Direito Educacional sob o prisma contratual e consumeirista

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30/10/2013 às 10:03

Resumo:


  • O Direito Educacional é um ramo do Direito que orienta a conduta dos entes públicos e privados na adoção de diretivas coerentes e necessárias entre alunos, professores e instituições de ensino, visando à consolidação do aprendizado.

  • A relação de consumo educacional é configurada a partir da formalização de contrato de prestação de serviços educacionais, onde a instituição de ensino e o aluno comprometem-se com os meios para oferecer e receber o serviço contratado.

  • As cláusulas específicas de um contrato educacional devem expressar os direitos e obrigações das partes envolvidas, incluindo qualificação, objeto, fundamentos jurídicos, prazo contratual, valor da mensalidade, forma de pagamento, sanções acadêmicas e contratuais e cobrança de taxas.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Aborda-se a relação de consumo educacional, formada a partir do contrato de prestação de serviços educacionais.

Sumário: Introdução. 1. Direito Educacional. 1.2. LDB e a educação. 1.3. Direito Civil e a educação. 1.4. Direito Administrativo e educação. 1.5. Direito Penal e a educação. 1.6. Direito do consumidor e a educação. 2. Relação de consumo educacionaL. 2.1. Qualificação. 2.2. Objeto. 2.3. Fundamentos jurídicos. 2.4. Prazo contratual. 2.5. Valor da mensalidade (semestralidade ou anuidade). 2.6. Forma de pagamento. 2.7. Sanções acadêmicas e contratuais. 2.8. Cobrança de taxas. 2.8.1. Taxa de juros. 2.8.1.1. Classificação dos juros. 2.8.2. Taxa de biblioteca. 2.8.3. Taxa de diploma. 2.8.4. Taxa de emissão de conteúdo programático. 2.8.5. Taxa de transferência de alunos. 2.8.6. Foro de eleição. Considerações finais. Referências bibliográficas.


INTRODUÇÃO

A unidade léxica educação possui inúmeras acepções. Dentre elas, salientamos: ação de desenvolver as faculdades psíquicas, intelectuais e morais; conhecimento e prática dos hábitos sociais, boas maneiras; cuidar de, nutrir, alimentar, cultivar, manter; fazer sair, conduzir para longe de si; ação de criar; ministrar o necessário; capacidade interior do educando, cujo desenvolvimento só será decisivo se houver um dinamismo interno.

Desse modo, a educação, como processo de desenvolvimento da capacidade física, intelectual e moral do ser humano (FERREIRA, 2008), é uma das atividades mais rudimentares do homem, estado este que lhe propicia a integração social e cultural.

É ela um processo (TRINDADE; MAZZARI JUNIOR, 2009) que leva o ser humano a realizar ou executar suas potencialidades físicas, morais, espirituais e intelectuais, processo este exercido pela transmissão do saber do educador (quem ensina) pela vontade do educando (quem aprende).

Também, para Ribeiro (2009, p. 139): “é a produção de uma consciência verdadeira, contribuindo à preparação do homem para se orientarem no mundo”, sendo um de seus objetivos primordiais:

(...) guiar o homem no desenvolvimento dinâmico, no curso do qual se constituirá como pessoa humana - dotada das armas do conhecimento, do poder de julgar e das virtudes morais – transmitindo-lhe ao mesmo tempo patrimônio espiritual da nação e da civilização às quais pertence e conservando a herança secular das gerações (MARITAIN, 1968 p. 37. apud GALVÃO, 2006, p. 10).

Entretanto, a educação1 não pode ser vista como o processo ou desenvolvimento adquirido nos bancos acadêmicos (educação formal). Ao contrário disso, ela é adquirida em todos os momentos de nossas vidas (educação informal), de maneira nada uniforme ou estanque, reconhecendo esta característica, prevê o art. 1º da Lei n. 9.394/1996, in verbis:

A educação abrange os processos formativos que se desenvolvem na vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da sociedade civil e nas manifestações culturais.2

Esses processos educacionais – formal e informal – ocorrem simultaneamente, sem a percepção do indivíduo. É a educação um instrumento de continuidade social da vida (RIBEIRO, 2001). Conforme já ponderou Garcia (2004, p. 149): “(...) se constitui como um requisito indispensável à concreção da própria cidadania”. Afinal, a vida é o verdadeiro recinto escolar, motivo pelo qual somos eternos aprendizes. Todavia, é inconcebível a defesa de um mundo sem escolas, como o fez Illich (1973).

