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A dispensa da intimação pessoal de Procurador Federal nos processos dos juizados especiais federais cíveis

05/07/2013 às 14:28
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O STF entendeu que os Procuradores Federais não têm a prerrogativa da intimação exclusivamente pessoal nos processos dos Juizados Especiais Federais Cíveis.

O Plenário do Supremo Tribunal Federal, em decisão por maioria proferida no ARE 648629, no dia 24 de abril de 2013, concluiu que os Procuradores Federais não têm a prerrogativa da intimação exclusivamente pessoal nos processos dos Juizados Especiais Federais Cíveis.

A discussão envolveu a existência de normas (infraconstitucionais) especiais, com redações divergentes.

De um lado, o art. 17 da Lei nº 10.910/2004 assegura a intimação pessoal dos Procuradores Federais e dos Procuradores do Banco Central do Brasil:

“Art. 17. Nos processos em que atuem em razão das atribuições de seus cargos, os ocupantes dos cargos das carreiras de Procurador Federal e de Procurador do Banco Central do Brasil serão intimados e notificados pessoalmente”.

Por outro lado, o parágrafo único do art. 8º da Lei nº 10.259/2001 (Lei dos Juizados Especiais Federais) admite a intimação por outro meio além do pessoal:

“Art. 8º As partes serão intimadas da sentença, quando não proferida esta na audiência em que estiver presente seu representante, por ARMP (aviso de recebimento em mão própria).

§ 1º As demais intimações das partes serão feitas na pessoa dos advogados ou dos Procuradores que oficiem nos respectivos autos, pessoalmente ou por via postal”.

Sobre o assunto, o Enunciado nº 39 das Turmas Recursais da Seção Judiciária do Rio de Janeiro determina a incidência da segunda norma:

“A obrigatoriedade de intimação pessoal dos ocupantes de cargo de Procurador Federal, prevista no art. 17 da Lei nº 10.910/2004, não é aplicável ao rito dos Juizados Especiais Federais”.

Em igual sentido, Enunciado nº 7 do FONAJEF prevê que “nos Juizados Especiais Federais o procurador federal não tem a prerrogativa de intimação pessoal”.

Na doutrina especializada dos Juizados Especiais Cíveis, alguns autores defendem a possibilidade de intimação por outros meios[1], mas prevalece o entendimento de que o art. 8º da Lei nº 10.259/2001 não excluiu a prerrogativa de intimação pessoal dos procuradores públicos[2].

A completude do ordenamento jurídico, na lição de Norberto Bobbio, é a propriedade que as normas jurídicas possuem para regular qualquer situação. Por outro lado, há incompletude quando (a) não existir norma autorizando ou vedando certa conduta, deixando o ordenamento incompleto; (b) ou existir uma norma permitindo e outra proibindo determinado comportamento, fazendo com que o ordenamento seja incoerente[3].

O caso julgado pelo STF envolveu uma situação de suposta incoerência, por haver uma norma determinando a intimação pessoal dos Procuradores Federais (art. 17 da Lei nº 10.910/2004) e outra permitindo que as intimações sejam realizadas pessoalmente ou por outro meio (art. 8º da Lei nº 10.259/2001).

Diante da ausência de relação hierárquica entre o art. 17 da Lei nº 10.910/2004 e o art. 8º da Lei nº 10.259/2001, a resolução da controvérsia deve ser buscada nos critérios da cronologia e da especialidade.

Apesar de a Lei nº 10.910/2004 ser posterior, trata-se de norma genérica que reestrutura a remuneração de diversos cargos públicos, modifica o pró-labore e a Gratificação de Desempenho de Atividade Jurídica (GDAJ) de determinados cargos. O citado art. 17, que determina a intimação pessoal dos Procuradores Federais e dos Procuradores do Banco Central do Brasil, trata de matéria estranha à lei, que deveria se restringir a regulamentar modificações de verbas remuneratórias de determinadas carreiras (de Auditoria da Receita Federal, Auditoria-Fiscal da Previdência Social, Auditoria-Fiscal do Trabalho, Procurador da Fazenda Nacional, Advogados da União, Procuradores Federais, Procuradores do Banco Central do Brasil, Defensores Públicos da União e quadros suplementares).

