Artigo Destaque dos editores

A atuação da Fazenda Pública em juízo no projeto de CPC em tramitação legislativa.

Consagração de prerrogativas ou de privilégios ao poder público no Estado Democrático de Direito brasileiro?

Exibindo página 2 de 3
02/08/2013 às 14:59
Leia nesta página:

6.As prerrogativas da fazenda pública em juízo no projeto PLS 166/2010:

6.1.prazos diferenciados

No art. 95 do PLS 166/2010, estabeleceu-se que o Poder Público irá dispor de prazo em dobro para todas as manifestações, sendo-lhe assegurada a prerrogativa de intimação pessoal. Eis o dispositivo[25]:

Art. 95. A União, os Estados, o Distrito Federal, os Municípios e suas respectivas autarquias e fundações de direito público gozarão de prazo em dobro para todas as suas manifestações processuais, cuja contagem terá início a partir da vista pessoal dos autos, mediante carga ou remessa.

No tópico 5.1, já se apresentou o fundamento central que autoriza concluir-se que a diferenciação de prazos se apresenta consentânea com o devido processo legal. Em reforço à conclusão a que se chegou, acresça-se ainda: a) o número de demandas em que o Poder Público figura como parte, seja como autor, tal como ocorre em relação às milhares de execuções fiscais em curso[26], seja como réu e b) a estrutura, ainda longe do ideal, das respectivas Procuradorias.

6.2Intimação pessoal

Salvo melhor juízo, a previsão de intimação pessoal constante do dispositivo legal supratranscrito é de todo compatível com a dobra de prazos consagrada no PLS 166/2010.

De fato. As mesmas razões com as quais se justificou a diferenciação de prazos se prestam para ratificar a escolha pela intimação pessoal.

Sem contar que referido artigo, no final das contas, corrige distorção do sistema vigente, visto que Ministério Público, Defensoria Pública e Advocacia-Geral da União já usufruem da prerrogativa em apreço.

6.3Reexame necessário

O PLS 166/2010 manteve a previsão de revisão obrigatória de decisões contrárias à fazenda pública. Não há dúvida, portanto, ao menos aos olhos dos autores do projeto em tela, da compatibilidade do instituto com o devido processo legal. No particular, reporta-se ao quanto exposto no item 5.3 sobre a constitucionalidade do reexame.

O alcance da revisão sofreu, contudo, sensível redução. Eis o dispositivo que versa o tema:

Art. 478- Está sujeita ao duplo grau de jurisdição, não produzindo efeito senão depois de confirmada pelo tribunal, a sentença:

I – proferida contra a União, os Estados, o Distrito Federal, os Municípios e as respectivas autarquias e fundações de direito público;

II – que julgar procedentes, no todo ou em parte, os embargos à execução de dívida ativa da Fazenda Pública.

§ 1º Nos casos previstos neste artigo, o juiz ordenará a remessa dos autos ao tribunal, haja ou não apelação; não o fazendo, deverá o presidente do tribunal avocá-los.

§ 2º Não se aplica o disposto neste artigo sempre que a condenação ou o direito controvertido for de valor certo não excedente a mil salários mínimos, bem como no caso de procedência dos embargos do devedor na execução de dívida ativa do mesmo valor.

§ 3º Também não se aplica o disposto neste artigo quando a sentença estiver fundada em jurisprudência do plenário do Supremo Tribunal Federal, em súmula desse Tribunal ou de tribunal superior competente, bem como em orientação adotada em recurso representativo da controvérsia ou incidente de resolução de demandas repetitivas.

§ 4º Quando na sentença não se houver fixado valor, o reexame necessário, se for o caso, ocorrerá na fase de liquidação.

Da leitura do artigo infere-se que o não cabimento da revisão obrigatória fundado em posicionamento consolidado dos Tribunais Superiores ganhou o reforço das teses firmadas ao ser julgado o incidente de resolução de demandas repetitivas[27], assim como daquelas estabelecidas nos chamados julgamentos por amostragem.

