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As práticas abusivas contra o consumidor e os contratos de time sharing turístico

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26/10/2013 às 10:11
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Analisam-se as práticas abusivas das empresas do ramo de time sharing turístico (tempo compartilhado para programas de férias). As táticas incisivas de venda não podem chegar ao ponto de viciar o consentimento do consumidor, que deve ser livre e informado, conforme dispõe a lei.

Resumo:  

O contrato de time sharing turístico também é conhecido como contrato de tempo compartilhado, bem como por contrato de adesão a clube ou programa de férias, entre outros. Consiste em um tipo contratual pelo qual o consumidor efetua pagamento antecipado pelo gozo de férias futuras. Isto é, mediante a aquisição de um título de afiliação e o pagamento de uma taxa de manutenção periódica, o consumidor tem direito a converter os montantes pagos em diárias de hotéis em várias localidades do Brasil e/ou do exterior.

Trata-se de modalidade contratual capaz de trazer diversos benefícios para consumidores e fornecedores de serviços turísticos. Portanto, pode parecer um contra senso que haja uma quantidade significativa de demandas judiciais, movidas por consumidores, que envolve esse tipo de negócio. Ocorre que esta insatisfação, por parte dos consumidores, não se deve às peculiaridades dessa espécie de contrato, em si, mas sim, em razão de condutas ilícitas e abusivas, muitas vezes, praticadas pelas empresas que atuam no ramo.

 A principal delas, sem dúvidas, refere-se à utilização de técnicas agressivas de venda e marketing, que submetem o consumidor a uma situação de pressão psicológica. A adoção desse tipo de tática tem, por finalidade, a celebração imediata do contrato, sem que o consumidor tenha a oportunidade de formar seu consentimento de maneira livre e racional. Outra prática ilícita e abusiva, que se verifica neste setor, é a prolação de ofertas e a propagação de publicidades com informações falsas ou, ainda, repletas de omissões atinentes a aspectos relevantes quanto ao serviço que será prestado, em caso de realização do negócio. Não raramente, ainda, a prestação do serviço é falha e/ou dissonante do avençado em convenção contratual.

Todas estas situações levam, em diversos casos, os consumidores a buscar a rescisão unilateral destes contratos. Contudo, em face da recusa ou procrastinação, pela empresa, em atuar conforme requerido, não resta alternativa, ao consumidor, senão buscar, em sede judicial, a rescisão contratual e o ressarcimento pelos danos materiais e morais incorridos.

Diante deste contexto, é relevante salientar que o consumidor conta com amplo suporte legal e jurisprudencial para tutelar seus interesses. Afinal, o Código de Defesa do Consumidor garante, ao consumidor, o direito ao consentimento livre e informado. Sendo assim, assegura, a este, diversas alternativas para que, caso ofendido seu direito, seja devidamente compensado. Nesse sentido, prevê a possibilidade de arrependimento injustificado no prazo de sete dias. Prevê, ainda, a possibilidade de rescisão do contrato, mesmo após esse prazo, com a devolução integral dos valores pagos, com juros e correção monetária, sem prejuízo de indenização pelos danos materiais e morais sofridos, caso haja falha na prestação do serviço ou, ainda, não cumprimento do serviço nos termos em que foi ofertado. Adicionalmente, o Código Civil possibilita a anulação do contrato caso este tenha sido realizado com base em erro, dolo ou coação.

A jurisprudência tem exercido relevante papel na defesa do consumidor nessas situações. Afinal, os Tribunais têm, massivamente, admitido a possibilidade de rescisão ou anulação contratual, conforme o caso, quando o consumidor é pressionado a contratar e/ou quando lhe são fornecidas informações inadequadas sobre o serviço.  Entende-se que, nessas hipóteses, o consumidor é impelido a realizar um negócio que não realizaria se tivesse tempo para formar sua opinião racional sobre o contrato e/ou se tivesse sido adequadamente informado sobre o serviço a ser prestado e sua qualidade.


