4 Da não incidência do ICMS sobre o Leasing em coerência com a Norma Geral Antielisiva
Convém salientar, em início, que a realização de um planejamento tributário constitui atualmente medida essencial para a gestão dos negócios da empresa, de forma a produzir resultados positivos em prol da saúde financeira da mesma.A atividade empresarial desenvolvida no Brasil enfrenta,sem maiores esforços argumentativos, além dos desafios comuns inerentes ao mercado, uma carga tributária voraz, que por diversas vezes dá azo a um vultoso impacto financeiro, fator que gera preocupação aos sócios.
Consiste, assim, o Planejamento Tributário no conjunto de medidas voltadas para a atenuação da carga tributária, cotejando-se as opções legais, seja evitando-se o fato gerador do tributo ou optando-se pelos procedimentos menos onerosos do ponto de vista fiscal.
Sob o espeque contábil, assevera o professorPAULO HENRIQUE PÊGAS que:
Planejamento tributário pode ser definido, de forma simplificada, como a utilização de alternativa mais vantajosa econômica e financeiramente, amparada a legislação vigente, em comparação com alternativa que represente mais desembolso de tributos para o contribuinte.[24]
O planejamento tributário pode, então, ser compreendido como um conjunto de métodos, revestido por um caráter elisivo, qualidade esta que evidencia o sentido de se buscar um caminho lícito e menos oneroso para se pagar tributos, daí se falar em Elisão, isto é, a busca por uma esquiva lícita à prática do fato gerador da obrigação tributária.
Sobre o instituto da Elisão, cumpre registrar a contribuição do professor LEANDRO PAULSEN, assim capitulada:
Ocorrido o fato gerador, surge a obrigatoriedade do pagamento do tributo, do que o contribuinte não pode se furtar. Pode sim é buscar evitar, em momento anterior, a própria ocorrência fato gerador, o que configura lícita evasão fiscal, também chamada elisão. Mas isso enquanto ainda não ocorreu o fato gerador; depois é irreversível.[25]
Paralelamente, a legislação em vigor intitula uma série de práticas que configuram sonegação ao fato gerador do tributo, denominadas de Evasão Fiscal, instituto reprimido pelo ordenamento jurídico, já que constitui ato ilícito, assim como conduta criminosa.
A Elisão e a Evasão Fiscal são temas cuja compreensão é fundamental para a execução de um planejamento tributário, em sentido amplo. Igualmente, tal relevância não merece ser menosprezada no âmbito jurídico, ou seja, tanto a doutrina e a jurisprudência devem estar atentas, na medida em que uma eventual imprecisão na identificação dos referidos institutos, em um caso levado a exame judicial, poderá ensejar decisões incoerentes e injustas, as quais podem imputar prejuízos de natureza financeira às empresas, ou, até mesmo, responsabilidade criminal em face dos sócios, gerentes ou administradores.
Vale dizer, que acerca do assunto, foi acrescentado ao Código Tributário Nacional, pela Lei Complementar nº 104/2001, o parágrafo único do Art. 116, também denominada Norma Geral Anti-Elisiva, que vem assim delineada:
Art. 116, Parágrafo único. A autoridade administrativa poderá desconsiderar atos ou negócios jurídicos praticados com a finalidade de dissimular a ocorrência do fato gerador do tributo ou a natureza dos elementos constitutivos da obrigação tributária, observados os procedimentos a serem estabelecidos em lei ordinária.
Diante do que preconiza legislação tributária, e enquadrando o Arrendamento Mercantil dentro do espectro previsto em lei, temos que tal figura negocial, conforme já esmiuçado nos capítulos antecedentes, está fora do alcance do Imposto sobre a Circulação de Mercadorias, conclusão esta sobre a qual merece destaque a posição dominante no Supremo Tribunal Federal, que se mostra consorte à inocorrência da exação.
Logo, é correto observar que, devido à não incidência, o empresário detém para si uma ótima oportunidade de redução nos custos com a aquisição de bens, mediante a celebração de ajuste arrendatário, porquanto é inadmissível o impacto fiscal decorrente de ICMS sobre tal atividade.
