A preocupação com a celeridade na prestação jurisdicional não é tema recente e tem crescido vertiginosamente nos últimos anos, sendo a premissa que orienta o legislador na elaboração das reformas pontuais pelas quais vem passando o processo civil desde o ano de 1994, quando fora instituída a tutela antecipada.
A temática tem despertado a atenção dos mais diversos juristas nacionais e estrangeiros, que se debruçam com afinco na procura de uma solução satisfatória para o problema da morosidade da justiça.
Idêntica a inquietação de José Roberto dos Santos Bedaque[1]:
“O grande problema, ainda não solucionado pelos estudiosos do direito processual, é a morosidade do instrumento estatal de solução de controvérsias, que acaba comprometendo sua eficácia prática. Como bem observado pelo estudioso brasileiro, o exame da História revela a busca do processo ideal, talvez ainda não encontrado.”.
A referida preocupação com a efetivação da celeridade processual não é problema único e exclusivo do direito brasileiro, nas palavras de Humberto Teodoro Junior[2], in verbis:
“Ao findar o século XX, nem mesmo as nações mais ricas e civilizadas da Europa se mostram contentes com a qualidade da prestação jurisdicional de seu aparelhamento judiciário. A crítica, em todos os quadrantes, é a mesma: lentidão da resposta da justiça, que quase sempre a torna inadequada para realizar a composição justa da controvérsia. Mesmo saindo vitoriosa no pleito judicial, a parte se sente, em grande número de vezes, injustiçada, porque justiça tardia não é justiça e, sim, denegação de justiça.”.
Em 2004, o princípio da celeridade ganhou status constitucional com a introdução pela Emenda Constitucional nº 45, denominada de Reforma do Judiciário, do inciso LXXVIII ao art. 5º da Constituição Federal de 1988.
Entretanto, passados mais de oito anos da referida alteração constitucional, o quadro ainda permanece o mesmo, ou seja, busca-se a todo custo a tão almejada celeridade na entrega da tutela jurisdicional, razão pela qual se justifica o ensaio ora desenvolvido tendo em vista que não existem, até o presente momento, dados estatísticos sólidos que amparem o legislador e aplicador do direito para obterem a solução desta problemática.
Assim, ainda permanece atual as indagações acerca das medidas aptas a concretizar o princípio da celeridade processual, sobretudo as referentes à eficácia das modificações da legislação e à introdução de um dispositivo constitucional específico.
Uma constatação é de fácil percepção: as modificações da legislação, por si só, são insuficientes para a solução do problema da morosidade da Justiça. Da mesma forma a simples inclusão do dispositivo constitucional não produzirá resultado algum na busca pela celeridade processual.
Aliás, de todo desnecessária a reforma constitucional operada, porquanto o princípio da celeridade processual decorre do princípio do devido processo legal, bem como possui previsão expressa no Pacto de San José da Costa Rica, no artigo 8º, item 1.[3], convenção ratificada pelo Brasil por meio do Decreto 678, de 06 de novembro de 1998, e, portanto, em plena vigência no ordenamento jurídico nacional.
Igual crítica merece o projetado artigo 4º do Novo Código de Processo Civil (Projeto de Lei nº 166/10), que pretende consagrar o princípio da celeridade nos seguintes termos: “as partes têm direito de obter em prazo razoável a solução integral da lide, incluída a atividade satisfativa.”.
Sobre o referido Projeto, Leonardo Netto Parentoni[4] faz as seguintes considerações:
“[…] A edição de um novo Código, por si só, e por melhores que sejam seus aspectos técnicos, não será capaz de fazer frente aos problemas atuais. Isso porque a solução reside em combater as causas do probelmas, não apenas seus reflexos aparentes. E, neste ponto, deve-se ter em mente que essas causas podem situar-se fora do âmbito processual, na própria sociedade, alerta Mauro Cappelleti […]
Melhor seria, então, identificar as causas da litigiosidade, mapeando-as estatisticamente, antes de propor um novo Código. Afinal, remédio algum é eficaz sem o preciso diagnóstico da doença. Não custa lembrar, também, o ditado segundo o qual “a diferença entre antídoto e o veneno é apenas a dose.”.
Torna-se imprescindível que sejam realizados estudos específicos a fim de que se descubra a real causa da ineficiência do Poder Judiciário, e não, simplesmente, alterar à esmo as leis processuais, influenciados, na maioria da vezes, pelo clamor social.
Nildes de oliveira Freitas[5], a propósito, pondera:
“Atualmente o país assiste a reivindicações por uma justiça eficiente para solucionar a contento os litígios que lhe são submetidos e que essa solução ocorra em tempo hábil. Em conseqüência do clamor da sociedade, busca-se incessantemente, em matéria processual, a celeridade da prestação jurisdicional, sob o fundamento da necessidade de efetividade do processo como verdadeiro colorário e implementação do acesso à justiça.”.
