4. As teorias do risco na responsabilidade civil ambiental
De acordo com a teoria objetiva, todo dano é indenizável, devendo ser reparado, bastando para tanto que haja o nexo causal entre a atividade e o referido dano para que se caracterize a responsabilidade civil objetiva, não havendo discussão sobre se quem degradou o fez de maneira imprudente ou se agiu sem culpa “strictu sensu”. Esse é o entendimento de Sérgio Ferraz[30].
Mas qual é, dentre as teorias do risco, a que deve ser aplicada?
A posição que prevalece na doutrina ambiental é no sentido de que a Lei nº. 6.938/81 adotou, em seu artigo 14, §1º, a responsabilidade objetiva na modalidade do risco integral. Ou seja, o dever de reparação é fundamentado simplesmente pelo fato de existir uma atividade de onde adveio o prejuízo, sendo desprezadas as excludentes da responsabilidade, como o caso fortuito ou a força maior, ou seja, não há necessidade de verificar a intenção do agente. Basta que se configure um prejuízo relacionado com a atividade praticada.
Nelson Nery Júnior é um dos partidários da teoria do risco integral. Segundo o autor, “ainda que a indústria tenha tomado todas as precauções para evitar acidentes danosos ao meio ambiente, se, por exemplo, explode um reator controlador da emissão de agentes químicos poluidores (caso fortuito), subsiste o dever de indenizar. Do mesmo modo, se por um fato da natureza ocorrer derramamento de substância tóxica existente no depósito de uma indústria (força maior), pelo simples fato de existir a atividade há o dever de indenizar” [31][32].
Para Meire Lopes Montes, “desimporta e é irrelevante a força maior e o caso fortuito como excludentes de responsabilidade. Aplica-se, pois, a teoria do risco integral, na qual o dever de reparar independe da análise da subjetividade do agente e é fundamentado pelo só fato de existir a atividade de onde adveio o prejuízo. O poluidor deve assumir integralmente todos os riscos que advêm de sua atividade, desimportando se o acidente ecológico foi provocado por falha humana ou técnica ou se foi obra do acaso ou de força maior” [33].
Por essa teoria, não importa se a atividade do poluidor é lícita ou não; não importa se houve falha humana ou técnica, caso fortuito ou força maior. Ocorrendo dano ambiental, o poluidor tem o dever de indenizar.
De acordo com Édis Milaré, o que é discutido em relação ao dano ambiental é a potencialidade do dano, não sua legalidade. “Não raras vezes o poluidor se defendia alegando ser lícita a sua conduta, porque estava dentro dos padrões de emissão traçados pela autoridade administrativa e, ainda, tinha autorização ou licença para exercer aquela atividade” [34].
Motauri Ciocchetti de Souza oferece o seguinte exemplo:
“Podemos supor dois morros, formados por rochas: no primeiro deles, há atividade de exploração de minérios (pedreira), que é exercida segundo os mais rígidos padrões ambientais e de segurança traçados pelos órgãos técnicos; no segundo, o proprietário da gleba mantém em estado natural, sem qualquer forma de exploração.
Pois bem: caem dois raios, um sobre cada morro. Em decorrência, de ambos desprendem-se blocos de rocha, que vêm a causar danos ambientais.
Temos aí típica hipótese de força maior, com efeitos distintos, no entanto.
De fato, a empresa que exerce a atividade de extração mineral possui responsabilidade civil na esfera ambiental, enquanto o proprietário do outro morro, inexplorado, não” [35].
Como lembra Nicolao Costa Neto, por essa teoria, “somente não haverá responsabilidade se: a) o risco não tiver sido criado; b) não houve dano; c) não houver relação de causalidade entre o ato gerador do risco e o dano” [36].
Para Paulo Affonso Leme Machado, entretanto, são cabíveis as excludentes como a força maior e o caso fortuito; porém quem alegar “deve produzir prova de que era impossível evitar ou impedir os efeitos do fato necessário – terremoto, raio, temporal, enchente” [37].