A partir do reconhecimento das assertivas acima é o que Estado acabou por estabelecer regras para o seu efetivo cumprimento.3

No Brasil, desde 1824, existe previsão constitucional deste direito social prestacional4, que é a educação. O inciso XXXII do art. 179. da Constituição Federal de 1824 previa que: “A Instrucção primaria, e gratuita a todos os Cidadãos” (sic). Daí em diante, as demais constituições (1891, 1934, 1937, 1946, 1967, 1969 e 1988)5 previram, cada qual com sua peculiaridade, enfoque e direção, a garantia à educação.

A constitucionalização desse direito acabou por incentivar o Estado a formular diversas diretivas gerais, com o objetivo de regulamentar, delinear e proporcionar o cumprimento desta tarefa constitucional.

Ocorre que houve um inflacionamento regulador, gerador de inúmeras celeumas judiciais, levando o jurista a se dedicar a essa explosiva área do conhecimento. Ressalta-se que optamos, aqui, pelo conceito genérico de regulador, pois sabe-se que a legislação educacional apresenta normas de caráter normativo (decretos, leis ordinárias, leis complementares, constituição federal, regulamentos, regimentos, resolução, diretriz), ordinatório (instruções, circulares, avisos, portarias, ordens de serviço, ofícios, despachos), negociais (licença, autorização, permissão, aprovação, admissão, homologação) e enunciativos (pareceres, memorandos).

Essa judicialização da educação (CURY, 2009) levou muitos estudiosos a se dedicarem à área, como forma de poderem melhor auxiliar seus clientes e serem partícipes da sistematização e da aplicabilidade das normas relacionadas a ela.

A partir desse estudo do fato educacional e de todos os seus reflexos em outras áreas, que não puramente a pedagógica, é que emergiu e se reconheceu a necessidade de sistematizar, de uma forma jurídica, a educação (PAIVA, 2007).

Foi com essa ideia de agrupamento que foi proposta a criação ou reconhecimento de um novo ramo da ciência do direito – o direito educacional. Como expôs Carvalho (1978, p. 30):

O Direito Educacional já entrou na faixa dos temas de significação relevante, passando a merecer a exploração técnico-científica de professores, administradores, dirigentes de entidades educacionais, autoridades dos sistemas de ensino, juízes, membros dos servidores jurídicos das instituições de ensino, pedagogos, filósofos da educação e outros.6

Neste sentido, defende Vilanova (1983, p. 91) que:

(...) não é descabido falar-se de um Direito Educacional. A legislação é específica, prolixa e dispersa, o que requer sistematização em termos de tratamento científico da matéria. Não se trata de um ramo purificado do direito - constante de normas somente de direito público ou privado. Há uma escala graduada de normas constitucionais, administrativas e de direito privado.

Da mesma forma, já previa este novo ramo Expedito Vaz Guimarães (apud DI DIO, 1982, p. 5), tanto que assim pronunciou:

Se a vida moderna faz aparecer novos ramos especializados da Ciência Jurídica, como Direito Trabalhista, Direito Econômico, Direito Tributário, entre outros, por que não nos preocuparmos, igualmente, em sistematizar, já e agora, o Direito Educacional.

Não poderia ser diferente, pois reconhecendo a educação como um ramo do direito, estar-se-ia, automaticamente, dando efetividade às questões jus-educacionais.

Esse processo de reconhecimento estimula a pesquisa e a normatização, provocando a natural eficácia das normas, através, é claro, dos operadores e aplicadores do direito.

Tal necessidade de reconhecimento já foi ressaltada e aventada por Ferraz (1983, p. 17): “Na verdade, todos nós que colaboramos na área de Educação e do Direito, sentimos a necessidade de juntar esses dois elementos, porque percebemos, perfeitamente, que a educação é uma área que deve ser cultivada pelo direito”.

Como asseverou Boaventura (2008, p. 302): “(...) o Direito pode realizar muito pela educação, no sentido de sua promoção, usando os meios para efetivar o proclamado direito à educação”.

