Resumo: Em torno da aprovação em concurso público, tem se discutido há muito sobre a existência ou não de direito à nomeação, sendo amplamente aceita a posição de que, em regra, o candidato aprovado possui mera expectativa de direito. Contudo, além das exceções previstas na Constituição e consolidadas na doutrina e na jurisprudência, em face de certas situações, o STF e o STJ têm reconhecido a existência do referido direito, como decorrência da relação do fato de ter sido o candidato aprovado no certame com os fundamentos da discricionariedade administrativa, com a contratação precária de terceiros, com o direito à prioridade dos candidatos aprovados e com a previsão de vagas no edital do concurso público.
Palavras-chave: Concurso público. Aprovação. Nomeação. Prioridade. Discricionariedade administrativa. Vinculação ao edital. Igualdade. Presunção de veracidade. Princípio Republicano.
INTRODUÇÃO
Atualmente, cada vez mais o Direito Administrativo mostra-se uma das mais importantes vias de garantia e concretização da cidadania, na medida em que o primeiro e tradicional adversário dos direitos do cidadão tem sido o arbítrio dos governantes e administradores na atividade administrativa do Estado, apesar de a missão precípua deste, contemporaneamente, ser a de prover direta ou indiretamente muitos dos direitos do cidadão.
É nessa relação do Estado com o indivíduo que o Direito Administrativo, especialmente com lastro constitucional, tem se reestruturado para, dentre outras delimitações do poder estatal, evitar que o princípio da prevalência do interesse público sobre o privado – indiscutivelmente cerne deste ramo do saber jurídico e, por que não dizer, corolário do princípio republicano – não seja usado indevidamente como argumento para abusos do administrador público.
Isto porque, longe de uma visão purista do Direito – alheia à percepção de que a lei nasce e é aplicada em meio à boa e à má Política –, verifica-se que, na história, a atividade administrativa, assim como toda ação estatal (tributação, política econômica, políticas sociais – de educação, saúde, previdência, assistência social, trabalho), tem sido, por um lado, objeto de disputa socioeconômica de segmentos políticos e, por outro, meio de consecução dos fins de muitos administradores e governantes em nada desinteressados (aí se incluindo desde os chefes das seções dos órgãos e entidades públicas até nossos prefeitos, governadores e presidentes).
Com efeito, à medida que o exercício dos poderes administrativos tem sido gradativamente mais regrado, balizado e conformado em face dos direitos da cidadania (sobretudo, os direitos fundamentais) – o que pode ser ilustrado pela garantia do contraditório e da ampla defesa nos procedimentos administrativos, pelas formas de controle da Administração e pela responsabilização civil do Estado –, o Direito Administrativo tem se revestido cada vez mais de legitimidade e especial importância, uma vez que permite a constituição de um espaço realmente público, democrático e republicano.
Ademais, esse movimento de juridicização da atividade estatal[i] mostra-se de vital importância em nosso país, uma vez que, em muitas situações, a política de governo se impõe em detrimento da atividade técnico-administrativa e da política de Estado delineada pela Constituição (vejamos, como exemplo, a precária concreção de normas programáticas).
Daí, o direito do cidadão de participar da prestação do serviço público (de servir à sociedade) após prévio e igualitário processo de escolha (haja vista os benefícios disto decorrente), isto é, o direito de acesso aos cargos e empregos públicos mediante concurso público, consagrado pela Constituição brasileira em seu art. 37, onde constam outros tantos princípios e normas que, em grande parte, são, essencialmente, garantias da cidadania contra o uso arbitrário dos poderes administrativos.
Nesse contexto, em meio às discussões sobre o referido direito e em face de determinadas situações, tem surgido a pergunta: a aprovação em concurso público realizado para provimento de cargos ou empregos públicos gera direito à nomeação?
Como sabido, é amplamente difundida a idéia de que o candidato aprovado em concurso público para provimento de cargos ou empregos públicos tem apenas expectativa de direito à nomeação, por ser a nomeação ato discricionário da Administração Pública, isto é, sujeito à existência de oportunidade e conveniência para a sua prática.
Os Tribunais e os doutrinadores brasileiros têm, contudo, divergido sobre as exceções a esta regra, quando, no caso concreto, ao fato de o candidato ter sido aprovado são acrescidas certas circunstâncias que guardam pertinência com preceitos jurídicos.
Por isso, pretendemos nesse ensaio explicitar quais circunstâncias têm sido discutidas, refletindo sobre os fundamentos das posições que se formaram no Supremo Tribunal Federal e no Superior Tribunal de Justiça, com o fim de contribuir para uma análise mais profunda e contextualizada do referido direito.
