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A não incidência do ICMS sobre o arrendamento mercantil (leasing) à luz da norma geral antielisiva

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16/09/2013 às 13:43
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3 Do Imposto Sobre a Circulação de Mercadorias – ICMS e da sua não incidência sobre o Arrendamento Mercantil (Leasing)

3.1 Das Consideraçõesgerais acerca do ICMS

O Sistema Tributário Nacional, conforme previsto pela Constituição Federal de 1988, compreende modalidades de tributos, quais sejam, impostos, taxas, contribuições de melhoria, empréstimos compulsórios e contribuições especiais, consoante disposição estabelecida pelos artigos 145 e seguintes da Lei Maior.

Os Impostos, espécie predominante na tributação pátria, possuem a característica de não serem vinculados ao fato gerador que lhes deu causa, assim como não produzem receita a ser destinada a uma atividade ou investimento específico do Poder Público, conforme elucida o professor LUCIANO AMARO:

Temos, em primeiro lugar, os impostos, que além de atenderem aos requisitos genéricos integrantes do conceito de tributo, apresentam as seguintes características: a) são instituídos mediante a previsão legal de fatos típicos (em regra descritos na definidora de competência), que, uma vez ocorridos, dão nascimento à obrigação tributária; b) não se relacionam a nenhuma atuação estatal divisível e referível ao sujeito passivo; c) não se afetam a determinado aparelhamento estatal ou paraestatal, nem a entidades privadas que persigam fins reputados de interesse público.[15]

Logo, na qualidade de Imposto, e por isso, sujeito aos mencionados aspectos de não-vinculatividade e desafetação, o ICMS foi instituído mediante alteração da Constituição de 1964, em substituição do antigo Imposto Sobre Vendas e Consignações – IVC, conforme relembra o professor MANCUSO:

A EC 01/69 incluiu na competência tributária dos Estados e do Distrito Federal previsão para instituir imposto sobre ‘operações relativas à circulação de mercadorias realizadas por produtores, industriais e comerciantes, impostos que não serão cumulativos e dos quais se abaterá, nos termos do disposto em lei complementar, o montante cobrado nas anteriores pelo mesmo ou por outro Estado’ (art. 23, II). Vinha, assim, esse imposto substituir o antigo IVC – Imposto Sobre Vendas e Consignações (CF 1934, art. 8º, I, e), o qual, justamente, revelava-se cumulativo, nisso que incidia em cada operação de per si, sem o desconto das exações já incorridas nas etapas precedentes, com a só exceção da ‘primeira operação do pequeno produtor, como tal definido na lei estadual.[16]

Assim sendo, temos que a Constituição de 1988 criou a repartição de competências tributárias aos Entes daFederação Brasileira, quais sejam a União, os Estados e o Distrito Federal, e os Municípios, reservando à competência estadual a instituição do Imposto Sobre a Circulação de Mercadorias, segundo a previsão do Art. 155 do diploma máximo, in verbis:

Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre:

I – transmissão causa mortis e doação de quaisquer bens ou direitos;

II – operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior;

III – propriedade de veículos automotores.

Destinado, pois, à fiscalização e arrecadação dos Estados e do Distrito Federal, o ICMS apresenta um caráter tríplice, isto é, incidir sobre (a) circulação de mercadorias, (b) sobre a prestação do serviço de transporte, no âmbito interestadual e intermunicipal, e (c) sobre a prestação do serviço de comunicação. Para atender ao propósito firmado na presente pesquisa, o esquadrinhamento teórico será concentradono fato gerador correspondente à circulação de mercadorias.

Circulação de Mercadorias, em linhas gerais, traduz-se em transferência de propriedade, que na hipótese de bens de natureza móvel efetua-se com a simples entrega da coisa, fenômeno este denominado traditio, ou tradição, nos termos previstos pelo disposto no Art. 1267 e seguintes do Código Civil de 2002.