INTRODUÇÃO                      

O contrato de time sharing turístico teve sua origem no direito imobiliário. O contrato de time sharing, como modelo de contrato imobiliário, surgiu na Europa, na década de sessenta. Naquele período, a Europa passava por um grave período de recessão em virtude do término, relativamente, recente da Segunda Guerra Mundial. Naquele contexto, os contratos de time sharing constituíram uma alternativa interessante para famílias que pretendiam desfrutar de uma casa de veraneio, sem onerar-se com pesados custos de aquisição e manutenção. Por este tipo contratual, um grupo de pessoas adquire, conjuntamente, a propriedade de um bem imóvel e reveza-se, no tempo, para seu uso, gozo e fruição. Assim, torna-se possível usufruir do bem, em determinada época do ano, a um custo mais acessível. 

Com o passar do tempo, o contrato de time sharing passou a ser utilizado, também, no setor turístico, mas com suas próprias peculiaridades. No contrato de time sharing turístico, não há a aquisição da propriedade de um imóvel. O que se adquire são créditos que serão convertidos em diárias de hotéis. Sendo assim, o consumidor, ao contrário do que acontece na celebração de um contrato de time sharing imobiliário, em que há aquisição de um direito real de propriedade, no contrato de time sharing turístico, os direitos adquiridos têm natureza pessoal.

O contrato de time sharing turístico configurou relevante instrumento para fomentar o dinamismo no mercado turístico, sobretudo, nos períodos de baixa temporada. Todavia, muitas vezes, são adotadas práticas ilícitas e abusivas, por parte das empresas que atuam no ramo, principalmente, destinadas à captação de consumidores. Aludidas práticas podem causar graves prejuízos a estes que, diversas vezes, celebram contratos, unicamente, em razão de serem submetidos à pressão psicológica e a informações inverídicas.

Para evitar este tipo de situação, é fundamental que o consumidor esteja a par dos direitos que lhe são garantidos pelo Código consumerista. Afinal, desta maneira, não se deixará influenciar indevidamente, assegurando-se de celebrar o negócio somente se puder proferir seu consentimento livre e informado. E, caso já realizado o contrato, poderá tomar as providências cabíveis para compensar os prejuízos que sofrer.


 I. OS CONTRATOS DE TIME SHARING TURÍSTICO 

O contrato de time sharing turístico é um contrato atípico de natureza consumerista que tem como objetivo democratizar o turismo, permitindo que consumidores possam usufruir de infraestruturas hoteleiras de luxo, às quais, possivelmente, não teriam condições financeiras de ter acesso. Além disso, visa garantir a circulação de riquezas, neste ramo, mesmo nas épocas de baixa temporada, uma vez que são oferecidos preços mais atraentes para a ocupação nesses períodos.  Aludido modelo contratual apresenta-se, no mercado, de diversas maneiras e com variadas denominações. Portanto, contratos chamados de “clubes de férias”, “programas de férias”, “tempo compartilhado”, possuem, apesar de poderem apresentar determinadas peculiaridades, as características essenciais de um contrato de time sharing turístico.

Em um contrato de time sharing turístico, o consumidor efetua um pagamento antecipado para garantir o gozo de suas férias futuras, normalmente, em hotéis de luxo localizados em vários países. Primeiramente, o consumidor deve arcar com uma taxa de afiliação, tornando-se, então, sócio do programa ou do clube de férias. É comum que esse montante pago para aquisição do título de sócio possa ser parcelado durante os anos subsequentes. Após a aquisição desse título, o consumidor assume a obrigação de efetuar, periodicamente, o pagamento de uma taxa de manutenção. O prazo dessa sociedade é variável, mas, geralmente, tem como fim estender-se por um longo período, isto é, cerca de dez a trinta anos. Durante esta sociedade, o consumidor tem direito de gozar dos benefícios das férias pré-programadas. Isto é, os montantes pagos convertem-se em diárias de hotéis, a serem usufruídas em períodos de baixa, média ou alta temporada, segundo o que constar em disposição contratual. Conforme aludido, referido modelo de contrato garante vantagens para ambas as partes do negócio. Afinal, os consumidores passam a ter direito de usufruir de infraestruturas hoteleiras luxuosas em várias localidades do mundo a preços mais acessíveis, enquanto estes hotéis têm a ocupação assegurada mesmo em períodos de baixa temporada.

