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As práticas abusivas contra o consumidor e os contratos de time sharing turístico

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26/10/2013 às 10:11
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III. CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS EM FACE DA OFENSA DO DIREITO DO CONSUMIDOR AO CONSENTIMENTO LIVRE E INFORMADO PELO CONSUMIDOR

Toda oferta realizada ao consumidor, escrita ou verbal, vincula o fornecedor, conforme se conclui a partir do artigo 30 do Código de Defesa do Consumidor. Sendo assim, caso o fornecedor realize uma oferta com intuito exclusivo de atrair a atenção do consumidor, não poderá, quando da celebração do contrato, eximir-se da obrigação com a qual se comprometeu, alegando que esta não consta do instrumento contratual escrito. Afinal, uma vez prometido, ao consumidor, produto ou serviço, de qualquer forma, o fornecedor assume a obrigação de satisfazer a expectativa legítima gerada no sentido de que aquela promessa estaria inserida no instrumento contratual.

Caso a confiança depositada pelo consumidor no fornecedor seja frustrada em virtude da recusa do fornecedor em adimplir a obrigação conforme o prometido na oferta, o Código de Defesa do Consumidor garante determinadas alternativas ao consumidor, que são previstas no artigo 35 deste diploma normativo:

Art. 35. Se o fornecedor dos produtos ou serviços recusar cumprimento à oferta, apresentação ou publicidade, o consumidor poderá, alternativamente e a sua escolha:

I – exigir o cumprimento forçado da obrigação, nos termos da oferta, apresentação ou publicidade.

II – aceitar outro produto ou prestação de serviço equivalente.

III – rescindir o contrato, com direito à restituição de quantia eventualmente antecipada, monetariamente atualizada, e a perdas e danos.                       

Nesse sentido, conforme preferir, o consumidor poderá exigir, judicialmente, quaisquer das alternativas asseguradas pela Lei. Se ainda tiver interesse no cumprimento da obrigação assumida pelo fornecedor, terá a opção de requerer, ao juiz, a execução forçada obrigação, isto é, que o fornecedor cumpra a obrigação contratada nos termos em que esta foi, efetivamente, oferecida. Caso isto não seja possível, terá a faculdade de aceitar, no lugar da obrigação contratada, produto ou serviço equivalente, a custa do fornecedor. E, por fim, na hipótese de não possuir mais interesse na continuidade da relação contratual, poderá requerer a rescisão do contrato, recebendo de volta todas as quantias pagas previamente, adicionadas a montantes atinentes a atualização monetária e aos prejuízos sofridos.

É possível, contudo, que o fornecedor não se recuse a adimplir a obrigação que prometeu, mas a realize de maneira defeituosa, frustrando também, dessa maneira, expectativa legítima do consumidor. No que se refere à prestação de serviços viciada, dispõe o artigo 20 do Código de Defesa do Consumidor:       

Art. 20. O fornecedor de serviços responde pelos vícios de qualidade que os tornem impróprios ao consumo ou lhes diminuam o valor, assim como por aqueles decorrentes da disparidade com as indicações constantes da oferta ou mensagem publicitária, podendo o consumidor exigir, alternativamente e à sua escolha:

I - a reexecução dos serviços, sem custo adicional e quando cabível;

II - a restituição imediata da quantia paga, monetariamente atualizada, sem prejuízo de eventuais perdas e danos;

III - o abatimento proporcional do preço.

§ 1° A reexecução dos serviços poderá ser confiada a terceiros devidamente capacitados, por conta e risco do fornecedor.

Portanto, de acordo com este dispositivo legal, os serviços apresentam vícios de qualidade quando: a) tornem os serviços impróprios para o consumo, b) diminuam o valor dos serviços e c) sejam fruto de disparidade entre a oferta ou mensagem publicitária e o serviço efetivamente prestado. Nessas hipóteses, a Lei garante ao consumidor três possibilidades, cabendo, ao consumidor, escolher a que melhor lhe convenha. Sendo assim, o consumidor pode requerer judicialmente: a) a reexecução do serviço, b) o abatimento proporcional do preço ou c) a rescisão do contrato, com a restituição imediata das quantias pagas, com direito à atualização monetária e indenização pelos prejuízos incorridos. Em análise ao referido dispositivo, é possível concluir que, segundo o Código de Defesa do Consumidor, se o serviço for oferecido em desacordo com aquilo que foi ofertado pelo fornecedor e aceito pelo consumidor, este serviço é viciado e, assim sendo, é possível, inclusive a rescisão judicial do contrato.