Abordaremos, nos tópicos seguintes, a relação da aprovação em concurso público com os fundamentos da discricionariedade administrativa, com a contratação precária de terceiros, com o direito à prioridade dos candidatos aprovados e com a previsão de vagas no edital do concurso público.
Para isso, além do levantamento das decisões destes Tribunais, pesquisou-se a posição da doutrina em livros e artigos científicos publicados.
1. HISTÓRICO DO RECONHECIMENTO DO DIREITO À NOMEAÇÃO
Como dito inicialmente, a doutrina e jurisprudência brasileiras têm reiterado a regra de que a aprovação em concurso público gera mera expectativa de direito à nomeação ao respectivo cargo ou emprego. Porém, quanto às exceções oponíveis a esta idéia, não possuíram sempre um entendimento uniforme.
Inicialmente havia consenso apenas de que o candidato aprovado em concurso público tem direito à nomeação quando:
a) desobedecida a ordem de classificação, conforme consagrou o Supremo Tribunal Federal na Súmula 15, ainda nos anos sessentas.[ii]
b) desrespeitado o direito de prioridade sobre os aprovados em concurso posterior, segundo dispõe o art. 37, IV, da Constituição Federal – o que, por conseqüência, quer significar que há direito à nomeação, se não convocado nem mesmo o primeiro colocado durante o prazo de vigência do concurso e a Administração proveja a vaga com o aprovado em concurso posterior, conforme assinalam Hely Lopes Meirelles[iii] e Celso Antônio Bandeira de Mello[iv].
2. CONTRATAÇÃO PRECÁRIA DE TERCEIROS E O DIREITO À PRIORIDADE DOS CONCURSADOS
Por outro lado, STF e STJ têm reconhecido que, bem entendido em seu fim, o princípio contido no art. 37, IV, da Constituição, ao proteger o concurso público do abuso das demais formas de contratação, dá prioridade aos aprovados em um certame não só em relação aos candidatos de outro concurso posterior (como decorre de uma interpretação literal de tal dispositivo constitucional), mas em relação a outras formas de contratação de pessoal que lhe possam tornar inócua.
Esse raciocínio vê-se, entre os primeiros precedentes sobre a matéria, no voto do Ministro Carlos Velloso no Recurso Extraordinário 273.605, onde se discutia a legalidade de contratação temporária de professor, embora houvesse dois candidatos aprovados em concurso público para provimento efetivo e cargos vagos: “a interpretação há de ser teleológica, não literal, porque não existem novos ‘concursados’”[v].
Reconhecem o STF e o STJ surgir o direito à nomeação quando presentes dois requisitos, além é claro da existência de vaga do cargo ou emprego público: a) que haja contratação precária de terceiros; b) que tal terceirização seja para o exercício da mesma atividade que desempenhariam os concursados se nomeados, isto é, que fique demonstrado a existência de interesse, por parte da Administração, de que tal atividade seja desempenhada. Tais fatores podem ser constatados por meio da verificação de publicação de edital de licitação para terceirização de determinado serviço ou da publicação de excerto de convênio celebrado com outro ente da Federação (o que atualmente pode ser pesquisado no site da Imprensa Nacional: www.in.gov.br).
Bem exemplificativo disso é o que assentado pelo STJ no RMS 31.847/RS (2ª Turma, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, DJe de 30.12.2011)[vi]:
ADMINISTRATIVO. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO. APROVAÇÃO FORA DAS VAGAS PREVISTAS NO EDITAL. SURGIMENTO DE NOVAS VAGAS NO DECORRER DO PRAZO DE VALIDADE DO CERTAME. CARGOS OCUPADOS EM CARÁTER PRECÁRIO. DIREITO LÍQUIDO E CERTO CONFIGURADO NO CASO CONCRETO. PRECEDENTES DO STF E STJ. PROVIMENTO DO RECURSO ORDINÁRIO. 1. O Supremo Tribunal Federal, em julgamento submetido ao regime de repercussão geral, estabeleceu os princípios constitucionais e os limites que regem a nomeação de candidatos aprovados em concurso público e a adequação da Administração Pública para a composição de seus quadros (RE 598.099/MS, Tribunal Pleno, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJe de 3.10.2011). 2. No caso dos autos, a recorrente impetrou mandado de segurança contra ato do Presidente do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, o qual foi denegado por ausência de direito líquido e certo em razão da não comprovação de preterição na ordem de classificação de concurso público. 3. A orientação jurisprudencial desta Corte Superior reconhece a existência de direito líquido e certo à nomeação de candidatos aprovados dentro do número de vagas previsto no edital. Por outro lado, eventuais vagas criadas/surgidas no decorrer da vigência do concurso público, por si só, geram apenas mera expectativa de direito ao candidato aprovado em concurso público, pois o preenchimento das referidas vagas está submetido à discricionariedade da Administração Pública. 4. Entretanto, tal expectativa de direito é transformada em direito subjetivo à nomeação do candidato aprovado se, no decorrer do prazo de validade do edital, houver a contratação precária de terceiros para o exercício dos cargos vagos, salvo situações excepcionais plenamente justificadas pela Administração, de acordo com o interesse público. 