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O que (não) muda com a rejeição da PEC 37?

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Com a rejeição da PEC 37, não se resolveu um problema, apenas se deixou criar outro. Ainda há outros projetos de lei que podem limitar a atuação investigativa do Ministério Público.

O Plenário da Câmara dos Deputados rejeitou, por 430 votos a 9 e 2 abstenções, a Proposta de Emenda à Constituição nº 37, de 2011, que reduzia o poder de investigação criminal do Ministério Público, limitando sua atuação. Assim, a PEC será arquivada.

Contudo, a rejeição da PEC 37/11 pela maioria esmagadora dos deputados não encerra a discussão acerca do poder de investigação do Ministério Público. Tampouco os discursos inflamados dos deputados federais foram convincentes, haja vista que restou evidente que isso só foi possível em razão do clamor popular e da visibilidade diante dos protestos por todo o país. Tanto que para facilitar a derrota da proposta, os deputados votaram apenas o texto principal, prejudicando o texto da Comissão Especial (em maio deste ano foi criado um grupo de trabalho técnico para aperfeiçoar a PEC 37).

É importante lembrar que a proposição foi apresentada por mais de 1/3 dos membros da Câmara dos Deputados, conforme exigem os artigos 60, inciso I, da Constituição Federal e 201, inciso I, do Regimento Interno.

O tema, entretanto, é bem relevante e não é exclusividade da PEC em questão, pois a divergência existe há tempos entre os representantes do Ministério Público, da Polícia Federal e da Polícia Civil. Ademais, a OAB, na ocasião em que se manifestou, defendeu a PEC 37, afirmando, em outras palavras que o Ministério Público não possui atribuição de conduzir a investigação, devendo apenas atuar apenas como titular da ação penal, pois teria interesse na produção de provas a favor de sua tese de acusação.

A Constituição Federal de 1988, no seu art. 127, define o Ministério Público como uma instituição permanente, essencial ao funcionamento da Justiça, com a competência de defender a ordem jurídica, o regime democrático e os interesses sociais e individuais indisponíveis.

Assim, o Ministério Público não faz parte de nenhum dos três Poderes - Executivo, Legislativo e Judiciário -, possuindo autonomia na estrutura do Estado, não podendo ser extinto ou ter as atribuições repassadas a outra instituição.


O objetivo da PEC 37

A proposição tinha como objeto acrescentar ao art. 144, da CF/88, um 10º parágrafo, cujo teor determinaria a competência privativa das polícias judiciárias (civil e federal) para a apuração (investigação) das infrações descritas nos §§ 1º e 4º do mesmo artigo da Constituição.

O argumento daqueles que defendiam a PEC 37 era que “embora os comandos constitucionais descritos nos §§ 1º e 4º do já citado art. 144 da CF, atribuam às polícias civis e federal as funções de investigação criminal e de polícia judiciária, celeumas diversas vêm sendo enfrentadas perante os tribunais acerca daqueles que possuem investidura para a realização dessa importantíssima atividade.”

Melhor esclarecendo, existem discussões nos tribunais superiores acerca da inconstitucionalidade dos atos praticados nas investigações realizadas pelo Ministério Público, haja vista que não há regulamentação específica.

Explanava ainda o texto inicial da proposta que o Ministério Público realiza um “procedimento informal de investigação criminal, conduzidos por meio de instrumentos, na maioria das vezes, sem forma, sem controle e sem prazo, condições absolutamente contrárias ao estado de direito vigente, e que ferem, inclusive, as garantias do cidadão, em especial o direito constitucional à defesa”.

Os defensores da PEC afirmavam ainda que o MP se valeria de um critério de seletividade, sem qualquer determinação legal específica.

Deve ainda ser ressaltado que a competência passaria, pelo texto proposto, a ser privativa das policiais judiciárias. Em termos simples, a competência privativa é aquela que pode ser delegada. Não se tratava, portanto, de competência exclusiva.

Outro ponto a ser observado quanto à legitimidade das investigações não realizadas pelas policias judiciárias é no tocante às investigações realizadas pelas CPIs, pelos Fiscos estaduais e federais, bem como pelo Conselho de Controle das Atividades Financeiras (Coaf), haja vista que estas atividades são legítimas e fundamentadas, não dependendo das polícias judiciárias para tanto.

Ademais, a votação da PEC 37, ao meu ver, esbarraria, posteriormente, no controle de constitucionalidade exercido pelo Supremo Tribunal Federal, que já possui jurisprudência a respeito do tema, uma vez que já era pauta dos julgamentos realizados pela Suprema Corte, já tendo sido, inclusive, reconhecida Repercussão Geral da matéria, no RE 593727 RG / MG.