O Código de Defesa do Consumidor garantiu, ainda, a proteção do consumidor, especificamente, em caso de vendas realizadas fora do estabelecimento comercial, em seu artigo 49:

Art. 49. O consumidor pode desistir do contrato, no prazo de 7 dias a contar de sua assinatura ou do ato de recebimento do produto ou serviço, sempre que a contratação de fornecimento de produtos e serviços ocorrer fora do estabelecimento comercial, especialmente por telefone ou a domicílio.

Parágrafo único. Se o consumidor exercitar o direito de arrependimento previsto neste artigo, os valores eventualmente pagos, a qualquer título, durante o prazo de reflexão, serão devolvidos, de imediato, monetariamente atualizados.

De acordo com este artigo, caso o contrato tenha sido celebrado em local distinto do estabelecimento comercial do fornecedor, o consumidor poderá exercitar o seu direito de arrependimento em sete dias. Isto é, mesmo que já tenha efetuado pagamento, integral ou parcial, poderá, simplesmente, desistir do contrato nesse prazo. E, a partir da comunicação ao fornecedor, é devida a devolução integral do montante pago, atualizado monetariamente. O objetivo deste artigo é, justamente, proteger o consumidor de táticas agressivas de venda. Afinal, em muitos casos, quando a venda é realizada fora do estabelecimento, não é o consumidor que, depois de realizar pesquisa sobre preço, utilidade e outras características essenciais, que procura o produto ou serviço. Pelo contrário, é o fornecedor que o surpreende com uma proposta. Portanto, nesse contexto, não é raro que o consumidor não tenha tempo para analisar a oferta de maneira adequada e celebre um contrato que, em outra situação, não teria celebrado. Atualmente, a jurisprudência dominante tem sido no sentido de estender os efeitos do aludido artigo também a vendas realizadas no estabelecimento comercial do fornecedor, desde que este tenha sido surpreendido com ofertas para as quais estava desprevenido e tenha sido pressionado para realizar o negócio. Este tipo de venda foi apelidado, pelos Tribunais, de venda emocional e é considerada prática abusiva no mercado de consumo.

Além das alternativas garantidas ao consumidor pelo diploma consumerista, conforme a hipótese ocorrida, o Código Civil admite, ainda, a anulação do contrato em caso de erro por parte do consumidor, bem como no caso de dolo por parte do fornecedor:

Art. 138. São anuláveis os negócios jurídicos, quando as declarações de vontade emanarem de erro substancial que poderia ser percebido por pessoa de diligência normal, em face das circunstâncias do negócio.

Art. 145. São os negócios jurídicos anuláveis por dolo, quando este for a sua causa.

Incide em erro aquele consumidor que se engana, espontaneamente, sobre uma situação de fato. Isto é, equivocadamente, o indivíduo realiza uma representação mental que não se coaduna com a realidade. Todavia, para que o ato seja anulável, é preciso que se trate de um erro essencial, isto é, um engano sobre elemento essencial do contrato, como, por exemplo, sobre a pessoa ou sobre o objeto. Portanto, este elemento deve apresentar tal importância que, se houvesse a correta aferição da realidade, o contrato não teria se realizado ou teria sido celebrado de outra maneira.

Age de forma dolosa o fornecedor que provoca equívoco no consumidor ou, ainda, percebendo o engano, omite informação que o faça perceber corretamente a realidade. Também nessa hipótese, é preciso que o erro incida sobre aspecto essencial do contrato. Caso contrário, o contrato é mantido sem prejuízo de eventuais indenizações pelos prejuízos sofridos pelo consumidor.

Todos os mecanismos mencionados acima são instrumentos legais destinados a garantir o consentimento livre e informado do consumidor. Afinal, seria completamente contrária a uma interpretação sistemática, do ordenamento jurídico, admitir que prevalecessem e gerassem efeitos regulares aqueles contratos em que o consumidor manifestou vontade desvinculada de suas reais intenções sem culpa sua.