Contudo, o profissional deve possuir experiência ou visão multidisciplinar, visto que não basta a aplicação da letra fria da le1. Em oportuna decisão, ponderando sobre o tecnicismo, legalismo e formalismo exagerado manifestou-se o Desembargador Hércules Quasímodo que: “(...) o princípio do summum jus summa injuria (justiça excessiva torna-se injustiça) obriga o juiz por vezes, a fazer com que a justiça, escrita nas alturas siderais, desça, por seu intermédio, até as choupanas dos homens”.7 Antes disso, as questões apresentadas devem ser apreciadas e/ou julgadas equacionando-se princípios pedagógicos com jurídicos. Não é à toa que Vianna et al (1999, p. 9. apud CHRISPINO; CHRISPINO, 2008, p. 11) pontuou sobre esta contemporânea necessidade:

(...) o Judiciário, antes um poder periférico, encapsulado em uma lógica com pretensões autopoiéticas inacessíveis aos leigos, distantes das preocupações da agenda política e dos atores sociais, se mostra uma instituição central à democracia brasileira no que diz respeito à sua intervenção no âmbito social.

Essa preocupação também foi alertada por Di Dio (1982, p. 116):

Como quer que seja, somente um jurista inserido no contexto educacional poderá ter a sensibilidade para discernir o justo do injusto nas questões surgidas entre alunos, professores, administradores, técnicos, orientadores e psicólogos envolvidos no processo ensino-aprendizagem.

Em importante raciocínio, pondera Paiva (2007, 65):

Quantas vezes, educadores ou autoridades educacionais, investidos da responsabilidade dos destinos da educação, indagam-se sobre o que considerar como prioridade, se o aspecto jurídico ou o pedagógico, já que a norma jurídica, embora não sendo específica à área, nem por isso deixa de ser imperativa.

É de se pensar, pois, o fato educacional há de ser isolado e valorizado distintamente, exigindo tratamento diferenciado e adequado dos órgãos do governo (executivo, legislativo e judiciário). Entende-se que aí reside a importância desse emergente ramo do Direito: o equacionamento da realidade educacional dentro de princípios jurídicos próprios.

Não é à toa que a vigente Constituição Federal (art. 206)8 e a Lei 9.394/1996 (art. 3º)9 estabeleceram as premissas básicas com que todos devem respeitar e observar antes de editar e promulgar uma norma ou antes de proferir uma decisão. Enfatizamos que Premissa básica é um referencial ou sinônimo utilizado para a unidade lexical “princípio”, pois leva em consideração que princípio é um enunciado genérico e abstrato, que dada a sua importância irradia seus efeitos por toda ordem jurídica. Este conceito está longe de abranger ou ser comparado com o estudo feito por Rothenburg (2003).

Contudo, não basta tratar a educação juridicamente diferente, cumprindo o mandamento constitucional10 de acesso formal. Conforme já enunciou o Supremo Tribunal Federal:

A educação é um direito fundamental e indisponível dos indivíduos. É dever do Estado propiciar meios que viabilizem o seu exercício. Dever a ele imposto pelo preceito veiculado pelo artigo 205 da Constituição do Brasil. A omissão da Administração importa afronta à Constituição.” (RE 594.018-AgR, Rel. Min. Eros Grau, julgamento em 23-6-09, 2ª Turma, DJE de 7-8-09).

Deve-se buscar, além disso, proporcionar a homogeneização das relações intra-escolares com o direito. Só assim haverá o equilíbrio entre as normas e o processo educativo. A escola, como qualquer instituição, está planificada para que as pessoas sejam todas iguais.

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Há quem afirme: quanto mais igual, mais fácil dirigir. A homogeneização é exercida por meio de mecanismos disciplinares [...]. Assim, a escola tem esse poder de dominação que não tolera as diferenças, ela também é recortada de formas de resistências [...]. Compreender esta situação implica aceitar a escola como um lugar que se expressa numa tensão entre forças antagônicas (GUIMARÃES, 1996, p. 78-79 apud AQUINO, 1998, p. 12).

Em razão disso, verifica-se que a plenitude pedagógica será alcançada a partir do momento em que aluno, professor e instituição de ensino saibam, com exatidão, seus direitos e deveres.