Por sua vez, a Lei nº 10.259/2001 é norma específica do procedimento dos Juizados Especiais Federais, que integra o sistema dos Juizados Especiais Cíveis, formado pelas Leis nº 9.099/95 (Juizados Especiais da Justiça Estadual), 10.259/2001 (Juizados Especiais da Justiça Federal) e 12.153/2009 (Juizados Especiais da Fazenda Pública Estadual, Distrital e Municipal).

Não se deve ignorar ainda que há no Brasil um microssistema dos Juizados Especiais Cíveis, formado pelas três leis citadas[4], pelo Código de Processo Civil e as demais normas processuais, que incidem de forma subsidiária para preencher as lacunas (incompletude) e corrigir eventuais contradições (incoerência).

Além disso, as próprias leis especiais dos Juizados Especiais preveem sua autointegração: (a) conforme o art. 1º da Lei nº 10.259/2001, “são instituídos os Juizados Especiais Cíveis e Criminais da Justiça Federal, aos quais se aplica, no que não conflitar com esta Lei, o disposto na Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995”, (b) e o art. 27 da Lei nº 12.153/2009 dispõe que “aplica-se subsidiariamente o disposto nas Leis nos 5.869, de 11 de janeiro de 1973 – Código de Processo Civil, 9.099, de 26 de setembro de 1995, e 10.259, de 12 de julho de 2001”.

A Lei nº 9.099/95, por ser a primeira das normas em vigor a regular os Juizados Especiais, prevê apenas a aplicação subsidiária do Código de Processo Civil em seus arts. 52 e 53 (execução de título executivo judicial e extrajudicial).

Já a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (Decreto-Lei nº 4.657/42) trata da seguinte forma as incoerências do ordenamento jurídico:

“Art. 2º Não se destinando à vigência temporária, a lei terá vigor até que outra a modifique ou revogue.

§ 1º A lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior.

§ 2º A lei nova, que estabeleça disposições gerais ou especiais a par das já existentes, não revoga nem modifica a lei anterior. (...)”.

No caso concreto julgado pelo STF no ARE 648629, concluiu-se que a lei posterior que versa sobre mudanças em carreiras e no pagamento de gratificações, ainda que possua regra prevendo genericamente a intimação pessoal de Procuradores Federais, não incide sobre os Juizados Especiais Federais Cíveis, que possuem norma especial autorizando outras formas de intimação, além de pessoal.

Entendimento contrário permitiria que, por exemplo, fosse afastada a incidência aos Juizados Especiais Federais Cíveis do art. 9º da Lei nº 10.259/2001, norma especial e posterior que prevê a ausência de prazos diferenciados para a prática de atos processuais, diante do que dispõe o art. 188 do CPC, norma geral e anterior acerca dos prazos diferenciados para a Fazenda Pública e o Ministério Público.

Sobre a revogação de leis e a aplicação das regras da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, o Plenário do STF decidiu no HC 72131 que norma geral e posterior (Pacto de San José da Costa Rica) não prevalece sobre norma especial e anterior (Decreto-Lei nº 911/69) (HC 72131/RJ, Pleno, rel. p/ acórdão Min. Moreira Alves, j. 23/11/1995, DJ 01/08/2003, p. 103)[5].

Ademais, em julgado específico dos Juizados Especiais (dispensa de advogado e capacidade postulatória das partes), o STF concluiu que o preenchimento de lacuna da Lei nº 10.259/2001 deve ser feito em primeiro lugar com fundamento nas normas da Lei nº 9.099/95:

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS. LEI 10.259/2001, ART. 10. DISPENSABILIDADE DE ADVOGADO NAS CAUSAS CÍVEIS. IMPRESCINDIBILIDADE DA PRESENÇA DE ADVOGADO NAS CAUSAS CRIMINAIS. APLICAÇÃO SUBSIDIÁRIA DA LEI 9.099/1995. INTERPRETAÇÃO CONFORME A CONSTITUIÇÃO.