Além disso, elevou-se o piso da condenação, agora, fixado em 1.000 salários mínimos.

De outro lado, afastou-se controvérsia jurisprudencial sobre se a decisão que contenha condenação ilíquida pode ou não ensejar a reapreciação ex officio. Nessa hipótese, previu-se que o reexame, conforme o caso, deverá ser realizado na fase de liquidação.

Em resumo, adotou-se posição mais restritiva quanto ao cabimento do reexame, orientação, já se pontuou, acertada, sem prejuízo da observação que será apresentada quando da análise da disciplina do assunto no PL 8.046/2010.

6.4Eiminação da execução autônoma de título judicial

A execução autônoma contra a fazenda pública fundada em título judicial está com seus dias contados.

Com efeito, pois o PLS 166/2010, em seu artigo 501, estatui que, após o trânsito em julgado, será o Poder Público intimado para, conforme o caso, apresentar impugnação no prazo de um mês.

O tema foi assim disciplinado:

Art. 501. Na ação de cumprimento de obrigação de pagar quantia devida pela Fazenda Pública, transitada em julgado a sentença ou a decisão que julgar a liquidação, o autor apresentará demonstrativo discriminado e atualizado do crédito. Intimada a Fazenda Pública, esta poderá, no prazo de um mês, demonstrar:

I – fundamentada e discriminadamente, a incorreção do cálculo apresentado pelo autor ou que este pleiteia quantia superior à resultante da sentença;

II – a inexigibilidade da sentença ou a existência de causa impeditiva, modificativa ou extintiva da obrigação superveniente à sentença.

§ 1º Quando se alegar que o credor, em excesso de execução, pleiteia quantia superior à resultante do título, cumprirá à devedora declarar de imediato o valor que entende correto, sob pena de não conhecimento da arguição.

§ 2º Não impugnada a execução ou rejeitadas as alegações da devedora, expedir-se-á, por intermédio do presidente do tribunal competente, precatório em favor do credor, observando-se o disposto no art. 100 da Constituição da República.

§ 3º Tratando-se de obrigação de pequeno valor, nos termos da Constituição da República e reconhecida por sentença transitada em julgado, o pagamento será realizado no prazo de dois meses contados da entrega da requisição do débito, por ordem do juiz, à autoridade citada para a causa, na agência mais próxima de banco oficial, independentemente de precatório.

§ 4º Na execução por precatório, caso reste vencido o prazo de seu cumprimento, seja omitido o respectivo valor do orçamento ou, ainda, seja desprezado o direito de precedência, o presidente do tribunal competente deverá, a requerimento do credor, determinar o sequestro de recursos financeiros da entidade executada suficientes à satisfação da prestação.

§ 5º No procedimento previsto neste artigo serão observadas, no que couber, as disposições previstas neste Capítulo.

Aqui, a transcrição do inteiro teor do artigo mostra-se oportuna (também) para ratificar a conclusão exposta quando da análise da persistência, no sistema vigente, da execução definitiva contra a fazenda pública, qual seja, o direito constitucional de ampla defesa do Poder Público convive perfeitamente com o sincretismo processual.

Bem-vindo, portanto, o fim da dicotomia em apreço, o que, aliás, já ocorrera no âmbito dos Juizados Especiais da Fazenda Pública Federal (art. 17 da Lei 10.259/01) e, mais recentemente, nos Juizados Especiais da Fazenda Pública Estadual e Municipal (art. 13 da Lei 12.153/09).


7.As prerrogativas da fazenda pública em juízo no projeto PL 8046/2010[28]:

7.1. Prazos diferenciados

No PL 8.046/2010 (art. 106), manteve-se a diferenciação de prazos prevista no art. 95 do PLS 166/2010. Valem, portanto, as mesmas considerações feitas no tópico 6.1 do presente trabalho.