Da análise feita sobre os julgados citados nas linhas anteriores, temos o Recurso Especial nº 822.868/SP, interpostopela Fazenda do Estado de São Paulo em face de TAM Linhas Aéreas S/A, cujo julgamento à época mostrou-se, lamentavelmente, desfavorável a essa empresa operadora de transporte aéreo. Todavia, com a mudança do entendimento, fixada pelo Recurso Extraordinário nº 461.968/SP, onde a indigitada empresa de aeronaves também figurou como litigante, temos que tal pronunciamento enseja verdadeira redução do impacto tributário sobre a aquisição das aeronaves ocorridas na hipótese, o que certamente deve ser entendido para todos os contribuintes que se utilizem do Arrendamento Mercantil para a aquisição de bens.
Há, ainda, posicionamento doutrinário no sentido de que em sendo exigido o ICMS sobre a operação de Leasing, em virtude da final aquisição do produto por compra e venda, tal circunstância enseja o reconhecimento, na mesma medida, do crédito tributário em face do contribuinte relativamente ao valor pago na operação ou operações anteriores”.[26]
Cabe destacar, ainda, que é forçosa a observância da integralidade do que preconiza a Lei nº 6.099/74, sob pena de, ausentes os requisitos e formalidades exigidos, a aquisição ser considerada como operação de compra e venda, na forma em que dispõe o Art. 11, § 1º da Lei em comento, a saber:
Art. 11. Serão consideradas como custo ou despesa operacional da pessoa jurídica arrendatária as contraprestações pagas ou creditadas por força do contrato de arrendamento mercantil.
§1º A aquisição pelo arrendatário de bens arrendados em desacordo com as disposições desta Lei, será considerada operação de compra e venda a prestação.
Portanto, vale dizer que o contribuinte optante do Arrendamento Mercantil deve zelar pela regularidade na formalização do respectivo contrato, sob pena de estar sujeito ao recolhimento do Imposto Sobre a Circulação de Mercadorias.
Face ao exposto, ciente de que a não incidência do ICMS sobre o negócio jurídico denominado Leasing em nada ofende o disposto no Art. 116, Parágrafo único do Código Tributário Nacional, de modo a configurar-se como verdadeiro e legítimo planejamento tributário, serão expostas as considerações finais acerca do tema em exame.
5 Conclusão
A presente pesquisa foi iniciada com a pretensão de responder a uma questão epicêntrica, qual seja se sobre o negócio jurídico denominado Arrendamento Mercantil incidiria ou não o Imposto Sobre a Circulação de Mercadorias – ICMS. Para alcançar à almejada resolução, foi utilizado como esteio a investigação acerca da natureza jurídica da modalidade contratual em questão, o que não poderia deixar de ser feito, porquanto a incidência de uma exação fiscal impele o intérprete da lei à um entendimento que se coadune aos preceitos basilares vigentes no Ordenamento Jurídico, o qual é constituído de vasta legislação tributária, opiniões doutrinárias e sofre maciça influência do Poder Judiciário, o qual age através de suas digressões hermenêuticas.
Com efeito, buscou-se estabelecer delimitação teórica sobre o Leasing, de acordo com as ideias que vem sendo abordadas e implementadas pelos principais juristas do país, com a finalidade de abastecer o campo conceitual do leitor para servir de amparo necessário ao entendimento acerca das características existentes na aplicação da legislação tributária sobre o objeto de estudo.
Encontrou-se, igualmente, inigualável embasamento nas posições arquitetadas pelo Supremo Tribunal Federal e pelo Superior Tribunal de Justiça, mediante vasta pesquisa jurisprudencial, hábil na demonstração da relevância da temática ora em conclusão no que se refere aos reflexos proporcionados ao contribuinte, em especial às empresas, em virtude do firme posicionamento da Corte Maior no sentido de aliviar a carga tributária, ao contrário de que habitualmente faz o legislador, em prol daquele que paga o ICMS.
