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A evolução da proteção constitucional à maternidade e o direito à estabilidade gestacional mesmo quando a gravidez se der durante o aviso prévio

17/06/2013 às 10:04
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É feito um histórico do tratamento conferido à empregada que engravida durante o período em que está de aviso prévio.

Desde a concepção da vigente Constituição Federal, está inserida a garantia da empregada gestante à estabilidade provisória no emprego.

A Constituição prevêno art. 6º, "caput", dentre outros direitos sociais "a proteção à maternidade e à infância". No mesmo sentido o art. 10, II, "b" do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, atendendo o comando do art. 7º, XVIII da Carta Magna(que instituiu a “licença à gestante, sem prejuízo do emprego”)trouxe a seguinte ordem:"fica vedada a dispensa arbitrária ou sem justa causa: b) da empregada gestante, desde a confirmação da gravidez até cinco meses parto".

Inobstante a vigência de tais dispositivos constitucionais, até maio de 2013, referido benefício estava rodeado de nebulosas interpretações e omissões legais, que acabavam por dar entendimentos diversos sobre o mesmo dispositivo legal, o que exige mais aprofundamento no debate em torno do tema.

Esse minucioso estudo, após acalorados debates dos tribunais e da doutrina, em um primeiro momento acabou por levar à conclusão de que, após a concessão do aviso prévio, considerando que o contrato de trabalho já tinha data certa para acabar, o início de uma gestação não outorgaria à mãe garantia de emprego, considerava-se que o início de uma gestação em tal momento fosse umardil da empregada visando a manutenção forçada no emprego, uma espécie de vendeta, frustrando o direito potestativo do empregador em rescindir o contrato.

Nesse sentido o Tribunal Superior do Trabalho por diversas vezes se manifestou:

ESTABILIDADE PROVISÓRIA – GRAVIDEZ OCORRIDA NO CURSO DO AVISO PRÉVIO – (...) A vedação constitucional pressupõe gravidez preexistente à despedida. Constando a Corte regional que a gestação ocorreu quando em curso o aviso prévio, hipótese dos autos,descabe cogitar de direito à estabilidade. (TST – RR 304.752/1996-1 – 1ª T. – Rel. Min. João Oreste Dalazen – DJU 06.08.1999)

O TST entendia que a estabilidade gestacional, juntamente com outros direitos de cunho iminentemente trabalhista somente teria seus efeitos operados caso a gestação ocorresse antes do aviso prévio, como se lê na ementa de julgamento que teve como Relator o ínclito Ministro e doutrinador Ives Gandra Martins Filho:

GESTANTE – GRAVIDEZ NO CURSO DO AVISO-PRÉVIO – NÃO-GERAÇÃO DE ESTABILIDADE – SÚMULA Nº 371 DO TST – A questão da aquisição de estabilidade no curso do prazo correspondente ao aviso prévio já se encontra pacificada nesta Corte, através da Súmula nº 371, segundo a qual a projeção do contrato de trabalho para o futuro, pela concessão do aviso prévio indenizado, tem efeitos limitados às vantagens econômicas obtidas no período de pré-aviso, ou seja, salários, reflexos e verbas rescisórias. Assim, o fato de a reclamante ter engravidado no curso do aviso prévio não faz nascer a estabilidade própria da gestante, pois do contrário a concepção poderia se converter em meio de frustrar o exercício do direito potestativo do empregador, de resilição do contrato de trabalho, vindo a pagar por período sequer trabalhado, em caso de constatação tardia da gravidez. Recurso de revista provido. (TST – RR 1957/2003-067-15-00.0-15ª R. – 4ª T. – Rel. Min. Ives Gandra Martins Filho – DJU 10.08.2007)

A justificativa para esse primeiro entendimento, portanto, era a de que a empregada não teria direito à estabilidade ao engravidar durante o aviso prévio pelo fato de, à época da concepção, já saber que no mês seguinte não mais teria emprego, verbis:

AGRAVO REGIMENTALESTABILIDADE PROVISÓRIA DA GESTANTE ADQUIRIDA NO CURSO DO AVISO PRÉVIO – A jurisprudência firmada no âmbito da seção de dissídios individuais desta corte não admite a aquisição de estabilidade provisória no período do aviso prévio, pois a superveniência durante o transcurso do aviso prévio de qualquer fato impeditivo da resolução contratual, no caso a garantia de emprego da empregada gestante, ainda que desconhecidos à época da despedida, não impossibilita a rescisão do contrato de trabalho, eis que já sujeito a um termo. Agravo regimental desprovido. (TST – AGERR 349237/1997 – SBDI 1 – Rel. Min. Vantuil Abdala – DJU 18.12.1998 – p. 00095)

Tal entendimento, todavia, passou a sofrer severas críticas, principalmente dos defensores do constitucionalismo social, uma vez que referido direito, ao ser incluído na carta magna, não tinha como alvo de proteção a “mãe”, mas sim como prevê o caput do artigo 6º da norma maior "a maternidade e a infância".