A operação circulatória mercantil é bem explicada pelas lições de GERALDO ATALIBA, o qual assim se pronuncia:

Circular significa para o Direito mudar de titular. Se um bem ou uma mercadoria mudam de titular, circula para efeitos jurídicos. Convenciona-se designar por titularidade de uma mercadoria, a circunstância de alguém deter poderes jurídicos de disposição sobre a mesma, sendo ou não seu proprietário (disponibilidade jurídica).[17]

Por isso, é de vital estima que se respondam algumas questões pertinentes à incidência ou não do ICMS sobre o Leasing, tais como: a) se o repasse do bem objeto do negócio ao arrendatário configura uma vera circulação; b) se os termos entrada e saída, próprios da legislação sobre o ICMS, têm exata aplicação sobre as posições das partes; c) se o Arrendamento Mercantil porventura configura ou não fato gerador de outro imposto – sobre serviços de qualquer natureza, como, a exemplo, o Imposto Sobre Serviços.[18]

Verifica-se, então, que a circulação referida na norma insculpida no Art. 155, II da Lex Materhá de ser jurídica, isto é, aquela que importa na translação do direito de propriedade ou ao menos de poderes jurídicos de disposição sobre a mercadoria, que ocorre mediante um negócio jurídico de compra e venda.De tal sorte, a circulação não subsiste na mera movimentação física da mercadoria, exigindo-se a efetiva transmissão de propriedade, de modo a trazer reflexos sobre o patrimônio do adquirente, como do alienante.

Nesse prisma, o Supremo Tribunal Federal já sedimentou seu entendimento acerca do assunto, mediante a propositura da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 131.941/SP, julgada em 09 de abril de 1991, sob a relatoria do Ministro Marco Aurélio. Confira-se:

IMPOSTO SOBRE CIRCULAÇÃO DE MERCADORIAS - DESLOCAMENTO DE COISAS - INCIDÊNCIA - ARTIGO 23, INCISO II DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL ANTERIOR. O simples deslocamento de coisas de um estabelecimento para outro, sem transferência de propriedade, não gera direito à cobrança de ICM. O emprego da expressão "operações", bem como a designação do imposto, no que consagrado o vocábulo "mercadoria", são conducentes à premissa de que deve haver o envolvimento de ato mercantil e este não ocorre quando o produtor simplesmente movimenta frangos, de um estabelecimento a outro, para simples pesagem.

Tal acepção é de suma importância porquanto vigoram em nosso ordenamento civil outras figuras negociais hábeis a ensejar a circulação de coisas, e consequente transmissão de propriedade, tais como a doação – campo de incidência do também estadual Imposto de Transmissão de Bens e Direitos (ITD), conforme delineado pelo inciso I do Art. 155 da CF/88 – e a já analisada locação de bens móveis, negócio esse isento de qualquer tributação, nos termos da Súmula Vinculante nº 31 do STF.

Nesse prisma, GERALDO ATALIBA, em mais uma obra acerca do assunto, se debruça na elucidação do instituto e define como jurídica a circulação de mercadoria apta a ocasionar a cobrança do ICMS. Vejamos:

[...] circulação, tal como constitucionalmente estabelecido (art. 155, II, b) há de ser jurídica, vale dizer, aquela na qual ocorre a efetiva transmissão dos direitos de disposição sobre mercadoria, de forma tal que o transmitido passe a ter poderes de disposição sobre a coisa (mercadoria).[19]

Uma vez agasalhado pelo legislador constituinte de 1988, o ICMS, já que competente e cabível aos Estados e ao Distrito Federal, é norteado infraconstitucionalmente pela Lei Complementar nº 87, de 13 de setembro de 1996, que, dentre outras questões, estatui hipóteses de não incidência do imposto sobre determinadas operações. Dentre estas, encontramos o Arrendamento Mercantil.

Pronuncia-se o legislador, dado que o Leasing não dá azo à circulação de mercadoria, no sentido de tornar tal operação incapaz de configurar o fato gerador para a cobrança do ICMS, conforme dispõe o Art. 3º, VIII da Lei em testilha. Vejamos:

Art. 3º O imposto não incide sobre:

[...]

VIII - operações de arrendamento mercantil, não compreendida a venda do bem arrendado ao arrendatário;

Como visto, a não incidência é de regulamentação expressa, porquanto a lei tributária jamais poderia perverter ou subverter a definição, o conteúdo ou o alcance de institutos, conceitos e formas do direito privado (Art. 110 do CTN). Em outras palavras, não poderia o legislador desconsiderar a natureza do Arrendamento Mercantil a fim de trazer para o bojo desse negócio jurídico a exação sobre circulação de mercadorias, quando em verdade há em princípio apenas uma operação locatícia sobre móvel.

Logo, nesse ponto de vista, não incide ICMS sobre as operações de Arrendamento Mercantil, quando este se der na sua forma “pura e simples”, isto é, sem a venda do bem ao Arrendatário. Caso contrário, é inequívoca a incidência do aludido imposto, vez que configurar-se-ia a circulação mercantil tributável pelo Estado.

Entretanto, imperioso salientar que, para se exigir o ICMS da operação de Leasing, é misterque haja a real aquisição da coisa, sendo, então, insuficiente a existência de mera previsão contratual no sentido de conferir ao Arrendatário a opção de compra, visto que, como dito linhas ao norte, a transferência de propriedade é efetivada pela tradição e não pela mera disposição convencional, segundo expressa previsão do Código Civil de 2002.

Em artigo sobre o assunto ora discorrido, HERON ARZUA se mostra concorde com a tese aqui apresentada, senão vejamos:

Sendo o arrendamento mercantil negócio jurídico complexo, no mais das vezes um financiamento, uma locação, e, por fim, uma venda, a nova lei do ICMS teve dicção de pôr com clareza que, se houver mercantilização final do bem, a operação se inclui como hipótese tributável pelo ICMS. Não é extravagante lembrar que a compra-e-venda da mercadoria é sempre regra geral do contrato de arrendamento mercantil. [...]. o fato de ser a arrendadora uma instituição financeira não destitui da qualificação de contribuinte do ICMS, porquanto ela realizava operação de circulação de mercadorias com requisito da habitualidade, que é bastante para arrolá-la nessa categoria.[20]

Tal postura, afeta à incidência do ICMS por ocasião da compra e venda gerada pelo Arrendamento Mercantil, é denominada eclética, porquanto admite o equilíbrio da balança na relação entre o fisco e o contribuinte, contemplando-se tanto a não incidência como regra geral, porém admitindo-se a exação em caráter excepcional, na hipótese de o Arrendatário aderir à sua faculdade de aquisição do bem mediante a compra e venda, consoante a explicação de MANCUSO, a saber:

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É de se registrar, todavia, que ainda subsiste um posicionamento eclético, pelo qual o ICMS seria ou não incidente na espécie, dependendo do evento futuro (e incerto) da opção de compra, ao final do arrendamento. Nesse caso, explica ARNALDO RIZZARDO: ‘Impõe-se o tributo mesmo quando a empresa adquire a coisa obedecendo as indicações fornecidas pela entidade locatária. E, no caso de esta vir a receber a mercadoria diretamente, há de se considerar que mera transmissão de propriedade apresenta-se como fato gerador do imposto, sem a exigência da tradição física. Na verdade, basta o ato jurídico do contrato para se operar a tradição. A empresa de leasing escriturará o bem em seu nome, pagando o ICMS, cujo valor comporá o custo de aquisição’. Na sequência, traz à colação a doutrina de LUIZ MÉLEGA , e completa seu relato acerca da tese em causa: ‘Não vindo a se concretizar a opção, configura-se o arrendamento puro e simples, ou uma espécie de locação, recaindo, naturalmente, o Imposto Municipal Sobre Serviços de Qualquer Natureza, fora do campo de aplicação do ICMS.[21]

Portanto, dirimidas as questões relativas à incidência do ICMS e sua relação para com o Arrendamento Mercantil, faz-se necessária a análise dos entendimentos formulados pelo STF e pelo STJ acerca do tema, atualmente sedimentado pela Corte Maior no sentido de corroborar a não incidência do tributo sobre as operações de Arrendamento Mercantil.

3.2.Do posicionamento do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça sobre a questão

A razão de ser do Imposto sobre a Circulação de Mercadoriasrefere-se à transferência da propriedade de um bem, em nível mercantil, exigindo-se, por óbvio, que o alienante da coisa pratique a operação em caráter empresarial, isto é, com organização e habitualidade.

Importante, para a compreensão da dinâmica de interpretação articulada no Supremo Tribunal Federal e no Superior Tribunal de Justiça, que se inclua no raciocínio ideológico do Imposto em tela, o conceito de mercadoria, ao qual se refere o disposto no Art. 155, II da CF/88.