7.2Intimação

O PL 8046/2010, foi mantida a prerrogativa de intimação pessoal, a qual, a rigor, caminha de mãos dadas com a diferenciação de prazos nele reafirmada, tendo havido apenas a supressão da parte final do art. 95 do PLS 166/2010. Com isso, afastou-se a expressão mediante carga ou remessa dos autos.

O dispositivo recebeu a seguinte redação: “Art. 106. A União, os Estados, o Distrito Federal, os Municípios e suas respectivas autarquias e fundações de direito público gozarão de prazo em dobro para todas as suas manifestações processuais, cuja contagem terá início a partir da vista pessoal dos autos.”

Com a supressão, procurou-se, a um só tempo, assegurar o êxito das comunicações processuais, além de tornar menos onerosa sua efetivação, pois a remessa acabaria por envolver despesas com o correio.

7.3Reexame necessário

No PL 8.046/2010, também foi prestigiada a revisão obrigatória.

Eis o dispositivo que trata do assunto:

Art. 483. Está sujeita ao duplo grau de jurisdição, não produzindo efeito senão depois de confirmada pelo tribunal, a sentença:

I – proferida contra a União, os Estados, o Distrito Federal, os Municípios e as respectivas autarquias e fundações de direito público;

II – que julgar procedentes, no todo ou em parte, os embargos à execução de dívida ativa da Fazenda Pública.

III – que, proferida contra os entes elencados no inciso I, não puder indicar, desde logo, o valor da condenação.

§ 1º Nos casos previstos neste artigo, o juiz ordenará a remessa dos autos ao tribunal, haja ou não apelação; não o fazendo, deverá o presidente do respectivo tribunal avocá-los.

§ 2º Não se aplica o disposto neste artigo sempre que o valor da condenação, do proveito, do benefício ou da vantagem econômica em discussão for de valor certo inferior a:

I – mil salários mínimos para União e as respectivas autarquias e fundações de direito público;

II – quinhentos salários mínimos para os Estados, o Distrito Federal e as respectivas autarquias e fundações de direito público, bem assim para as capitais dos Estados;

III – cem salários mínimos para todos os demais municípios e respectivas autarquias e fundações de direito público.

§ 3º Também não se aplica o disposto neste artigo quando a sentença estiver fundada em:

I – súmula do Supremo Tribunal Federal ou do Superior Tribunal de Justiça;

II – acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de Justiça em julgamento de casos repetitivos;

III – entendimento firmado em incidente de resolução de demandas repetitivas ou de assunção de competência.

Fique sempre informado com o Jus! Receba gratuitamente as atualizações jurídicas em sua caixa de entrada. Inscreva-se agora e não perca as novidades diárias essenciais!
Os boletins são gratuitos. Não enviamos spam. Privacidade Publique seus artigos

Em primeiro lugar, vê-se que o parâmetro valor da condenação foi modificado para levar em conta as peculiaridades dos três entes da federação, já que, por óbvio, a soma de cem salários mínimos[29] representa percentual expressivo para a grande maioria dos municípios brasileiros, o mesmo não podendo ser dito em relação aos Estados. Idêntico raciocínio, ocioso dizer, pode ser feito para justificar a diferença de piso da condenação dos Estados em relação à União.

Quanto à valorização dos precedentes, cuidou-se de ampliá-la, ao prever expressamente que também a tese firmada na denominada assunção de competência (rectius: que a decisão apoiada em aludida tese) afasta o reexame.

Por fim, foi mantida a determinação de reapreciação ex officio em se tratando de decisão que contenha condenação ilíquida, afastando-se, porém, a previsão de que o reexame, nesse caso, ocorreria na fase de liquidação.

Em síntese, as alterações levadas a cabo na votação do Senado seguem a correta tendência restritiva defendida no tópico 5.3.

De fato, pois se restringiu o reexame para situações mais relevantes.

Acertou-se ainda ao aplicar o princípio da proporcionalidade, ressalva feita ao piso condenatório envolvendo os municípios, para tratar de forma diferenciada o regime de revisão das sentenças, conforme o valor da condenação imposta a cada um dos três entes da federação.