5. Na hipótese examinada, a recorrente foi aprovada para o cargo de Escrivão, fora do número de vagas previsto no edital, em regular concurso público realizado pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Além disso, é incontroverso o surgimento de novas vagas para o referido cargo, no período de vigência do certame, as quais foram ocupadas, em caráter precário, por meio de designação de servidores do quadro funcional do Poder Judiciário Estadual. 6. Portanto, no caso concreto, é manifesto que a designação de servidores públicos de seus quadros, ocupantes de cargos diversos, para exercer a mesma função de candidatos aprovados em certame dentro do prazo de validade, transforma a mera expectativa em direito líquido e certo, em flagrante preterição a ordem de classificação dos candidatos aprovados em concurso público. 7. Sobre o tema, os seguintes precedentes do STF e STJ: RE 581.113/SC, 1ª Documento: 19037364 - EMENTA / ACORDÃO - Site certificado - DJe: 30/11/2011 Página 1 de 2Superior Tribunal de Justiça Turma, Rel. Min. Dias Toffoli, DJe 31.5.2011; EDcl no RMS 34.138/MT, 2ª Turma, Rel. Min. Herman Benjamin, DJe de 25.10.2011; RMS 22.908/RS, 6ª Turma, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, DJe 18.10.2010; RMS 32.105/DF, 2ª Turma, Rel. Min. Eliana Calmon, DJe 30.8.2010; RMS 20.565/MG, 5ª Turma, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, DJ 21.5.2007; AgRg no REsp 652789/SC, 5ª Turma, Rel. Min. Felix Fischer DJ 1º.8.2006. 8. Recurso ordinário em mandado de segurança provido.
Nessa linha, também os seguintes julgados mencionados dos Informativos nº 300 e 367 do STJ, respectivamente:[vii]
CONCURSO PÚBLICO. NOMEAÇÃO. PRETERIÇÃO. CONVÊNIO.
A recorrente foi aprovada em primeiro lugar no concurso realizado para o provimento do cargo de oficial de justiça da comarca, mas foi preterida em favor da contratação de outros como oficiais de justiça ad hoc, mediante convênio realizado entre o Poder Judiciário estadual e o município. Diante disso, a Turma reiterou que é certa a assertiva de que o candidato aprovado em concurso público possui mera expectativa de direito à nomeação e que essa expectativa transforma-se em direito subjetivo quando, aprovado dentro das vagas previstas no edital, ainda válido o concurso, há a contratação precária de terceiros, concursados ou não, para o exercício dos cargos. Dessarte, a Turma deu provimento ao recurso para conceder a ordem e determinar a nomeação da recorrente naquele cargo. Precedentes citados: RMS 15.203-PE, DJ 17/2/2003; RMS 11.222-MG, DJ 6/2/2006, e RMS 16.389-MS, DJ 2/4/2004. (RMS 19.924-SP, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, julgado em 10.10.2006)
CONCURSO PÚBLICO. NOMEAÇÃO. CONTRATAÇÃO PRECÁRIA.
A Seção concedeu a ordem para determinar a nomeação e posse da impetrante no cargo de fiscal agropecuário federal (especialidade médico veterinário) por considerar que, na espécie, ela obteve êxito em concurso público para o referido cargo na décima-terceira colocação, na classificação referente a determinado Estado-membro. Embora previstas apenas oito vagas no edital do certame, foram nomeados os candidatos até a décima-segunda colocação. Ficou evidenciada a necessidade da Administração no preenchimento dos cargos, tendo em vista a celebração de convênio com os municípios a fim de que estes disponibilizassem médicos veterinários à União. Eles embora permanecessem administrativamente vinculados aos respectivos municípios, seriam treinados para executar as tarefas típicas dos fiscais federais agropecuários, suprindo, assim, a carência de pessoal nessa área. A questão está em saber se a existência desses convênios faria surgir o direito dos aprovados em concurso público à nomeação para as vagas existentes. A Min. Relatora, tendo em vista precedentes deste Superior Tribunal, entende que a celebração de tais convênios de cooperação entre a União e os municípios, por meio do qual pessoas que são estranhas aos quadros da Administração Federal passam, sob a supervisão e controle da União, a exercer funções por lei atribuídas aos fiscais agropecuários federais, faz surgir o direito à nomeação daqueles aprovados em concurso público para o aludido cargo, desde que, como no caso, reste comprovada a existência de vaga. Precedentes citados: RMS 24.151-RS, DJ 8/10/2007, e REsp 631.674-DF, DJ 28/5/2007. (MS 13.575-DF, Rel. Min. Jane Silva (Desembargadora convocada do TJ-MG), julgado em 10.09.2008)
Segundo assentado há muito pela Primeira Turma do Supremo Tribunal (ao apreciar o Agravo Regimental no Agravo de Instrumento 594.955/BA, decidido à unanimidade, sob relatoria do Min. Sepúlveda Pertence, DJ de 03.08.2007[viii]), tal situação configura na verdade um desvio de poder do ato administrativo de contratar, “caracterizando a preterição de candidato aprovado em concurso”.