O time-sharing turístico, atualmente, já é muito difundido na Europa e nos Estados Unidos e destina-se, principalmente, para o planejamento de férias familiares. No Brasil, este tipo contratual vem ganhando espaço desde a década de noventa, contudo, a maioria dos brasileiros, dada sua relativa novidade no mercado nacional, ainda não está familiarizada com este modelo e suas peculiaridades, o que facilita o cometimento de abusos por empresas que atuam no ramo.

Portanto, o contrato de time sharing turístico não é, em si, abusivo ou ilícito, pelo contrário, pode vir a ser bastante vantajoso para o consumidor. Entretanto, não raramente, o emprego de técnicas agressivas de venda e a escassez ou inverdade de informações oferecidas pelos vendedores podem fazer com que venham a possuir essas características, ou seja, ilicitude e abusividade, levando os consumidores a suportarem graves prejuízos. Nesse sentido, para evitar ou reparar danos, é relevante que o consumidor esteja muito atento aos seus direitos garantidos pela Lei, bem como aos mecanismos de defesa jurídicos a sua disposição.


II. DIREITO DO CONSUMIDOR AO CONSENTIMENTO LIVRE E INFORMADO

O direito à informação é um dos mais relevantes princípios que norteiam as relações de consumo, além de figurar como um dos direitos básicos do consumidor, conforme estabelece o Código de Defesa do Consumidor em seu artigo 4º, incisos III e IV, e artigo 6º, incisos II e III:

Art. 4º A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito a sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria de sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios:

(...)

III – harmonização dos interesses dos participantes das relações de consumo e compatibilização da proteção do consumidor com a necessidade de desenvolvimento econômico e tecnológico, de modo a viabilizar os princípios nos quais se funda a ordem econômica (art. 170, da Constituição Federal), sempre com base na boa-fé e equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores;

IV – educação e informação de fornecedores e consumidores, quanto aos seus direitos e deveres, com vistas à melhoria do mercado de consumo.

Art. 6º São direitos básicos do consumidor:

(...)

II – a educação e divulgação sobre o consumo adequado dos produtos e serviços, asseguradas a liberdade de escolha e a igualdade nas contratações;

III – a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade e preço, bem como sobre os riscos que apresentem.

É possível verificar, nesses dispositivos, os dois elementos contidos no direito/dever de informação: a educação e a informação em sentido estrito. A educação consiste na atitude do fornecedor de buscar a efetiva compreensão, pelo consumidor, das formas de utilização, riscos do produto ou serviço e dos exatos termos da oferta e do contrato. A educação do consumidor visa, portanto, proferir, a este, condições para uma escolha racional. Quanto à informação em sentido estrito, deve ser adequada e clara. Adequação nada mais é que o ajustamento ao consumidor, ou seja, ao destinatário da mensagem. Para que seja adequada, é fundamental que a informação seja correta, verdadeira, completa e exata. Clara é aquela facilmente compreendida pelo consumidor. Nesse sentido, é necessário que sejam evitadas palavras e construções gramaticais rebuscadas ou, ainda, termos demasiadamente técnicos. Além disso, a informação deve limitar-se àquilo que interessa ao consumidor, não devendo ser exagerada[1].

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Pela análise, especificamente, do artigo 4º, pode-se extrair que as relações de consumo são, ainda, regidas pelo princípio da transparência. O princípio da transparência demanda que haja clareza sobre o conteúdo da relação de consumo. Isso significa que o consumidor deve estar consciente de seus direitos e obrigações, oriundos da relação de consumo, para que possa manifestar, livremente, sua vontade negocial[2].

