Resumo: O presente trabalho aborda a dificuldade de financiamento das unidades de conservação. Para introdução do tema, perpassa-se pelo conceito de áreas protegidas e se apresenta um breve histórico acerca do seu desenvolvimento nos planos nacional e internacional. Relatam-se, em síntese, as dificuldades de financiamento da criação, implementação e manutenção de unidades de conservação, cujos recursos advêm do instituto da compensação ambiental e de aportes do orçamento público. Ao final, apresenta-se a proposta de incremento do turismo ecológico, com vistas a, a par da inerente conservação da biodiversidade, alcançar-se também a sustentabilidade financeira e inclusão social na gestão dos parques nacionais brasileiros.
Palavras-chave: Sistema nacional de unidades de conservação. Financiamento. Compensação ambiental. Turismo ecológico.
Sumário: Introdução. 1.Áreas protegidas: estratégia para conservação da biodiversidade. 1.1. Panorama internacional. 1.2. Dimensão Nacional. 2. Financiamento do Sistema Nacional de Unidades de Conservação. 2.1. Compensação Ambiental. 2.2. Turismo ecológico nos parques nacionais e potencial financiador. 2.3. Dados atuais dos parques nacionais no Brasil. Conclusão. Bibliografia
INTRODUÇÃO
Em tempos em que a discussão acerca da perda da biodiversidade[1] está na pauta do dia, avulta a importância de se tratar das estratégias de sua conservação, dentre as quais se insere a criação e manutenção de unidades de conservação. A biodiversidade é repositório de informações farmacêuticas, cosméticas, alimentícias e tecnológicas, a par de ser fator de equilíbrio dos ecossistemas e essencial, a longo prazo, para a sobrevivência da espécie humana.
As áreas protegidas, que favorecem a proteção in situ da biodiversidade, englobam espaços com instituição, natureza e objetivos diferenciados. O presente trabalho apresentará uma síntese histórica das áreas protegidas e seu regramento normativo no plano internacional e na dimensão nacional, com o que se pretende demonstrar a relevância do tema no atual cenário do desenvolvimento sustentável.
No contexto nacional, a manutenção da reserva legal e das áreas de preservação permanente se impõe aos particulares, na forma de limitação administrativa à propriedade. Por outro lado, a criação, implementação e manutenção de unidades de conservação, à exceção das reserva particular do patrimônio nacional, são de responsabilidade do Poder Público. Revela-se, assim, a dificuldade do financiamento público da garantia, por meio de espaços protegidos, do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.
A fim de que seja efetivamente cumprida a relevante função de conservação da biodiversidade, necessário fortalecer os instrumentos de aporte de recursos financeiros para a implementação e manutenção dessas áreas. Nesse passo, se apresentam as ferramentas da operacionalização da compensação ambiental, prevista no art. 36 da Lei n. 9.985/2000, e do incremento da visitação nos parques nacionais.
1. ÁREAS PROTEGIDAS: estratégia para conservação da biodiversidade
As áreas protegidas compreendem, no atual cenário, as unidades de conservação, espaços delimitados e criados por ato administrativo específico, mantidos pelo Poder Público, destinados à proteção da biodiversidade in situ, cujas categorias e objetivos estão arrolados na Lei n. 9.985/2000.
O conceito abarca também áreas esparsas que desenvolvem funções ambientais. A Lei n. 4.771, de 1965, é o principal repositório normativo de tipologias de áreas protegidas. Nesse contexto, elencam-se as áreas de preservação permanente, destinadas à proteção de recursos hídricos e do solo e sua estabilização[2], e a reserva legal, porção de toda propriedade rural em que se excepciona a supressão de vegetação[3]. As áreas protegidas definidas no Código Florestal não carecem de instituição em ato específico, seu regime especial exsurge do próprio diploma normativo. Ademais, as restrições gerais[4] impostas a referidas áreas são limitações administrativas[5], cujo ônus é arcado pelo proprietário ou posseiro do imóvel em que estejam inseridas.
No conceito também se incluem as terras indígenas[6], em que se visa à preservação do meio ambiente e cuja exploração está restrita ao atendimento das necessidades das comunidades indígenas[7].
Esses espaços territoriais especialmente protegidos desempenham uma função de conectividade, a proporcionar uma ligação entre os diversos tipos de áreas protegidas e o fluxo gênico de fauna e flora, com o que se evita o estabelecimento de ilhas isoladas de conservação[8].
