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A autonomia financeira dos municípios a partir da Constituição Federal de 1988

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07/11/2013 às 06:07
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4 DA INTERVENÇÃO NO MUNICÍPIO

Na legislação brasileira, a intervenção federal nos Estados-membros se sagrou com o advento da Constituição republicana de 1891, eis que, anteriormente, ainda na vigência da Carta Magna de 1824, o Brasil adotava o modelo de Estado Unitário, de modo que não havia nenhuma norma disciplinando a intervenção.

Todavia, a primeira hipótese de intervenção dos Estados nos Municípios somente surgiu com o advento da Constituição de 1934, disciplinando que o Estado poderia intervir no Município para lhes regularizar as finanças, a partir do momento em que fosse constatada a impontualidade nos empréstimos garantidos pelo Estado.

Na atual Constituição de 1988, o instituto da intervenção fora tratado de forma global, tratando as hipóteses de regra procedimentais da intervenção nos entes federativos.

 A rigor, na ordem jurídica brasileira prevalece o princípio da não intervenção, que se constitui como medida excepcional, de caráter não punitivo, só podendo ocorrer nos exclusivos casos constitucionalmente previstos. Vejam-se os termos do art. 35 da CF/88:

Art. 35. O Estado não intervirá em seus Municípios, nem a União nos Municípios localizados em Território Federal, exceto quando:

I – deixar de ser paga, sem motivo de força maior, por dois anos consecutivos, a divida fundada;

II – não forem prestadas contas devidas, na forma da lei;

III -  não tiver sido aplicado o mínimo exigido da receita municipal na manutenção e desenvolvimento do ensino e nas ações e serviços públicos de saúde;

IV – O Tribunal de Justiça der provimento a representação para assegurar a observância de princípios indicados na Constituição Estadual, ou para prover a execução de lei, de ordem ou de decisão judicial.  

O doutrinador José Afonso da Silva (1994, p. 459/460) conceitua intervenção dizendo que:

A intervenção é ato político que consiste na incursão da entidade interventora nos negócios da entidade que a suporta. Constitui o punctum dolens do Estado federal, onde se entrecruzam as tendências unitaristas e as tendências desagregantes. Intervenção é antítese da autonomia. Por ela afasta-se momentaneamente a atuação autônoma do Estado, Distrito Federal ou Município que a tenha sofrido.

O Mestre Hely Lopes Meirelles (2007, p. 114), traz o conceito de que:

A intervenção do Estado no Município é medida excepcional de caráter corretivo político-administrativo só admitida nos quatro casos expressos na Constituição da República. É mais uma restrição à autonomia municipal para salvaguardar os superiores interesses da Administração e dos administrados, quando falha a ação dos governantes e administradores locais.

A intervenção do Estado no Município, de caráter corretiva, em face de irregularidades praticadas no governo local, poderá ser solicitada por qualquer cidadão. Inobstante, ser mais apropriado à Câmara de Vereadores efetuar a representação direta ao Governador do Estado, nos casos previstos dos incisos I ao III, e ao Ministério Público no caso do inciso IV, todos do artigo 35 da CF.

A plenitude da autonomia dos municípios brasileiros, pela vertente financeira, somente pode ser concretizada por meio da promoção, pelo legislador pátrio, de mecanismos legais e eficazes de distribuição das riquezas nacionais, consolidando definitivamente maiores receitas para os Municípios, pois o montante das transferências constitucionais somadas aos parcos valores arrecadados a títulos de “Receitas Próprias” não são suficientes para prestar os serviços públicos dignos que são merecedores os munícipes.

Daí concluir-se não bastar a existência de um aparato legal e institucional à condição autônoma do Município, que somente poderá desempenhar a contento seus misteres, se a garantia da plena autonomia financeira ocorrer de maneira contínua.

Assim, tem-se que a autonomia financeira do Município, da forma garantida pela legislação vigente, vem impossibilitando o exercício pleno da autonomia conferida pela condição de ente federativo, ocasionando prejuízos irreparáveis à população, deixando de conferir aplicabilidade à intenção do legislador constituinte quando do acrescentamento de contornos à regra da autonomia.


CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente trabalho permitiu concluir-se que o exercício pleno da autonomia conferida pela condição de ente federativo aos Municípios não está sendo efetivamente alcançado, em face do desequilíbrio constatado entre as competências atribuídas e as receitas previstas para execução.

Em que pese a redação do texto constitucional conferir, ineditamente, autonomia aos Municípios, trouxe tal previsão cercada de limites legais. Entretanto, a aplicabilidade prática da legislação impôs restrições à intenção do legislador, consoante demonstrado através do presente estudo.

O pacto federativo não tem possibilitado a concretização de avanços institucionais aos Municípios e, por vezes a execução das garantias já conquistadas. As políticas de transferências de recursos praticadas pelo Governo Federal representam um enorme empecilho à implementação de políticas sociais de interesse local no âmbito do ente federativo mirim.

Assim, apesar do respaldo assegurado pela legislação, não há como o Município exercer com plenitude sua condição de ente da Federação, se sua autonomia financeira não for uma conquista permanente.

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O objeto proposto fora, de fato, bem esclarecido. Restou cristalinamente ratificado que os Municípios não devem permanecer como entes federativos de segunda classe, pois todas as problemáticas sociais de quaisquer naturezas desenvolvem-se no âmbito da localidade mais próxima à realidade dos munícipes e, por tal motivo, deve ser conferida ao ente a possibilidade inafastável de aplicabilidade das políticas públicas, inclusive com a previsão de recursos para tanto.

Responde a hipótese básica deste trabalho a consideração de que os Municípios necessitam de amplo reforço à autonomia financeira, posto que, sem esta, não há como desenvolver as autonomias política e administrativa. Em suma, na ausência de aportes financeiros para a implementação das diretrizes constantes dos Programas locais de Governo, a autonomia do ente restará mitigada e a disposição do legislador ordinário, como já afirmado, não será alcançada.

Assim, acompanhamos a tendência atual e majoritária exposta acerca do tema. De fato, a política de vinculação de receitas e transferências destinadas aos Municípios deve ser reformulada pelos Poderes competentes, entendendo a importância de cada entidade federada na consecução dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil.

É extremamente importante, para tanto, conferir aos Municípios a possibilidade de incremento das ferramentas necessárias para o desenvolvimento social e humano, construindo uma sociedade livre, justa e solidária, garantindo o desenvolvimento nacional, erradicando a pobreza e a marginalização e reduzindo as desigualdades sociais e regionais e, por fim, promovendo o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação (art. 3º, CF/88).


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Sobre a autora
Renata Meneses de Melo

Advogada especialista em Direito Civil e Processo Civil pela Universidade católica Dom Bosco e em Gestão Pública Municipal pela Universidade Federal do Piauí

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MELO, Renata Meneses. A autonomia financeira dos municípios a partir da Constituição Federal de 1988 . Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3781, 7 nov. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/25757. Acesso em: 26 abr. 2024.

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