De acordo com o inciso III, também do artigo 4º do Código de Defesa do Consumidor, a relação de consumo rege-se, ainda, pelo princípio da boa-fé objetiva. A boa-fé objetiva trata-se de um dever de conduta, cujo descumprimento é apurado, independentemente, do aspecto volitivo do infrator. A boa-fé objetiva é o dever de portar-se bem, de maneira leal, de modo a ser promovida a cooperação entre o fornecedor e o consumidor nas relações de consumo[3].

O princípio da boa-fé objetiva também foi contemplado pelo Código Civil de 2002, em seu artigo 422, de modo a torná-lo um dos mais importantes princípios que regem as relações contratuais, em todas as suas fases, ou seja, pré-contratual, de conclusão, de execução e a pós-contratual, conforme se observa:

Art. 422. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé.

Vale ressaltar que o princípio da boa-fé objetiva está intimamente ligado ao direito/dever de informação, havendo, inclusive, autores que entendem que o direito/dever de informar deriva, em muitos casos, do princípio da boa-fé objetiva[4]. Compreendem, dessa maneira, que não basta, simplesmente, haver sido prestada a informação. Faz-se necessário que a mesma haja sido fornecida de forma sincera e verdadeira, atendendo-se, desse modo, ao princípio da boa-fé. Nesse sentido, é possível dizer que o conceito de direito/dever de informação e a exigência de boa-fé interpenetram-se e, muitas vezes, até se confundirem. Assim, deve-se atentar para o fato de que a consagração do princípio da boa-fé objetiva faz emergir a relevância de deveres secundários anexos,  como o direito/dever de informação. Afinal, a informação é, sem dúvidas, um dos instrumentos pelo qual é possível atuar nas relações negociais de maneira leal e verdadeira.

O direito à informação vem se apresentando como assunto de crescente relevância nas relações negociais, uma vez que grande parte da desigualdade existente na celebração de negócios jurídicos figura-se em um desequilíbrio informativo, sobretudo nas relações de consumo. Afinal, os consumidores somente dispõem de informações mais completas a respeito dos produtos e serviços após já os haverem consumido. Contudo, essa hipótese não se verifica em relação aos fornecedores, que detêm plenitude de informação quanto aos produtos e serviços que disponibilizam no mercado. Tal situação torna o consumidor vulnerável, uma vez que não há igualdade entre as partes contratantes.

Por esse motivo, no ordenamento jurídico brasileiro, a informação surge como um verdadeiro direito/dever. Entretanto, esse direito/dever não se refere à informação fornecida, simplesmente, para atender a um desejo de saber sobre determinado assunto. Na verdade, a informação abrangida pelo direito/dever à informação apresenta-se como verdadeiro instrumento preparatório para que seja realizado um determinado interesse principal, isto é, um negócio jurídico. Em outras palavras, o direito/dever de informação, a que se refere o Código de Defesa do Consumidor, está relacionado a elementos dos quais o consumidor deve estar ciente antes da celebração do contrato, uma vez que estas informações influenciam, de maneira determinante, na decisão de contratar. Ou seja, conhecer as peculiaridades do negócio, sendo devidamente informado sobre as condições e características do produto ou serviço, é o que garante, ao consumidor, que emane manifestação de vontade livre e consciente no sentido de realizar, ou não, um contrato de consumo. Afinal, a informação adequada, oferecida pelo fornecedor, permite, ao consumidor, que não celebre um negócio jurídico eivado por dolo, erro ou coação, situações em que, na verdade, a sua vontade real não se coaduna com a que foi manifestada.

O direito/dever de informação surge na hipótese de serem verificados três requisitos. O primeiro deles diz respeito ao consumidor, para quem o direito à informação apenas surgirá se não puder obtê-la sem ajuda do fornecedor. O segundo requisito refere-se ao devedor, para quem surgirá o dever de informar na hipótese de poder oferecer facilmente a informação. O último requisito refere-se a ambos, uma vez que surgirá o direito/dever de informação, somente, se houver uma relação jurídica entre as partes mencionadas[5].

