VI - O PLANEJAMENTO TRIBUTÁRIO
O Planejamento Tributário é a utilização da elisão fiscal com objetivo de conferir às operações de empresas e pessoas físicas a menor incidência tributária possível.
Hugo de Brito Machado ensina que[38]:
“Em termos bastante simples, pode-se dizer que há planejamento quando o contribuinte organiza suas atividades de forma a não praticar hipótese de incidência da norma tributária, ou a praticá-la de modo que a norma incidente seja aquela que impõe a menor tributação possível. O contribuinte trabalha com a ocorrência dos fatos que ensejam a incidência da norma, evitando que esta aconteça.”.
Portanto, o planejamento tributário é uma prática absolutamente legal, pois é calcada na elisão fiscal, que possibilita uma menor incidência tributária.
Ricardo Lobo Torre[39] ensina:
“Posições teóricas atuais como a jurisprudência dos valores e o pós-positivismo aceitam o planejamento fiscal como modo de economizar imposto, desde que não haja abuso de direito; só a elisão abusiva ou o planejamento inconsistente se tornam lícitos (...).”
Ives Gandra Matins diz que o planejamento tributário é consequência da voracidade do Estado na arrecadação dos tributos, que torna a carga tributária cada vem mais elevada[40].
Assim, para manter seus produtos mais competitivos no mercado, os empresários se veem obrigados a utilizar o planejamento tributário.
O planejamento tributário válido deve sempre estar embasado em um comportamento que não seja vedado por lei, sob pena de caracterização de evasão fiscal.
Hugo de Brito Machado traz um exemplo que ilustra muito bem a diferença entre um planejamento tributário lícito e um que caracteriza uma evasão fiscal[41]. Confira-se:
“O exemplo é também muito bom para nos ajudar a explicar a diferença entre um planejamento tributário, ou elisão fiscal lícita e a fraude fiscal. Se alguém importa componentes de um produto faz a montagem deste no território nacional está praticando um planejamento tributário. Sua conduta é irrepreensível. A redução do tributo é legítima sob todos os aspectos. Por outro lado, se alguém importa o produto pronto e faz constar da documentação correspondente a importação de componentes está praticando fraude fiscal, conduta que configura ilícito administrativo e pode configurar também ilícito penal”.
Para Sacha Calmon Navarro Coelho, o planejamento tributário além de ser uma alternativa para os contribuintes, é uma obrigação, imposta por lei, dos administradores de das sociedades anônimas[42], de forma que, se eles não utilizarem esse expediente, estarão descumprindo o dever profissional.
Na mesma linha continua o professor[43]:
“Assim, a prévia estruturação das atividades empresariais com o fito de pagar menos tributos – planejamento tributário – é não somente direito de todos como dever inarredável daquele a que foi confiada a administração de sociedades anônimas, que devem gerir a poupança popular tão bem como o fazem com seu próprio patrimônio. Isso implica em, sempre que possível, permitir que a Fazenda Pública se apodere da quantia mínima do capital empregado nos negócios da companhia”.
O professor Ives Gandra Martins possui o mesmo entendimento. Afirma o ilustre professor que a obrigação de utilizar os meios mais benéficos para a sociedade é uma obrigação não só dos administradores das sociedades anônimas, mais de todos os administradores, nos termos do art. 1.011, do Código Civil[44].
Assim sendo, o planejamento tributário não é apenas um direito do contribuinte, é uma obrigação dos administradores de empresas, sendo, portando, uma prática absolutamente legal.
O planejamento tributário, destarte, é uma prática absolutamente legal, que se utiliza da elisão fiscal, de meios lícitos, portanto, para obter uma menor incidência tributária sobre seus negócios.
VII - ALGUMAS DECISÕES DOS TRIBUNAIS REGIONAIS FEDERAIS SOBRE O PLANEJAMENTO TRIBUTARIO
Como o tema “planejamento tributário” é muito polêmico, o entendimento jurisprudencial é fundamental para consolidação dos limites do instituto.
Em nossos nos tribunais regionais federais existem poucos julgados analisando a matéria. Todavia, a pequena quantidade de julgados nos possibilita verificar em qual rumo deverão seguir as discussões.