Nesse sentido também: Agravo de Instrumento no Recurso Extraordinário 442.210/SC, Primeira Turma, por unanimidade, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ de 06.10.2006[ix]; Agravo Regimental no Agravo de Instrumento 440.895/SE, Primeira Turma, por unanimidade, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ de 20.10.2006.[x]
Nessa linha, os julgados do STJ a seguir relacionados dão noção do histórico da jurisprudência do tribunal: Mandado de Segurança 8.011/DF, Terceira Seção, por unanimidade, Relator Min. Gilson Dipp, DJ de 23.06.2003[xi]; Recurso Ordinário em Mandado de Segurança n? 24.151/RS, Quinta Turma, por unanimidade, Rel. Min. Félix Fischer, DJ de 08.10.2007[xii]; Recurso Especial 631.674/DF, Quinta Turma, por unanimidade, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, DJ de 28.05.2007[xiii]; Recurso Ordinário em Mandado de Segurança 16.389/MG, Quinta Turma, por unanimidade, Rel. Min. José Arnaldo da Fonseca, DJ de 02.02.2004[xiv]; Recurso Ordinário em Mandado de Segurança 11.714/PR, Quinta Turma, por unanimidade, Rel. Min. Edson Vidigal, DJ de 08.10.2001[xv]; Recurso Ordinário em Mandado de Segurança 11.222/MG, Quinta Turma, por unanimidade, Rel. Min. Laurita Vaz, DJ de 06.02.2006[xvi]; Recurso Especial n? 476.234/SC, Quinta Turma, por unanimidade, Rel. Min. Félix Fischer, DJ de 02.06.2003.[xvii]
Acrescente-se ainda que o princípio da exigência de concurso público para ingresso no serviço público acima de tudo é uma diretriz imposta à Administração Pública por parte do princípio da igualdade, na medida em que tal diretriz constitucional (estabelecida no art. 37, I, da CF/88, especificamente para os concursos) obriga a o Estado instituir um procedimento para seleção de seu pessoal que seja objetivo, impessoal e amplamente acessível aos cidadãos – determinações normativas que se mostram valiosas em um país em que o meio público é historicamente tomado pelo personalismo e pelo favorecimento pessoal.[xviii] Deste modo, como via de acesso igualitária ao serviço público, o concurso tem prevalência sobre as demais vias de contratação.
3. PREVISÃO DE VAGAS NO EDITAL DO CONCURSO
A discussão sobre o direito à nomeação a cargo ou emprego público tem envolvido também a circunstância de haver previsão, no edital do concurso público, do número de vagas a serem providas.
3.1. Aprovação dentro do número de vagas previstas para o certame
Precedentes do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça distinguem a situação dos candidatos aprovados que se classificaram dentro do número das vagas previstas em edital, daqueles aprovados fora delas e que, conforme o edital, formariam, cadastro de reserva, para provimento eventual de vagas.
Segundo tais julgados, os primeiros candidatos têm direito à nomeação, uma vez que o edital, ao prever certo número de vagas, adiantou o juízo de discricionariedade da Administração e, assim, presentes os demais elementos para a prática do ato, a nomeação se tornaria obrigatória. Já os demais aprovados detêm apenas a aludida expectativa de direito, pois a nomeação deles dependeria da oportunidade e da conveniência do ato para o interesse público, o que o caracteriza como discricionário.
Nesse sentido, são precedentes do STJ: Recurso Ordinário em Mandado de Segurança 19.216/RO, Sexta Turma, por unanimidade, Rel. Min. Paulo Medina, DJ de 09.04.2007[xix]; Agravo Regimental no Recurso Ordinário em Mandado de Segurança 21.668/PR, Quinta Turma, por unanimidade, Rel. Min. Gilson Dipp, DJ de 30.10.2006[xx]; Mandado de Segurança 11.992/DF, Terceira Seção, por unanimidade, Rel. Min. Paulo Medina, DJ de 02.04.2007[xxi], dentre outros.