IV. AS PRÁTICAS ABUSIVAS CONTRA O CONSUMIDOR E OS CONTRATOS DE TIME SHARING TURÍSTICO

Conforme aludido anteriormente, o modelo contratual de time sharing turístico é de utilização relativamente recente no Brasil, se comparada a sua expansão nos mercados europeu e norte americano. A falta de familiaridade dos brasileiros com este tipo de contrato, o que faz com que a procura espontânea não seja tão significativa, levou à captação de consumidores com a utilização de técnicas agressivas de venda pelas empresas que atuam no ramo. O emprego dessas técnicas, bem como de mecanismos incisivos de marketing não são, em si, irregulares. Contudo, é fato que existe uma linha tênue que separa um simples método de venda incisivo de métodos que visam à captação de consumidores a qualquer custo, inclusive com a manipulação e omissão de informações e a submissão destes a situações de pressão psicológica. É evidente que a adoção da segunda modalidade de captação é ilícita e abusiva, uma vez que impede a manifestação de consentimento livre e informado pelo consumidor.

Para atrair potenciais interessados nos contratos de time sharing turístico, é comum que os consumidores sejam abordados, por representantes das empresas que atuam no setor, em seu período de lazer, por exemplo, quando estão em filas de cinema, em restaurantes ou bares. Normalmente, estes representantes, simpáticos e bem treinados, solicitam, aos consumidores, que preencham formulários com informações sobre determinados dados pessoais. E, para persuadi-los a, efetivamente, preencher e entregar aludidos formulários, os representantes dessas empresas informam que, se o fizerem, concorrerão a cortesias que, usualmente, são diárias em hotéis luxuosos. Decorrido certo período de tempo, outros representantes da empresa, igualmente atenciosos e treinados, entram em contato, por e-mail ou por telefone, com os consumidores que preencheram os formulários. Informam, então, que teriam sido sorteados ou selecionados para receber as cortesias a que concorriam. Informam, ainda que, para isso, o único requisito exigido é o comparecimento a um coquetel, ou a algum evento do mesmo gênero, com intuito de apresentação da empresa. Usualmente, garantem que, para o ganho da cortesia, não será demandada a aquisição de qualquer produto. Além disso, é estabelecido um período de duração do evento, que varia entre uma hora e uma hora e meia.

Seduzidos pela cortesia, supostamente, ganha, não raramente, os consumidores comparecem aos eventos para que foram convidados. E, de fato, ao comparecerem, em um primeiro momento, tanto a empresa quanto sua área de atuação são apresentadas aos consumidores por um agente, que explica, detalhadamente, o mecanismo de funcionamento de um contrato de time sharing turístico (ainda que não afira esta nomenclatura) e aponta para todos os seus benefícios. Assegura-se, ao consumidor, caso opte por um plano que conte com essa garantia, que haverá disponibilidade de hospedagem em quaisquer hotéis, pertencentes à rede de time sharing ou hotéis parceiros, em qualquer período do ano. Garante-se, ainda uma assistência especializada e eficiente, por agentes da empresa, no planejamento de todo tipo de viagem para variadas localidades do mundo. Depois disto, geralmente, são efetuados longos questionários ao consumidor a fim de ser traçado seu perfil mercadológico. Concluídas as perguntas, não demora para que o consumidor seja surpreendido por uma primeira proposta de aquisição de título de afiliação e valor de taxa anual de manutenção. Esta proposta é, usualmente, realizada em ritmo frenético e confuso, baseada em uma série de cálculos que, nem sempre, seguem premissas verdadeiras. Referidos cálculos têm como por escopo convencer o consumidor de que será, financeiramente, muito mais vantajoso afiliar-se a um programa ou a um clube de férias do que pagá-las de maneira avulsa. E, com intuito de atrair o consumidor para um fechamento de contrato rápido, são oferecidas diversas outras cortesias, tais como passagens aéreas e diárias de hospedagem gratuitas adicionais.

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Ocorre que não é incomum que esta primeira proposta tenha um valor exorbitante. Sendo assim, dificilmente, os consumidores concordam com a celebração do contrato naqueles termos. A partir da negativa do consumidor, inicia-se uma série ininterrupta de novas propostas e, a cada série de negativas pelo consumidor, surge um novo agente, supostamente, de hierarquia mais alta, que, com as energias ainda intactas, realiza uma bateria de novas ofertas. Cada vendedor aproxima-se do consumidor com uma abordagem diversa, alguns muito simpáticos e sorridentes, outros, em tese, mais sérios e racionais e, por fim, alguns que apelam para o sentimentalismo. Todavia, todos costumam apresentar-se muito bem treinados para rebater quaisquer contra-argumentos do consumidor que não esteja interessado nos serviços ou que deseje um prazo para pensar no assunto. Caso sejam questionados sobre a possibilidade de rescisão unilateral do contrato pelo consumidor, os agentes, normalmente, informam que existe esta possibilidade a qualquer momento. Sendo assim, ressaltam que o cancelamento pode ser efetuado mediante simples notificação e pagamento de uma multa. Ao redor, para cada fechamento de contrato, os vendedores realizam um verdadeiro alvoroço, comemoram e/ou batem palmas.

Evidentemente, quando o consumidor é abordado pelo terceiro ou quarto vendedor, já está exausto e irritado, uma vez que está sendo, claramente, pressionado para assinar, prontamente, um contrato, cujas obrigações assumidas serão consideravelmente onerosas. Caso solicite um prazo para informar-se melhor sobre a questão, é informado de que os preços são promocionais e que, sendo assim, os contratos apenas poderão ser realizados com descontos expressivos caso sejam celebrados imediatamente. Cansado e persuadido, não é incomum que o consumidor assine o contrato de time sharing turístico mesmo inseguro e desconfiado.

Para aqueles que resistem a todo este teatro e não celebram o negócio, são entregues as cortesias prometidas, mas somente depois de ultrapassado período muito maior que o previsto para a duração do evento. Contudo, não é raro que, diante de uma análise mais apurada, descubra-se que os supostos brindes, na verdade, não possuem nenhuma gratuidade. Isto porque não é incomum que, para seu usufruto, sejam cobradas taxas elevadas de ativação ou, ainda, pagamento de sistema de all inclusive obrigatório. A não improvável consequência disto é que o valor pago pelo uso da cortesia seja mais elevado que aquele que seria pago sem o benefício.

Por outro lado, muitas vezes, aqueles que, efetivamente, assinam estes contratos sofrem prejuízos ainda maiores que a perda do tempo e a propaganda enganosa. Afinal, ao analisarem, posteriormente, os contratos assinados com mais calma e mais tempo, em diversos casos, percebem que, na verdade, foram proferidas, durante a venda, uma série de meias verdades ou, ainda, que foram realizadas muitas omissões. Por exemplo, podem vir a descobrir que, apesar de ser possível o acúmulo de créditos, este somente é possível por tempo limitado. Isto é, pode ser estipulado, por exemplo, prazo máximo de dois anos de acúmulo. Nesse caso, na hipótese de o consumidor, por algum motivo, não poder gozar de férias por período superior a este, perderá todos os seus créditos. Nesses casos, pode-se dizer que, claramente, a oferta não é condizente com o serviço, efetivamente, prestado, havendo incontestável ofensa a todos os artigos do Estatuto consumerista que visam garantir o direito à informação do consumidor e seu direito ao convencimento livre e racional na celebração de contratos de consumo. Nesse sentido, o próprio Código de Defesa do Consumidor assegura a possibilidade de rescisão unilateral do contrato pelo consumidor prejudicado, sendo possível a este escolher, a seu critério, se deseja a rescisão unilateral do contrato, com a restituição integral dos valores pagos, exigir o cumprimento da obrigação do fornecedor nos termos da oferta ou publicidade ou, ainda, a prestação de serviço equivalente, nos termos do artigo 35 da aludida Lei.

Pode ocorrer, também, que o consumidor, ao tentar usufruir de seus créditos, venha a descobrir que a disponibilidade de hotéis garantida não se coaduna com a realidade, uma vez que, ao tentar realizar reservas, não há vagas. É possível, ainda, que os hotéis não tenham o padrão de qualidade assegurado pelos vendedores e/ou em contrato. Também não é difícil que o atendimento para auxiliar no planejamento de férias não seja tão eficiente e prestativo conforme o prometido. Em todas essas hipóteses verifica-se clara falha na prestação do serviço. Nesse sentido, o Código de Defesa do Consumidor autoriza, em seu artigo 20, que seja exigida a reexecução do serviço, o abatimento proporcional do preço ou, ainda, a rescisão do contrato com a respectiva devolução dos montantes pagos pelo consumidor, sem prejuízo do pagamento de juros e correção monetária.