Esse novo posicionamento doutrinário somente começou a tomar corpo nos tribunais superiores cerca de 23 anos depois de constitucionalizados, quando o TST passou a entender que, na verdade, a proteção criada em 1988 não era para a mãe, mas para a criança, assegurando que em seus primeiros meses de vida não corresse mais riscos à saúde e até mesmo à vida, se ao chegarem ao mundo, se deparassem com uma família desestruturada pelo desemprego da mãe e pela falta de condições mínimas para seu sustento.

Então o Egrégio TSTa partir de 2010[1]passou a criar precedentes, sedimentando esse entendimento em setembro de 2012, quando timidamente se deu um passo importante na atual conquista, incluindo o inciso III na Súmula nº 244, prevendo:

“A empregada gestante tem direito à estabilidade provisória prevista no art. 10, inciso II, alínea “b”, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, mesmo na hipótese de admissão mediante contrato por tempo determinado”.

Doravante a empregada gestante estaria abrigada pelo manto da estabilidade mesmo no contrato a termo.

Porém, uma vez modificada a ótica do Superior, além do novo entendimento trazido à tona pelo item III da Súmula 244 (quanto à estabilidade gestacional no contrato com prazo determinado), o TST e diversos TRTs passaram a estender referida interpretação à empregada que engravidasse durante o curso do aviso prévio, mesmo quando concedido na forma “indenizada”, assim:

RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA – SÚMULA Nº 331, ITEM IV, DO TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO – (...) ESTABILIDADE DA GESTANTE – CONCEPÇÃO NO CURSO DO AVISO-PRÉVIO INDENIZADO – Esta Corte, interpretando o art. 10, inciso II, alínea b, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, editou a Súmula nº 244, item I, do TST, segundo a qual o desconhecimento do estado gravídico pelo empregador não afasta o direito ao pagamento da indenização decorrente da estabilidade (art. 10, inciso II, alínea 'b', do ADCT). Logo, é condição essencial para que seja assegurada a estabilidade à reclamante o fato de a gravidez ter ocorrido durante o transcurso do contrato de trabalho, não sendo exigido o conhecimento da gravidez pela empregadora. No caso, extrai-se do acórdão regional que a concepção ocorreu na vigência do contrato de trabalho, considerando a projeção do aviso-prévio indenizado. Na esteira da Orientação Jurisprudencial nº 82 da SBDI-1 desta Corte, a data de saída a ser anotada na CTPS deve corresponder à do término do prazo do aviso prévio, ainda que indenizado, e, nos termos do artigo 487, § 1º, da CLT, o aviso-prévio, ainda que indenizado, integra o contrato de trabalho para todos os efeitos. Logo, a gravidez ocorrida nesse período não afasta o direito da reclamante à estabilidade provisória prevista no artigo 10, inciso II, alínea b, do ADCT. Recurso de revista não conhecido. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. Na Justiça do Trabalho, o deferimento de honorários advocatícios sujeita-se à constatação da ocorrência concomitante de dois requisitos: o benefício da justiça gratuita e a assistência por sindicato. Neste caso, conforme se verifica do acórdão regional, o reclamante não se encontra assistido pelo sindicato representativo de sua categoria, sendo, portanto, indevida a condenação em honorários advocatícios. Recurso de revista conhecido e provido. (TST – RR 199000-46.2008.5.04.0201 – Rel. Min. José Roberto Freire Pimenta – DJe 19.12.2012 – p. 326)

Como acima transcrito, o TST acompanhando entendimento anterior (preconizado na OJ n° 82[2] da SDI-1 do TST,que determina que mesmo sendo concedido de forma indenizadao período do aviso prévio será incluído na contagem da anotação de baixa na CTPS)passou a considerar, como período de vigência do contrato de trabalho todo o período do aviso prévio, inclusive se esse for “indenizado”, uma vez que ele, conforme assegura o artigo 487, § 1º, da CLT, “integra o contrato de trabalho para todos os efeitos”.

Concluía concomitantemente que a gravidez iniciada nesse período também dava direito à estabilidade provisória prevista no artigo 10, inciso II, alínea b, do ADCT, como bem salientou o voto do eminente Ministro Godinho Delgado:

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Empregada gestante. Estabilidade condicionada à comunicação da gravidez ao empregador. Princípio da adequação setorial negociada. Limites jurídicos. Constituição Federal. Arts. 6º, 7º, XVIII, 226, 227 e 10, II, b, do ADCT. A garantia de emprego da gestante encontra amparo não só no art. 10, II, b, do ADCT, mas também em toda a normatização constitucional voltada para a proteção da maternidade (arts. 6º e 7º, XVIII), da família (art. 226), da criança e do adolescente (227) e todos os demais dispositivos dirigidos à proteção da saúde pública. Por isso, não pode ser homologada disposição negocial que limita direito revestido de indisponibilidade absoluta, garantido na Constituição Federal (art. 10, II, b, do ADCT). A jurisprudência desta Corte, a propósito, já se pacificou no sentido de que a referida vedação constitucional decorre do fato objetivo da confirmação da gravidez na vigência do contrato de trabalho, caso em que o direito da obreira à estabilidade provisória prescinde do conhecimento prévio do seu estado gestacional pelo empregador no momento da resilição contratual (Súmula nº 244, I, do TST). Saliente-se, ainda, que as disposições do art. 10, II, b, do ADCT são plenamente válidas, inclusive na hipótese de a concepção ocorrer durante o prazo do aviso prévio, ou seja, no curso do contrato de trabalho, já que o aviso prévio não o extingue, mas apenas firma o prazo para sua terminação (inteligência do art. 489, ab initio, da CLT). (TST – RO 337100-65.2009.5.04.0000 – SDC – Rel. Min. Mauricio Godinho Delgado – DJe 17.08.2012)

Podemos então concluir que a justificativa para a concessão da estabilidade à gestante,mesmo “já sabendo a data do término do contrato”, não mais visava sua proteção, mas sim de seu filho.

Então o vetusto entendimento de que a empregada gestante não seria detentora de estabilidade porque engravidou já sabendo que estaria desempregada no momento do parto perdeu força, tendo o Colegiado Superior passado a entender que tal circunstância não obstaculiza a concessão da proteção constitucional em favor da criança que está prestes a vir ao mundo.

Ofendia aos preceitos constitucionais o posicionamento anterior, uma vez que o artigo 6º da carta magna visava justamente dar garantias reais não à “mãe”, mas à “maternidade”, termos que apesar de parecidos não se confundem, dando-se hoje proteção a quem efetivamente está em situação de desproteção: o nascituro.

E, do entendimento que se passou a formar no TST, nasceu em 2010[3], no Congresso Nacional, o Projeto de Lei n.° 7.158, que após trâmite legislativo e sanção presidencial, se transformou na Lei Federal Ordinária n.° 12.812/2013, que incluiu na CLT o ARTIGO 391-A, cujo teor é o seguinte:

CLT - Art. 391-A.  A confirmação do estado de gravidez advindo no curso do contrato de trabalho, ainda que durante o prazo do aviso prévio trabalhado ou indenizado, garante à empregada gestante a estabilidade provisória prevista na alínea b do inciso II do art. 10 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias.

Como se vê, hoje, lançada está uma pá de cal nos debates sobre a concessão ou não da estabilidade à empregada que engravidar durante o curso do aviso prévio, tendo o novel artigo 391-A garantido tal benefício até mesmo quando se estiver diante de aviso prévio indenizado pelo prazo que esse perdurar(conforme alterações legais promovidas pela Lei 12.506/2011), uma vez que enquanto se tratar de proteção ao nascituroprevalecerão os benefícios constitucionais, ainda que a empregada houver engravidado já sabendo o marco final do contrato de trabalho.

E atenção, tal norma tem vigência imediata após a publicação, que foi feita originariamente em 17/05/2013 e retificada em 20/05/2013, já estando em plena vigência.


Notas

[1]RR 194040-35.2006.5.02.0472(DJE 18.06.2010), RR 107-20.2011.5.18.0006(DJE 16.12.2011), RR 1601-11-2010.5.09.0068, (DJE 09.03.2012), RR 57041-60.2009.5.09.0671(DJE 27.04.2012), RR 49800-75.2009.5.02.0462(15.06.2012), RR 21700-25.2009.5.01.0079(DJE 13.04.2012).

[2]OJ 82 – SDI-1. AVISO PRÉVIO. BAIXA NA CTPS (inserida em 28.04.1997). A data de saída a ser anotada na CTPS deve corresponder à do término do prazo do aviso prévio, ainda que indenizado.

[3] de autoria do Senador Marcelo Crivella - PRB/RJ.

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Sobre o autor
Jorge Henrique Elias

Pós-graduado em Direito do Trabalho e Direito Processual do Trabalho no ano de 2004 pelo Centro Universitário de Anápolis, foi Professor de Direito do Trabalho e Direito Processual do Trabalho nas Faculdades do Instituto Brasil (FIBRA), Faculdade Metropolitana de Anápolis (FAMA) e Faculdade Anhanguera de Anápolis (ANHANGUERA). É Advogado desde 2002, sócio fundador do Escritório ELIAS & PFRIMER SOCIEDADE DE ADVOGADOS, banca onde se atua em todas as áreas do Direito. Ex-Presidente da OAB/GO, Subseção Anápolis de 2019 a 2021.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ELIAS, Jorge Henrique. A evolução da proteção constitucional à maternidade e o direito à estabilidade gestacional mesmo quando a gravidez se der durante o aviso prévio. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3638, 17 jun. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/24715. Acesso em: 29 mar. 2024.

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