No Tribunal Regional da Primeira Região (Brasília e outros) encontramos o julgado relativo à Apelação Cível n.º 95.01.08208-3, de relatoria da Juíza Vera Carla Nelson de Oliveira Cruz, onde foi considerada legal a economia fiscal em contrato de arredamento mercantil. Confira-se o julgado[45]:
“TRIBUTÁRIO. IMPOSTO DE RENDA. ARRENDAMENTO MERCANTIL. VALOR DE OPÇÃO: INEXISTÊNCIA DE LIMITAÇÃO. LEI 6.099, DE 12 DE MAIO DE 1974, ART. 11. DISTINÇÃO ENTRE ELISÃO E EVASÃO. LEI 4.502, DE 30 DE NOVEMBRO DE 1964, ART. 72. INDEDUTIBILIDADE DE despesaS COM MULTAS DE MERCADORIAS EM TRÂNSITO E POR EXCESSO DE PESO E DE INDENIZAÇÕES PAGAS A TERCEIROS EM DESCONFORMIDADE COM O DECRETO 85.450/80. RIR/80, ART. 191 E 240. I. A evasão fiscal distingue-se da elisão fiscal pela manipulação dolosa do fato gerador. Nesta última, não ocorre fraude, mas economia fiscal. II. A Lei 6.099/74, ao disciplinar o arrendamento mercantil, não regulou o preço das prestações e do valor de opção dos contratos, ensejando a ocorrência de elisão fiscal. III. As multas, consistindo em sanção pela prática de uma infração, não podem ser qualificadas como despesas operacionais. IV. À mingua de comprovação da origem do pagamento indenizatório, descabe a sua caracterização como despesa dedutível. V. Apelações e remessa oficial improvidas”.
Como se nota na ementa acima, os ilustres julgadores consideraram lícita a elisão fiscal, pois foi feita sem contrariar a lei.
No Tribunal Regional da Segunda Região (Rio de Janeiro/Espírito Santo), encontramos um julgado, relativo à Apelação em Mandado de Segurança n.º 2002.02.01.028151-8, onde os julgadores entenderam que a elisão fiscal é prática absolutamente lícita. Confira-se trecho do julgado[46]:
“(...)- A operação em tela constitui verdadeira hipótese de elisão fiscal, a qual é plenamente admitida pelo ordenamento jurídico pátrio, tendo como finalidade precípua assegurar o direito do contribuinte de buscar a forma menos onerosa de pagar os seus tributos. Diferentemente da evasão fiscal, são utilizados meios legais na busca da descaracterização do fato gerador do tributo(...).”
No Tribunal Regional Federal da Terceira Região (São Paulo/Mato Grosso do Sul) encontramos julgado que expressa o mesmo entendimento dos já citados, ou seja, que a elisão fiscal é lícita. Confira-se[47]:
“AGRAVO DE INSTRUMENTO - PROCESSUAL CIVIL - MEDIDA CAUTELAR - LIMINAR CONCEDIDA - PRESENTES OS REQUISITOS - CIRCULAR DO BACEN - ILEGALIDADE - CPMF - ELISÃO FISCAL - CONDUTA LÍCITA. 1- Presentes os requisitos ensejadores da concessão da liminar. 2- Fumus boni iuris. Licitude da conduta da agravada. A intenção da agravada, em adimplir suas contas em moeda corrente que recebera de seus clientes e depositar o saldo remanescente, com o escopo de não fazer incidir a CPMF, demonstra a prática da elisão fiscal por omissão, cujo escopo é impedir o nascimento da obrigação de recolher o tributo. Ausência de ilegalidade. 3- Circular nº 3001/2000 do Banco Central. Inexiste lei que obrigue o depósito do dinheiro em conta corrente para o pagamento de contas, forçando a incidência da CPMF. Circular não é nem sequer tem força de lei. 4- A moeda nacional tem curso forçado e poder liberatório. Ilegal o ato de impedir qualquer pagamento que se pretenda fazer mediante pagamento em dinheiro. 5- Cabível a pretensão da agravada de pagar suas contas com o dinheiro recebido de seus clientes, depositando em sua conta corrente apenas o saldo remanescente. Legalidade e possibilidade. Precedente jurisprudencial. 6- Periculun in mora. Sem a liminar a agravada estará obrigada agir na conformidade da Circular do Banco Central, fazendo incidir a CPMF. 7- Mantida a decisão. Agravo de Instrumento a que se nega provimento”.
