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Depois de algum tempo

15/09/2013 às 10:10
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As lacunas de coerência dos movimentos são preenchidas por oportunistas, que estão em todos os lugares. Conquistas dispendiosas, como a democracia, podem ser derrubadas com falta de projeção para o futuro.

Depois de algum tempo, você aprende a diferença, a sutil diferença entre eleger alguém e ter um representante[1]. E você aprende que votar nem sempre significa escolher um candidato (ainda que o mais votado), e que textos de lei nem sempre significam normas (no que tange à cogência). E começa aprender que os direitos não seus (ainda que consagrados constitucionalmente[2]) e que as sanções tem destinatários certos[3]. E começa a repudiar o cinismo eleitoral (vide as propagandas eleitorais) com a graça de um cidadão letrado que deseja melhoras, e não com a “revolta de um (falso) revolucionário” (no sentido de “revolver”, de “fazer dar voltas” para se atingir um mesmo ponto, com as antigas revoluções da nobreza britânica (v.g., Magna Carta, 1215) – vide algumas corporações televisivas). Percebe que se o Legislativo não legisla corretamente (e/ou insuficientemente), alguém o fará por ele…

E aprende a construir todas as suas estradas no hoje, porque o Executivo legisla mais que o Legislativo e, com isso, o terreno da segurança jurídica é incerto demais, e uma Medida Provisória (ou Decreto, Regulamento ou Circulares – vide Banco Central, etc.) pode cair em seu colo, lhe obrigando a trabalhar ainda mais para sustentar a“neonobreza” brasileira. Depois de um tempo você aprende que o tributo dói no corpo (v.g., impossibilidade de pagar um médico), e não só “no bolso”, mas que, ainda assim, o seu retorno social é incerto[4]. E aprende que não importa o quanto você se importe com a educação ou com a saúde (ou o que as normas constitucionais pregam sobre o assunto), alguns políticos simplesmente não se importam (salvo com a deles e de seus protegidos)… E percebe que não importa o quão boa seja uma pessoa, ela, ao entrar para política, precisará fazer coisas erradasporque (desgraçadamente) é assim que a política no Brasil funciona (o que não quer dizer que não se possa mudar…); as dívidas para alcançar tal posição são infindáveis (vide os financiamentos privados de campanhas) e alguns políticos sérios ficam de mãos atadas.Aprende que digitar pode aliviar dores da decepção que lhe arrebatam ao final de um dia custoso, ao ouvir na rádio mais uma descoberta de falcatrua (fadada à impunidade).

Descobre que se levam anos para se construir a confiança num ministro do STF e apenas segundos para destruí-la, e este (ministro) pode tomar uma decisão em poucos instantes da qual se arrependerá pelo resto da vida (caso tenha sanção moral minimamente apurada). Aprende que a ratiodecidendi é facilmente manipulável, já que há uma preferência por conceitos abertos de impacto moral[5], em detrimento de técnicas que permitiram, ao menos, a fiscalização da coerência dos julgados. Aprende que normas constitucionais originárias podem ser declaradas inconstitucionais[6], ainda que esta não seja (supostamente) uma teoria adotada no Brasil e que tal cogitação de incorporação configure grave ofensa à ordem Democrática (destacando-se a questão da tripartição dos Poderes / Funções). E o que importa não é o que a Constituição diz, mas o que a jurisprudência constrói e as Súmulas (em especial as Vinculantes) corroboram[7]. Aprende que mutação constitucional, por vezes, altera textos constitucionais, e não apenas promovem uma atualização interpretativa de seu conteúdo[8]. E que as decisões do STF podem fossilizar legislações, ainda que estas não possam fazer o mesmo com elas (decisões).

Descobre que à medida que um Poder retrai (v.g., Legislativo), outro se engrandece (v.g., Judiciário) e, em razão disso, não surpreende a interferência em assuntos interna corporis[9]. Aprende que a crise de legitimidade do Poder Legislativo não pode (rectius, “não deve”) ser combatida na força[10](mas, sim, recuperada – a legitimidade), com Emendas Constitucionais despropositadas. Aprende que a harmonia dos Poderes deve ser albergada por todos eles, e não só pelo Poder Legislativo[11]. Começa a aprender que a alopoiese do Direito é um mito e que a economia e a política, a cada dia que passa, vão ocupando mais os espaços que não lhe foram reservados(vide o brilhante Marcelo Neves). Descobre que os controles de convencionalidade, algumas vezes, se baseiam na “conveniência” e não em uma “Convenção”[12]. Aprende que, ou você controle os seus governantes (Lei da Ficha Limpa é um minúsculo passo) ou eles o controlarão, mas que ser flexível não significa concordar com a corrupção (longe disso), pois não importa quão delicada e frágil seja uma situação, sempre existem dois lados, devendo o devido processo legal solucionar a cizânia. E descobre que em um país onde a impunidade supera o alarmante índice de 97% dos crimes cometidos[13], ainda há quem se diga “representante do povo” querendo reduzir os instrumentos e os órgãos de persecução penal[14]

Aprende que heróis são pessoas que fizeram o que era necessário fazer, enfrentando as consequências, e que estas, no Brasil, podem custar lhe a vida, a liberdade ou a paz mental recôndita[15]. Aprende que ministérios funcionam como espaços de negociação e que raras vezes atuaram / atuarão no interesse da sociedade (em detrimento dos que lá estão – “privado-individualmente” falando)[16]. Aprende que é possível, no Brasil, começar o exercício financeiro, sem, todavia, ter uma lei orçamentária para reger tal período[17] (o que, em tese, paralisaria a máquina pública) e que as emendas parlamentares a esta lei, através da limitação de empenho, tornam-se moedas de troca Executivo-Legislativo, um mero instrumento de compra de apoio político… Todavia, descobre, também, que aquele político que você espera nada fazer é um dos poucos que respeita e leva a sério a confiança que lhe foi depositada (substancializada no mandato).

Aprende que algumas decisões judiciais têm mais a ver com o “livre convencimento” (supostamente “motivado”, onde não há qualquer liberação do ônus argumentativo) do que com a norma que se extrai de um texto cristalino[18]. Aprende que há mais dos políticos em você do que você supunha e que, de fato, “cada povo tem o governo que merece”; por isso, deve-se fazer o possível para alterar o descalabro governamental (ou incorrerá em “omissão imprópria”). Aprende que nunca se deve absolutizaras teses que lê (destacando-se aquelas construídas pelos tribunais – devida a sua inegável influência política, em alguns casos), sob pena de perder o senso crítico e se enclausurar em ideias alheias que podem estar equivocadas.

Aprende que quando se está insatisfeito com a política e com a condução do país em geral, tem o direito de ir às ruas e “despertar o gigante” Brasil (porque muita coisa está, no mínimo, “estranha”), mas isso não te dá o direito de destruir o patrimônio público[19] nem de ser cruel com aqueles que tentam evitar isso. Descobre que se leva muito tempo para transformar o país que se ama e que o tempo é curto e, por isso, talvez você não esteja aqui para vê-lo do jeito que deseja.

Aprende que nem sempre é suficiente gritar nas ruas por melhoras, algumas vezes (para não dizer “sempre”) tem que se ter um plano de ação, ou correrá o risco de se tornar massa de manobra[20]. Aprende que as lacunas de coerência dos movimentos são preenchidas por oportunistas e que estes estão em todos os lugares. Aprende que conquistas dispendiosas (v.g., Democracia) podem ser derrubadas com falta de projeção para o futuro e, destarte, deve-se atentar para o que está errado (definitivamente) e o que está certo (aparentemente), deixando de lado utopias (afinal, “talvez a perfeição esteja mesmo na imperfeição”) e maniqueísmos. Aprende que o tempo não é algo que possa voltar para trás…

Portanto, plante seu jardim e decore sua alma, ao invés de esperar que políticos lhe tragam cargos ou que a teoria (“o mundo caminha rumo a perfeição”) de Aristóteles se concretize. E você aprende que uma nação realmente pode suportar(e se cansar)... e que ela é realmente forte, e que pode ir muito mais longe depois de pensar que não se pode mais. E que “o povo unido jamais será vencido”; masnecessita-se de partidos (comprometidos com suas pregações).


Notas

[1] O sistema proporcional da Câmara dos Deputados permite a concessão de mandatos a “representantes” que não foram, realmente, eleitos. É daí que surgem os “puxadores de voto” (videTiririca). O Senado Federal é representante dos Estados o que, de certo modo, mitiga a representatividade, já que ela vai se tornando “tão indireta” que… perde a origem.

[2]V.g., segurança (art. 5º, caput, e art. 6º, caput).

[3] “Em sua igualdade majestática a lei proíbe tanto ao rico quanto ao pobre dormir embaixo da ponte, esmolar nas ruas e furtar pão, e nela vale também para o direito penal a palavra amarga: deixais ao pobre tornar-se culpado, em seguida o entregais à dor.”

[4] Ainda que a carga tributária corresponda a 36,27% do PIB (2012) – com tendência eterna de crescimento.

[5] Como a panaceia da “dignidade humana”.

[6]V.g., ADI 4.277 e ADPF 132, c/c art. 266, § 3º, CRFB.Os julgados que reconheceram a união homoafetiva como entidade familiar, substancialmente, são dignos de aplausos. Todavia, formalmente, é mais uma teratologia jurídica digna de compor o mural das bizarrices do direito. Isso porque o STF claramente declarou norma constitucional originária inconstitucional; não há eufemismo que abrande isso. Claro, há quem entenda que os fins justificam os meios. A estes, deve-se dizer que os “fins” são mutáveis… Por outro lado, se se pode declarar norma constitucional originária, diga-se isso abertamente. Se assim o fosse, quem sabe não se declarasse inconstitucional o malformado art. 8º, ADCT? Quem sabe o mefítico instituto da “auto-anistia” não fosse repudiado pelo STF?

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[7] Ou ao contrário. É dizer, jurisprudência corroborando SV (v.g., SV nº 11, aprovada com base em um único julgado… mas não deveriam ser “decisões reiteradas”, “entendimento uníssono”, “posicionamento pacificado”?).

[8] Mais uma vez, videADI 4.277 e ADPF 132.

[9]V.g., MS 31.816 MC / DF (liminar suspendendo urgência em votação sobre royalties).

[10]V.g., PEC 33 (ainda que alguns pontos dela não sejam tão criticáveis).

[11]V.g., PEC 33 Vs. MS 32.033 MC / DF, que suspendeu a tramitação (!) do Projeto de Lei 4.470/12. Pergunta-se: quem está interferindo mais na competência um do outro?

[12]O Pacto de São José da Costa Rica (dentre outros), devido a seu status supralegal-infraconstitucional, consoante entendimento do próprio STF (v.g., RE 466.343/SP), conseguiu invalidar disposições legais que versavam sobre a prisão civil do depositário infiel. Todavia, este mesmo Pacto (dentre outros), além de algumas decisões do CIDH (que declararam a inconvencionalidade de leis de auto-anista, por violação ao jus cogens internacional – vide os casos “Barrios Altos”, de 2001, “Almonacid”, de 2006, “La Cantuta”, também de 2006), não conseguiu, na ADPF 153, derrubar a Lei 6.683/79 (Lei de Anistia). Onde estaria a maior violação ao amplíssimo conceito de “dignidade humana”? Na prisão do depositário infiel ou no perdão (que, destaque-se, não chegou a ser “geral e irrestrito”, como sustentaram alguns; em outras palavras, foi uma anistia “com sofismas”) dos déspotas que destruíram milhares de famílias? Alguns falam em “revanchismo”, em “sentimento de vingança”, de modo pejorativo, censurando aqueles que continuam a sofrer com as perdas. “Deve-se perdoar”. Penso que esta decisão cabe aos vergastados (que devem decidir pela persecução da justiça), não aos algozes e aos seus protetores.