Nessa trilha, já mencionou Alves (2001, p. 37. apud RIBEIRO, 2009, p. 226-227):

(...) a escola é uma fábrica organizada para produção de unidades biopsicológicas móveis (alunos), portadoras de conhecimentos e habilidades que são definidos, de fora para dentro, por agências governamentais autorizadas a tanto e que, ao final do processo, passando no teste de qualidade-igualdade, recebem o certificado ISO 12.000 (diploma), devendo ser descartadas as unidades biopsicológicas que fujam ao modelo. Na linha de montagem as salas de aula são as coordenadas espaciais e as séries são as coordenadas temporais e, no curso do processamento, os professores acrescentam sobre os alunos os saberes-habilidades que, juntos, irão compor o objeto final.

É essa tarefa do direito educacional, o qual será estudado nos próximos capítulos.


1. DIREITO EDUCACIONAL

Adota-se como conceito de Direito Educacional o conjunto de normas que orienta a conduta dos entes públicos e privados na adoção de diretivas coerentes, justas e necessárias entre alunos, professores e instituições de ensino, na consolidação do aprendizado.

O Direito Educacional se funda, dessa feita, no que se pode chamar de “triangularização”: a relação igualitária entre o aluno, professor e instituição, que gera resultados positivos no ensino/aprendizagem, na transmissão do conhecimento e na adequada prestação de serviços, respectivamente.

Ao contrário do que foi vagamente apregoado por Aurélio Wander Bastos (2000, p. ix, x):

O conjunto das disposições constitucionais, a legislação complementar, os decretos regulamentares e um amplo documentário constituído de portarias, resoluções e pareceres de importância especial após a criação do Ministério da Educação e dos Conselhos de Educação.

Já a opinião de Di Dio (1982, p. 31) se coaduna com a nossa, quando define direito educacional como sendo um: “conjunto de normas, princípios, leis e regulamentos que versam sobre as relações de alunos, professores, administradores, especialistas e técnicos, enquanto envolvidos, mediata ou imediatamente, no processo ensino-aprendizagem”.

Do mesmo modo, concordamos com o que afirma Boaventura (1997, p. 29), ao expressar que o Direito Educacional se compõe de: “um conjunto de normas, princípios e doutrinas que disciplinam a proteção das relações entre alunos, professores, escolas e poderes públicos, numa situação formal de aprendizagem”.

Assim, conforme Linhares (2009), o Direito Educacional é um ramo novo do Direito, um conjunto normativo específico da área educacional que regula as formas de instituição, organização, manutenção e desenvolvimento do ensino, bem como o desenvolvimento do ensino e as condutas humanas relacionadas diretamente com os processos educativos no seio das famílias, nas organizações governamentais e nas instituições mantidas pela iniciativa privada.

Em síntese, “o Direito Educacional é um ramo da ciência do Direito que tutela, tanto o interesse público do atendimento e provimento da educação, como o interesse privado de cada indivíduo nas suas relações jurídicas com a instituição escola” (NUNES, 2006, p. 7).

1.2. LDB e a educação

Em linhas gerais, a Lei de Diretrizes e Bases (LDB) é base em que se fundamenta a educação nacional.

Possui natureza de lei ordinária e detém algumas das seguintes características:

  • Gestão democrática do ensino público e progressiva autonomia pedagógica e administrativa das unidades escolares (art. 3. e 15);

  • Ensino fundamental obrigatório e gratuito (art. 4);

  • Carga horária mínima de oitocentas horas distribuídas em duzentos dias na educação básica (art. 24);

  • Prevê um núcleo comum para o currículo do ensino fundamental e médio e uma parte diversificada em função das peculiaridades locais (art. 26);

  • A educação profissional técnica de nível médio deve ser articulada com ensino médio (art. 36-B);

  • Formação de docentes para atuar na educação básica em curso de nível superior, sendo aceito para a educação infantil e as quatro primeiras séries do fundamental formação em curso Normal do ensino médio (art. 62);

  • Formação dos especialistas da educação em curso superior de pedagogia ou pós-graduação (art. 64);

  • A União deve gastar no mínimo 18% e os estados e municípios no mínimo 25% de seus respectivos orçamentos na manutenção e desenvolvimento do ensino público (art. 69);

  • Recursos públicos podem financiar escolas comunitárias, confessionais e filantrópicas (art. 77).

Em suma, é lícito afirmar que a LDB é uma das fontes normativas primárias da educação no Brasil.