É constitucional o art. 10 da Lei 10.259/2001, que faculta às partes a designação de representantes para a causa, advogados ou não, no âmbito dos juizados especiais federais. No que se refere aos processos de natureza cível, o Supremo Tribunal Federal já firmou o entendimento de que a imprescindibilidade de advogado é relativa, podendo, portanto, ser afastada pela lei em relação aos juizados especiais. Precedentes. Perante os juizados especiais federais, em processos de natureza cível, as partes podem comparecer pessoalmente em juízo ou designar representante, advogado ou não, desde que a causa não ultrapasse o valor de sessenta salários mínimos (art. 3º da Lei 10.259/2001) e sem prejuízo da aplicação subsidiária integral dos parágrafos do art. 9º da Lei 9.099/1995. (...)” (AI 3168DFJ, Pleno, rel. Min. Joaquim Barbosa, j. 08/06/2006, DJe 03/08/2007).

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Logo, o Supremo Tribunal Federal decidiu que não há violação aos princípios constitucionais da ampla defesa e do devido processo legal, e a norma especial da Lei nº 10.259/2001 prevalece sobre a norma geral da Lei nº 10.910/2004, que não se aplica aos Juizados Especiais Federais Cíveis, em virtude da ausência de lacuna na lei específica.

Por fim, considerando a informatização dos processos nos Juizados Especiais Federais Cíveis, a decisão terá poucos reflexos específicos, pois a intimação realizada no processo eletrônico é equiparada à intimação pessoal pelo art. 9º, § 1º, da Lei 11.419/2006[6].


Notas

[1] BOLLMANN, Vilian. Juizados especiais federais: comentários à legislação de regência. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2004, p. 50; CHIMENTI, Ricardo Cunha. Teoria e prática dos juizados especiais cíveis estaduais e federais. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2008, pp. 136-137; GUERREIRO, Marcelo da Fonseca. Como postular nos juizados especiais federais cíveis: teoria, jurisprudência e modelos. Niterói: Impetus, 2007, p. 93.

[2] ALVIM, J. E. Carreira. Juizados especiais federais. Rio de Janeiro: Forense, 2003, pp. 78-82; CÂMARA, Alexandre de Freitas. Juizados especiais cíveis estaduais e federais: uma abordagem crítica. 4. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, pp. 225-227; PEREIRA, Guilherme Bollorini. Juizados especiais federais cíveis. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, pp. 162-164; PARIZATTO, João Roberto. Juizados especiais cíveis e criminais na Justiça Federal. 2. ed. Ouro Fino: Edipa, 2002, pp. 25-27; RAMOS, Disney de Melo. Manual prático do juizado especial na Justiça Federal. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 48; SILVA, Antônio F. S. do Amaral e; SCHÄFER, Jairo Gilberto. Juizados especiais federais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007, p. 60; SILVA, Bruno Mattos e. Juizados especiais federais. Curitiba: Juruá, 2002, p. 148; TEIXEIRA, Patrícia Trunfo. Lei dos juizados especiais federais interpretada. Rio de Janeiro: Forense, 2003, pp. 72-73.

[3] BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento jurídico. 7. ed. Brasília: Universidade de Brasília, 1996, p. 115.

[4] Por exemplo: CÂMARA, Alexandre Freitas. Juizados especiais cíveis estaduais, federais e da fazenda pública: uma abordagem crítica. 6. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, pp. 3-6. Sobre o assunto, ver também: CARDOSO, Oscar Valente. Juizados Especiais da Fazenda Pública (Comentários à Lei nº 12.153/2009). São Paulo: Dialética, 2010.

[5] Posteriormente, no julgamento do RE 466.343, passou-se a entender que o Pacto de San José da Costa Rica prevalece sobre o Decreto-Lei nº 911/69 e revoga a prisão civil do depositário infiel, mas com fundamento no critério da hierarquia (natureza supranacional dos tratados sobre direitos humanos não aprovados com a observância do rito do art. 5º, § 3º, da Constituição).

[6] “§ 1º As citações, intimações, notificações e remessas que viabilizem o acesso à íntegra do processo correspondente serão consideradas vista pessoal do interessado para todos os efeitos legais”.

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Sobre o autor
Oscar Valente Cardoso

Professor, Doutor em Direito, Diretor Geral da Escola da Magistratura Federal do Rio Grande do Sul, Coordenador do Comitê Gestor de Proteção de Dados do TRF da 4a Região, Palestrante, Autor de Livros e Artigos, e Juiz Federal

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CARDOSO, Oscar Valente. A dispensa da intimação pessoal de Procurador Federal nos processos dos juizados especiais federais cíveis. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3656, 5 jul. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/24860. Acesso em: 29 mar. 2024.

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