Ementa: Rescisão contratual, cumulada com indenização por danos materiais e morais. Contrato de hospedagem e transporte. Sistema de Tempo Compartilhado - 'Time sharing'. Relação de consumo caracterizada. Autora impossibilitada de agendar hospedagem, em razão de óbice imposto pelas rés. Desfazimento do pactuado deve prevalecer, com a devolução integral dos valores pagos. Apeladas não apresentaram clareza e precisão junto ao consumidor por ocasião do ajustado. Retorno das partes ao 'statu quo' primitivo. Danos morais não configurados. Mero aborrecimento é insuficiente para dar suporte à verba reparatória pretendida. Apelo provido em parte (Apelação 0033404-93.2010.8.26.0001 - Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo – 4ª Câmara de Direito Privado – São Paulo - Natan Zelinschi de Arruda – julgado em 13.03.2012)

Em aludido acórdão, a Câmara admitiu a possibilidade de rescisão unilateral do contrato pelo consumidor, sendo devida a restituição integral dos valores pagos, sem desconto de montante relativo à multa contratual, justamente, em virtude de falha quanto às informações prestadas ao consumidor em ocasião de venda emocional, aplicando-se o artigo 35 do Código de Defesa do Consumidor. De acordo com o já referido dispositivo, caso haja recusa do fornecedor em prestar o serviço nos termos da oferta, o consumidor terá o direito de exigir a devolução total dos montantes já pagos.

É relevante, ainda, salientar que é possível a indenização por danos morais ao consumidor, caso estes sejam verificados.

Ementa: PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. PACOTE TURÍSTICO. INADIMPLEMENTO CONTRATUAL. AÇÃO DE INEXIGIBILIDADE DE TÍTULO CUMULADA COM DANOS MATERIAIS E MORAIS. ILEGITIMIDADE PASSIVA. Não reconhecimento. Agência de turismo integra a cadeia de fornecimento do serviço, tendo responsabilidade pelos danos decorrentes de inadimplemento de contrato de prestação de serviços. Precedentes. Recurso não provido. DANO MATERIAL. Reconhecimento. Falta de informação clara de que não estavam incluídos na contratação, serviços de guias em visitas a parques. Violação ao princípio da transparência. Reembolso devido. Recurso da ré não provido. DANO MORAL. Indenização devida. Transtornos e aflições decorrentes do fato, justificadoras da reparação pretendida. Quantum arbitrado mantido, por razoável e compatível com a ofensa. Recursos não providos. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. Majoração do percentual que se justifica para melhor remunerar o trabalho do advogado. Decisão reformada. RECURSO DOS AUTORES PARCIALMENTE PROVIDO E RECURSO DA RÉ, NA PARTE CONHECIDA, NÃO PROVIDO. (Apelação 0007822-70.2008.8.26.0451 – Piracicaba – Rel: Fernando Sastre Redondo – julgado em 20.06.2012)   

EmentaContrato de “time sharing”. Relação de consumo caracterizada. Recusa repetida de pedidos de reserva efetuados com razoável antecipação. Frustração das expectativas do consumidor. Boa-fé. Possibilidade de rescisão contratual. Devolução total dos valores pagos. Férias frustradas. Caracterização dos danos morais. Indenização devida. Recurso desprovido. (Apelação 9206687-46.2006.8.26.0000  - Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo – 28ª Câmara de Direito Privado – Sâo José dos Campos – Rel: Mello Pinto – julgado em 21.06.2011)

Adicionalmente, os Tribunais tem seguido entendimento segundo o qual a utilização de técnicas agressivas de venda e marketing que impedem o livre consentimento do consumidor, constitui prática abusiva e, portanto, ilícita. Visa-se, dessa maneira, garantir a livre manifestação de vontade do consumidor, que tem o direito de concluir pela celebração do negócio de forma lógica e consciente.

Conforme aludido anteriormente, os Tribunais têm entendido que é aplicável o artigo 49 do Código de Defesa do Consumidor, quando são utilizadas técnicas agressivas de venda e/ou marketing, mesmo que esta tenha sido realizada em estabelecimento comercial. Isto é, se o consumidor manifestar arrependimento quanto à realização do negócio, no prazo de sete dias a partir, poderá rescindir o contrato sem a necessidade do pagamento de multa contratual e de maneira injustificada.

