Com o advento do Decreto nº 7.892, de 23 de janeiro de 2013, que regulamenta o Sistema de Registro de Preços - SRP previsto no art. 15 da Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993, muitas das dúvidas existentes no Regulamento anterior, qual seja, o Decreto nº 3.931, de 19 de setembro de 2001, por ele revogado, foram esclarecidas.
Incorporaram-se também muitos dos entendimentos prevalentes nas Cortes de Contas, principalmente os do Tribunal de Contas da União.
1. Inovações trazidas pelo Decreto nº 7.892/2013
O Decreto nº 7.892/2013 trouxe inovações de destaque ao ordenamento jurídico, quais sejam:
a) a obrigatoriedade do uso da Intenção de Registro de Preços (art. 4º);
b) a utilização de certificação digital para assinatura das atas (art. 5, §1º);
c) o disciplinamento da atribuição para a aplicação de sanções decorrentes do descumprimento da Ata de Registro de Preços (art. 6º, § único);
d) a obrigatoriedade de inserção da minuta da ata de SRP como anexo do Edital (art. 9º, X);
e) a criação do cadastro de reserva de fornecedores, com o registro dos licitantes que aceitarem cotar os bens ou serviços com preços iguais ao do licitante vencedor na sequência da classificação do certame (art. 11, I e §1º);
f) a impossibilidade de prorrogação excepcional da vigência da ata de registro de preços (art. 12, caput);
g) o impedimento da implementação de acréscimos quantitativos na ata de registro de preços, autorizado apenas no contrato decorrente da ata (art. 12, §3º);
h) a nova regulamentação para as adesões por órgãos não participantes (art. 22);
i) a impossibilidade de adesão pelos órgãos públicos federais a ata de registro de preços provenientes de licitações promovidas por órgãos estaduais, municipais ou do Distrito Federal (art. 22, §8º);
j) a faculdade de os órgãos ou entidades municipais, distritais ou estaduais a aderirem a atas de registro de preços da Administração Pública Federal (art. 22, §9º).
Tais inovações, entretanto, trouxeram pontos de dúvidas, dentre as quais se analisa, doravante, talvez a mais polêmica delas.
2. A questão da adesão dos órgãos ou entidades não participantes
Questão por vezes tormentosa para o gestor público trata das adesões a atas por órgãos ou entidades não participantes da licitação original, os chamados caronas.
2.1. Obrigações do carona
O art. 22 do novel Decreto procura regulamentar a questão, possibilitando a utilização da ata, durante sua vigência, por qualquer órgão ou entidade da administração pública federal que não tenha participado do certame licitatório, desde que devidamente justificada a vantagem. O artigo deixa clara a necessidade da anuência do Gerenciador, o que favorece a corrupção e cria procedimento burocrático e desnecessário.
2.2. Direitos e deveres do beneficiário da ata
Também dispõe o citado artigo que caberá ao fornecedor beneficiário da ata de registro de preços, observadas as condições nela estabelecidas, optar pela aceitação ou não do fornecimento decorrente de adesão, desde que não prejudique as obrigações presentes e futuras decorrentes da ata, assumidas com o órgão gerenciador e órgãos participantes.
Nesse ponto, pareceu querer evitar, à Administração, que eventuais anuências por parte do fornecedor, que busca o desenvolvimento de sua atividade empresarial, correspondam à assunção de compromissos para além de suas possibilidades, causando prejuízos não só ao órgão gerenciador, mas a todos os outros que dele, fornecedor, dependam. Os efeitos da incapacidade de fornecimento podem, inclusive, se estender para seus clientes privados.
Regulamenta também o Decreto nº 7.892/2013 que “compete ao órgão não participante os atos relativos à cobrança do cumprimento pelo fornecedor das obrigações contratualmente assumidas e a aplicação, observada a ampla defesa e o contraditório, de eventuais penalidades decorrentes do descumprimento de cláusulas contratuais, em relação às suas próprias contratações, informando as ocorrências ao órgão gerenciador”.
É natural que assim seja, pois ao órgão ou entidade não participante cabe a administração da adesão feita por ele.