Nesse sentido, observa-se que o direito/dever de informação surge como modo de equilibrar a relação contratual e para aferir, ao consumidor, condições para que tenha livre escolha sobre produtos e serviços disponíveis no mercado. Afinal, pela informação prestada ao consumidor é possível equilibrar a relação jurídica que este estabelece com o fornecedor, posto que, dessa forma, o consumidor adquirirá uma real liberdade de contratação. Portanto, é possível concluir que o direito/dever de informação visa a liberdade de escolha, bem como a igualdade real de negociação contratual[6].

Para que o consentimento seja válido, faz-se necessário que esteja livre daqueles defeitos que atingem os atos jurídicos em geral, ou seja: dolo, coação, simulação e fraude[7]. Isso significa que o consentimento precisa ser voluntário. Consentimento voluntário é aquele proferido com discernimento, intenção e liberdade. Discernimento é o entendimento, ou seja, a capacidade de distinguir entre o verdadeiro e o falso, entre a conveniência ou inconveniência da celebração do contrato. A intenção é a vontade de que o ato seja realizado. Sendo assim, frustra-se a intenção quando a vontade baseia-se em informações inverídicas ou incompletas. E, finalmente, a liberdade concerne à espontaneidade da declaração[8].

Pode-se dizer que o consentimento está intimamente ligado ao dever de informação, uma vez que apenas será válido se precedido de ampla, completa e clara prestação informativa pelo fornecedor. Isso significa que o consentimento somente será levado em conta quando o consumidor tiver plena consciência do ato com que está consentindo, bem como de todas as suas implicações. Por esse motivo, tende-se a utilizar o termo “consentimento informado”.

O direito/dever de informação assegurado na Constituição Federal trata-se de um instrumento essencial para assegurar direitos fundamentais dos cidadãos, tais como à dignidade da pessoa humana, à cidadania e à livre iniciativa, relacionados nos incisos II, III e IV do artigo 1º da Carta Magna, conforme se observa:

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

(...)

II – a cidadania;

III – a dignidade da pessoa humana;

IV – os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;

(...).

O direito/dever de informação é, ainda, pressuposto para garantia de princípios relacionados no artigo 5º da Constituição Federal, tais como o da liberdade, saúde e segurança:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade.

O direito/dever de informação garante a liberdade do indivíduo tanto no sentido de não comprometer a autodeterminação da pessoa humana sem a obtenção de seu livre consentimento, quanto no sentido de assegurar a voluntariedade na celebração dos contratos por meio da garantia de discernimento, intenção e autonomia das partes contratantes. Garante, ainda, a saúde e a segurança do cidadão no sentido de possibilitar que este não se submeta a riscos aos quais, se detivesse a informação necessária, não se submeteria. Também viabiliza que o indivíduo municie-se, diante do risco, das cautelas necessárias para garantir sua segurança e saúde[9].

Tal principio é amparado também, ainda que implicitamente, pela Constituição Federal em diversos outros artigos. A exemplo disso, é possível citar os incisos XIV e XXXII do artigo 5º, que tratam da informação, garantindo seu acesso a todos, e da defesa do consumidor, respectivamente.

XIV – é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional.

(...)

XXXII – O Estado promoverá, na forma de lei, a defesa do consumidor.

De acordo com Alexandre David Malfatti, analisando a Constituição Federal, pode-se concluir pela existência de três ramificações do direito/dever de informação, no que se refere à relação de consumo. Em primeiro lugar, discorre sobre o direito de informar com enfoque no fornecedor, que se consubstancia no direito de colocar seus produtos e serviços no mercado de consumo, utilizando-se dos meios de comunicação que preferir para divulgá-los, bem como selecionando a mensagem que lhe parecer mais conveniente. O segundo aspecto refere-se ao dever do empresário de informar, que se apresenta como instrumento para viabilizar a escolha livre, consciente e transparente pelo consumidor. Por fim, salienta, o autor,  terceiro aspecto do dever de informação, segundo  qual, a partir do dever de informação do fornecedor, origina-se, logicamente, o direito do consumidor de ser informado, direito esse que lhe garante informação em sentido estrito e educação sobre os produtos a serem adquiridos[10].