1.1. DIMENSÃO INTERNACIONAL
A percepção da capacidade da humanidade de alterar as características naturais da Terra implicou em que os homens se preocupassem em reservar espaços para que não fossem impactados por ações antrópicas[9]. As áreas seriam destinadas, nesse contexto, a preservar lugares sagrados ou a manter estoques de recursos naturais[10].
Ainda no século XVII, quando o Japão havia quase esgotado suas fontes de madeira, foram adotadas medidas de contenção do consumo, bem como se estabeleceu uma política de recuperação de áreas degradadas com a silvicultura e posterior destaque desses espaços para a preservação[11]. Essas providências impediram que a sociedade japonesa sucumbisse em face da competição por recursos naturais escassos, o que entremostrou a adequação da medida para a proteção da natureza e de seus recursos.
A perspectiva transcendental da relação do homem com a natureza também culminou na preservação de espaços naturais considerados espiritualmente relevantes, como se procedeu com a criação de florestas sagradas na Rússia[12].
A concepção de parques nacionais, na forma como conhecida hodiernamente, ou seja, para conservação de paisagens naturais, foi materializada nos Estados Unidos. Nesse aspecto, também se privilegiaram paisagens sublimes, de rara beleza cênica, em que se verifica, ainda, a influência da transcendentalidade da relação do homem com a natureza. Lá foi criado, com ineditismo, o Parque Nacional de Yellowstone, em 1872, que inaugura a ideia moderna de preservação de áreas intocadas. Na ideia de contemplação da natureza e desfrute populacional, seguiu-se a criação dos Parques Nacionais de Banff[13] (Canadá) e de Yosemite (Califórnia, Estados Unidos), em 1885 e 1890, respectivamente. Desde então, a prática foi difundida mundialmente, com adaptações.
As décadas de 40 a 60 do século XX, marcadas pela internacionalização de grandes desastres ambientais, foi propícia à criação de órgãos ambientais relevantes, com destaque para a União Internacional para Conservação da Natureza (UICN), em 1948 e para o Fundo Mundial para a Natureza (WWF), em 1961, que também se imiscuíram nas discussões e orientações acerca da criação e gestão de áreas protegidas.
A realização da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente Humano, em 1972, na cidade de Estocolmo, debateu o cenário pessimista de esgotamento dos recursos naturais e necessidade de limitar o crescimento populacional e econômico. Como produto, a questão ambiental foi definitivamente inserida na agenda internacional, com a consagração do direito ao meio ambiente equilibrado como direito fundamental. Ademais foram feitos apontamentos sobre as áreas protegidas, cujo conceito ainda era centrado na ideia de parques nacionais.
O tema de áreas protegidas ganhou ainda mais relevância com a centralidade assumida pela bandeira de conservação de biodiversidade, a qual foi instrumentalizada, no âmbito internacional, com a Convenção de Diversidade Biológica, aberta para adesão por ocasião da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento Humano (Rio de Janeiro, 1992).
Para lastrear as discussões desse evento, foi elaborado o Relatório “Nosso Futuro Comum”, coordenado pela Primeira-Ministra da Noruega, Gro Brundtland. Os escritos dão conta da rápida degradação ambiental e do risco iminente de exaurimento dos recursos naturais, ao que apela para a necessidade de conservação da natureza e da biodiversidade[14]. E a principal estratégia para conservação da biodiversidade[15] repousa na criação de áreas especialmente protegidas.
A criação e delimitação de unidades de conservação, ainda que não sejam efetivamente implementadas, e de limitações administrativas nas áreas protegidas propiciam a conservação de ecossistemas e espécies, especialmente no que toca ao desestímulo ao desmatamento[16]. A redução das taxas de desmatamento tem, por sua vez, se revelado como uma das providências mais eficazes para contornar as preocupações com as mudanças do clima[17].
A história recente demonstra a importância das áreas protegidas para conter o avanço da exploração econômica da terra. Em Ruanda, nos idos de 1970, quando do boom populacional sobrevindo após a independência e a manutenção do modo tradicional de produção agrícola, as únicas áreas que restaram preservadas do avanço agropastoril foram os parques nacionais[18].
