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A formação do indivíduo e o fenômeno da violência diante dos limites do planeta: A alteração das gramáticas de práticas sociais para uma educação sócio-ambiental comprometida com a emancipação em uma sociedade resiliente

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20/08/2013 às 17:05
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03  AS  DIMENSÕES  COMPARTILHADAS  DA  NOÇÃO  SUSTENTABILIDADE AMBIENTAL COMO DESAFIO CONTEMPORÂNEO PARA CADA AFETADO

Assim como os recursos humanos e ambientais são desigualmente distribuídos no planeta, os países em desenvolvimento, em sua maioria, possuem esses em abundância. No entanto, anestesiados pelo princípio da responsabilidade comum, mas diferenciada11, correm o risco de não elevarem os padrões civilizatórios exigidos no presente século porque,

Ao mesmo tempo, os países em desenvolvimento, onde se concentram hoje os jovens, têm a oportunidade de obter um dividendo demográfico substancial nas próximas décadas. Dado que as taxas de dependência estão caindo e as populações jovens (e cada vez mais urbanas) oferecem oportunidades econômicas substanciais, muitos países em desenvolvimento estão prontos para um grande aumento na prosperidade. Entretanto, esses países arriscam perder a oportunidade de capitalizar uma população jovem se não forem providos a educação e o treinamento necessários e se a criação de empregos não for estimulada por meio de mercados operativos e políticas governamentais eficazes. Esses países arriscam aumentar a estagnação econômica e a inquietação social, pois jovens mal qualificados descarregam suas frustrações quando enfrentam a perspectiva de uma vida de desemprego e aspirações sufocadas (PAINEL DE ALTO NÍVEL DO SECRETÁRIO-GERAL DAS NAÇÕES UNIDAS SOBRE SUSTENTABILIDADE GLOBAL 2012, p. 09-10, grifo nosso).

Em razão disso esse “Relatório Resiliência” aponta as medidas práticas para para alcançar a educação e a capacitação na sustentabilidade:

- Investir em educação e treinamento proporciona um canal direto para avançar a agenda de desenvolvimento sustentável. Isto é amplamente reconhecido como um meio muito eficiente para promover a qualificação individual e tirar gerações da pobreza, além de proporcionar importantes benefícios de desenvolvimento para jovens, particularmente mulheres.

-   A educação primária para todos, em particular, é uma pré-condição para o desenvolvimento sustentável. […]. A educação básica é essencial para superar barreiras aos futuros empregos e à participação política, pois as mulheres atualmente constituem aproximadamente dois terços dos 793 milhões de adultos analfabetos do mundo.

-  O Objetivo de Desenvolvimento do Milênio em educação primária universal ainda não foi alcançado, devido em parte a fundos insuficientes, apesar da existência de outras barreiras. [...]

-    Apesar de a educação primária ser a base do desenvolvimento, a educação pós-primária e secundária e o treinamento vocacional são cruciais na construção de um futuro sustentável. Cada ano adicional de educação nos países em desenvolvimento aumenta a renda de um indivíduo em 10% ou mais, em média.

Os estudos demonstram também que as mulheres nos países em desenvolvimento que concluem o ensino secundário têm, em média, um filho a menos que as mulheres que concluem apenas o ensino primário, levando a maior prosperidade econômica dentro das famílias e menor pobreza intergeracional. Além disto, a educação pós-primária baseada em um currículo projetado para desenvolver as principais competências para uma economia do século XXI - tais como a gestão do ecossistema, ciência, tecnologia e engenharia - podem estimular a inovação e acelerar a transferência de tecnologia, bem como apresentar as qualificações vitais para novos empregos verdes. Embora, hoje se estima que menos de um quarto das crianças concluam o ensino secundário.

-   Simultaneamente, projeta-se que a falta de qualificações apropriadas seja uma das principais barreiras ao desenvolvimento sustentável. O preenchimento de empregos qualificados exigirá uma nova força de trabalho e poderá utilizar as qualificações de jovens e mulheres que atualmente estão cronicamente sub-representados nesses setores: as mulheres são responsáveis por apenas 9% da mão de obra na construção civil, 12% em serviços de engenharia, 15% em serviços financeiros e empresariais e 24% na fabricação.