Nessa linha, chegou-se a afirmar que o ato de nomeação passaria a ser vinculado, bem como que a desistência dos aprovados dentro do número de vagas gera direito à nomeação aos aprovados em posições imediatamente posterior (Recurso Ordinário em Mandado de Segurança 19.635/MT, Sexta Turma, por unanimidade, Rel. Min. Maria Theresa de Assis Moura, DJ de 26.11.2007[xxii]; Recurso Ordinário em Mandado de Segurança 15.034/RS, Quinta Turma, por unanimidade, Rel. Min. Félix Fischer, DJ de 29.03.2004[xxiii]).
No STF, esta posição, contudo, foi por muito tempo minoritária e prevalecia apenas em poucos julgados[xxiv] – ainda mais após a aposentadoria do Min. Sepúlveda Pertence. Com efeito, a maioria dos Ministros do Supremo Tribunal entendia que a aprovação dentro do número de vagas previstas em edital de concurso público não gera direito à nomeação e assim o candidato aprovado nessas condições teria apenas expectativa de direito, por ser discricionário tal ato (Ação Direta de Inconstitucionalidade 2.931/RJ, Pleno, por maioria, Rel. Min. Carlos Britto, DJ de 29.09.2006[xxv]; Recurso Extraordinário 229.450/RJ, Pleno, por maioria, Rel. Min. Maurício Corrêa, DJ de 30.08.2001[xxvi]).
Discutiu o STF na referida ADI n? 2.931/RJ a constitucionalidade do art. 77, VII, da Constituição do Estado do Rio de Janeiro, onde previsto o direito dos candidatos aprovados dentro do número de vagas previstas no edital à nomeação no prazo de 180 dias.
Em curta síntese, nesse feito, o Ministro Relator: a) por um lado, conjugou os incisos III e IV do art. 37 da Constituição, para concluir que só no caso de concursos sucessivos (por exemplo, quando um concurso é aberto ainda no prazo de validade do outro) há direito à nomeação dos aprovados no primeiro concurso caso os aprovados no certame posterior sejam convocados antes deles durante o prazo de validade do concurso, pois apenas nesta hipótese a Carta Magna reconheceu tal direito; e b) por outro lado, extraiu dos dispositivos atinentes à autonomia administrativa de cada Poder estatal o caráter discricionário do provimento de cargos e empregos públicos (o que impediria, por exemplo, o Judiciário e o Legislativo de determinarem a nomeação de cargos no Executivo).
Evolui, contudo, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal para reconhecer, na linha do que há muito decidia o Superior Tribunal de Justiça. Por bem ilustrar os fundamentos de tal posicionamento, transcrevo o resumo do que decidido, por maioria, no RE 598.099, divulgado no Informativo nº 635 do STF[xxvii]:
Concurso público: vagas previstas em edital e direito subjetivo à nomeação - 1
O Plenário desproveu recurso extraordinário interposto de acórdão do STJ que, ao reconhecer o direito subjetivo à nomeação de candidato aprovado em concurso público no limite do número de vagas definido no edital, determinara que ela fosse realizada. Entendeu-se, em síntese, que a Administração Pública estaria vinculada às normas do edital e que seria, inclusive, obrigada a preencher as vagas previstas para o certame dentro do prazo de validade do concurso. Acrescentou-se que essa obrigação só poderia ser afastada diante de excepcional justificativa, o que não ocorrera no caso. Após retrospecto acerca da evolução jurisprudencial do tema na Corte, destacou-se recente posicionamento no sentido de haver direito subjetivo à nomeação, caso as vagas estejam previstas em edital. Anotou-se não ser admitida a obrigatoriedade de a Administração Pública nomear candidato aprovado fora do número de vagas previstas, simplesmente pelo surgimento de nova vaga, seja por nova lei, seja decorrente de vacância. Observou-se que também haveria orientação no sentido de que, durante o prazo de validade de concurso público, não se permitiria que candidatos aprovados em novo certame ocupassem vagas surgidas ao longo do período, em detrimento daqueles classificados em evento anterior. Reputou-se que a linha de raciocínio acerca do tema levaria à conclusão de que o dever de boa-fé da Administração Pública exigiria respeito incondicional às regras do edital, inclusive quanto à previsão das vagas do concurso público. Afirmou-se que, de igual maneira, dever-se-ia garantir o respeito à segurança jurídica, sob a forma do princípio de proteção à confiança. O Min. Ricardo Lewandowski ressalvou inexistir direito líquido e certo. Ademais, enfatizou o dever de motivação por parte do Estado, se os aprovados dentro do número de vagas deixarem de ser nomeados. O Min. Ayres Britto, por sua vez, afirmou que o direito líquido e certo apenas surgiria na hipótese de candidato preterido, ou de ausência de nomeação desmotivada.RE 598099/MS, rel. Min. Gilmar Mendes, 10.8.2011. (RE-598099)