Numa outra corrente, Maria de Fátima de Araújo Ferreira diz que “no sistema ambiental brasileiro, a responsabilidade pela prática do dano ambiental deve-se fundamentar, de preferência, na teoria da responsabilidade objetiva baseada no risco proveito, uma vez que a aplicação da teoria do risco integral poderá levar a resultados absurdos, desconexos da realidade ambiental existente, por esta última não admitir em hipótese alguma, qualquer excludente de responsabilidade” [38].
Por essa teoria, a responsabilidade fica limitada somente às hipóteses de danos verificados na exploração de atividade lucrativa, ficando vinculadas apenas as pessoas que tiram algum tipo de proveito econômico na exploração de uma atividade, admitindo também as excludentes de responsabilização, como o caso fortuito e a força maior, o fato criado pela vítima entre outros.
Toshio Mukai, afirma que “o legislador, deliberadamente ou não, erigiu, na matéria, a teoria da responsabilidade integral, isto é, o poluidor é responsabilizado sem culpa sua, da vítima, e sem a ressalva da força maior. Isto é porque o texto legal diz ‘independentemente da existência de culpa’, o que significa, ‘sem indagação da culpa a quem quer que seja’” [39]. (Grifos nossos).
Entretanto, afirma que a teoria a ser aplicada é a teoria do risco criado. Por essa teoria, as excludentes de responsabilidade são admitidas em favor daquele que, em razão de sua profissão ou atividade, é potencialmente geradora de risco ao meio ambiente.
Mas como assevera o citado autor, “somente empenha a responsabilidade de alguém por danos ambientais, se ficar comprovada a ação efetiva (atividade) desse alguém, direta ou indiretamente na causação do dano” [40], e completa a seguir, dizendo que, “fica, portanto, de fora desse quadro qualquer atividade que não possa ser debitada ao poluidor, tais como a ação de terceiros, vítima ou não, e, evidentemente, nesse rol, ainda se poderia colocar o caso fortuito (evento causado pela ação humana de terceiros) e a força maior (evento causado pela natureza)” [41].
Essa teoria restritiva incide apenas em relação às atividades perigosas, sendo o perigo é intimamente ligado a conseqüência de tal atividade, limitando-se assim o campo de aplicação da teoria do risco criado.
Evandro Alves da Silva Grili, porém, traz a tona uma outra teoria, onde diz que em relação à responsabilidade civil por danos ambientais, o legislador só adotou a responsabilidade objetiva em relação aos danos nucleares[42], conforme disposto no artigo 21, III, d, da Constituição Federal[43].
5. Conclusão
Pela fragilidade do meio ambiente, características dos danos ambientais, aliada ao nível de degradação dos ecossistemas que o homem vem causando com o passar do tempo, só nos resta ser o mais severo e rígido possível na proteção do ambiente, o que nos leva a adotar a responsabilidade civil ambiental na sua modalidade objetiva, baseada na teoria do risco integral, devido as peculiaridades do dano e do ecossistema atingido.
Se a responsabilidade civil fosse subjetiva, talvez fosse muito difícil, ou até mesmo impossível de se verificar a culpa. O dever de reparar deve existir independentemente de a atividade exercida pelo agente ser lícita ou não, cabendo apenas verificar o nexo de causalidade entre a atividade e o dano; ocorrendo dano ambiental, o poluidor (ou poluidores), seja ele pessoa física ou jurídica, tem o dever de indenizar, sendo irrelevante a força maior e o caso fortuito como excludentes de responsabilidade.
Muitas vezes, as alterações causadas no meio ambiente são definitivas, imutáveis, e é por isso que deve ser adotada a teoria do risco integral, pois assim, a proteção, e uma eventual reparação não ficarão prejudicadas.