-    O treinamento técnico e vocacional é essencial para o crescimento e para a capacitação humana a fim de suprir as demandas do mercado de trabalho, inclusive em setores como saúde, educação e bem-estar público, nos quais a falta de uma força de trabalho qualificada pode impedir o desenvolvimento sustentável de um país.

-   O treinamento em todos os setores tem que ser relevante, acessível, de custo razoável e ministrado por treinadores qualificados e certificados. Precisa ser desenvolvido em coordenação com o setor privado para assegurar que seja relevante para as necessidades da indústria e que as credenciais conferidas sejam aceitas pelas empresas como qualificação suficiente. O treinamento vocacional e as qualificações devem também ser vistos como uma alternativa adequada a outras trajetórias de educação tradicionais.

-  Tem-se visto nos anos recentes uma explosão de inovação nos meios de fornecimento de treinamento vocacional e de qualificações, desde boot camps empresariais, compartilhamento de conhecimentos e centros de tecnologia e treinamento empresarial de mulher para mulher a programas de mentores, esquemas de estágios para jovens e programas de pesquisa e intercâmbio.Mas são necessários esforços muito mais integrados e de grande escala (PAINEL DE ALTO NÍVEL DO SECRETÁRIO-GERAL DAS NAÇÕES UNIDAS SOBRE SUSTENTABILIDADE GLOBAL 2012, p. 09-10, grifo nosso).

No âmbito das Recomendações, o “Relatório Resiliência”, além de repisar na necessidade de alocar mais recursos para a universalização da educação primária (até 2015) por meio de um Fundo Global para a Educação, inova na Recomentação que endereça a um novo padrão de dignidade humana de modo que,

Os governos, o setor privado, a sociedade civil e os parceiros de desenvolvimento internacional relevantes devem trabalhar juntos para prover treinamento vocacional, reciclagem e desenvolvimento profissional no contexto da aprendizagem contínua para toda a vida voltada ao preenchimento das lacunas de qualificações em setores essenciais para o desenvolvimento sustentável. Devem priorizar mulheres, jovens e grupos vulneráveis nesses esforços.(Painel de Alto Nível do Secretário-Geral das Nações Unidas sobre Sustentabilidade Global, 2012, p. 53, grifo nosso).

Nota-se que esses desafios estão colocados a cada novo dia desse século. A alteridade por meio da busca permanente de identidade numa sociedade fragmentária perfaz uma conexão intersubjetiva entre o que somos e o que queremos ser. Por isso a “educação na sustentabilidade” não pode ser tomada apenas nas condicionantes de normas-regras, estabelecidos na Lei 9.795/99, ao dispor sobre a educação ambiental e instituir a Política Nacional de Educação Ambiental (CAMPOS, 2012), mas nas condições de normas-princípios, determinando toda a interpretação do ordenamento interno e internacional que busca emancipar os indivíduos para tornarem-se melhores senhores de seus destinos.

Esse novo padrão de dignidade humana tem na transformação de ideias em coisas (reificação), a necessidade de manter a capacidade de regeneração dos recursos do planeta, uma vez que nos séculos anteriores, a relação sujeito-objeto desaguou na existência de elementos viscerais de violência no processo produtivo ser considerar-se que “[...] o homo faber, criador do artifício humano, sempre foi um destruidor da natureza.” (ARENDT, 2007, p. 152). Nesse aspecto, o processo educacional como controle social secundário não pode mais ser fundamentado na relação comandar-obedecer, mas numa relação de compartilhamento de aprendizado mútuo entre escola-aluno. A “autoridade do argumento” deve esforçar-se para convencer sua plausibilidade diante dos desafios apontados e não mais no “argumento da autoridade” sedenta por legitimidade efêmera, uma vez que os afetados são, a priori, sujeitos de direitos:

O cidadão é autônomo e contudo é considerado responsável por aquilo que faz (§ 78). Para agir de modo autônomo e responsável, um cidadão deve observar os princípios políticos que embasam e orientam a interpretação da constituição. Ele precisa avaliar como esses princípios deveriam ser aplicados nas circunstancias concretas. [...] Devemos avaliar teorias e hipóteses à luz da evidência apresentada por princípios publicamente reconhecidos. […] Pessoas iguais que aceitam e aplicam princípios razoáveis não precisam de nenhuma autoridade superior estabelecida. (RAWLS, 2002, p. 431-432).