Em paralelo a isso, e como membros do arcabouço jurídico, existem as relações da educação com ramos específicos do direito, uma vez que:

Os órgãos que lidam com a legislação educacional recorrem, para suas decisões, aos preceitos gerais do direito constitucional, do direito administrativo, do direito civil, do direito penal, do direito trabalhista, do direito comercial, do direito tributário, do direito financeiro, do direito processual, entre outros (PAIVA, 2007, p. 64).

Em uma breve abordagem, destacaremos alguns dos acima mencionados, por meio dos quais a prestação do serviço educacional é delineada.

1.3. Direito Civil e a educação

A educação possui uma estreita relação com o Direito Civil. É sob o manto do direito civil que se estabelece as relações contratuais e obrigacionais (NUNES, 2006).

Assim como outros direitos, aqueles tutelados pelo Direito Educacional podem extinguir-se pelo decurso do tempo, caso o titular do direito não o exercite no prazo estabelecido – numa explícita aplicação, ainda que indireta, das noções e princípios inerentes à prescrição e decadência advindas do direito civil.

É exemplo disso, o seguinte trecho de Acórdão judicial:

Por seu turno, decadência é a perda do direito por não ser exercido no prazo fatal estabelecido. Por exemplo, depois de decorrido um terço da carga horária de qualquer disciplina, o aluno não mais pode requerer o trancamento de sua matrícula: deveria tê-lo feito a partir do ato da matrícula até aquele momento. Esta é uma regra freqüentemente encontrada nos regimentos de muitas instituições e é um caso de prescrição que ocorre com muita constância no Direito Educacional. Como exemplo de decadência podemos citar: a matrícula deveria ser feita do dia 5 ao dia 8 de janeiro, caso o aluno não venha a efetuá-la neste prazo perde o direito de fazê-lo. (Apelação sem revisão n. 1101059- 0/0, Rel. Des. JULIO VIDAL, 28ª. Câmara, julgado em 10/04/2007, DJe 12/04/2007)11.

As demais relações entre direito civil e educação serão apresentadas posteriormente, quando serão comentadas as cláusulas existentes no contrato de prestação de serviços educacionais.

1.4. Direito Administrativo e educação

A relação que se estabelece da educação com o Direito Administrativo percebe-se na caracterização da mesma como um serviço público, que seria compreendido como: “aquele prestado pela administração ou por seus delegados, sob normas e controles estatais, para satisfazer necessidades essenciais ou secundárias da coletividade, ou simples conveniências do Estado” (MEIRELLES, 1998 apud DEMARCHI, 2006, p. 2).

Acrescentamos a isso a posição de Di Dio (1982) que afirma que essa relação entre educação e Direito Administrativo advém do fato de que, quando oferecido nas escolas oficiais (federais, estaduais e municipais), o ensino é um serviço público. Mesmo a educação desenvolvida nas escolas particulares é considerada atividade pública porque de relevante interesse e, por isso mesmo, regulamentada pela autoridade estatal (PAIVA, 2007, p. 83).

Por meio dos preceitos do Direito Administrativo é que as instituições de ensino – públicas e privadas – podem ofertar seus cursos, sofrer e aplicar sanções, recredenciar-se, serem avaliadas e reconhecidas. Assim, desde os comezinhos atos que uma instituição aplica, deve ela obedecer às regras impostas pelo respectivo ramo do direito.

1.5. Direito Penal e a educação

O direito penal toca o direito educacional em todas as situações em que uma das partes da relação educacional (aluno – professor – instituição de ensino) pratica conduta que seja considerada crime.

Por exemplo:

Quando dentro do estabelecimento de ensino um aluno agride um professor:

Art. 129. - Ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem:

Pena - detenção, de três meses a um ano.

Quando há abuso de meios de correção e disciplina, com fins educacionais, por parte da escola ou professor:

Art. 136. - Expor a perigo a vida ou a saúde de pessoa sob sua autoridade, guarda ou vigilância, para fim de educação, ensino, tratamento ou custódia, quer privando-a de alimentação ou cuidados indispensáveis, quer sujeitando-a a trabalho excessivo ou inadequado, quer abusando de meios de correção ou disciplina:

Pena - detenção, de dois meses a um ano, ou multa.

Quando se atribui, falsamente, ao aluno ou professor a responsabilidade pela prática de um fato definido como crime, feita com má-fé, estar-se-ia praticando a conduta descrita no art. 138:

Art. 138. - Caluniar alguém, imputando-lhe falsamente fato definido como crime:

Pena - detenção, de seis meses a dois anos, e multa.