Mais uma vez, recorreremos ao louvável intelecto do professor MANCUSO, em suas lições acerca da incidência ou não do ICMS sobre o Leasing. Vejamos:

Na sequência, lembra CELSO BENJÓ que a palavra mercadoria provém do verbo latino mercare, trazendo ‘a ideia de comércio, ou ainda, a de comprar para revender. Assim é que, no magistério de CARVALHO DE MENDONÇA, ‘as coisas móveis, consideradas como objeto de circulação comercial, tomam o nome específico de mercadorias’; ainda no ensino desse comercialista, ‘a coisa, enquanto se acha na disponibilidade do industrial, que a produz, chama-se produto ou artefato; passa a ser mercadoria logo que é objeto de comércio do produtor ao comerciante ou ao consumidor; deixa de ser mercadoria logo que sai da circulação comercial e se acha em poder ou propriedade do consumidor.[22]

Tal enquadramento teórico, sem sombra de dúvidas, sempre foi aceito e mantido pela doutrina pátria. Todavia, o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça, ao se manifestar pela incidência ou não do ICMS sobre o Arrendamento Mercantil, trilhavam a vereda da divergência jurisprudencial, ora pronunciando-se a favor do fisco, ora a favor do contribuinte.

Passaremos, então à dissecação analítica dos principais julgados do STF e do STJ acerca da matéria, com vistas a demonstrar a evolução jurisprudencial do tema em comento.

Em dado momento histórico, o Superior Tribunal de Justiça havia criado diversos precedentes favoráveis a não incidência do ICMS, conforme se pode aferir dos seguintes julgados: REsp 146389/SP (Rel. Min. João Otávio Noronha,  julgado  07/12/2004, DJ  de  13/06.2005,  p.  217); REsp 436.173/RJ (Relª. Minª Eliana Calmon, DJ de 30.06.2004, p. 295); AgRg no Ag 385174/RJ (Rel. Min. Castro Meira, DJ de 15.03.2004, p. 223), entre outros.

Contudo, o Supremo Tribunal Federal, por sua vez, ao apreciar o Recurso Extraordinário nº 206.069/SP, dissídio este em que se discutia acerca do Leasing celebrado com pessoa jurídica estrangeira, e a incidência ou não do ICMS por ocasião da entrada do bem em território nacional, proferiu, por seu pleno, no dia 01 de setembro de 2005, sob a relatoria da Ministra Ellen Gracie, julgamento contrário ao que vinha estabelecendo o STJ, nos seguintes termos:

RECURSO EXTRAORDINÁRIO. TRIBUTÁRIO. ICMS. ARRENDAMENTO MERCANTIL - "LEASING". 1. De acordo com a Constituição de 1988, incide ICMS sobre a entrada de mercadoria importada do exterior. Desnecessária, portanto, a verificação da natureza jurídica do negócio internacional do qual decorre a importação, o qual não se encontra ao alcance do Fisco nacional. 2. O disposto no art. 3º, inciso VIII, da Lei Complementar nº 87/96 aplica-se exclusivamente às operações internas de leasing. 3. Recurso extraordinário conhecido e provido.

Em decorrência, o STJ, fiel à antiga tradição jurisprudencial pela qual staredecisis non quieta movere, isto é, “as decisões pacificadas não devem ser modificadas”, pronunciou-se no sentido de adequar sua jurisprudência a essa nova hermenêutica criada pela Corte Máxima. Assim sendo, após a interposição do Recurso Especial nº 822.868/SP pela Fazenda do Estado de São Paulo em face de TAM Linhas Aéreas S/A, sob a relatoria do Ministro José Delgado, o STJ, em 16 de maio de 2006, proferiu o seguinte julgamento:

TRIBUTÁRIO.RECURSO ESPECIAL. IMPORTAÇÃO DEAERONAVES MEDIANTE LEASING. ICMS.  INCIDÊNCIA.  ALTERAÇÃO DO ENTENDIMENTODO  STJ  EM  FACE  DE  PRONUNCIAMENTO  DO  STF SOBRE O TEMA.1. O STJ, por jurisprudência uniforme, firmou o entendimento de que, em se tratandode importação demercadoria (aeronave)  mediante  o  negócio  jurídico  denominadoleasing, não incidiria o ICMS. [...] 2. As decisões do STJ interpretavam e aplicavam o art. 3º, VIII, da LC nº 87/96.3. O Supremo Tribunal Federal, contudo, ao apreciar o RE nº 206.069, São Paulo, considerando a ECnº 33/01 (estatui que incide o ICMS  em mercadoria importada desde que ocorra a sua entrada no estabelecimento comercial, industrial ou produtor,seja para consumo ou uso próprio do importador, seja para integrar o seu ativo), que deu  nova redação  ao  art.  155,  "a",  da CF,  entendeu  que  incide  o ICMS  "sobre  a entrada  de  bem  ou mercadoria  importada  do  exterior  por  pessoa  física  ou jurídica,ainda  que  não  seja  contribuinte  habitual  do  imposto,  qualquer  que  seja  a  sua finalidade...", independentemente do tipo do negócio jurídico celebrado.4. A orientação do STF foi tomada por maioria pelo Pleno, em face de importação decorrentede  contrato  de  leasing,  assim,  também,  a  mudança  de  orientação da jurisprudência adotada pelo STJ deve ser realizada.5. Recurso da Fazenda Estadual de São Paulo provido para fazer incidir ICMS sobre mercadoria importada com base em contrato de leasing.