É, ainda, relevante atentar para o artigo 31 do Código de Defesa do Consumidor, que dispõe:

Art. 31. A oferta e apresentação de produtos ou serviços devem assegurar informações corretas, claras, precisas, ostensivas e em língua portuguesa sobre suas características, qualidades, quantidade, composição, preço, garantia, prazos de validade e origem, entre outros dados, bem como sobre os riscos que apresentam à saúde e segurança dos consumidores.

Tal dispositivo legal refere-se à oferta. A oferta é o meio pelo qual o produto ou serviço é colocado, pelo fornecedor, no mercado de consumo para negociação com o consumidor interessado. O artigo 31 determina, expressamente, que o fornecedor terá o dever de informar o consumidor sobre o produto ou serviço, na fase pré-contratual, de forma verdadeira, o que significa que deve haver correspondência adequada entre as características reais do produto ou serviço e o que se diz a seu respeito. A lei estabelece, também, que a informação deve ser clara, ou seja, deve ser facilmente inteligível por qualquer consumidor. É de se ressaltar que a informação a ser prestada pelo fornecedor não deve ser apta para informar apenas o bonus pater familias, ou seja, o cidadão médio. A mensagem deve ser inteligível, ainda, pelo homem que detém conhecimento, cultura e educação mínimos. A informação também deve ser precisa. A precisão da informação relaciona-se à relevância do conteúdo da mensagem para o consumidor. Afinal, o direito/dever de informação não pode ser de uma amplitude tal que venha a dificultar o exercício profissional do fornecedor, sob pena de infração a princípios constitucionais como a livre iniciativa[11].

Também de acordo com o Código de Defesa do Consumidor, a informação deve ser ostensiva, de modo a ser facilmente perceptível pelo consumidor, que não deverá ter qualquer dificuldade para identificar a mensagem. Além disso, exige a Lei a utilização da língua portuguesa para garantir a efetiva compreensão pelos cidadãos[12]. As informações prestadas pelo fornecedor, expressas no contrato, devem ser claras, precisas e ostensivas[13]. Para que a informação seja clara e precisa, é necessário que esteja em língua portuguesa, assim como é preciso o emprego de vocabulário comum e construções gramaticais simples e diretas, evitando-se as construções sofisticadas, rebuscadas ou metafóricas. Não devem ser utilizados vocabulários técnicos ou científicos, a não ser que estes sejam acompanhados de explicações destinadas ao consumidor leigo. A ostensividade da informação refere-se a tamanhos e cores de letras, que devem ter padrão tal que facilite a leitura pelo consumidor e que ajude na identificação das cláusulas contratuais mais relevantes[14]. Assim, o contrato de consumo deve ser um documento simples e adaptável a diversas situações, contendo frases curtas, concisas e organizadas em tópicos, bem como palavras acessíveis, e não técnicas. Afinal, caso seja complexo, haverá empecilhos para a compreensão do consumidor, que poderá se confundir e sofrer prejuízos indevidos. Portanto, o consumidor possui direito subjetivo de exigir que seja efetivamente informado a fim de poder escolher livremente produtos e serviços colocados à disposição no mercado de consumo.

Além disso, o Código de Defesa proíbe que sejam adotados, pelo fornecedor, quaisquer tipos de práticas abusivas em face do consumidor, bem como propagandas abusivas e enganosas, conforme se observa:

 Art. 37. É proibida toda publicidade enganosa ou abusiva.

§ 1° É enganosa qualquer modalidade de informação ou comunicação de caráter publicitário, inteira ou parcialmente falsa, ou, por qualquer outro modo, mesmo por omissão, capaz de induzir em erro o consumidor a respeito da natureza, características, qualidade, quantidade, propriedades, origem, preço e quaisquer outros dados sobre produtos e serviços.

§ 2° É abusiva, dentre outras a publicidade discriminatória de qualquer natureza, a que incite à violência, explore o medo ou a superstição, se aproveite da deficiência de julgamento e experiência da criança, desrespeita valores ambientais, ou que seja capaz de induzir o consumidor a se comportar de forma prejudicial ou perigosa à sua saúde ou segurança.

§ 3° Para os efeitos deste código, a publicidade é enganosa por omissão quando deixar de informar sobre dado essencial do produto ou serviço.

§ 4° (Vetado).

 Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas: (Redação dada pela Lei nº 8.884, de 11.6.1994)

I - condicionar o fornecimento de produto ou de serviço ao fornecimento de outro produto ou serviço, bem como, sem justa causa, a limites quantitativos;

II - recusar atendimento às demandas dos consumidores, na exata medida de suas disponibilidades de estoque, e, ainda, de conformidade com os usos e costumes;

III - enviar ou entregar ao consumidor, sem solicitação prévia, qualquer produto, ou fornecer qualquer serviço;

IV - prevalecer-se da fraqueza ou ignorância do consumidor, tendo em vista sua idade, saúde, conhecimento ou condição social, para impingir-lhe seus produtos ou serviços;

V - exigir do consumidor vantagem manifestamente excessiva;

VI - executar serviços sem a prévia elaboração de orçamento e autorização expressa do consumidor, ressalvadas as decorrentes de práticas anteriores entre as partes;

VII - repassar informação depreciativa, referente a ato praticado pelo consumidor no exercício de seus direitos;

VIII - colocar, no mercado de consumo, qualquer produto ou serviço em desacordo com as normas expedidas pelos órgãos oficiais competentes ou, se normas específicas não existirem, pela Associação Brasileira de Normas Técnicas ou outra entidade credenciada pelo Conselho Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial (Conmetro);

IX - recusar a venda de bens ou a prestação de serviços, diretamente a quem se disponha a adquiri-los mediante pronto pagamento, ressalvados os casos de intermediação regulados em leis especiais; (Redação dada pela Lei nº 8.884, de 11.6.1994)

X - elevar sem justa causa o preço de produtos ou serviços. (Incluído pela Lei nº 8.884, de 11.6.1994)

XI -  Dispositivo  incluído pela MPV  nº 1.890-67, de 22.10.1999, transformado em inciso  XIII, quando da conversão na Lei nº 9.870, de 23.11.1999

XII - deixar de estipular prazo para o cumprimento de sua obrigação ou deixar a fixação de seu termo inicial a seu exclusivo critério.(Incluído pela Lei nº 9.008, de 21.3.1995)

XIII - aplicar fórmula ou índice de reajuste diverso do legal ou contratualmente estabelecido. (Incluído pela Lei nº 9.870, de 23.11.1999)

Parágrafo único. Os serviços prestados e os produtos remetidos ou entregues ao consumidor, na hipótese prevista no inciso III, equiparam-se às amostras grátis, inexistindo obrigação de pagamento.

 A publicidade feita ao consumidor equivale à oferta. Nesse sentido, em hipótese alguma, as informações fornecidas em publicidade podem ser falsas, assim como também não são permitidas omissões que levem o consumidor a cometer equívocos. Além disso, são vedadas quaisquer práticas abusivas em prejuízo do consumidor, sendo elencadas, na Lei, a título exemplificativo, algumas dessas práticas. Todavia, conforme aludido, essa enumeração não é exaustiva, portanto, pode-se concluir, tranquilamente, que quaisquer técnicas, cujo emprego possa limitar o convencimento racional do consumidor, é abusiva.

É relevante ressaltar, ainda que o contrato destinado ao fornecimento de produtos ou serviços no mercado de consumo deve respeitar disposições específicas previstas no Código de Defesa do Consumidor que tratam, precisamente, dos contratos de consumo.

Art. 30. Toda informação ou publicidade, suficientemente precisa, veiculada por qualquer forma ou meio de comunicação com relação a produtos e serviços oferecidos ou apresentados, obriga o fornecedor que a fizer veicular ou dela se utilizar e integra o contrato que vier a ser celebrado.

(...)

Art. 46. Os contratos que regulam as relações de consumo não obrigarão os consumidores, se não lhes for dada a oportunidade de tomar conhecimento prévio de seu conteúdo, ou se os respectivos instrumentos forem redigidos de forma a dificultar a compreensão de seu sentido e alcance.

(...)

Art. 48. As declarações de vontade constantes de escritos particulares, recibos e pré-contratos relativos às relações de consumo vinculam o fornecedor, ensejando inclusive a execução específica, nos termos do art. 84 e parágrafos.

Pela análise dos referidos artigos, entende-se que o pretendido pelo legislador foi que todas as informações fornecidas, ao consumidor, tivessem força vinculativa, passando a integrar obrigações e direitos das partes. Portanto, as informações prestadas, pelo fornecedor, anteriormente à celebração do contrato, traduzem-se como fonte de obrigação para este. Por isso, é relevante que todas as informações prestadas na fase pré-contratual integrem o contrato de consumo. Afinal, em havendo disparidade entre as informações prestadas na fase pré-contratual e as contidas no instrumento escrito, prevalecerão as primeiras.

Além disso, dispõe o artigo 54 do Código de Defesa do Consumidor que:

Art. 54. Contrato de adesão é aquele cujas cláusulas tenham sido aprovadas pela autoridade competente ou estabelecidas unilateralmente pelo fornecedor de produtos ou serviços, sem que o consumidor possa discutir ou modificar substancialmente seu conteúdo.

(...)

 § 3º Os contratos de adesão escritos serão redigidos em termos claros e com caracteres ostensivos e legíveis, cujo tamaño da fonte não será inferior ao corpo doze, de modo a facilitar sua compreensão pelo consumidor.

§ 4ª As cláusulas que implicarem limitação de direito do consumidor deverão ser redigidas com destaque, permitindo sua imediata e fácil compreensão.

Adicionalmente, é salutar observar que a mera leitura do contrato pelo consumidor e sua suposta compreensão acerca das suas cláusulas não são suficientes para que seja considerado plenamente atendido o dever de informação do fornecedor. Para isso, é preciso que tenha havido uma explicação prévia das cláusulas contratuais por aquele que coloca o produto ou serviço no mercado. Somente assim, poderá ser considerado que o consumidor teve real acesso ao conteúdo do instrumento contratual[15].

Portanto, conclui-se que o consentimento escrito não é suficiente, tendo em vista que o consentimento não se confunde com a sua instrumentalização. O consentimento deve ser aferido como um processo que se estende durante todo o período em que subsiste a relação negocial. Logo, o contrato não substitui o diálogo, que é a base do processo de consentimento. Sendo assim, o contrato é relevante instrumento para a comprovação do cumprimento do dever de informação pelo fornecedor. Todavia, o oferecimento de informação escrita no instrumento contratual não significa, necessariamente, que toda informação relevante para a celebração do contrato foi adequadamente proferida[16].

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Sobre a autora
Erika Nicodemos

Advogada atuante na área cível, sócia do escritório Erika Nicodemos Advocacia, graduada em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Especialista em Direito da Propriedade Intelectual pelo Centro de Extensão Universitária, em convênio com a Universidad Austral de Buenos Aires. Pós-graduada em Direito Empresarial e especialista em Direito Digital e Planejamento Sucessório pela Faculdade de Direito da Fundação Getúlio Vargas. Mestre em Direito Internacional Privado pela Università degli Studi di Roma – La Sapienza. Mestranda em Direito Civil pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Membro efetivo da Comissão de Direito de Família e das Sucessões da Ordem dos Advogados do Brasil, São Paulo.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

NICODEMOS, Erika. As práticas abusivas contra o consumidor e os contratos de time sharing turístico. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3769, 26 out. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/25560. Acesso em: 19 abr. 2024.

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