Essa teoria atende, portanto, a preocupação de se estabelecer um sistema muito mais rigoroso frente às degradações ocorridas.
O que nos parece certo é que a preservação do ambiente deve ser obrigação do Estado, além de um dever de todos nós.
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Notas
[1] Direito ambiental brasileiro. 18º ed. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 361.
[2] Tratado de responsabilidade civil. 5º ed. São Paulo: RT, 2001, p. 658.
[3] Avaliação de custos ambientais em ações jurídicas de lesão ao meio ambiente. In Revista dos Tribunais nº 652. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, fev/90, pp. 18/19.
[4] Italo Nogueira. Folha de S. Paulo (impresso), mercado, página B7, 18 de dezembro de 2012.
[5] Responsabilidade civil por dano ecológico e a ação civil pública. In Revista Justitia nº 126. São Paulo, julho/setembro, 1984, p. 175.
[6] Fábio Dutra Lucarelli. Responsabilidade civil por dano ecológico. In Revista dos Tribunais nº 700. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, fev/1994, p. 16.
[7] “Poluidor, a pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, responsável, direta ou indiretamente, por atividade causadora de degradação ambiental”. (Grifos nossos).
[8] “Poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados à qualidade do meio ambiente.”
[9] Interesses difusos em espécie – temas de direito do consumidor, ambiental e da lei de improbidade administrativa. São Paulo: Editora Saraiva, 2000, p. 49.
[10] Direito do ambiente: a gestão ambiental em foco: doutrina, jurisprudência, glossário. 6º ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009, pp. 439/440.
[11] Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:
(...)
§ 6º - As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.
[12] “Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”. (Grifos nossos).
[13] As responsabilidades civil e penal das pessoas jurídicas em danos ambientais. In Fórum de direito urbano e ambiental – FDUA nº. 19. Belo Horizonte: Editora Forum, jan/fev 2005, p. 2208.
[14] Art. 186. “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”.
[15] Silvio de Salvo Venosa. Direito civil: responsabilidade civil. Vol. 4. 3º ed. São Paulo: Atlas, 2003, p. 20.
[16] Sérgio Cavalieri Filho. Programa de responsabilidade civil. 9º ed. São Paulo: Atlas, 2010, p. 142.
[17] Responsabilidade civil, 5º ed. Rio de Janeiro: Forense, 1994, p. 281.
[18] Curso de direito civil – direito das obrigações – 1º parte. 4º Vol. 30º ed. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 47.
[19] Das obrigações em geral, Vol. I. 10º ed. Lisboa: Almedina, 2000, p. 633.
[20] Silvio de Salvo Venosa, em relação ao risco, ou perigo, como denomina, completa: “esse, aliás, deve ser o denominador para o juiz definir a atividade de risco no caso concreto segundo o artigo 927, § único, qual seja, a criação de um perigo para terceiros em geral”. Direito civil: responsabilidade civil. Vol. 4. 3º ed. São Paulo: Atlas, 2003, p. 17.
[21] Responsabilidade civil. 5º ed. Rio de Janeiro: Forense, 1994, p. 285.
[22] Programa de responsabilidade civil. 9º ed. São Paulo: Atlas, 2010, p. 144.
[23] Odília Ferreira da Luz Oliveira. Manual de direito administrativo. Rio de Janeiro: Renovar, 1997, p. 294.
[24] Direito administrativo brasileiro. 38º ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2012, p. 715.
[25] Responsabilidade civil. 5º ed. Rio de Janeiro: Forense, 1994, p. 281.
[26] Quando respiramos, expelimos o Gás Carbônico (CO2), um dos gases formadores do efeito estufa. Gases do efeito estufa. Disponível em: [http://pt.wikipedia.org/wiki/Gases_do_efeito_estufa]. Acesso em: 27.03.2013.