Assim sendo, conclui-se com a presente pesquisa que a não incidência do Imposto Sobre a Circulação de Mercadorias sobre o Arrendamento Mercantil, ou Leasing, constitui-se forma idônea de se realizar planejamento tributário e, assim sendo, não há outra forma de se entender senão pela sua adequação ao que prevê o legislador através da norma geral antielisiva.
Espera-se, portanto, que o entendimento aqui demonstrado seja aperfeiçoado pela comunidade acadêmica, como forma de incentivar o planejamento tributário, principalmente pela classe empresarial, mediante a prática do negócio jurídico em tela, e, outrossim, sirva a presente pesquisa como instrumento de compreensão e observância aos direitos do contribuinte brasileiro.
Referências bibliográficas
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Notas
[1] MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Leasing. 3. ed. São Paulo: RT, 2002, p. 16.
[2] Idem, p. 35.
[3] PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil, V. 3 – Contratos. Rio de Janeiro: Forense, 2007, pág. 272.
[4] COELHO, Fábio Ulhoa. Manual de Direito Comercial. 22. ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 470.
[5] TEIXEIRA, Tarcísio. Direito Empresarial Sistematizado. São Paulo: Saraiva, 2011, pág. 275.
[6] MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Op. Cit., p. 43.
[7]Idem, p. 15.
[8]Idem, pp. 15-16.
[9] COELHO, Fábio Ulhoa. Op. Cit., p. 472.
[10] FAZZIO JÚNIOR, Waldo. Manual de Direito Comercial. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2005, 547.
[11] COELHO, Fábio Ulhoa. Op. Cit., p. 473.
[12]Idem, p. 471.
[13] FAZZIO JÚNIOR, Waldo. Op. Cit., p. 544.
[14] SABBAG, Eduardo. Manual de Direito Tributário. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2010, págs. 1008-1009.
[15] AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 103.
[16] MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Op. Cit., p. 135.
[17] ATALIBA, Geraldo. Núcleo de definição constitucional do ICM. RDT 25/111.
[18] MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Op. Cit., p. 137.
[19] ATALIBA, Geraldo. Incorporação ao ativo – empresa que loca, oferece em leasing seus produtos – Descabimento do ICMS. RDT 52/74.
[20] ARZUA, Heron. Créditos do ICMS no Arrendamento Mercantil, RDDT nº 28, janeiro/98, p. 12.
[21] MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Op. Cit., pp. 143-144.
[22] MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Op. Cit., p. 141.
[23]SABBAG, Eduardo. Op. Cit., pág. 1010.
[24] PÊGAS, Paulo Henrique. Manual da Contabilidade Tributária. Rio de Janeiro: Livraria Freitas Bastos, 2003, p. 339.
[25] PAULSEN, Leandro. Direito Tributário: Constituição e Código Tributário à luz da doutrina e da jurisprudência. 13. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2011, p. 946.
[26] ARZUA, Heron. Loc. Cit.
ABSTRACT: This research paper aims to shed light on the applicability of the Tax on Circulation of Goods on the legal business called ArrendamentoMercantil, or, in the North American version, Leasing, having been targeted by the precepts inherent in tax planning and the economic consequences that may be considered in the face of a company. To this end, we make a robust literature review on the ArrendamentoMercantil, through which it seeks to delimit the thematic concepts already architected according to the doctrines of civil and commercial matters. It is used also as a discourse of authority and as an instrument of the present disclosure of the issue, several trial rulings by the Supreme Federal Court and the Superior Court of Justice, which position themselves in the current situation, not by ICMS on Leasing operation in order to corroborate the theoretical feasibility in this issue proposed herein. One hopes with this research contribute to the increase of one more tool among the various legal procedures contained in the legal regulations related to tax planning in order to also encourage the improvement of the subject, serving as a paradigm for other discussions and reviews to be prepared by the academic community.
Keywords: Leasing - Movement of Goods - ICMS – Jurisprudence - Tax Planning - General Standard Antielisiva.