Ementa: AÇÃO MONITÓRIA Pretensão de reforma da sentença que julgou procedente o pedido para condenar os réus ao pagamento da multa contratual prevista pelo distrato do negócio jurídico celebrado Alegação dos réus de que se arrependeram em período inferior a sete dias, sendo inexigível a multa, nos termos do art. 49 do CDC Cabimento Hipótese em que os réus manifestaram arrependimento pela celebração do contrato em prazo inferior a sete dias Possibilidade de arrependimento, sem o pagamento de multa Aplicação do disposto no art. 49 do CDC, mesmo que a celebração do negócio tenha sido realizada no estabelecimento comercial da autora, tendo em vista que os consumidores se dirigiram ao estabelecimento para participar de almoço cortesia oferecido pela empresa e não para adquirir os produtos ou serviços desta, de modo que foram surpreendidos pela prática agressiva de vendas perpetrada pelos prepostos da empresa autora Prática da chamada venda emocional vedada pelo Código de Defesa do consumidor - RECURSO PROVIDO (Apelação 0218594-63.2009.8.26.0002 – Tribunal de Justiça de São Paulo – 13ª Câmara de Direito Privado – São Paulo – Rel: Ana de Lourdes Coutinho Silva – julgado em 23.05.2012).                       

De acordo com esta decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo, se o consumidor for convidado para um evento de apresentação da empresa e, no local, for surpreendido pela tentativa de venda incisiva de produtos ou serviços, estará caracterizado o que se denomina “venda emocional”. Portanto, diz-se ocorrida uma venda emocional quando o consumidor adquire produto ou serviço sem que possa formar seu livre consentimento informado. E, configurada a venda emocional, o consumidor tem direito de arrependimento no prazo de sete dias, sendo devida a devolução de todos os valores pagos à empresa, sem cobrança de pagamento de multa em virtude da rescisão unilateral do contrato pelo consumidor. É relevante observar que, para o exercício do direito de arrependimento, não é necessário que o consumidor ofereça qualquer justificativa. Portanto, mesmo que o contrato esteja em conformidade com a Lei consumerista, caso tenham sido empregadas técnicas incisivas de venda ou marketing, será admitido o arrependimento injustificado quanto à celebração do contrato.

No que se refere à possibilidade de rescisão unilateral do contrato pelo consumidor, passado o prazo para o exercício do direito de arrependimento, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo também já proferiu diversas decisões favoráveis ao rompimento do negócio, inclusive, eximindo o consumidor do pagamento de multas contratuais, em virtude de tratar-se de venda emocional. Nesse sentido, foi a seguinte decisão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo:

Ementa: Rescisão contratual e devolução dos valores pagos - cessão de direitos de ocupação de unidade habitacional hoteleira em sistema de tempo compartilhado. Procedência do pedido. Inconformismo das rés. Venda emocional - utilização de técnicas que retiram do consumidor a possibilidade concreta de tomar conhecimento integral do negócio e de refletir sobre sua conveniência e oportunidade - consentimento viciado. Rescisão do contrato e devolução dos valores pagos. Decisão mantida. Recurso de apelação não provido (Apelação 9064578-77.2004.8.26.0000 – Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo – 9ª Câmara de Direito Privado – Americana – Rel: Piva Rodrigues – julgado em 19.10.2010).                  

De acordo com o ilustre relator do aludido acórdão:

Não negam, contudo, a utilização das incisivas táticas de persuasão apontadas na inicial, no sentido não só de atrair como até de tentar impor a venda aos autores que, convidados para o recebimento de um fim de semana gratuitamente em algum paraíso turístico, se viram diante de toda uma encenação, com coquetel, brindes e horas de explanação, tudo no sentido de pressionar os convidados a adquirirem o produto à venda.    Tais métodos de negociação são, no mínimo, discutíveis, para não dizer indevido sob o aspecto ético, por retiram do consumidor a possibilidade concreta de tomar conhecimento integral do negócio e refletir sobre sua conveniência e oportunidade. Conforme bem asseverou o Douto Magistrado em primeiro grau, “ as táticas de marketing de comercialização dessa espécie se baseiam na submissão do consumidor a um grande número de informações de caráter genérico e bem montadas, em exíguo intervalo de tempo, impedindo-o de raciocinar de maneira calma e lógica acerca de seu real interesse na modalidade de negócio que lhe oferecem”. Essa conduta apelativa da ré, no sentido da venda do produto, caracteriza o que se tem chamado de “venda emocional”, que constitui verdadeiro atentado ao Estatuto Consumerista, em especial ao previsto nos artigos 37 e 39, do mesmo Estatuto, que proíbem uma série de práticas abusivas, sendo que o abuso pode estar também no método de venda que impede a reflexão e, consequentemente, a livre escolha prevista no artigo 6º, II. Nesse contexto, considerando-se, principalmente, as falsas promessas, as omissões e a forte pressão exercida para o fechamento do contrato, outra não pode ser a conclusão senão a de que os autores, ao contratarem, estavam com o seu consentimento viciado, seja pela coação, seja pelo erro, o que é motivo para a anulação do contrato (artigos 138 e seguintes do Código Civil)

Portanto, de acordo com o Eminente Desembargador, o emprego de técnicas incisivas e agressivas de venda ou marketing constitui prática abusiva segundo o Código de Defesa do Consumidor, uma vez que essas táticas impedem o convencimento livre e racional do consumidor na escolha do produto ou serviço, bem como na decisão de contratar. Nesse sentido, pode-se dizer, segundo o Douto Relator, que o contrato celebrado nessas condições é anulável por haver vício de consentimento, ou seja, erro, dolo ou coação, nos termos do artigo 138 e seguintes do Código Civil, conforme anteriormente explanado.

Cumpre, por fim, observar que o Código de Defesa do Consumidor também protege aqueles indivíduos que foram expostos às ofertas, mas não celebraram o contrato, afinal, determina o artigo 29 do aludido diploma legal estabelece que:

Art. 29. Para os fins deste Capítulo e do seguinte, equiparam-se aos consumidores todas as pessoas determináveis ou não, expostas às práticas nele previstas.

De acordo com referido dispositivo, equiparam-se aos consumidores quaisquer pessoas que tenham sido expostas à prática comercial. Portanto, são equiparadas aos consumidores todas as pessoas que foram abordadas para o preenchimento de formulários, que foram expostas à publicidade e/ou que compareceram ao evento de apresentação da empresa para que foram convidadas. Nesse sentido, também estes consumidores por extensão possuem todos os direitos previstos no Código de Defesa do Consumidor no que se refere à oferta, à publicidade e à proteção contra práticas abusivas. Sendo assim, sendo-lhe garantida uma cortesia, o consumidor por extensão tem o direito de exigi-la nos termos em que foi ofertada. Além disso, tem direito à informação clara e adequada a respeito de produtos e serviços oferecidos, sendo vedadas as propagandas enganosas e abusivas. Possui, ainda, direito a não ser exposto a outros tipos de práticas abusivas, principalmente, no que se refere à submissão a técnicas de venda agressivas, que o levem à privação do livre consentimento, bem como ao desgaste físico e psicológico e à perda de seu tempo produtivo e de lazer. Sendo assim, caso verificados prejuízos, é plenamente admissível não apenas que se admita a indenização por danos morais e materiais incorridos, como também a cobrança de cortesias garantidas, ao consumidor, para atraí-lo ao estabelecimento comercial.

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Sobre a autora
Erika Nicodemos

Advogada atuante na área cível, sócia do escritório Erika Nicodemos Advocacia, graduada em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Especialista em Direito da Propriedade Intelectual pelo Centro de Extensão Universitária, em convênio com a Universidad Austral de Buenos Aires. Pós-graduada em Direito Empresarial e especialista em Direito Digital e Planejamento Sucessório pela Faculdade de Direito da Fundação Getúlio Vargas. Mestre em Direito Internacional Privado pela Università degli Studi di Roma – La Sapienza. Mestranda em Direito Civil pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Membro efetivo da Comissão de Direito de Família e das Sucessões da Ordem dos Advogados do Brasil, São Paulo.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

NICODEMOS, Erika. As práticas abusivas contra o consumidor e os contratos de time sharing turístico. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3769, 26 out. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/25560. Acesso em: 18 nov. 2024.

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