Encontramos outro julgado no qual os julgadores utilizam o termo “elisão fiscal” para indicação a atitude ilícita do contribuinte. Todavia, como se verá no trecho transcrito abaixo, trata-se apenas de uma divergência de nomenclatura, de forma que os julgadores também entendem que o fato do contribuinte escolher um modelo jurídico que lhe propicia menor incidência tributária não caracteriza crime. Confira-se[48]
“(...)A estruturação da pessoa jurídica, pela qual há uma controladora, por si só não pode evidenciar uma atuação fraudulenta, em face de prestação de serviços entre si, quando demonstrado por documentos a efetividade dessa relação comercial entre ambas. 4. Confunde-se a ré ao considerar esse fato ilegal, tido como elisão fiscal, glosando parcela das despesas apresentadas pela autora, apenas por compartilharem, controlada e controladora, serviços entre si. A evasão fiscal sim, seria passível dessa prática, quando verificado que os atos perpetrados são fraudados com esse objetivo, o que não ocorreu, conforme determinado pela perícia levada a efeito. 5. Prevalece o periciamento técnico, com a constatação de não ter havido elisão fiscal, não podendo subsistir a glosa efetuada, pois não constatada a sonegação de receita ao Fisco, pela suposta transferência de recursos à coligada. 6. Ilegítima a glosa levada a efeito pelo Fisco, com a lavratura do auto de infração, quando comprovado por documentos que todas as receitas auferidas e pagas foram declaradas e oferecidas à tributação(...)”.
Confiram-se outros julgados:
“(...)
10. A ausência de ingresso dos valores em conta corrente da embargante, para, somente então, ser efetuada a operação de hedge, não se mostra, assim, relevante, pois da escrituração contábil foi possível identificar o débito, sendo, em princípio, legal a realização da operação direta, tratando-se de hipótese de planejamento tributário (elisão fiscal). 11. Sentença reformada, com a condenação da embargada em verba honorária de 10% sobre o valor atualizado da causa: artigo 20, § 4º, do Código de Processo Civil.[49]
“DIREITO PROCESSUAL CIVIL. DIREITO TRIBUTÁRIO. AGRAVO RETIDO NÃO CONHECIDO. IMPOSTO DE RENDA PESSOA FÍSICA. RETIFICAÇÃO DE DECLARAÇÃO ANTES “(...)
4. Caso de ocorrência de elisão legítima, pois o contribuinte valeu-se da legislação para recolher menos tributo, mediante correção de suas declarações de imposto de renda, em razão de erro devidamente comprovado. 5. Precedente desta Turma. 6. Agravo retido não conhecido e apelação da União e remessa oficial a que se nega provimento.”[50]
Encontramos, no site do Tribunal Regional Federal da Quarta Região (Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná), um julgado, relativo à Apelação Cível n.º 96.04.55121-3[51], considerando legal a prática do planejamento que se utiliza de elisão fiscal lícita, ou seja, quando não existe lei vedando a prática utilizada pelo contribuinte.
No referido julgado, a prática do planejamento tributário tornou-se ilícita apenas no momento em entrou em vigor uma nova norma jurídica que impedia a prática adotada pelo contribuinte.
Confira-se a ementa do referido julgado:
“TRIBUTÁRIO. ANULAÇÃO DE LANÇAMENTO FISCAL. IMPOSTO DE RENDA. PESSOA JURÍDICA. COMPENSAÇÃO. CISÃO PARCIAL DE EMPRESA. EVASÃO. O planejamento tributário praticado pelas empresas deve limitar-se à prática da economia fiscal lícita (elisão), não se admitindo em nosso ordenamento a evasão (economia fiscal ilícita). Com o advento da Lei n° 7450/85, se coíbe a prática até então tida como elisão, quando os lucros da cindida podiam ser compensados com os prejuízos da incorporadora. Não tendo a ata assemblear responsável pela cisão sido levada a registro no mesmo ano, o ato completou-se apenas quando já em vigor mencionada Lei. Apelo improvido”.
Nota-se, na ementa acima, que os julgadores entenderam que não existindo norma impedindo a prática do ato, a adoção de um modelo jurídico que possibilite uma menos incidência tributária é uma prática absolutamente legal.
No julgamento do processo AC 2003.71.14.001430-0[52], o mesmo tribunal entendeu que o contribuinte tem total liberdade para escolher o modelo tributário que lhe represente a menor carga tributária, entendendo, assim, o planejamento tributário como prática absolutamente lícita.
Confira-se um trecho do referido julgado:
“(...) 6. Verifica-se a ocorrência de planejamento tributário (elisão fiscal) já que, por meios lícitos e diretos, o contribuinte planejou evitar ou minimizar a tributação. Esse planejamento se fundamenta na liberdade que possui de gerir suas atividades e seus negócios em busca da menor onerosidade tributária possível, dentro da zona de licitude que o ordenamento jurídico lhe assegura. Tal liberdade se apresenta anteriormente à ocorrência do fato gerador, pois, uma vez ocorrido este, surge a obrigação tributária, configurando a sonegação/evasão do tributo já devido, o que não ocorre no caso em tela(...)”.