[27] Citamos como exemplo o acidente nuclear de Chernobyl, Ucrânia. Em 26 de abril de 1986, onde uma nuvem de radioatividade atingiu a então União Soviética, Escandinávia, Europa Oriental e chegou ao Reino Unido. E que até 2005 produzia efeitos. O acidente de Chernobyl. Disponível em: [http://portaldaradiologia.com/?p=724]. Acesso em: 27.03.2013.
[28] Pigretti, Eduardo Andres. Un nuevo ámbito de responsabilidad: criterios, principios e instituciones de derecho ambiental. In La responsabilidad por daño ambiental. Buenos Aires: Centro de publicaciones juricias y sociales, 1986, p. 35.
Nota do autor: “Este é o caso de aves migratórias, protegidos por vários compromissos internacionais, bem como sistemas hídricos compartilhados ou vizinhos, para os quais a vigência de uma solução interna não resolve os problemas que são relacionados”. (Tradução livre).
[29] Cardoso, Artur Renato Albeche. A degradação ambiental e seus valores econômicos. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2003, p. 28.
[30] Responsabilidade civil por dano ecológico. In: Revista de Direito Público nº 49/50. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1977, p. 38.
[31] Responsabilidade civil por dano ecológico e a ação civil pública. In: Revista Justitia nº 126. São Paulo, julho/setembro, 1984, p. 172.
[32] Na mesma linha: Sérgio Cavalieri Filho. Programa de responsabilidade civil. 9º ed. São Paulo: Editora Atlas, 2010, p. 154; Gina Copola. Elementos de direito ambiental. Rio de Janeiro: Temas & Idéias, 2003, p. 215; Édis Milaré. A irrelevância do caso fortuito, da força maior e do fato de terceiro. In Revista de Direito Ambiental nº. 0. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1995, pp. 34 e 35; Marcelo Abelha Rodrigues. Instituições de direito ambiental. Vol. 1 – parte geral. São Paulo: Max Limonad, 2002, p. 205; José Afonso da Silva. Direito ambiental constitucional, 4º ed. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 313; Nicolao Dino de Castro e Costa Neto. Proteção jurídica do meio ambiente. Belo Horizonte: Del Rey, 2003, p. 269.
[33] Responsabilidade civil pelo dano ambiental. In 10 anos da ECO-92: o direito e o desenvolvimento sustentável – Ten years after rio 92: sustainable development and law. São Paulo: IMESP, 2002, p. 589.
[34] Édis Milaré. Direito do ambiente: a gestão ambiental em foco: doutrina, jurisprudência, glossário. 6º ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009, p. 962.
[35] Interesses difusos em espécie – temas de direito do consumidor, ambiental e da lei de improbidade administrativa. São Paulo: Editora Saraiva, 2000, p. 44.
[36] Proteção jurídica do meio ambiente. Belo Horizonte: Del Rey, 2003, p. 267.
[37] Direito ambiental brasileiro. 18º Ed. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 380.
[38] Dano ambiental: dificuldades na determinação da responsabilidade e valoração no direito positivo brasileiro. In 10 anos da ECO-92: o direito e o desenvolvimento sustentável – Ten years after rio 92: sustainable development and law. São Paulo: IMESP, 2002, p. 584.
[39] Aspectos jurídicos da proteção ambiental no Brasil. In Revista Justitia nº 126, julho/setembro, 1984, p. 32.
[40] Responsabilidade civil objetiva por dano ambiental com base no risco criado. In: Fórum de direito urbano e ambiental – FDUA nº 4. Belo Horizonte: Editora Forum, julho/agosto, 2002, p. 336.
[41] Direito ambiental sistematizado. 4º ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 64.
[42] Responsabilidade civil e administrativa em matéria ambiental. In Revista síntese de direito civil e processual civil nº. 29. São Paulo: Editora Síntese, mai/jun 2004, p. 71.
[43] Art. 21, III, d: “a responsabilidade civil por danos nucleares independe da existência de culpa”. (Grifos nossos).