O STF já havia julgado a matéria em pelo menos duas ocasiões (HC 91613 / MG e HC 84965 / MG), firmando os seguintes entendimentos:

Habeas corpus. Trancamento de ação penal. investigação criminal realizada pelo Ministério Público. Excepcionalidade do caso. Possibilidade. gravação clandestina (gravação de conversa telefônica por um interlocutor sem o conhecimento do outro). Licitude da prova. Precedentes. ordem denegada. 1. Possibilidade de investigação do Ministério Público. Excepcionalidade do caso. O poder de investigar do Ministério Público não pode ser exercido de forma ampla e irrestrita, sem qualquer controle, sob pena de agredir, inevitavelmente, direitos fundamentais. A atividade de investigação, seja ela exercida pela Polícia ou pelo Ministério Público, merece, por sua própria natureza, vigilância e controle. O tema comporta e reclama disciplina legal, para que a ação do Estado não resulte prejudicada e não prejudique a defesa dos direitos fundamentais. A atuação deve ser subsidiária e em hipóteses específicas. No caso concreto, restou configurada situação excepcional a justificar a atuação do MP: crime de tráfico de influência praticado por vereador. 2. Gravação clandestina (Gravação de conversa telefônica por um interlocutor sem o conhecimento do outro). Licitude da prova. Por mais relevantes e graves que sejam os fatos apurados, provas obtidas sem a observância das garantias previstas na ordem constitucional ou em contrariedade ao disposto em normas de procedimento não podem ser admitidas no processo; uma vez juntadas, devem ser excluídas. O presente caso versa sobre a gravação de conversa telefônica por um interlocutor sem o conhecimento de outro, isto é, a denominada “gravação telefônica” ou “gravação clandestina”. Entendimento do STF no sentido da licitude da prova, desde que não haja causa legal específica de sigilo nem reserva de conversação. Repercussão geral da matéria (RE 583.397/RJ). 3. Ordem denegada.

(HC 91613, Relator(a):  Min. GILMAR MENDES, Segunda Turma, julgado em 15/05/2012, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-182 DIVULG 14-09-2012 PUBLIC 17-09-2012)

