CONCLUSÃO
Como se vê, o controle de convencionalidade já é uma realidade no âmbito da Convenção Interamericana de Direitos Humanos, tratando-se de teoria que, ademais é plenamente compatível com o ordenamento constitucional brasileiro, em especial por aplicação do disposto nos parágrafos 2º e 3º da Constituição da República.
Trata-se de espécie de controle cujo fundamento é o respeito aos direitos humanos e da soberania do Estado de Direito, sendo certo que, tornando-se signatário de uma convenção sobre direitos humanos, não se pode admitir o retrocesso de um Estado no sentido de justificar-se que um governo nacional promova ou mesmo tolere a prática ou a manutenção dos efeitos de graves violações de direitos humanos em seu território, à revelia dos compromissos internacionais assumidos. De fato, deve-se observar que tal retrocesso é que implicaria em afronta à ordem constitucional, pois é dela que deriva a proteção da dignidade humana como fundamento da República.
Verifica-se, ademais, que essa espécie de controle não se confunde com o controle de constitucionalidade, tampouco se aplica de forma subordinada ou mesmo subsidiária ao referido controle. Ao contrário, a natureza do controle de convencionalidade é complementar. Isso implica dizer que, aliado a todo o sistema constitucional de limitação da produção de normas jurídicas, que tem caráter formal (limites de competência e procedimento) e material (limites relativos ao conteúdo da norma infraconstitucional), existe também um limite formal material de convencionalidade[23].
Destaca-se, nesse ponto, que o referido limite de convencionalidade não se limita ao texto dos tratados firmados, tampouco se interpreta com fundamento na legislação nacional, o que configuraria uma indevida “nacionalização do texto do tratado ou convenção”. Exatamente por isso que se fala em complementaridade do sistema, rejeitando-se eventual uso da expressão subsidiariedade[24].
Importa em dizer que o parâmetro de controle da convencionalidade não se limita ao texto da convenção, mas engloba todo o corpo que se pode denominar “bloco de convencionalidade”, integrado por todos os tratados de direitos humanos que compõe o sistema interamericano (desde que ratificados pelo país), além da jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos (no que diz respeito ao Sistema Americano) e até mesmo seus pareceres consultivos.
De fato, não respeitar tais parâmetros implicaria em fazer um controle de legalidade do tratado, postura incompatível com o que foi decidido pelo próprio STF no âmbito do HC87.585, onde restou assentado que as obrigações de direitos internacionais sobre direitos humanos pairam sobre o sistema infraconstitucional, quer venha a prevalecer sua natureza materialmente constitucional (posição do Ministro Celso de Mello, à qual nos filiamos), quer se adote a teoria do voto condutor (Min. Gilmar Mendes), no sentido da supralegalidade de tais obrigações.
Nesse sentido, verifica-se que a chave da questão está na própria sistemática pela qual se realiza o controle, com base no princípio pro homine, uma vez que o sistema internacional de garantias se combina ao sistema constitucional de proteção aos direitos humanos, complementando-se de forma a se extrair um corpo normativo de proteção máxima aos direitos humanos, que resulta na análise da produção legislativa constitucional por meio de uma lente que combina ambos os controles, de constitucionalidade e de convencionalidade. Assim, garante-se a soberania do Estado Constitucional de Direito, que só pode ser classificado dessa forma quando garante o respeito à dignidade humana.
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Notas
[1] MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Tratados Internacionais de Direitos Humanos e Direito Interno. Saraiva. 2010.
[2] MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Tratados Internacionais de Direitos Humanos e Direito Interno. Saraiva. 2010.
[3] MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. O Controle Jurisdicional Da Convencionalidade Das Leis. 2ª ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais. 2011 – p. 73.
[4] MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 16ªed. São Paulo: Atlas, 2004. P. 598.
[5] DALLARI, Dalmo de Abreu. Direitos Humanos e Cidadania, 1993, p. 472, apud RAMOS, André de Carvalho.
