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Neoconstitucionalismo: Origens e aspectos relevantes

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25/09/2013 às 07:07
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Oposições à teoria neoconstitucionalista

Apesar de grande parte da doutrina acolher a teoria neoconstitucionalista e reconhecer suas peculiaridades e efeitos no constitucionalismo contemporâneo, a questão não é mansa e pacífica. Há autores que refutam, veementemente, sua existência, suas premissas ou, até mesmo, sua novidade.

Neste toar, sustenta-se que o ativismo judicial feriria o ideal de Estado Democrático, abriria precedentes para condutas arbitrárias e ilegais e violaria a autonomia privada.[44]

A “judiciocracia”[45] limitaria o poder do povo em se autogovernar, visto que se estaria retirando das mãos de representante eleitos para o exercício da função legislativa importantes decisões da sociedade e as delegando ao Poder Judiciário que, obviamente, é composto por membros oriundos de concurso público ou indicação política. Assim, defende-se que, com a delegação de poderes concretos – para a materialização dos valores constitucionais – ao Poder Judiciário, estar-se-ia, na verdade, criando um poder de reforma constitucional permanente pelo Judiciário.

Outra crítica contumaz ao neoconstitucionalismo seria a possibilidade de deturpação de um sistema jurídico pautado por conceitos abertos e indeterminados, atribuindo-se ao Poder Judiciário a tarefa de substanciá-los, mormente no Brasil, pelo seu histórico de corrupção e patrimonialismo.[46]

Sob outro aspecto, advoga-se que a irradiação dos valores constitucionais por todo o ordenamento jurídico e, inclusive, nas relações travadas entre particulares, pode vir a representar uma unificação da conduta social, criando óbices à sua autonomia individual, o que tornaria tal movimento constitucional antidemocrático.

Ratificando as críticas ao neoconstitucionalismo, Dimitri Dimoulis assinala que os ideais neoconstitucionalistas estariam baseados em premissas já ventiladas no Direito Constitucional desde o século XIX, de maneira que o neoconstitucionalismo apenas agregaria “solução para problemas que acompanham o direito desde a sua estruturação com base na Constituição”. [47]

De igual modo, Bulos entende que o neoconstitucionalismo apenas refletiria o desenvolvimento do constitucionalismo a partir do fim do século XVIII.[48]

Não obstante as críticas mencionadas, deve-se ter em mente que, apesar das semelhanças com o desenvolvimento do constitucionalismo e o ressurgimento de ideias já ventiladas em outros movimentos constitucionais, o modo de ver o constitucionalismo como se vê no neoconstitucionalismo, de fato, é inédito. Até porque, os problemas sociais que o movimento neoconstitucionalismo pretende elucidar também o são. Necessitou-se de um ambiente traumático pós-guerra para que se dê a devida atenção aos valores e princípios que devem reger uma sociedade – acima de qualquer documento formal –, muito embora isto não resulte, peremptoriamente, no abandono à subsunção como principal fonte de segurança jurídica para a coletividade. Como expõe Rafael Oliveira “divergências a parte, não se pode olvidar que a tendência hodierna é o estabelecimento de uma abordagem não positivista do Direito”[49]


CONCLUSÃO

Divergências à parte, o neoconstitucionalismo, inequivocamente, representa uma nova ordem constitucional. A Constituição emerge como centro efonte norteadora de todo o ordenamento jurídico. Releva-se o reconhecimento da força normativa dos princípios jurídicos, sobrepondo-se o formalismo da subsunção pela ponderação racional da norma, diante dos valores constitucionais. Desconstrói-se o paradigma de aplicação cega da lei, de modo que esta encontre seu fundamento de validade diretamente na norma constitucional, entendida assim, como as regras e princípios constitucionais, notadamente o catálogo de direitos fundamentais.

O ordenamento resgata ideais jusnaturalistas, com a retomada da influência da Moral, da Ética e do primado da Justiça no Direito, de forma a concretizar os valores e princípios jurídicos que, muitas vezes, passam ao largo da lei.

Por fim, a separação de poderes na esquemática prevista por Montesquieu também sofre uma mudança substancial com o chamado ativismo judicial e a ideia de juridicidade administrativa. Entende-se, hodiernamente, que os poderes constituídos não mais se limitam – apenas e exclusivamente – pelas leis, mas sim, pelo Direito, vinculando agentes públicos e cidadãos, diretamente ao texto constitucional que irradia seus valores por toda a sociedade.


Notas

[1] CANOTILHO. J.J. Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 7ª edição. Coimbra: Almedina, 1941, p.51. In: LENZA, Pedro. Curso de direito constitucional esquematizado. .13ª edição. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 4.

[2]AUAD,Denise. A perspectiva dinâmica do constitucionalismo. Revista de direito constitucional internacional,nº.77,out./dez.2011,p.41-61.

[3]BARROSO,Luís Roberto.Curso de direito constitucional contemporâneo.São Paulo: Saraiva,2009,p.6.

[4]BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de direito constitucional. 6ª edição. São Paulo: Saraiva, 2011. P. 64.

[5]Idem,p.65.

[6]Ibidem,p.66.

[7] BULOS, op. cit., p. 67.

[8]LENZA,Pedro. Direito constitucional esquematizado. São Paulo: Saraiva, 2009, p.5.