A mudança do entendimento, desfavorável, por óbvio ao contribuinte,deve-se à interpretação restritiva, literal e isolada do disposto no Art. 155, §2º, IX, “a” da Constituição de 1988, que apresenta seguinte dicção:

Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre:

[...] 

§ 2.º O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte: 

[...]

IX - incidirá também:

a) sobre a entrada de bem ou mercadoria importados do exterior por pessoa física ou jurídica, ainda que não seja contribuinte habitual do imposto, qualquer que seja a sua finalidade, assim como sobre o serviço prestado no exterior, cabendo o imposto ao Estado onde estiver situado o domicílio ou o estabelecimento do destinatário da mercadoria, bem ou serviço.

Verifica-se, portanto, que o STF fixou, na ocasião, o prevalecimento da norma transcrita em detrimento à aplicação do disposto no Art. 155, II, também da Carta Política, de modo a adotar como elemento balizador da incidência do ICMS sobre o Leasing o simples fato de haver a entrada da mercadoria no território nacional. O Tribunal Supremo tratou, assim, como irrelevante a análise da natureza jurídica que reveste o Arrendamento Mercantil, ou seja, desprezou o fato de que através desse negócio, não se opera, como já demonstrado, o fenômeno da circulação de mercadorias.

Com efeito, o STF estatuiu que a não incidência do ICMS sobre o Leasing, referida pelo legislador no Art. 3º, VIII da Lei Complementar nº 87/96, deve ter aplicação somente em âmbito interno. Caso o negócio arrendatário se perfizesse com estrangeiro, haveria que se exigir do contribuinte o Imposto, em virtude do ingresso do bem em território brasileiro.

Ao nosso ver, não caminhou bem a Corte Suprema, vez que desprezou seu próprio entendimento, consolidado através da Súmula nº 660, vigente desde o dia 09 de outubro de 2003. Eis o enunciado sumular:

Sum. 660 do STF. Não incide ICMS na importação de bens por pessoa física ou jurídica que não seja contribuinte do imposto.

Em outras palavras, é de se entender por contraditória a posição do STF, uma vez que as partes que celebram contrato de Arrendamento Mercantil, via de regra jamais foram contribuintes do ICMS. Logo, como poderia se exigir o pagamento do Imposto sobre o Leasing?

No entanto, transcorridos não menos que dois anos, o Supremo Tribunal Federal revela nova modificação de seu entendimento acerca do caso, isto é, consolida sua jurisprudência no sentido de tornar relevante a verificação da natureza jurídica do Leasing, proferindo decisão no sentido de afastar por definitivo a cobrança do ICMS. A nova hermenêutica veio a lumenatravés do julgamento do RE nº 461.968/SP, segundo a relatoria do Ministro Eros Grau, em sessão ocorrida no dia 30 de maio de 2007. Confira-se:

RECURSO EXTRAORDINÁRIO. ICMS. NÃO-INCIDÊNCIA. ENTRADA DE MERCADORIA IMPORTADA DO EXTERIOR. ART. 155, II DA CB. LEASING DE AERONAVES E/OU PEÇAS OU EQUIPAMENTOS DE AERONAVES. OPERAÇÃO DE ARRENDAMENTO MERCANTIL. 1. A importação de aeronaves e/ou peças ou equipamentos que as componham em regime de leasing não admite posterior transferência ao domínio do arrendatário. 2. A circulação de mercadoria é pressuposto de incidência do ICMS. O imposto --- diz o artigo 155, II da Constituição do Brasil --- é sobre "operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior". 3. Não há operação relativa à circulação de mercadoria sujeita à incidência do ICMS em operação de arrendamento mercantil contratado pela indústria aeronáutica de grande porte para viabilizar o uso, pelas companhias de navegação aérea, de aeronaves por ela construídas. 4. Recurso Extraordinário do Estado de São Paulo a que se nega provimento e Recurso Extraordinário de TAM - Linhas Aéreas S/A que se julga prejudicado.