[6] MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. O Controle Jurisdicional Da Convencionalidade Das Leis. 2ª ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais. 2011 – p. 137.
[7] Idem, pps. 132-133.
[8] Segundo Mazzuoli, op cit., p. 84, a obrigação de controlar a convencionalidade das leis remonta à entrada em vigor da Convenção Americana, em 18 de julho de 1978, nos termos do seu art. 74,2, embora a primeira menção expressa da Corte a esse controle só tenha ocorrido no referido julgado (Almonacid contra Chile), no ano de 2006.
[9] Conclusão constante do parágrafo 129 da decisão do caso Almonacid contra Chile, disponível em espanhol na página virtual da Corte Americana < http://www.corteidh.or.cr/casos.cfm>, acesso em maio de 2012.
[10] JINESTA, ERNESTO. “Control de Convencionalidad Ejercido por los Tribunales y Salas Constitucionales". P. 5.
[11] Sobre o tema do controle de validade do ordenamento jurídico em face dos tratados internacionais comuns, ou seja, que versam sobre matéria outra que não a proteção de direitos humanos, Mazzuoli (op. cit.) afirma possuírem caráter de supralegalidade, dando origem ao que o ilustre autor denomina “controle de supralegalidade”. A matéria, contudo, foge ao enfoque do presente trabalho, bastando para o momento a conclusão de que o controle de convencionalidade se limita aos tratados sobre direitos humanos, cujo fundamento, como visto nos capítulos I e II, remonta ao caráter fundamental desses direitos.
[12] Parágrafo 128, parte final, conforme estudado no capítulo III desta monografia.
[13] Sobre os fundamentos do posicionamento anterior do STF: RE344585/RS.
[14] MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. O Controle Jurisdicional Da Convencionalidade Das Leis. 2ª ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais. 2011 – pps. 66/69.
[15] Op. cit, pp. 153.
[16] Jurisprudência abordada nos capítulos III e IV.
[17] JINESTA, ERNESTO. “Control de Convencionalidad Ejercido por los Tribunales y Salas Constitucionales". Pps. 9/10.
[18] Caso “Caso Gomes Lund e outros (“Guerrilha do Araguaia”) contra Brasil”
[19] Cf. Caso dos “Meninos de Rua” (Villagrán Morales e outros) versus Guatemala. Mérito. Sentença de 19 de novembro de 1999. Série C No. 63, par. 222; Caso Escher e outros, supra nota 27, par. 44, e Caso Da Costa Cadogan, supra nota 35, par. 12.
[20] Op. cit, pps. 88/90.
[21] Resolución No. 1920-2003 emitida el 13 de noviembre de 2003 por la Suprema Corte de Justicia de República Dominicana.
[22] Sentencia emitida el 23 de diciembre de 2004 por la Corte Suprema de Justicia de la Nación, República Argentina (Expediente 224. XXXIX), “Espósito, Miguel Angel s/ incidente de prescripción de la acción penal promovido por su defensa”, considerando 6.
[23] Mazzuoli, op cit., p. 167.
[24] Mazzuoli, op cit., p. 136.
ABSTRACT: This work approaches the theme of conventionality control, seeking to understand this kind of control on the validity of normative acts. Research starts with an approach on the literature and the jurisprudence of the Inter-American Court of Rights, the Brazilian Supreme Court and the constitutional courts in Latin America. Study proceeds with the distinction between conventionality control and the constitutionality control, to understand the elements and characteristics of the first. The analysis goes with the constitutional legitimacy for this control, considering the 1988 Brazilian Constitution and the Constitutional Amendment 45/2004, especially with regards to the hierarchical position of human rights treaties in the legal system. The conclusion is that the conventionality control is essential to the Rule of Law, figuring the respect to human rights as a real parameter to the production and validity of the national laws.
Keywords: CONVENCIONALITY, CONSTITUTIONALITY, CONTROL, VALIDITY, HUMAN RIGHTS.