É rotineiro também presenciar a prática de difamação, que consiste em atribuir ao docente ou ao discente fato considerado ofensivo à sua reputação e que atente contra a sua honra, com a intenção de torná-lo passível de descrédito no ambiente escolar.

Art. 139. - Difamar alguém, imputando-lhe fato ofensivo à sua reputação:

Pena - detenção, de três meses a um ano, e multa.

Da mesma forma, é recorrente, e lamentável, a prática do crime de injúria (art. 141), furto (art. 155), estelionato (art. 171), abandono intelectual (art. 246), falsificação de documentos (públicos e particulares) (arts. 296. e ss), entre outros.

1.6. Direito do consumidor e a educação

O direito do consumidor possui profunda influência na educação, principalmente no âmbito privado, visto que a relação comercial estabelecida entre aluno e instituição de ensino, em princípio, caracteriza-se como consumeirista.

O aluno exerce a figura de consumidor, nos termos do art. 2º do Código de Defesa do Consumidor, e a escola, como fornecedora de serviços educacionais, nos moldes do art. 3º. do respectivo código.

A título de ilustração, ressaltamos que o Código de Defesa do Consumidor estabelece regras que disciplinam a responsabilidade do fornecedor quanto ao vício do produto ou do serviço que presta, bem como impõe prazos, veda determinadas práticas, limita cláusulas, impõe sanções etc.

Essa relação de consumo restará configurada quando o aluno optar ou não tiver oportunidade de estudar no sistema público de ensino.

Convém mencionar que a educação, inicialmente, deveria ser assegurada pelo Estado. Como ele é o ente mais remoto a responder pelas necessidades sociais, acabou por permitir ou delegar esta precípua função. Soma-se a isso o fato de que o Estado tem sido o último a responder diretamente pelas atenções sociais. Ele transfere para a sociedade as responsabilidades maiores, restringindo-se à execução de ações emergenciais.

Para Di Dio (1982, p. 43): “(...) a Educação, quando ministrada por entidade privada, seria um serviço público impróprio (...) ao ensinar, o particular se equipara ao servidor público, por delegação implícita, pelo menos quanto a alguns aspectos de sua atividade”.

Contudo, discordamos dessa posição, pois, a nosso ver, a prestação de serviços de educação por instituições particulares é de interesse público, mas não tem natureza de serviço público, mas subsume-se à categoria de exercício de atividade econômica e autorizada. Neste sentido, pondera Ferraz (1983, p. 43) que a atividade desenvolvida pelas escolas não são um serviço público, mas uma atividade de interesse público, e, por isso, sujeita a intensa regulamentação por parte do Estado. Afinal, as relações jurídicas firmadas entre escolas particulares e seus alunos estão sob o pálio do direito privado, diga-se: consumidor. Tal posição é confirmada pelo Superior Tribunal de Justiça, conforme se lê no seguinte julgado: AgRg no Ag 460.768/SP, Rel. Ministro ALDIR PASSARINHO JUNIOR, QUARTA TURMA, julgado em 06/03/2003, DJ 19/05/2003 p. 237.

Logo, optando pelo ensino privado o aluno deverá assumir a obrigação financeira de pagamento de mensalidades escolares. A instituição privada necessita dos valores provenientes das mensalidades escolares para que possa manter a prestação de serviços educacionais. Sem essas verbas, ela não sobrevive. Vale mencionar os arts. 19. e 20 da Lei 9.394/96 que diferenciam as instituições de ensino públicas das particulares.

Do contrário, deve o mesmo escolher uma instituição pública. Os artigos 209 e 207 da Constituição Federal garantem a exploração do ensino por entidades particulares, com autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial. Ensino gratuito é ofertado apenas pelos estabelecimentos públicos da rede oficial.

Adiante, apresentaremos com maior minúcia a relação do tipo consumeirista que pode haver entre o aluno e a instituição escolar a que se vincula.

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Sobre o autor
Vitor Luiz Orsi de Souza

advogado, pós-graduado em Direito Comunitário pela Universidade de Coimbra/Portugal, pós-graduado em Direito Público pela Universidade Prof. Damásio de Jesus e MBA em Gestão e Direito Educacional pela Escola Paulista de Direito (EPD)

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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