O julgamento em foco, inobstante ter retomado o posicionamento originário do Superior Tribunal de Justiça, representou um relevante avanço para a compreensão do enquadramento do Leasing no ordenamento jurídico pátrio, não só para efeitos tributários, mas também para a observância por todos os órgãos do Poder Judiciário e pela administração pública fiscal no que tange à impossibilidade de o Arrendamento puro e simples, isto é, sem a real ocorrência da opção de compra, ser fato gerador do ICMS.

Logo, pela mudança no entendimento, não pode o fisco exigir o ICMS do contribuinte praticante do Leasing, pouco importando se o negócio enseja a entrada de mercadoria em solo pátrio, pois para o STF o que vale é a natureza jurídica do instituto. Nesse sentido, também se posiciona EDUARDO SABBAG:

A judiciosa decisão de relatoria do Min. Eros Grau é de toda importância, uma vez que afasta a incidência do ICMS na importação de mercadoria pela via do contrato de arrendamento mercantil (ou leasing). A fundamentação jurídica reside em que se mostra insuficiente à sua tributação por mera entrada em território nacional de bem ou mercadoria vindo do exterior, sendo necessária à caracterização do gravame em estudo as entradas atinentes a operações relativas à circulação desses mesmos bens.[23]

Tal julgamento, da lavra do Ministro Eros Grau, não só implicou na mudança do entendimento, como também deu azo à sedimentação da jurisprudência na Corte Máxima, a fim de pacificar o tema em benefício ao contribuinte.

Nesse sentido, pode-se conferir o julgamento do RE nº 553.663/RJ, sob a relatoria da  Ministro Cezar Peluso, procedido no dia 18 de dezembro de 2007, ocorrido nos seguintes termos:

RECURSO. Extraordinário. Inadmissibilidade. Contrato de arrendamento mercantil. Leasing. Inexistência de opção de compra. Importação de aeronaves. Não incidência do ICMS. Decisão mantida. Agravo regimental improvido. Não incide ICMS sobre as importações, do exterior, de aeronaves, equipamentos e peças realizadas por meio de contrato de arrendamento mercantil quando não haja circulação do bem, caracterizada pela transferência de domínio, ainda que sob a égide da EC nº 33/2001.

Em 24 de junho de 2008, o STF, ao se debruçar novamente sobre a questão, por força da interposição do RE nº 460.814/SP, assim também decidiu:

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. ICMS. NÃO-INCIDÊNCIA. ENTRADA DE MERCADORIA IMPORTADA DO EXTERIOR. ARTIGO 155, II, DA CB. LEASING DE AERONAVES E/OU PEÇAS OU EQUIPAMENTOS DE AERONAVES. OPERAÇÃO DE ARRENDAMENTO MERCANTIL. 1. A importação de aeronaves e/ou peças ou equipamentos que as componham em regime de leasing não admite posterior transferência ao domínio do arrendatário. 2. A circulação de mercadoria é pressuposto de incidência do ICMS. O imposto --- diz o artigo 155, II da Constituição do Brasil --- é sobre "operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior". 3. Não há operação relativa à circulação de mercadoria sujeita à incidência do ICMS em operação de arrendamento mercantil contratado pela indústria aeronáutica de grande porte para viabilizar o uso, pelas companhias de navegação aérea, de aeronaves por ela construídas. Agravo regimental a que se nega provimento.

Portanto, resta visível que, hodiernamente, tanto em sede doutrinária quanto jurisprudencial, as opiniões são majoritárias, para não dizer, unânimes, no sentido de que não há incidência do ICMS sobre o Arrendamento Mercantil, o que revela ao contribuinte uma boa possibilidade de planejamento tributário, em virtude da geração de crédito que a operação poderá proporcionar, conforme será exposto no capítulo seguinte.

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Sobre o autor
Carlos Augusto Martins Lima

Advogado Acadêmico da Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro Especialista em Planejamento Tributário pela Faculdade Moraes Junior Mackenzie Rio Bacharel em Direito pela Faculdade Moraes Junior Mackenzie Rio

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LIMA, Carlos Augusto Martins. A não incidência do ICMS sobre o arrendamento mercantil (leasing) à luz da norma geral antielisiva. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3729, 16 set. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/25310. Acesso em: 22 nov. 2024.

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