Mário Ezequiel de Moura Lima[6], igualmente, observa que “as alterações legislativas vêm sendo feitas de forma aleatória, ainda que pontuais, buscando frear a insatisfação da sociedade com o mau funcionamento da função jurisdicional pelo Estado.”.
Araken de Assis[7] é categórico em afirmar que “todas as alterações empreendidas sofre de vício congênito e insanável. Elas se baseiam em palpites mais ou menos felizes.”.
Os ensinamentos transcritos alhures retratam a realidade vivenciada em nosso Estado, infelizmente. Isso não significa, contudo, que as alterações legislativas sejam desnecessárias, apenas e tão somente que é preciso de dados mais confiáveis para sua implementação. Em outras palavras, é necessário, antes de realizar outras reformas nas leis processuais, perquirir acerca das reais causas da morosidade.
Vale transcrever, por oportuno, a conclusão de José Joaquim Calmon de Passos[8]:
“Distorção não menos grave, outrossim, foi a de se ter colocado como objetivo a alcançar com as reformas preconizadas apenas uma solução, fosse qual fosse, para o problema do sufoco em que vive o Poder Judiciário, dado o inadequado, antidemocrático e burocratizante modelo de sua institucionalïzação [sic] constitucional. A pergunta que cumpria fosse feita – quais as causas reais dessa crise – jamais foi formulada. Apenas se indagava – o que fazer para nos libertarmos da pletora de feitos e de recursos que nos sufoca? E a resposta foi dada pela palavra mágica “instrumentalidade”, a que se casaram outras palavras mágicas – “celeridade”, “efetividade”, “deformalização” etc. E assim, de palavra mágica em palavra mágica, ingressamos num processo de produção do direito que corre o risco de se tornar pura prestidigitação […]”.
Igual crítica é formulada por Nelson Nery Junior[9]:
“[…] As pregações feitas por setores especializados em direito constitucional e processual, assim como também por setores leigos, no sentido de que são necessárias mudanças da legislação processual para “acabar-se” com a morosidade da justiça, não deixam de ser um tanto quanto dissociadas das verdadeiras causas, e, portanto, não são adequadas soluções para esses problemas por eles apontados.”.
E para solucionar o problema da ineficiência do Poder Judiciário na prestação jurisdicional faz-se necessário que sejam realizadas mais pesquisas estatísticas, técnica esta totalmente alheia aos operadores do direito, o que requer profissionais especializados (tratamento multidisciplinar do problema).
Érico Vinícius Prado Casagrande[10], com efeito, ratifica as críticas ora alinhavadas, amparado nas lições de José Carlos Barbosa Moreira e de Egas Diniz Moniz de Aragão:
“Há tempos, estudiosos como, por exemplo, José Carlos Barbosa Moreira e Egas Diniz Moniz de Araújo, vêm defendendo a necessidade de serem efetuadas pesquisas estatísticas para coleta de dados na realidade dos foros, a fim de serem identificados pontos de estrangulamento na tramitação dos processos. Com efeito, diversos indicadores introduzidos na Constituição de 1988 pela Reforma do Judiciário, a ensejar a realização de análises das mais diversas sobre o funcionamento do Judiciário, tais como: sobre a quantidade adequada de juízes em todas as comarcas do território brasileiro, tomando por base a efetiva demanda judicial e a respectiva população; ou, ainda, sobre o prazo adequado para a distribuição de processos em todos os órgãos jurisdicionais.”.
Além disso, deve-se mudar o foco das reformas processuais, passando-se a exigir maiores investimentos em infra-estrutura do Poder Judiciário, bem como a mudança de mentalidade de alguns membros da magistratura, do ministério público, de advogados e de servidores públicos.
Assim também pensa Nelson Nery Junior[11]:
Para que se dê efetividade à garantia constitucional da celeridade e duração razoável do processo judicial é necessário equipar-se o Poder Judiciário do aparato logístico de que precisa para dar cumprimento ao comando constitucional, constituído de melhoria da capacitação técnica dos juízes e dos elementos materiais necessários ao bom desempenho das funções dos magistrados e dos auxiliares da justiça.
Érico Vinícius Prado Casagrande aponta como causas desta morosidade “falhas na `organização´, na `plena estruturação´, além da falta de `investimento´ no Judiciário.”
O legislador constituinte, atento à problemática, inseriu no corpo da Constituição Federal o art. 93, inciso XIII, determinando que “o número de juízes na unidade jurisdicional será proporcional à efetiva demanda judicial e à respectiva população.”. No entanto, o dispositivo constitucional ainda não mereceu a devida atenção, embora autorizadas vozes na doutrina se manifestem.[12].