7.4Eliminação da execução autônoma de título judicial

No PL 8.046/2010, persiste o fim da dicotomia processo de conhecimento processo de execução (art. 519), tal como sugerido no PLS 166/2010. A correção dessa modificação foi analisada no tópico 6.4, para o qual se remete o leitor.

Para melhor ilustrar o tema, segue o comando legal:

Art. 519. Transitada em julgado a sentença que impuser à Fazenda Pública o dever de pagar quantia certa, ou, se for o caso, a decisão que julgar a liquidação, o exequente apresentará demonstrativo discriminado e atualizado do crédito contendo:

I – o nome completo, o número do cadastro de pessoas físicas ou do cadastro nacional de pessoas jurídicas do exequente;

II – o índice de correção monetária adotado;

III – a taxa dos juros de mora aplicada;

IV – o termo inicial e o termo final dos juros e da correção monetária utilizados;

V – especificação dos eventuais descontos obrigatórios realizados.

§1º Havendo pluralidade de exequentes, cada um deverá apresentar o seu próprio demonstrativo, aplicando-se à hipótese, se for o caso, o disposto nos §§ 1º e 2º do art. 112.

§2º A multa prevista no §1º do art. 509 não se aplica à Fazenda Pública.

No particular, chama a atenção a expressa ressalva quanto a não incidência da multa de 10 por cento do valor da condenação para o caso de não cumprimento voluntário da obrigação, tal como prevê o art. 509, § 1.º do PL 8.046/2010 [30]

A justificativa para a exclusão é encontrada no Texto Constitucional pátrio, a saber, leva em conta a previsão de que os pagamentos devem fazer-se sob o regime de precatório segundo a ordem de apresentação dos créditos (art. 100 da CF/88).

Apresentada, em linhas gerais, a disciplina da atuação da fazenda pública em juízo no projeto de CPC em tramitação legislativa, é chegada a hora de concluir.

Não sem antes tecer duas últimas considerações.


8.Uma observação de ordem teórica: o processo de produção das leis como fonte de legitimidade democrática da jurisdição

A jurisdição não se legitima apenas pela aplicação democrática, leia-se: em contraditório, do direito.

Realmente, pois o devido processo legislativo se apresenta como condição prévia para aferir-se a compatibilidade dos resultados obtidos no processo com os direitos fundamentais, sejam eles de ordem material ou processual.

Em síntese, o novo modo de atuação em juízo, seja dos particulares, seja da fazenda pública reclama diálogo com a sociedade por seus mais diversos segmentos, sob pena de o novo CPC já nascer fadado a ser, mais um, saliente-se, diploma normativo carecedor de legitimidade no Estado Democrático de Direito brasileiro.

Assuntos relacionados
Sobre o autor
Leonardo Oliveira Soares

Mestre em Direito Processual pela PUC-MG. Membro da Academia Brasileira de Direito Processual Civil. Professor de Teoria Geral do Processo e Processo Civil na FADIPA (MG). Procurador do Estado de Minas Gerais.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SOARES, Leonardo Oliveira. A atuação da Fazenda Pública em juízo no projeto de CPC em tramitação legislativa.: Consagração de prerrogativas ou de privilégios ao poder público no Estado Democrático de Direito brasileiro?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3684, 2 ago. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/25073. Acesso em: 22 dez. 2024.

Leia seus artigos favoritos sem distrações, em qualquer lugar e como quiser

Assine o JusPlus e tenha recursos exclusivos

  • Baixe arquivos PDF: imprima ou leia depois
  • Navegue sem anúncios: concentre-se mais
  • Esteja na frente: descubra novas ferramentas
Economize 17%
Logo JusPlus
JusPlus
de R$
29,50
por

R$ 2,95

No primeiro mês

Cobrança mensal, cancele quando quiser
Assinar
Já é assinante? Faça login
Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Colabore
Publique seus artigos
Fique sempre informado! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos