma completa descrição do suporte fático definido como verdadeiro na lide pelo acórdão recorrido para que os tribunais superiores possam visualizar se a norma federal ou constitucional foi ou não observada.
É defensável, pois, neste contexto, afirmar-se que a tarefa de subsunção que se viabiliza pela incidência da norma legal ao suporte fático já definido como verdadeiro na lide não é questão de fato, mas sim questão de direito. É defensável, pois, afirmar que se não houver uma completa descrição do suporte fático no acórdão recorrido ao ponto de que as questões tratadas no recurso extraordinário, no recurso especial ou no recurso de revista do processo do trabalho possam ser examinadas pelos tribunais superiores sem a necessidade de compulsar dos autos, tais questões não poderão ser viabilizadas de plano pelos recursos mencionados sem antes a interposição de embargos de declaração.
No processo do trabalho, tomemos apenas como exemplo a seguinte situação: se do acórdão regional constar que o reclamante bancário, na qualidade de gerente de relacionamento, não tinha subordinados em face dos depoimentos das testemunhas colhidas, até aqui, tal ilação reside numa questão de fato dirimida, mas se dele constar expressamente a ilação de que o reclamante bancário, na qualidade gerente de relacionamento não tinha subordinados, não desempenhava atividades diferenciadas da rotina bancária, não tinha poderes de negociação com clientes, não tinha autonomia para concessão de empréstimos, mas em face seu status no quadro de empregados da agência estaria enquadrado no artigo 224,§ 2º da CLT, sustentamos, aqui, que o acórdão seria atacável via recurso de revista porque o recurso não iria revolver sobre a veracidade ou não dos fatos aquilatados no acórdão, mas tão somente questionar a legalidade da ilação aferida, isto é, se a incidência pelo tribunal dos fatos já definidos como verdadeiros ao artigo 224, §2 º foi ou não correta, não obstante o óbice da Súmula 102, I do TST. Por isto, é que se o acórdão recorrido não contiver toda aquela descrição fática, seria cabível a oposição de embargos de declaração, antes de se interpor recursos aos Tribunais Superiores.
Neste sentido é a lição de Douglas Alencar Rodrigues, Desembargador do Trabalho no TRT DA 10 Região:
Enquanto requisito para o conhecimento de recursos extraordinários, o prequestionamento depende do claro delineamento da base fática sobre o qual incidiram - ou foram afastadas as normas jurídicas supostamente afrontadas. Por isso se a tese de afronta a preceitos normativos depender de revisão das premissas fáticas postas no acórdão recorrido ou mesmo da pesquisa do acervo fático-probatório não indicado na referida decisão, o recurso extraordinário não se viabilizará “[5].
Neste contexto, há doutrina significativa no sentido de que as questões de direito abrangem a incidência da norma ao suporte fático já definido como verdadeiro.
Teresa Arruda Alvim Wambier afirma que a qualificação jurídica dos fatos coletados nos autos é tarefa de subsunção, ou seja, o encaixe dos fatos que não se tem mais dúvidas de como teriam ocorrido ao preceito normativo. A subsunção é questão de direito e não de fato. [6]
Fredie Didier Jr. também assim se posiciona. Diz o autor, textualmente, que será questão de direito toda aquela relacionada com a aplicação da hipótese de incidência no suporte fático; toda questão relacionada à tarefa de subsunção do fato (ou conjunto de fatos) à norma.[7] Carlos Henrique Bezerra Leite busca na lição de Estevão Mallet a seguinte definição de questão de direito:
“Não se constituem matéria de fato, todavia, admitindo apreciação em recurso de revista, a interpretação da norma aplicável, a definição de seu alcance ou conteúdo, bem como o problema de sua aplicação ou não à situação sob julgamento. Tampouco é matéria de fato a qualificação jurídica dos fatos apurados ou mesmo controvérsia em torno do ônus da prova. Já a valoração concreta da prova colhida, se não existe, no caso, regra de prova legal (p. ex. art. 464 da CLT), é matéria tipicamente de fato, insuscetível de viabilizar recurso de revista”.[8].
Danilo Knijik também afirma respaldado, na teoria tricotômica decorrente da mixed questions, do direito norte americano, que a questão de direito não se desvencilha inteiramente da base fática que guarda coincidência com o preceito normativo.[9]
Neste contexto, torna-se imperioso, pois, que o acórdão recorrido descreva todo o suporte fático definido como verdadeiro para que os tribunais superiores possam visualizar se houve ou não afronta a norma legal ou dissenso jurisprudencial em torno da interpretação de determinado dispositivo legal. A omissão de tal aspecto pode ensejar a oposição de embargos de declaração prequestionadores com a missão de fazer com que o acórdão recorrido traga à baila eventuais fatos não descritos, mas que se revelam importantes para a solução da lide.