O contraste de desenvolvimento econômico e social da República Dominicana em comparação com o vizinho Haiti também pode, em parte, ser imputada ao fortalecimento do sistema de áreas protegidas do primeiro país[19]. As medidas ali adotadas garantiram um estoque de recursos naturais e evitaram o esgotamento das reservas, preservando-se a população da disputa por elas.
O crescente interesse sobre a diversidade biológica e a preocupação de desacelerar a velocidade e os prejuízos de sua perda implicaram no incremento, para além dos parques nacionais, de outras categorias de áreas protegidas que visam à conservação da biodiversidade[20], as quais contemplam espaços para pesquisa, áreas com ocupação humana, exploração econômica sustentável, dentre outras.
1.2 .DIMENSÃO NACIONAL
No plano nacional, a história relata que somente nos idos de 1930 delineavam-se normas de considerações ambientais. Há registros de regulamentos cujo objeto envolvia recursos ou áreas naturais, em que o foco não era a preservação da natureza, mas sim a disciplina de seus interesses econômicos[21].
O Código das Águas[22] e o Código Florestal[23], ambos de 1934, representam um marco na legislação nacional ambiental, por inaugurarem o controle do poder público federal sobre a exploração de recursos naturais.
É no Código Florestal que repousa o primeiro fundamento normativo brasileiro para criação de áreas especialmente protegidas. No diploma, as florestas foram classificadas em categorias, dentre as quais figurava a de florestas remanescentes e que, pelo conceito, abarcaria as florestas de parques nacionais[24]. É o veículo inaugural que faz referência a essa categoria[25] e que a enquadra em um gênero de proteção especial, qual seja, a de preservação permanente. Vislumbra-se, portanto, que em um texto de cunho eminentemente produtivista, enxertou-se um dispositivo de viés preservacionista. Referida ambigüidade, conservacionista x preservacionista, vai acompanhar o desenvolvimento da atividade legislativa e das medidas administrativas brasileiras na área ambiental[26].
Não obstante a controvérsia interna da norma, o art. 9º do Código Florestal, de 1934, lastreou a criação dos dezesseis primeiros parques nacionais brasileiros. O Parque Nacional de Itatiaia, criado em 1937, encabeçou a lista.
O primeiro órgão responsável pela gestão dos parques nacionais, o Serviço Federal Florestal, não foi especificamente destinado a essa atribuição, mas acabou por assumi-la[27]. A situação demonstra a precariedade da ação estatal no efetivo manejo das áreas protegidas, situação que perdurará nos anos vindouros.
Com o advento do Novo Código Florestal[28], em 1965, após dezessete anos de tramitação no Congresso Nacional, manteve-se a figura dos parques nacionais e a sua vocação à proteção integral[29]. Ao Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal (IBDF)[30], entidade criada em 1967, foram destinadas competências para gerir políticas de cunho conservacionistas (exploração de recursos florestais) e preservacionistas (parques nacionais).
O manejo de parques nacionais parece ter sido relegado a segundo plano no âmbito das densas atribuições do IBDF. No entanto, o Decreto n. 84.017[31], de 1979, aprovou o regulamento dos parques nacionais e norteou a sua gestão. O Decreto está vigente até a presente data e apresenta relevantes elementos para o desenvolvimento das medidas de criação, implementação e manejo da categoria de área protegida.
A norma de criação da Secretaria Especial para o Meio Ambiente (SEMA)[32], em 1973, destinou ao órgão a instituição e manejo de duas tipologias de áreas protegidas: as estações ecológicas e as áreas de proteção ambientais (APA). A primeira englobava a possibilidade de pesquisas científicas e a segunda objetivava controlar áreas em que a ação antrópica já estava consolidada.
A Política Nacional de Meio Ambiente[33], instituída pela Lei n. 6.938/81, também contemplou as reservas ecológicas e áreas de relevante de interesse ecológico, como categorias de espaços territoriais especialmente protegidos.
Desse modo, com a proliferação de normas que cuidavam do tema e a ausência de um órgão central responsável pelas áreas protegidas, constatou-se um excesso de tipologias e a carência de uniformidade na efetividade da gestão e da implantação de referidos espaços[34].
A relevância da temática ambiental e da criação de áreas protegidas foi elevada ao trato constitucional e positiva no artigo 225 da Constituição da República Federativa do Brasil[35], de 1988. A constitucionalização da questão ambiental e do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado agregou benefícios de ordem normativa e de cunho substantivo[36].
O Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis[37] (IBAMA), autarquia criada em 1989, condensou toda a execução da política federal de meio ambiente. Reproduziu-se a praxe de concentrar as matérias ambientais de orientação desenvolvimentista e preservacionista em uma única instância. No entanto, com a medida, pode-se conferir uniformidade[38] ao trato da criação, implementação e gestão das áreas protegidas federais.
A existência de legislação esparsa e a proliferação de tipologias de áreas protegidas impulsionaram a consolidação normativa do tema, o que culminou, em 2002, após quase uma década de tramitação legislativa, na edição da Lei n. 9.885[39]. O novel diploma instituiu o Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC) e logrou conferir um conceito jurídico ao termo unidade de conservação[40].
As unidades de conservação são espécie de espaços territoriais especialmente protegidos, criados por ato do Poder Público e com isso retirados do modo de apropriação moderno, destinados, conforme Herman Benjamin, à conservação da biodiversidade, ao aproveitamento público, à pesquisa científica e ao uso econômico sustentável de seus componentes[41].
Consigne-se que, para a edição da lei, operou-se um esforço hercúleo com vistas a harmonizar as divergências que marcaram as discussões legislativas[42]. Em termos macro, a normatização das unidades de conservação representava uma força contrária ao movimento desenvolvimentista, notadamente pautado, no Brasil, na exploração de recursos naturais[43]. Por outro lado, internamente às discussões sobre a nova disciplina, registrou-se o embate, já tradicional, entre os preservacionistas e os conservacionistas[44].
Na busca de uma solução conciliatória, as unidades de conservação foram classificadas em duas categorias: de proteção integral e de uso sustentável. A primeira reflete o posicionamento dos preservacionistas ao permitir somente o uso indireto dos recursos naturais encontrados no interior da unidade. As unidades de conservação de uso sustentável admitem a exploração direta dos recursos naturais, desde que sob o controle do Poder Público e com a observância de limitações. A categoria de uso sustentável busca compatibilizar o equilíbrio da natureza e a proteção da biodiversidade com a utilização sustentável dos recursos.
O parque nacional, como tipologia de unidade de conservação, foi incluído na categoria de proteção integral, na esteira da tradição do instituo, e lhe foi imputada, como objetivos específicos, a vocação para as pesquisas científicas e para o desenvolvimento de atividades voltadas à recreação e educação ambientais e ao turismo ecológico[45].
Por fim, no que toca às estruturas administrativa e legislativa que aparatam os parques nacionais, foi criado, em 2007, o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio)[46], autarquia a que foi atribuída a gestão das unidades de conservação federais. Com a medida, em termos de organização da Administração Pública Federal, foram cindidas as atribuições concernentes a aspectos produtivistas (autorizações e licenças para a exploração de recursos naturais), as competências fiscalizatórias e as destinadas ao incremento dos mecanismos de conservação[47].
2. FINANCIAMENTO DO SISTEMA NACIONAL DE UNIDADES DE CONSERVAÇÃO
A manutenção e efetiva implementação das unidades de conservação dependem do aporte de recursos financeiros. A integralidade pública do custeio se revela nos casos de ser público o domínio da área em que instituída a unidade de conservação. Há, contudo, unidades que são de domínio privado[48] e ali as medidas de proteção cabe aos proprietários da área, com eventual suporte financeiro ou incentivo estatal[49].
2.1 COMPENSAÇÃO AMBIENTAL
A compensação ambiental figura como corolário do princípio do poluidor-pagador[50] e é medida prevista no âmbito do licenciamento ambiental de atividades e empreendimentos sujeitos a estudo de impacto ambiental[51]. Como forma de compensar os impactos, o empreendedor deve destinar recursos financeiros, em montante estabelecido no bojo do procedimento do licenciamento, à implantação e manutenção de unidades de conservação[52].O instituto remonta à previsão da Resolução Conama n. 10/87, em que se estabelecia a obrigação do empreendedor de implantar e manter Reserva Ecológica[53], categoria de área protegida prevista na Lei n. 4.771/65.
Com o advento da Resolução Conama n. 02/1996, revogou-se a disposição anterior, e a figura da compensação ambiental passou a contemplar não só a criação de novas Reservas Ecológicas, mas o suporte financeiro a unidades de conservação já criadas e mantidas pelo Poder Público[54].
Por fim, o instituto foi cristalizado na previsão do art. 36 da Lei n. 9.985/2000[55] e figura como instrumento da mais alta importância para consolidação do Sistema Nacional de Unidades de Conservação[56] e para a consecução dos objetivos estabelecidos na Convenção Sobre a Diversidade Biológica.
A atual disciplina da compensação ambiental é delineada na Resolução Conama n. 371/2006 e no Decreto n. 4.340/2005, em que se prioriza o destino dos recursos à regularização fundiária, elaboração do plano de manejo das unidades beneficiadas e pesquisa. A Portaria Conjunta MMA/IBAMA/ICMBio n. 225/2011 e a Instrução Normativa IBAMA n. 08/2011 pormenorizam o procedimento da compensação ambiental no âmbito do licenciamento ambiental federal.
2.2 TURISMO ECOLÓGICO NOS PARQUES NACIONAIS E POTENCIAL FINANCIADOR
A Lei que instituiu o Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC) propôs para os parques nacionais o objetivo de conciliar a proteção integral da fauna, da flora e das belezas naturais com a utilização para fins educacionais, recreativos e científicos[57]. Nesse diapasão, os parques nacionais comportam o turismo ecológico[58], o qual deve submeter-se às normas e restrições estabelecidas no Plano de Manejo[59] e deve servir de instrumento à disseminação da educação ambiental, à geração de renda para a manutenção da unidade e ao desenvolvimento da economia do seu entorno[60]. Nesse sentido, o Ministério do Meio Ambiente elencou como princípios para a visitação em unidades de conservação:
(...)
b. A visitação é instrumento essencial para aproximar a sociedade da natureza e despertar a consciência da importância da conservação dos ambiente e processos naturais, independentemente da atividade que se está praticando na Unidade de Conservação.
(...)
e. O desenvolvimento das atividades de visitação requer a existência de infra-estrutura mínima, conforme previsto nos instrumentos de planejamento da Unidade de Conservação.
f. A visitação é uma alternativa de utilização sustentável dos recursos naturais e culturais.
(...)
h. A visitação deve contribuir para a promoção do desenvolvimento econômico e social das comunidades locais[61].
O Decreto no 84.017/79, que dispõe acerca do regulamento dos parques nacionais, trata do uso público em diversos dispositivos, mormente nos artigos 30 a 37, descrevendo atividades e serviços que devem estar à disposição do visitante para que os parques nacionais cumpram a sua função recreativa e educacional. Apesar de causarem impactos ambientais[62], as atividades de recreação e serviços voltados ao turismo ecológico também geram diversos benefícios, dentre os quais se podem citar: a educação ambiental, o lazer, o despertar dos cidadãos para a importância da conservação da biodiversidade, a arrecadação de receita para a unidade de conservação, desenvolvimento para o entorno do parque, renda para as comunidades vizinhas e seu envolvimento na temática ambiental. Com vistas a conciliar a visitação a proteção da biodiversidade, imperioso que haja planejamento e estudos de viabilidade da estrutura de uso público.
2.3 DADOS ATUAIS DOS PARQUES NACIONAIS NO BRASIL
A criação de parques nacionais se efetiva por intermédio de decreto do Poder Executivo e sua extensão e finalidade somente podem ser alteradas através do envolvimento do Poder Legislativo, através de lei específica.
O Brasil registra, desde o Parque Nacional de Itatiaia, instituído em 1937, a criação de sessenta e sete unidades de parques nacionais que cobrem 23.834.532,20 hectares de áreas terrestre e marinha[63].
O maior desafio do SNUC é a sua efetiva implantação, não somente no que se refere à regularização fundiária[64], senão mormente no que toca ao alcance das finalidades específicas de cada unidade de conservação[65]. O histórico demonstra que raros são os casos em que a criação normativa de parques nacionais vem acompanhada da previsão orçamentária para proceder-se a sua regularização fundiária e a sua efetiva implantação[66]. Assim, há de se atentar que a responsabilidade do Poder Público é não só de criar referidas unidades, mas de manter referidos espaços e viabilizar que atinjam a finalidade para a qual foram criados[67].
O Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), autarquia criada pela Lei n. 11.516, de 2007, é responsável, no âmbito federal, pelas unidades de conservação criadas pela União, gênero no qual se incluem os parques nacionais. Em 2011, à autarquia foram disponibilizados recursos orçamentários no montante de R$ 388,7 milhões, o que implica, considerando a totalidade da extensão das unidades de conservação, o valor de R$ 5,00 por hectare, aí incluído o pagamento da folha dos servidores do ICMBio[68].
Por seu turno, o orçamento do National Park Service, agência americana a quem compete a gestão dos parques nacionais norte-americanos, por seu turno, gira na ordem de US$ 3 bilhões[69].
O registro de que apenas trinta e um parques nacionais brasileiros[70], do total de sessenta sete, estão abertos à visitação entremostra as dificuldades estruturais encontradas na efetiva viabilização[71] dessas unidades. Apenas 18 parques nacionais possuem estrutura mais aprimorada de uso público, com contabilização de número de visitantes e com cobrança de ingresso[72].
Captar recursos para implementação dos objetivos dos parques nacionais e promover sua gestão participativa são ações fundamentais para garantir a eficácia da Lei no 9.985, de 2002.
2.2.2. Viabilização do uso público e incentivo do turismo ecológico
Ante a deficiência administrativa de efetiva implementação dos parques nacionais[73], o incremento do uso público em parques nacionais não só possibilita alcançar a finalidade legal para a qual foram criados, mas também propicia meios de garantir sua sustentabilidade financeira[74].
Ademais, o efetivo cumprimento da vocação para o turismo ecológico, implicará no desenvolvimento da economia do seu entorno com a demanda por pousadas, restaurantes, comércio e outros serviços[75]. Com isso, restará afastada parte dos conflitos resultantes da criação do parque, notadamente para as populações residentes nas imediações da unidade. Será também estimulada a participação da comunidade no planejamento e na tomada de decisões referentes à gestão do parque[76].
O crescimento do segmento do ecoturismo, que repousa suas bases no sistema de unidades de conservação, figura como um filo para o crescimento e o fortalecimento do SNUC[77]. Registre-se que o ICMBio estabeleceu o Programa Turismo nos Parques com o objetivo de fortalecer a implantação de estruturas de uso público e de incentivar o turismo ecológico nos parques nacionais[78]. Precedentemente a essa política, o Decreto n. 86.176[79], de 1981, previu a possibilidade de a EMBRATUR instituir áreas especiais de interesses turísticos e sítios de interesse turístico, os quais podem se consubstanciar em corredores em torno de unidades de conservação. Não obstante não haja o registro da criação de áreas com esse escopo, a norma ainda está vigente e poderá ser invocada com vistas a incentivar o turismo ecológico, no curso de política pública que envolva agente das áreas ambiental e do turismo.
A Lei n. 9.985, de 2002, expressamente prevê apenas um mecanismo de financiamento das unidades de conservação, qual seja, a compensação ambiental[80]. O instituto figura como uma contraprestação dos grandes empreendimentos e seus impactos à proteção ambiental, pelo que um montante determinado no âmbito do licenciamento ambiental será destinado à criação e manutenção de unidades de conservação.
Não obstante não estar definido expressamente na Lei do SNUC, a outra forma de financiamento das unidades de conservação, principalmente dos parques nacionais, é a receita oriunda da visitação e da exploração, direta ou indireta, dos serviços do turismo ecológico. Estima-se que o setor tem potencial para geração de aproximadamente R$ 1,6 a R$ 1,8 bilhão[81].
Para tanto, imprescindível haver uma melhoria planejada nas estruturas de uso público disponibilizadas para os visitantes, tais como restaurantes, lanchonetes, opções de hospedagem e passeio, bem como um incremento de programas de divulgação do turismo nos parques nacionais. A viabilização de estruturas de uso público poderá ser alcançada através de participação e investimentos privados, por meio do instituto de concessão de uso de bem público, vinculada, em alguns casos, à prestação de serviço público. A participação privada pode, nesse passo, implicar no efetivo aprimoramento qualitativo dos serviços disponibilizados nos parques nacionais[82], com o conseqüente aumento no fluxo de visitantes e geração de renda.
O estado da arte impõe que a gestão e a função dos parques nacionais evoluam para serem inseridas no contexto do desenvolvimento sustentável, sustentada e includente[83], sem que se desvirtuem as suas características originárias. Quiçá se poderá trilhar um caminho concertado, que não estagne na gestão de uso público exclusivamente por parte do setor público e tampouco a entregue sem controle e participação do Estado à iniciativa privada. O experimentalismo institucional proposto por Unger pode servir como referência para essas novas e necessárias experiências[84].