A releitura do processo entre educação e sociedade também não pode mais ser sustentado na mera capacitação para o trabalho, cuja produto da força do trabalho atribui ao indivíduo a condição de consumidor. A aprendizagem contínua para toda a vida perfaz uma

educação na cidadania, partindo-se da premissa que o indivíduo é cidadão desde sempre (art. 13, da lei 9.795/99) e não apenas pelo processo da educação formal (art. 9º, da lei 9.795/99).

Desse modo, a função do processo educacional como um todo deve servir para vocacionar as habilidades e competências dos indivíduos que se apresentam na posição original como um [...] procedimento figurativo que permite representar os interesses de cada um de maneira tão eqüitativa que as decisões daí decorrentes serão elas próprias equitativas.” (RAWLS, 2000, p. 380), em relação às novas exigências sociais e um quadro ambiental de recursos naturais escasos.


04 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A educação na sustentabilidade não é apenas um pressuposto da emancipação social, mas também uma forma eficaz de criar um círculo virtuoso de alteridade entre as inúmeras pautas de valores e necessidades individuais e coletivas frente aos limitados recursos do planeta. A transição para gramáticas de práticas sociais que deixaram de lado a antropocentrismo radical para um antropocentrimo mitigado e, até mesmo o biocentrismo, não foi produto da violência instrumental. No entanto, por trazer consigo a possibilidade da ausência de poder que regule legitimamente as expectativas de comportamento, a violência não mais pode ser justificada como um arquétipo daquilo que a civilização possuiria no seu registro biológico. E por isso, paradoxalmente, busca-se continuamente não perpetuá-la, visto que essa violência é uma construção social enrraizada pelo processo histórico como se fosse naturalizada pela condição humana em seu estado irracional.

Exatamente por isso as diversas formas de controle social buscam forjar no ordenamento jurídico formas de pluralismo razoável que estabeleçam condições de possibilidade de se reconhecer as múltiplas demandas de seus afetados por liberdade e igualdade. Esse tipo de resposta ao fenômeno da violência instrumental tem no processo educacional a trincheira de seu enfrentamento por meio da intervenção preventiva na realidade social mutante.

Desse modo, ao integrar o princípio ambiental democrático juntamente com a dimensão do direito à informação efetiva (não apenas o acesso à informação, mas a capacitação para tomada consciente de decisões) e a dimensão da participação qualificada pela relação sujeito-sujeito, a educação ambiental na sustentabilidade deve preencher as expectativas de correção discursiva. Isso desenvolve-se mediante procedimentos substancializados em valores da alteridade mais complexos na esfera da intersubjetividade, incutindo nos afetados práticas sob novos padrões sustentáveis de produção e consumo.

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Assim, possibilita-se reduzir as pressões sobre o conceito evolutivo (aumento de complexidade) da violência instrumental. Esta por representar a ausência da igual consideração e respeito do indivíduo e sua construção permanente de identidade, não pode mais ser justificada sobre pressupostos biológicos e facilmente localizáveis como outrora. Na presente modernidade fluida e cada vez mais exigente de padrões cambiantes de formas de vida boa, os indivíduos buscam a aquisição dinâmica de novas habilidades e competências. Agora de acordo com o seu ser (Sein) no mundo que, em muitas situações, o aprendiz tem mais a ensinar ao ensinador do que simplesmente obedecer comandos autoritários.


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Sobre o autor
Gianno Lopes Nepomuceno

Estudante de Direito (6ºp), da Escola Superior Dom Helder Câmara, especializada em Direito em toda Minas Gerais, com exclusivo Mestrado em Direito Ambiental e Doutorado de Direito Constitucional e Teroria Geral do Estado.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

NEPOMUCENO, Gianno Lopes. A formação do indivíduo e o fenômeno da violência diante dos limites do planeta: A alteração das gramáticas de práticas sociais para uma educação sócio-ambiental comprometida com a emancipação em uma sociedade resiliente. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3702, 20 ago. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/24709. Acesso em: 18 abr. 2024.

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