[13]Fonte: <http://atualidadesdodireito.com.br/blog/2013/05/27/pec-37-enquanto-as-instituicoes-brigam-o-crime-organizado-agradece>.

[14]Vide PEC 37. O esforço para se aprovar uma emenda constitucional que retira poderes persecutórios do MP (apenas para ficar com este, já que é o mais afamado) poderia ser catalisado na aprovação de uma lei (respeitando a legalidade estrita, como muitos querem) que regule a investigação por parte do ombudsman. Balizas não faltarão, já que a jurisprudência do STF e do STJ dispondo sobre o assunto é farta (v.g., STF, HC 91.661/PE; REsp. 945.556/MG), além de a Resolução 13 do CNMP dispor detalhadamente sobre o “PIC” – Procedimento de Investigação Criminal, mecanismo de colheita de elementos de convicção pertencente ao MP.

[15] Um forte apoio ao juiz federal Odilon de Oliveira, um exemplo de coragem pouco conhecido e alardeado (como deveria). Também, ao ministro Joaquim Barbosa.Por mais que não se concorde com algumas (muitas)de suas posturas, é inegável a coragem que teve ao enfrentar a barreira institucional que se levantou contra a condenação daqueles epitetados de “mensaleiros”. Note-se, então, que o elogio é muito mais pela coragem de quebrar a tradição brasileira da impunidade dos que estão no Poder do que pelas palavras proferidas (e, até mesmo, pela decisão tomada, diretamente falando).

[16] Vejam-se os casos mais propalados deste ano: Antonio Palocci (Casa Civil), Alfredo Nascimento (Transportes), Wagner Rossi (Agricultura), Pedro Novais (Turismo), Orlando Silva (Esporte), Carlos Lupi (Trabalho) e Mário Negromonte (Cidades). É lamentável…

[17] Poder-se-ia ficar só com o bizarro caso de 1994, em que a lei orçamentária do ano posterior, a despeito da necessidade de aprovação no final de 1993, só veio ser aprovada em novembro de 1994 (Lei 8.933). Todavia, fique-se, apenas, com o exercício financeiro de 2013 e a Medida Provisória 598 de 27 de dezembro de 2012(de constitucionalidade, “duvidosa” – para não dizer “clarividente”, “refulgente”, “chapa”, “escancarada” – vide art. 62, § 1º, “d”, CRFB), que abriu créditos “extraordinários” de R$ 47 bilhões para os Orçamentos Fiscal e da Seguridade Social.

[18] O “medo” da “subsunção” está destruindo a regra… agora, tudo se resolve com “princípios” (ou com jurisprudência). A verdade é que o famigerado “neoconstitucionalismo”, nos moldes brasileiros, supervalorizou o “achar-deste-modo”, e o fez em detrimento das normas. Friedrich Müllerficaria muito triste ao ver que a sua tese (“texto” não se confunde com “norma”) esta enfraquecendo o Direito brasileiro, já que a segurança jurídica (no que tange à legalidade) está se tornando quase um mito. Ao invés de se falar em “derrotabilidade / superabilidade da norma”, dever-se-ia falar em “mantenabilidade da norma”, já que isso é cada vez mais raro.

[19] Afinal, isso só corroborará a tese de que “o público é o do outro” (neste caso, daqueles que estão no Poder), de que o patrimônio público é o bem privado dos políticos subsidiado pelas pessoas que compõem a nação.

[20] E isso (“tornar-se massa de manobra”) não se percebe com facilidade. É algo semelhante (igual, talvez) ao que ocorre no Mito da Caverna.

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Sobre o autor
Gabriel Andrade Figueiredo

Estudante de Direito do Centro Universitário Jorge Amado

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FIGUEIREDO, Gabriel Andrade. Depois de algum tempo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3728, 15 set. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/25293. Acesso em: 22 dez. 2024.

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