Concurso público: vagas previstas em edital e direito subjetivo à nomeação - 2
Explicou-se que, quando a Administração Pública torna público um edital de concurso, ela impreterivelmente geraria uma expectativa quanto ao seu comportamento segundo as regras previstas no edital. Assim, aqueles cidadãos que decidissem se inscrever para participar do certame depositariam sua confiança no Estado, que deveria atuar de forma responsável quanto às normas editalícias e observar o princípio da segurança jurídica como guia de comportamento. Ressaltou-se que a Constituição, em seu art. 37, IV, garantiria prioridade aos candidatos aprovados em concurso. Asseverou-se que, dentro do prazo de validade do certame, a Administração poderia escolher o momento no qual realizada a nomeação, mas não dispor sobre ela própria, a qual, de acordo com o edital, passaria a constituir um direito do concursando aprovado e, dessa forma, um dever imposto ao Poder Público. Em seguida, explicitou-se que esse direito à nomeação surgiria, portanto, quando realizadas as seguintes condições fáticas e jurídicas: a) previsão em edital de número específico de vagas a serem preenchidas pelos candidatos aprovados em concurso público; b) realização de certame conforme as regras do edital; c) homologação do concurso e proclamação dos aprovados dentro do número de vagas previsto, em ordem de classificação, por ato inequívoco e público da autoridade competente. Reputou-se que esse direito seria público subjetivo em face do Estado, fundado em alguns princípios informadores da organização do Poder Público no Estado Democrático de Direito, como o democrático de participação política, o republicano e o da igualdade. Dessa maneira, observou-se que a acessibilidade aos cargos públicos constituiria direito fundamental expressivo da cidadania, e limitaria a discricionariedade do Poder Público quanto à realização e gestão dos concursos públicos. A Min. Cármen Lúcia repisou que o princípio da confiança seria ligado ao da moralidade administrativa e que, nesse sentido, a Administração não possuiria poder discricionário absoluto.RE 598099/MS, rel. Min. Gilmar Mendes, 10.8.2011. (RE-598099)
Concurso público: vagas previstas em edital e direito subjetivo à nomeação - 3
Ressalvou-se a necessidade de se levar em conta situações excepcionalíssimas, a justificar soluções diferenciadas, devidamente motivadas de acordo com o interesse público. Essas situações deveriam ser dotadas das seguintes características: a) superveniência, ou seja, vinculadas a fatos posteriores à publicação do edital; b) imprevisibilidade, isto é, determinadas por circunstâncias extraordinárias; c) gravidade, de modo a implicar onerosidade excessiva, dificuldade ou mesmo impossibilidade de cumprimento efetivo das regras editalícias; d) necessidade, traduzida na ausência de outros meios, menos gravosos, de se lidar com as circunstâncias. Asseverou-se a importância de que a recusa de nomear candidato aprovado dentro do número de vagas seja devidamente motivada e, dessa forma, passível de controle pelo Poder Judiciário. Por fim, reafirmou-se a jurisprudência da Corte segundo a qual não se configuraria preterição quando a Administração realizasse nomeações em observância a decisão judicial. Ratificou-se, de igual modo, a presunção de existência de disponibilidade orçamentária quando houver preterição na ordem classificatória, inclusive da decorrente de contratação temporária. Salientou-se, além disso, que o pedido de nomeação e posse em cargo público para o qual o candidato fora aprovado, em concurso público, dentro do número de vagas, não se confundiria com o pagamento de vencimentos, conseqüência lógica da investidura do cargo.RE 598099/MS, rel. Min. Gilmar Mendes, 10.8.2011. (RE-598099)
Além do que já assentado pelo STJ e pelo STF, entendo, na linha da monografia apresentada à guisa de trabalho de conclusão da Especialização em Direito Público em 2008, que a aprovação dentro do número de vagas previstas no edital do concurso gera direito à nomeação.
Com efeito, nessa situação, há elementos de relevo jurídico a serem especialmente considerados. Refiro-me aos fatos de: a) haver uma declaração do Estado de que o certame se destina ao provimento de certos cargos ou empregos vagos; b) isto implicar um adiantamento do juízo de discricionariedade do ato de nomeação; e c) estar em jogo a dignidade do cidadão, o reconhecimento mínimo de seus esforços e sacrifícios para se habilitar ao serviço público, pois tal declaração estatal o obriga, como é consabido, a dedicar grande parte de seu tempo à preparação para os exames do concurso, fazendo com que alguns até mesmo deixem de trabalhar, tal a exigência das provas.
Examinemos, um por um, estes elementos.