2.3. Limite a adesão do carona
A primeira dúvida reside na redação do § 3º do citado artigo, pois, ao explicitar que “as aquisições ou contratações adicionais não poderão exceder, por órgão ou entidade, a cem por cento dos quantitativos dos itens do instrumento convocatório e registrados na ata de registro de preços para o órgão gerenciador e órgãos participantes.”[1] Não se sabe ao certo se o referido percentual incide sobre a quantidade total da ata ou se somente sobre a quantidade daqueles itens a que adere o órgão ou entidade não participante.
Aconselha-se, com fundamento na jurisprudência do Tribunal de Contas da União, a seguir a linha de que o percentual incide somente sobre os itens a que adere o não participante, tendo em conta que cada item é uma licitação,[2] podendo haver, entretanto, entendimento no sentido de que é sobre toda a ata que se deva calcular.
O novel Decreto também disciplinou que é vedada aos órgãos e entidades da administração pública federal a adesão a ata de registro de preços gerenciada por órgão ou entidade municipal, distrital ou estadual, dirimindo antiga dúvida existente acerca dessa possibilidade. Esclareceu, em contrapartida, que é facultada aos órgãos ou entidades municipais, distritais ou estaduais a adesão a ata de registro de preços da Administração Pública Federal.
2.4. Limite da soma das adesões
Fixou também o Decreto que “o instrumento convocatório deverá prever que o quantitativo decorrente das adesões à ata de registro de preços não poderá exceder, na totalidade, ao quíntuplo do quantitativo de cada item registrado na ata de registro de preços para o órgão gerenciador e órgãos participantes, independente do número de órgãos não participantes que aderirem”.[3]
Nesse ponto, parece ter o Decreto estipulado que o edital do órgão gerenciador deveria prever o quantitativo que este autorizaria para adesões por órgãos ou entidades não participantes.
Ocorre que, se o próprio ato regulamentador do art. 15 da Lei nº 8.666/1993, estipula serem possíveis as adesões até o quíntuplo do quantitativo de cada item, não cabe ao gestor público limitá-las.
O instrumento convocatório deve ater-se, tão somente, às regras procedimentos para a realização do certame. Nada mais.
A mens legislatoris, nesse caso, parece ter desejado dar ao administrador a faculdade, ante o mercado a que se dirigir a licitação, de imaginar se este ou aquele fornecedor, ou o conjunto deles, teriam condições de fornecer ao Poder Público quantidades maiores que as registradas.
Não cabe à Administração, na seara do que se debate, limitar o mercado dessa maneira, sob pena de conduta inconstitucional e, por isso, incompatível com o ordenamento jurídico pátrio.[4]
Até o Decreto poderia ser questionado nesse sentido.
Ademais, se o fornecedor vai ou não conseguir fornecer quantitativos maiores ao Estado, cabe a ele decidir, e a cada contratante, fiscalizar, e na irregularidade no cumprimento da obrigação, punir.[5]
Por ser a adesão, em comparação ao procedimento licitatório, mais célere e mais vantajosa - pelo simples fato de não se onerar com a realização outro certame – não haveria porque limitá-lo, tudo em respeito ao princípio da eficiência, insculpido no caput do art. 37 da Constituição Federal.
2.5. Limite temporal à adesão
Foi preconizado também pelo novo SRP que “o órgão gerenciador somente poderá autorizar adesão à ata após a primeira aquisição ou contratação por órgão integrante da ata, exceto quando, justificadamente, não houver previsão no edital para aquisição ou contratação pelo órgão gerenciador”.[6]
A exceção diz respeito ao caso dos órgãos ou entidades centrais que realizam certames para suas unidades descentralizadas.
O Decreto estabelece, ainda, que “após a autorização do órgão gerenciador, o órgão não participante deverá efetivar a aquisição ou contratação solicitada em até noventa dias, observado o prazo de vigência da ata”.[7]
Reside nesse trecho do artigo 22 uma impropriedade do Decreto, pois, se a Administração licitante não é obrigada a efetuar aquisições decorrentes do registro de preços, não haveria razão para os órgãos ou entidades não participantes fazê-lo.