Outro entrave que dificulta concretização da celeridade processual é a diferenciação entre prazos próprios e impróprios, além de violar o princípio da isonomia, consoante ensinamentos de Rosemiro Pereira Leal.[13].
De fato, a ausência de qualquer consequência para o descumprimento de prazos pelo juiz, ministério público e servidores da justiça gera odiosa distinção e, inexoravelmente, contribuí para o aumento da morosidade da justiça. Urge, portanto, que sejam afastadas as distinções entre prazos próprios e impróprios, a bem da própria Justiça!
Deveras, Mário Ezequiel de Moura[14] ensina:
“A retirada destes prazos denominados impróprios, associada ao cumprimento dos prazos próprios e a uma fiel aplicabilidade das garantias processuais constitucionais, é que garantirá a razoável duração do processo, que somente pode ser auferida diante do caso concreto, com a participação discursiva das partes na construção do provimento final […].”
Érico Vinícius Prado Casagrande[15], de igual modo, crítica a benevolência com o não cumprimento de prazos pelos órgãos estatais, indicando esta como mais uma “causa séria da morosidade.”.
Em suma, a efetivação da celeridade processual não depende apenas e tão somente de modificações legislativas, como vem ocorrendo nas últimas décadas. De igual modo, a aprovação de um novo Código de Processo Civil não terá o condão de, por si só, resolver o problema como idealizado por seus autores.
Nos dizeres de Nelson Nery Junior[16], “mudança de paradigma, portanto, é a palavra de ordem.”.
Notas
[1] BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Efetividade do processo e técnica processual. 2ª ed. São Paulo: Malheiros, 2007, op. cit. p. 31.
[2] THEODORO JUNIOR, Humberto. Celeridade e efetividade da prestação jurisdicional. Insuficiência da reforma das leis processuais. Revista de Processo, São Paulo, n. 125, p. 61-78, jul. 2005, op. cit. p. 68
[3] Confira-se: “Art. 8º - 1. Toda pessoa tem direito a ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou para que se determinem seus direitos ou obrigações de natureza civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza..”.
[4] PARENTONI, Leonardo Netto. Brevíssimos Pensamentos sobre as Linhas Mestras do Novo Código de Processo Civil. Revista de Processo, nº 193, p. 281-318, mar. 2011, op. cit. p. 286.
[5] FREITAS, Nildes de Oliveira. Compreensão da Celeridade Processual a partir da Hermenêutica Constitucional. In Direito Processual Estudos no Estado Democrático de Direito. CASTRO, João Antônio Lima (coord.). Belo Horizonhte: PUC Minas, Instituto de Educação Continuada, 2008, op. cit. p. 165.
[6] LIMA, Mário Ezequiel de Moura. Apontamentos Constitucionais do Princípio da Celeridade Processual. In Direito Processual Estudos no Estado Democrático de Direito. CASTRO, João Antônio Lima (coord.). Belo Horizonhte: PUC Minas, Instituto de Educação Continuada, 2008, op. cit. p. 220.
[7] ASSIS, Araken. Duração Razoável do Processo e Reformas da Lei Processual Civil. In Constituição e Processo. WAMBIER, Luiz Rodrigues (coord.). São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006.
[8] PASSOS. José Joaquim Calmon de. Instrumentalidade do Processo e Devido Processo Legal. In Temas Avançados de Direito Privado e Processo: Estudos em homenagem a J. J. Calmon de Passos. Teotônio, Paulo José Freire e outros (coords.). Leme: Pensamentos e Letras, 2010, op. cit. p. 27.
[9]NERY JUNIOR, Nelson. Princípios do Processo na Constituição Federal: processo civil, penal e administrativo. 9ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, op. cit. p. 317/318.
[10] CASAGRANDE, Érico Vinícius Prado. Efetividade do Direito e Eficiência do Judiciário. In Urgências de Tutela. TAVARES, Fernando Horta. 1ª ed. (ano 2007), 3ª reimpressão. Curitiba: Juruá, 2010, p. 90
[11] Idem. Op. cit. p. 319.
[12] Érico Vinícius Prado Casagrande, igualmente, lembra desta e de outras normas previstas no art. 93 e seus incisos, muitos deles modificados pela Reforma do Judiciário, porém, sem aplicação prática até o presente momento. Idem. Op. cit. p. 91.
[13] LEAL apud LIMA, Mário Ezequiel de Moura. Apontamentos Constitucionais do Princípio da Celeridade Processual. In Direito Processual Estudos no Estado Democrático de Direito. CASTRO, João Antônio Lima (coord.), p. 220.
[14] Idem. Op. cit. p. 222.
[15] Idem. Op. cit. p. 89.
[16] Idem. Op. cit. p. 318.