Primeiramente, temos que lembrar que, se toda e qualquer ato estatal deve-se presumir verdadeiro, não pode ser diferente com as declarações estatais. Assim, a existência de uma declaração estatal do número de vagas a serem providas impõe que a Administração atue conforme suas declarações e por elas se responsabilize, para que não incorra em mácula à presunção de veracidade de seus atos. Em verdade, tal balize é imposta pelo Direito ao Estado em defesa do cidadão, em típica concretização da noção de Estado de direito, isto é, na dicção do Ministro Gilmar Mendes, um Estado onde não há soberanos, em que ele mesmo está submetido à lei. Desta forma, a presunção de veracidade dos atos administrativos e o Estado de direito obrigam a Administração expor, pública e devidamente, as razões da impossibilidade de provimento das vagas anunciadas.
Com efeito, é também em razão dessa noção de Estado de direito que o edital é lei para a Administração e para o cidadão. Só se pode, pois, defender a idéia de que o edital pode ser alterado unilateralmente pela Administração durante o concurso, se houver devida demonstração de que o interesse público o exigiu e se for respeitada a dignidade do cidadão.
Em segundo lugar, tal declaração estatal há ser tida como um exercício do juízo de discricionariedade, pois a Administração, quando fixa no edital o número de vagas a serem preenchidas durante o prazo de validade do concurso, o faz dentro da quantidade de cargos ou empregos vagos existentes, total que nem sempre é possível prover.
Nesse ponto, vale lembrar que o princípio da república e o princípio da moralidade administrativa impõem à Administração a elaboração de um planejamento administrativo sério e previdente ao ponto de possibilitar que, no edital, conste um número de vagas que tenham boa probabilidade de serem providas pelos aprovados no concurso.
Já com relação ao fato de a declaração feita pela Administração no edital guardar relação com a dignidade do cidadão, destaco do voto do Min. Marco Aurélio, na ADI 2.931/RJ, em que ficaram vencidos também os Ministros Celso Mello e Sepúlveda Pertence e estava ausente o Ministro Eros Grau:
(...) em jogo faz-se texto da Constituição do Estado do Rio de Janeiro que, a meu ver, homenageia um fundamento básico da República: a preservação da dignidade do homem.
O edital é a lei do certame, obriga o candidato, como obriga também a Administração Pública. O dispositivo em questão estabelece que, se o edital anuncia determinado número de vagas, elas devem ser preenchidas, gerando o direito público subjetivo do aprovado a ser nomeado – e é isso que se presume pelo critério, inclusive, da finalidade dos atos públicos.
Não vejo como, diante dessa previsão – e a Administração Pública não pode brincar com o cidadão, convocando-o para um certame e depois, simplesmente, deixando esgotar o prazo de validade do concurso sem proceder às nomeações –, apontar inconstitucional o preceito.
Peço vênia ao ilustre relator para abandonar a jurisprudência, para mim vetusta, ultrapassada em termos de avanço cultural, que revelou, durante muitos anos, a existência do direito à nomeação apenas no caso de preterição.
A situação concreta é esta: o edital anunciou que o concurso seria realizado para preenchimento de “x” vagas. Ora, é possível ter-se um ato omissivo da Administração Pública, deixando de nomear, no prazo de validade do concurso, os aprovados?
(...).
Nesse sentido, vale lembrar o que assinala Juliano Vieira Alves, mestre em Sociologia pela Universidade de Brasília, bacharel em Direito e servidor da Justiça do Distrito Federal e Territórios:
(...) o filtro do direito, que delimita o que é juridicamente relevante, em várias situações, não reconhece uma importante esfera simbólica da relação social. Em outros termos, o que compreende o conceito de reconhecimento não corresponde às delimitações legais. Não é à toa que um dos instrumentos de trabalho mais usados dentro do campo do direito é a “redução a termo”. O que defendemos é que levar essas questões pessoais trazidas pelas partes para ser apreciadas pelo Poder Judiciário não significa um déficit de modernidade para a ocasião.
De alguma forma, a humanização do direito requer a análise não de uma pessoa no sentido técnico, impessoal e quase asséptico, mas de uma pessoa sociologicamente construída e reconhecida como alguém que merece reconhecimento e consideração no sentido dado por Charles Taylor (...) [o que, segundo Juliano Alves, consistiria no reconhecimento e consideração da dignidade, conceito que substituiu ao de honra nas sociedades democráticas modernas e pode ser tido como uma eficaz igualdade nos direitos individuais potencialmente universalizáveis].[xxviii]
3.2. Aprovação fora do número de vagas e surgimento de novas vagas durante o prazo de validade do concurso (sem contratação de novos concursados)
Outra questão com que tem lidado nossos tribunais é a de saber se o surgimento de novas vagas durante o prazo de validade do concurso (em razão da aposentadoria de servidores, da sua assunção de outro cargo ou emprego, da exoneração ou demissão) dá aos aprovados fora das vagas previstas em edital direito à nomeação.
O Superior Tribunal de Justiça, em alguns julgados[xxix], deu relevância jurídica à referida circunstância, para reconhecer o direito à nomeação, sob o argumento de que a vacância demonstra interesse da Administração em prover o cargo.
Não parece ser esta, porém, a melhor solução.
Com efeito, a inexistência, por um lado, de planejamento administrativo para provimento do cargo vago (a que obriga o princípio republicano) e, por outro, a ausência de mácula à presunção de veracidade – diferentemente da situação descrita no item anterior – conduzem ao entendimento de que não há direito à nomeação no caso. Até porque no caso não houve exercício de discricionariedade pela Administração, a fim de que se saiba se o ato é ou não conveniente e oportuno ao interesse público.
Têm, assim, os candidatos aprovados fora do número de vagas mera expectativa de direito, porém com direito à prioridade, se houver interesse da Administração em contratar pessoal, durante o prazo de validade do concurso e é claro existam vagas a serem providas.
Isto, vale assinalar, não impede a abertura de novo concurso durante o prazo de validade do certame em que só há candidatos aprovados fora das vagas, uma vez que a Administração pode vislumbrar não ser a nomeação deles oportuna ou conveniente até o fim deste período, seja por falta de verbas, seja pela necessidade de contratação de pessoal para área diversa das disponíveis que possa satisfazer a necessidade de mão-de-obra e também atender a outra demanda que não seria contemplada com a nomeação, por exemplo.
Nessa linha, mais recente o Superior Tribunal de Justiça tem reconhecido o direito à nomeação de tais candidatos de forma mais cautela, em casos, por exemplo, nos quais o próprio edital do concurso público prevê que serão providas as vagas que advierem durante o prazo de validade do resultado do certame (que como se sabe é contado a partir da homologação), consoante se vê do seguinte excerto do Informativo nº 511 do citado tribunal[xxx]:
DIREITO ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. DIREITO À NOMEAÇÃO. VAGAS QUE SURGEM DURANTE O PRAZO DE VALIDADE DO CONCURSO PÚBLICO.
O candidato aprovado fora das vagas previstas originariamente no edital, mas classificado até o limite das vagas surgidas durante o prazo de validade do concurso, possui direito líquido e certo à nomeação se o edital dispuser que serão providas, além das vagas oferecidas, as outras que vierem a existir durante sua validade. Precedentes citados: AgRg no RMS 31.899-MS, DJe 18/5/2012, e AgRg no RMS 28.671-MS, DJe 25/4/2012. (MS 18.881-DF, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, julgado em 28.11.2012)
3.3. Necessidade de aprovação em curso de formação para ser nomeado
Cumpre observar que a questão, em regra, não se altera se o edital prevê a necessidade de um curso de formação antes da nomeação.
Isto porque, segundo o STF[xxxi], a Constituição Federal, ao prever no art. 37, II[xxxii], que os concursos para acesso a cargos ou empregos públicos serão de provas ou de provas e títulos, definiu no que consistiria o certame em si. Assim, o curso de formação – não consistindo apenas em provas para verificação dos conhecimentos dos candidatos, mas na capacitação dos aprovados para os procedimentos da repartição pública a que servirá (inclusive mediante prestação, a tais candidatos, de informações internas de difícil acesso, em regra, ao público externo) – não pode ser considerado como parte do concurso público em si. É mero pré-requisito para nomeação, imposto pelas normas do certame (a lei reguladora do cargo ou emprego, o edital do concurso, as resoluções administrativas).
Deste modo, vê-se que a exigência de aprovação no curso de formação guarda relação com o direito ou expectativa de direito à nomeação, conforme a posição que se adotar.
Por isso, tal fato só tem relevância jurídica em relação aos aprovados dentro do número de vagas. Quando o concurso previr curso de formação, o candidato aprovado nas provas iniciais, ao invés de direito ou expectativa de direito à nomeação no cargo ou emprego, tem apenas direito a participar no referido curso.
Assim, quanto aos aprovados fora do número de vagas previstas no edital, a necessidade de curso de formação não faz diferença. Neste caso, tanto os aprovados em concurso que o preveja, quanto os candidatos de certame que o não exija têm, igualmente, apenas expectativa de direito à nomeação, mas possuem direito à prioridade sobre qualquer outra forma de contratação de pessoal (isto é, em face dos aprovados em concurso posterior durante o prazo de validade do certame a que se submeteram; em face da terceirização de mão-de-obra), segundo os precedentes jurisprudenciais anteriormente citados.