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HABEAS CORPUS. CRIMES CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA E FORMAÇÃO DE QUADRILHA. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. ALEGADA FALTA DE JUSTA CAUSA PARA PERSECUÇÃO PENAL, AO ARGUMENTO DE ILEGALIDADE DO PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO INVESTIGATÓRIO PROCEDIDO PELO MINISTÉRIO PÚBLICO E DE NÃO-CONSTITUIÇÃO DEFINITIVA DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO. FALTA DE JUSTA CAUSA NÃO CARACTERIZADA. ORDEM DENEGADA. 1. POSSIBILIDADE DE INVESTIGAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO. EXCEPCIONALIDADE DO CASO. Não há controvérsia na doutrina ou jurisprudência no sentido de que o poder de investigação é inerente ao exercício das funções da polícia judiciária – Civil e Federal –, nos termos do art. 144, § 1º, IV, e § 4º, da CF. A celeuma sobre a exclusividade do poder de investigação da polícia judiciária perpassa a dispensabilidade do inquérito policial para ajuizamento da ação penal e o poder de produzir provas conferido às partes. Não se confundem, ademais, eventuais diligências realizadas pelo Ministério Público em procedimento por ele instaurado com o inquérito policial. E esta atividade preparatória, consentânea com a responsabilidade do poder acusatório, não interfere na relação de equilíbrio entre acusação e defesa, na medida em que não está imune ao controle judicial – simultâneo ou posterior. O próprio Código de Processo Penal, em seu art. 4º, parágrafo único, dispõe que a apuração das infrações penais e da sua autoria não excluirá a competência de autoridades administrativas, a quem por lei seja cometida a mesma função. À guisa de exemplo, são comumente citadas, dentre outras, a atuação das comissões parlamentares de inquérito (CF, art. 58, § 3º), as investigações realizadas pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras – COAF (Lei 9.613/98), pela Receita Federal, pelo Bacen, pela CVM, pelo TCU, pelo INSS e, por que não lembrar, mutatis mutandis, as sindicâncias e os processos administrativos no âmbito dos poderes do Estado. Convém advertir que o poder de investigar do Ministério Público não pode ser exercido de forma ampla e irrestrita, sem qualquer controle, sob pena de agredir, inevitavelmente, direitos fundamentais. A atividade de investigação, seja ela exercida pela Polícia ou pelo Ministério Público, merece, por sua própria natureza, vigilância e controle. O pleno conhecimento dos atos de investigação, como bem afirmado na Súmula Vinculante 14 desta Corte, exige não apenas que a essas investigações se aplique o princípio do amplo conhecimento de provas e investigações, como também se formalize o ato investigativo. Não é razoável se dar menos formalismo à investigação do Ministério Público do que aquele exigido para as investigações policiais. Menos razoável ainda é que se mitigue o princípio da ampla defesa quando for o caso de investigação conduzida pelo titular da ação penal. Disso tudo resulta que o tema comporta e reclama disciplina legal, para que a ação do Estado não resulte prejudicada e não prejudique a defesa dos direitos fundamentais. É que esse campo tem-se prestado a abusos. Tudo isso é resultado de um contexto de falta de lei a regulamentar a atuação do Ministério Público. No modelo atual, não entendo possível aceitar que o Ministério Público substitua a atividade policial incondicionalmente, devendo a atuação dar-se de forma subsidiária e em hipóteses específicas, a exemplo do que já enfatizado pelo Min. Celso de Mello quando do julgamento do HC 89.837/DF: “situações de lesão ao patrimônio público, [...] excessos cometidos pelos próprios agentes e organismos policiais, como tortura, abuso de poder, violências arbitrárias, concussão ou corrupção, ou, ainda, nos casos em que se verificar uma intencional omissão da Polícia na apuração de determinados delitos ou se configurar o deliberado intuito da própria corporação policial de frustrar, em função da qualidade da vítima ou da condição do suspeito, a adequada apuração de determinadas infrações penal”. No caso concreto, constata-se situação, excepcionalíssima, que justifica a atuação do Ministério Público na coleta das provas que fundamentam a ação penal, tendo em vista a investigação encetada sobre suposta prática de crimes contra a ordem tributária e formação de quadrilha, cometido por 16 (dezesseis) pessoas, sendo 11 (onze) delas fiscais da Receita Estadual, outros 2 (dois) policiais militares, 2 (dois) advogados e 1 (um) empresário. 2. ILEGALIDADE DA INVESTIGAÇÃO CRIMINAL ANTE A FALTA DE CONSTITUIÇÃO DEFINITIVA DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO. NÃO OCORRÊNCIA NA ESPÉCIE. De fato, a partir do precedente firmado no HC 81.611/DF, formou-se, nesta Corte, jurisprudência remansosa no sentido de que o crime de sonegação fiscal (art. 1º, incisos I a IV, da Lei 8.137/1990) somente se consuma com o lançamento definitivo. No entanto, o presente caso não versa, propriamente, sobre sonegação de tributos, mas, sim, de crimes supostamente praticados por servidores públicos em detrimento da administração tributária. Anoto que o procedimento investigatório foi instaurado pelo Parquet com o escopo de apurar o envolvimento de servidores públicos da Receita estadual na prática de atos criminosos, ora solicitando ou recebendo vantagem indevida para deixar de lançar tributo, ora alterando ou falsificando nota fiscal, de modo a simular crédito tributário. Daí, plenamente razoável concluir pela razoabilidade da instauração da persecução penal. Insta lembrar que um dos argumentos que motivaram a mudança de orientação na jurisprudência desta Corte foi a possibilidade de o contribuinte extinguir a punibilidade pelo pagamento, situação esta que sequer se aproxima da hipótese dos autos. 3. ORDEM DENEGADA.

(HC 84965, Relator(a):  Min. GILMAR MENDES, Segunda Turma, julgado em 13/12/2011, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-070 DIVULG 10-04-2012 PUBLIC 11-04-2012)

Deste modo, entendo que mesmo no caso de aprovação da PEC 37 - e tão logo fosse aprovada já haveria o ajuizamento de uma ou mais ADI -, esta seria derrubada depois pela declaração de inconstitucionalidade pelo Supremo Tribunal Federal. Portanto, desnecessário todo este circo que se armou.

O fato é que o tema não está encerrado! Com a rejeição da PEC 37 não se resolveu o problema, apenas deixou-se de criar outro.

A prova disto é que nesta terça-feira foi protocolado pelo deputado Carlos Sampaio o Projeto de Lei 5820/13, que visa regulamentar a investigação criminal, através da atuação conjunta da Polícia Judiciária e do Ministério Público. Há ainda outra proposta sobre o tema (PL 5776/13), que foi apresentada pela deputada Marina Santanna.

E quanto à PEC 33 e às CPIs? Parece que as atenções todas voltadas para a PEC 37 acabam por esconder o “vulcão adormecido” que ainda vem por aí.

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Sobre o autor
Christian Luís de Oliveira Girardi

Advogado em Porto Alegre (RS). Especializando em Direito Tributário Aplicado na Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS. Graduado em Direito (Ciências Jurídicas e Sociais) pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul - PUCRS. Pesquisador da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio Grande do Sul - FAPERGS, atualmente participando do projeto "Direito Tributário e Análise Econômica do Direito".

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GIRARDI, Christian Luís Oliveira. O que (não) muda com a rejeição da PEC 37?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3648, 27 jun. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/24821. Acesso em: 21 dez. 2024.

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