[9] De acordo com Gilberto Salomão o Baixo Império seria “o período final do Império Romano do Ocidente, caracterizado por sua decadência e queda, em 453, em meio às invasões dos povos germânicos”. Disponível em: http://educacao.uol.com.br/historia/roma-baixo-imperio.jhtm. Acesso em 08 de junho de 2012.

[10]BULLOS,2011,p.66.

[11]Idem.

[12] LENZA, op.. cit., p. 6.

[13]BINENBOJM, Gustavo. Uma teoria do direito administrativo: direitos fundamentais, democracia e constitucionalização. 2ª edição. Rio de Janeiro: Renovar, 2008. P. 63.

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[14] A Constituição alemã, promulgada em 1949, tem a designação originária de "Lei Fundamental", que sublinhava seu caráter provisório, concebida que foi para uma fase de transição. A Constituição definitiva só deveria ser ratificada depois que o país recuperasse a unidade. Em 31 de agosto de 1990 foi assinado o Tratado de Unificação, que regulou a adesão da República Democrática Alemã (RDA) à República Federal da Alemanha (RFA). Após a unificação não foi promulgada nova Constituição. Desde o dia 3 de outubro de 1990 a Lei Fundamental vigora em toda a Alemanha (BARROSO, op. cit)

[15]RODRIGUES, Marco Antônio dos Santos. Neoconstitucionalismo e legalidade administrativa: a juridicidade administrativa e sua relação com os direitos fundamentais. In: XXXIII Congresso Nacional de Procuradores do Estado, Rio de Janeiro, 2007

[16]BULOS,op.cit.,p.90.

[17]DROMI, José Roberto. Lar e forma constitucional: El constitucionalismo del “por-venir”.In:LENZA,Pedro. Direito constitucional esquematizado. São Paulo: Saraiva, 2009, p.7.

[18] SARMENTO, Daniel. O neoconstitucionalismo no Brasil: riscos e possibilidades. In: SARMENTO: Daniel (coord.). Filosofia e teoria constitucional e contemporânea. Rio de Janeiro. Editora Lumen Juris, 2009 P. 114.

[19]Idem.

[20] BARROSO, Luís Roberto. Neoconstitucionalismo e constitucionalização do Direito. O triunfo tardio do Direito Constitucional no Brasil. Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 851, 1 nov. 2005. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/7547>. Acesso em: 3maio2011.

[21]BINENBOJM,op.cit.,p.62.

[22]PADILHA,Rodrigo. Direito constitucional sistematizado. Rio de Janeiro: Forense, 2011,p.5.

[23]GUERRA FILHO, Willis Santiago. A pós modernidade do direito constitucional: Da gestação em Weimar à queda do muro de berlim e subsequente colapso das torres gêmeas. In: SARMENTO: Daniel (coord.). Filosofia e teoria constitucional e contemporânea. Rio de Janeiro. Editora Lumen Juris, 2009 P.

[24]OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende Oliveira. Constitucionalização do direito administrativo: o princípio da juridicidade, a releitura da legalidade administrativa e a legitimidade das agências reguladoras. 2ª edição. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2010,p.11.

[25] Em especial a constituição do México de 1917 e de Weimar em 1919.

[26]SARMENTO,op.cit.,p.117.

[27]BARROSO,op.cit.

[28]Ibidem.

[29]SARMENTO,op.cit.,p.123.

[30]Idem.

[31]BARROSO,op.cit.

[32]Nas palavras do presidente da Assembleia Nacional Constituinte Ulysses Guimarães.

[33]Consoante o disposto no Preâmbulo Constitucional.

[34]LENZA,op.cit.,p.10.

[35]BARROSO, Luís Roberto. A americanização do Direito Constitucional e seus Paradoxos: Teoria e Jurisprudência Constitucional no mundo contemporâneo. In: SARMENTO, Daniel (coord.). Filosofia e teoria constitucional e contemporânea. Rio de Janeiro. Editora Lumen Juris, 2009, p. 314.

[36] BINENBOJM,op.cit.,p.65.

[37]Termo utilizado inicialmente por de Konrad Hesse em sua obra. “A força normativa da Constituição”,traduzida por Gilmar Ferreira Mendes.

[38]BARROSO,2005,p.209.

[39]OLIVEIRA,op.cit.,p.24.

[40]BARROSO,2005,p.220.

[41]SARMENTO,op.cit.,p.119.

[42]Idem.

[43]Idem.

[44]SARMENTO,op.cit.,p.132.

[45] Expressão utilizada por Daniel Sarmento.

[46]SARMENTO,op.cit.,p.141.

[47]DIMOULIS, Dimitri. Neo constitucionalismo e moralismo jurídico.In:SARMENTO, Daniel (coord.). Filosofia e teoria constitucional e contemporânea. Rio de Janeiro. Editora Lumen Juris, 2009.

[48]BULOS,op.cit.,p.89.

[49] OLIVEIRA, op. cit., p. 18.

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Sobre o autor
Thiago Mello d'Almeida

Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro - UNIRIO. Pós-graduando em Direito Público pela Universidade Cândido Mendes - UCAM. Residente Jurídico da Procuradoria Geral do Estado do Rio de Janeiro. Advogado.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

D&#39;ALMEIDA, Thiago Mello. Neoconstitucionalismo: Origens e aspectos relevantes. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3738, 25 set. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/25205. Acesso em: 26 abr. 2024.

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