Encontramos também, um julgado, relativo ao Agravo de Instrumento n.º 2004.04.01.044424-0[53], desconsiderando o planejamento tributário feito pelo contribuinte em virtude da caracterização de simulação. Confira-se a ementa desse julgado:
“INCORPORAÇÃO. AUTUAÇÃO. ELISÃO E EVASÃO FISCAL. LIMITES. SIMULAÇÃO. EXIGIBILIDADE DO DÉBITO. 1. Dá-se a elisão fiscal quando, por meios lícitos e diretos o contribuinte planeja evitar ou minimizar a tributação. Esse planejamento se fundamenta na liberdade que possui de gerir suas atividades e seus negócios em busca da menor onerosidade tributária possível, dentro da zona de licitude que o ordenamento jurídico lhe assegura. 2. Tal liberdade é possível apenas anteriormente à ocorrência do fato gerador, pois, uma vez ocorrido este, surge a obrigação tributária. 3. A elisão tributária, todavia, não se confunde com a evasão fiscal, na qual o contribuinte utiliza meios ilícitos para reduzir a carga tributária após a ocorrência do fato gerador. 4. Admite-se a elisão fiscal quando não houver simulação do contribuinte. Contudo, quando o contribuinte lança mão de meios indiretos para tanto, há simulação. 5. Economicamente inviável a operação de incorporação procedida (da superavitária pela deficitária), é legal a autuação.(... )”.
No site do Tribunal Regional Federal da Quinta Região (Alagoas, Ceará, Paraíba, Pernambuco, Rio Grande do Norte e Sergipe), encontramos um julgado onde se julgou válida a contratação de um arrendamento mercantil, ao invés de um contrato de compra e venda, afirmando que se trata de uma questão envolvendo elisão fiscal. Confira o julgado[54]:
“TRIBUTÁRIO. CRÉDITO. DESCONSTITUIÇÃO. ARRENDAMENTO MERCANTIL. REQUISITOS. LEI Nº 6.099/74. OPÇÃO LEGÍTIMA DA EMPRESA. UNIFORMIZAÇÃO DOS VALORES DAS PRESTAÇÕES. DESNECESSIDADE. CARACTERIZAÇÃO DOS ALUGUÉIS COMO DESPESAS OPERACIONAIS. PREJUÍZO. ELISÃO FISCAL. 1. O contribuinte pode, legitimamente, optar, quanto a seus equipamentos, pelo arrendamento mercantil, desde que atendidos os requisitos legais, não se podendo partir da presunção de que houve burla, ocorrendo, na verdade, contrato de compra e venda a prazo. 2. Entre os ditos requisitos, elencados na lei nº 6.099/74, não consta a necessidade da uniformização das prestações ajustadas, restando possível estabelecer que as 12 (doze) últimas parcelas sejam fixadas em valor inferior àquele atribuído às anteriores. 3. A adoção da citada modalidade contratual, em razão da conveniência da própria contribuinte, configura hipótese de elisão fiscal, onde se permite a busca da solução menos onerosa, sob o ponto de vista tributário, dentre aquelas não vedadas na legislação de regência. 4. Diante da caracterização do arrendamento, os aluguéis poderiam ser computados como despesas operacionais, o que ocasionou prejuízos fiscais, nos exercícios de 1986 e 1987, inviabilizando a cobrança de imposto de renda pessoa jurídica, questionada neste feito. 5. Apelação e remessa oficial improvidas”.
No mesmo tribunal, localizamos outro julgado dando a mesma interpretação à aplicação da elisão fiscal. Confira-se[55]:
“TRIBUTÁRIO. ARRENDAMENTO MERCANTIL. DESCLASSIFICAÇÃO PARA COMPRA E VENDA. FALTA DE TIPIFICAÇÃO LEGAL DOS INDÍCIOS INVOCADOS. ELISÃO FISCAL LÍCITA. 1. Se o ajuste celebrado como arrendamento mercantil contém todos os requisitos legalmente exigidos para assim caracterizá-lo, descabe desclassificá-lo para compra e venda devido a meros indícios de que esta foi a verdadeira intenção do contrato. 2. Para isto necessário seria que tais indícios estivessem tipificados na legislação tributária como hipóteses descaracterizadoras de um e caracterizadoras da outra. 3. Dá-se a elisão fiscal lícita quando o contribuinte opta por legal operação econômica que lhe confere tratamento tributário mais vantajoso. 4. Remessa oficial improvida”.
Não encontramos uma quantidade significativa de julgados de julgados analisando o tema. Também não encontramos julgados do Supremo Tribunal Federal ou do Superior Tribunal de Justiça.
Sendo assim, não se pode afirmar que o entendimento expressado nos julgados acima irá prevalecer.
Todavia, é possível afirmar que a elisão fiscal encontra guarida na jurisprudência e pode ser defendida com boa possibilidade de êxito.