2.6. Estimativa de consumo dos órgãos não participantes
O sistema eletrônico que, no Governo Federal, dá suporte ao SRP e à Intenção de Registro de Preços – IRP anuncia a todos os integrantes do SIASG que um órgão está promovendo licitação para registro de preços e consolida as expectativas de quantidades dos participantes.
O Decreto, porém, apresenta uma redação equivocada, no art. 9º, inciso III, e 22, §4º. Na pretensão de anunciar a estimativa total de consumo, o art. 9º determina que o edital apresente a soma das quantidades do gerenciador e participantes. Incorre em grave erro ao anunciar uma pretensão que o órgão gerenciador some quantidades das futuras adesões de não participantes.
A pretensão é irrazoável porque implica consolidar informações que não são realizadas pelo sistema e, portanto, implicariam expedição de ofício a todos os possíveis e imagináveis licitantes.
O texto do dispositivo do inciso III do art. 9º do Decreto há de ser interpretado considerando sua validade quando for interesse do órgão consolidar adesões de não participantes, como ocorreria, por exemplo, se o Ministério da Justiça padronizasse veículos de policiamento ostensivo. Nessa hipótese particular, a soma dos participantes e não participantes integra o universo controlável e previamente conhecido. Nas demais hipóteses, sendo omisso o edital, vale a regra geral do limite de contratações dos não participantes, prevista no art. 22, §4º, do Decreto nº 7.892/2013.
3. Conclusão
Verifica-se que o novo Decreto que regulamenta o SRP no âmbito federal resolveu muitas dúvidas acerca da aplicação dessa sistemática de aquisição governamental, sendo certo que os instrumentos convocatórios, para a adesão por órgãos ou entidades não participantes às atas de registros de preços em vigor, não necessitam explicitar essa condição, haja vista a previsão fixada no Decreto nº 7.892/2013, e nem limitá-la, sob pena de inconstitucionalidade por violação aos artigos 1º, inciso IV; 37, caput e 170 caput da Constituição Federal.
Notas
[1] BRASIL. Decreto nº 7.892 de 23 de janeiro de 2013. Diário Oficial da União [da] República Federativa do Brasil, Poder Executivo, Brasília, DF, 23 jan. 2013. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2013/Decreto/D7892.htm>. Acesso em: 2 jul. 2013.. Art. 22, §3º.
[2] BRASIL. Tribunal de Contas da União. Licitações e contratos: orientações e jurisprudência do TCU. 4. ed. rev., atual. e ampl. Brasília: TCU, Secretaria-Geral da Presidência: Senado Federal, Secretaria Especial de Editoração e Publicação, 2010, p. 238.
[3] BRASIL. Decreto nº 7.892 de 23 de janeiro de 2013. Diário Oficial da União [da] República Federativa do Brasil, Poder Executivo, Brasília, DF, 23 jan. 2013. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2013/Decreto/D7892.htm>. Acesso em: 2 jul. 2013.. Art. 22, §4º.
[4] BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Diário Oficial da União [da] República Federativa do Brasil, Poder Executivo, Brasília, DF, 5 out. 1988. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm>. Acesso em: 2 jul. 2013.. Art. 1º, inciso IV e art. 170, caput.
[5] BRASIL. Decreto nº 7.892 de 23 de janeiro de 2013. Diário Oficial da União [da] República Federativa do Brasil, Poder Executivo, Brasília, DF, 23 jan. 2013. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2013/Decreto/D7892.htm>. Acesso em: 2 jul. 2013.. Art. 22, §2º.
[6] BRASIL. Decreto nº 7.892 de 23 de janeiro de 2013. Diário Oficial da União [da] República Federativa do Brasil, Poder Executivo, Brasília, DF, 23 jan. 2013. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2013/Decreto/D7892.htm>. Acesso em: 2 jul. 2013.. Art. 22, §5º.
[7] BRASIL. Decreto nº 7.892 de 23 de janeiro de 2013. Diário Oficial da União [da] República Federativa do Brasil, Poder Executivo, Brasília, DF, 23 jan. 2013. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2013/Decreto/D7892.htm>. Acesso em: 2 jul. 2013.. Art. 22, §6º.