No processo do Trabalho exemplificam-se algumas situações como: i) se o auxílio alimentação ajustado antes de contratação coletiva tem ou não natureza salarial, à luz do artigo 457 e da Súmula 241 revela-se necessário que o acórdão recorrido explicite as bases do contrato de trabalho ajustado tida como verdadeiras para que o TST possa examinar se houve ou não violação à norma ou, ainda, se houve ou não dissenso com outra decisão regional; ii) da mesma forma, se determinado empregado detém função de confiança latu sensu faz mister descreva o acórdão regional as condições do contrato realidade verificadas como verdadeiras nos autos para que se possa também verificar em instância superior se a tarefa subsuntiva foi feita corretamente ao artigo 62 da CLT, ou ainda, se houve adoção de tese antagônica pelo acórdão regional quanto à interpretação do artigo 62; iii) se determinado empregado foi dispensado por justa causa por improbidade, deve constar do acórdão as bases da conduta tida como verdadeiras de modo que se possa avaliar a incidência normativa do artigo 482 da CLT, assim como a configuração de divergência jurisprudencial apontada no apelo.
Todavia, conforme aventado no inicio deste tópico, a avaliação sobre a necessidade ou não de prequestionamento na prática forense trabalhista revela-se assim terreno movediço, pois, à parte impõe-se a necessidade de prequestionamento sobre as questões por ela veiculadas no recurso ordinário perante os Tribunais Regionais, tanto assim que é muito comum nos despachos denegatórios de admissibilidade afirmar-se que a matéria ventilada no recurso de revista não foi prequestionada porque não constou do acórdão regional explicitação sobre todo enfoque dissertado no recurso em torno daquela questão. Por outro lado, em grande parte das vezes que a parte opõe embargos declaratórios a resposta judicial aos embargos praticamente é sempre no sentido de afirmar que a matéria veiculada no recurso foi devidamente apreciada no acórdão regional; que os embargos de declaração opostos não se prestam a reformar o julgado, devendo a parte utilizar-se de recurso próprio; e que o juiz não está obrigado a abordar todos os argumentos expendidos pela parte.
Verifica-se, em verdade, que do lado da parte parece haver certo temor que o seu recurso de revista não seja admitido se não houver antes uma menção expressa no acórdão regional sobre todos os aspectos abordados no recurso ordinário. Do lado do juiz revela-se clara a decisão anteriormente proferida e que não haverá mudança de sua convicção mesmo que se enverede para análise do aspecto suscitado nos embargos de declaração pela parte tendo em vista que esse não foi o ponto do convencimento judicial para a solução da lide.
Todavia, a preocupação engendrada no projeto do novo código de processo civil, aplicado subsidiariamente ao processo do trabalho, não é fazer uma releitura sobre as vantagens ou não do prequestionamento, mas sim de positivar o entendimento jurisprudencial quanto ao prequestionamento implícito, adotado no STF(Súmula. 356) e no TST(Súmula 297), qual seja, basta que tenham sido opostos embargos de declaração para que a matéria tenha sido prequestionada, não havendo a necessidade, de que o acordão embargado tenha adotado tese explícita a respeito.
Vale dizer que, pois, que o avanço real posto no projeto é apenas uniformizar uma prática que já vem sido adotada no STF e no TST.
Talvez melhor seria o projeto positivar a oposição de embargos de declaração prequestionadores sem o efeito interruptivo do prazo recursal. A parte interporia embargos de declaração prequestionadores e também o recurso principal, cada qual dentro do prazo estabelecido pela lei. Em sede trabalhista, por exemplo, a parte interporia embargos de declaração prequestionadores no prazo de cinco dias e, não havendo efeito interruptivo, o recurso de revista seria interposto até o oitavo dia da publicação do acórdão impugnado, de sorte que havendo ou não adoção de tese explicita no acórdão embargado já teria a parte aduzido seu questionamento no recurso de revista.
Logo, sob o nosso ponto de vista, a oposição de embargos de declaração prequestionadores sem o efeito interruptivo do prazo recursal e com a interposição concomitante do recurso de revista, no caso do processo do trabalho, contribuiriam para um avanço significativo de se desburocratizar o processo e dar-lhe contornos de agilidade, de celeridade e de efetividade que tanto anseiam os jurisdicionados.
Notas
[1] Código de Processo Civil comentado e legislação extravagante. 10. Ed. Ver. Ampliada e atual. São Paulo: 2007, p. 924 e 925.
[2] Omissão Judicial e embargos de declaração. São Paulo: RT,2005,, p. 248
[3] (STJ – 5 T Ag. RG no AGI n 13648 SP , rel. Min. Edson Vidigal –j. 09.03.1999 – DJ 19.04.1999,p. 155).
[4] Direito Processual do Trabalho, São Paulo: Atlas, 28edição, p. 483.
[5] Revista LTr: vol.76, 08 –agosto/2012, p.925
[6] Omissão Judicial e embargos de declaração. São Paulo: RT,2005,, p. 259
[7] Curso de Direito Processual Civil: Podivm, 9ª edição, p. 290.
[8] Curso de Direito Processual do Trabalho, São Paulo: Ltr., 6º edição, p. 777.
[9] O Recurso Especial e a Revisão da Questão de Fato pelo Superior Tribunal de Justiça. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2005, p. 44