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Racionalidade principiológica para a fundamentação jurídica de fundo

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21/11/2013 às 13:33
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III - Logica Principiatur

Uma vez que tenhamos chegado a algumas premissas relacionadas à estruturação ôntico-ontológica da principiologia quiditativa, apesar de tais estudos demandarem investigações muito mais alongadas, devemos, a partir de agora, introduzir as bases do procedimento lógico-dialético sobre os mesmos – daí porque logica principiatur (lógica principiológica). Com isto, poderemos avançar com mais profundidade e propriedade na temática da racionalidade principiológica; justamente o procedimento em que ora nos debruçaremos corresponde ao procedimento racional, hermenêutico, de verificação preliminar dos princípios essenciais envolvidos numa situação real de debate, argumentação e necessidade existencial pela pessoa (ente) que os requer na qualidade de prestação de bem da vida, por sua vez no campo da facticidade.

Tal problemática precisa ser colocada no plano da pesquisa devido ao fato de que, como percebido, a construção que fizemos até o presente momento diz respeito, numa linha ou outra, à fenomenologia principiológica, porém regada com elementos heideggerianos, sartreanos e habermasianos, dentre outros. Destes outros, destacamos, sobretudo, a influência da técnica de ponderação de regras e princípios de Alexy e Dworkin, que dedicaremos estudo peculiar para que formemos os pilares da nossa proposta; ver-se-á, desde logo, o respaldo da dialética hegeliana, da Aufheben, onde tentaremos achar substância quando colocarmos os princípios em contato direto com outros princípios que se lhes estão na contrapartida, por exemplo, na hipótese de um processo judicial.

A ponderação, feita não à margem da teoria ontologia dos princípios essenciais, porém no seu mais profundo e evidente cerne, produzirá, num primeiro estágio teórico, a possibilidade de verificarmos quais princípios, dentre alguns principais, colacionam seus núcleos em maior proximidade ontológica àqueles por nós erigidos na qualidade de quiditativos, cuja ordem de prevalência é (I) vida; (II) dignidade; (III) liberdade.

É costumeira, no campo da concepção pós-positivista do Direito (que ainda dedicaremos estudo próprio) a teoria dos direitos fundamentais de Alexy, segundo a qual, em resumo, dois princípios em situação de confronto dão, respectivamente, a prevalência ao outro que detiver maior densidade, maior peso consoante o caso concreto. Apesar das nuances da sua teoria e das peculiaridades que cercam a sua propostas, pode-se reunir, numa citação inaugural, o âmago do pensamento:

As colisões entre princípios devem ser solucionadas de forma completamente diversa [do conflito entre regras]. Se dois princípios colidem – o que ocorre, por exemplo, quando algo é proibido de acordo com um princípio e, de acordo com o outro, permitido -, um dos princípios terá que ceder. Isso não significa, contudo, nem que o princípio cedente deva ser declarado inválido, nem que nele deverá ser introduzida uma cláusula de exceção. Na verdade, o que ocorre é que um dos princípios tem precedência em face do outro sob determinadas condições. Sob outras condições a questão da precedência pode ser resolvida de forma oposta. Isso é o que se quer dizer quando se afirma que, nos casos concretos, os princípios têm pesos diferentes e que os princípios com o maior peso tem precedência. Conflitos entre regras ocorrem na dimensão da validade, enquanto as colisões entre princípios – visto que só princípios válidos podem colidir – ocorrem, para além dessa dimensão, na dimensão de peso.[12]

Depreende-se a diferenciação feita pelo autor a respeito da ponderação quando diz respeito ora a princípios, ora a regras. Estas serão por nós analisadas futuramente, sobretudo em sede do pensamento juspositivista de Hart, por sua vez, atacado fortemente pelas inovações trazidas com Levando os Direitos a Sério de Dworkin. Parece-nos bem clara a proposta de Alexy no que tange à regra da prevalência de um princípio sobre o outro num estado de concretude – até porque a questão do fato social ainda está bastante subjacente na sua teoria e, por isso, pressupõe, a sua teoria principiológica o respectivo embasamento fático, motivo pelo qual achamos, com a devida vênia, não se tratar, in casu, de postura consolidada além do paradigma positivista, porquanto, apesar da tentativa de formação de um procedimento lógico de ponderação e configuração situada dos princípios, o fato de haver no itinerário dialético que aduz na obra o elemento factual, o qual sequer se assemelha à factualidade tratada no âmbito da hermenêutica da facticidade, de uma fenomenologia da existencialidade, etc., indica o falto motivo pós-positivista de sua elaboração, apesar de, em muito, constituir, no que se conforma, um importante avanço no campo da pesquisa do direito e, sobremaneira da filosofia do direito e da política, considerando-se os resultados enquanto práxis e enquanto instituição que uma teoria jusprincipiológica garante no Estado contemporâneo.

Assim, existe na teoria dos direitos fundamentais de Alexy, também na de Dworkin embora menos profundamente trabalhada, a ideia clássica, costumeira, de fato social, de caso concreto – conceitos sob os quais repousa, a nosso ver, problemas enormes, especificamente ligados à coerência com uma teoria dos princípios a qual força-os à destruição. Entendo, desta maneira, não haver nenhuma necessidade e viabilidade prática ou teórica que se falar em fato social ou em caso concreto, cuja nomenclatura, sui generis, e tradição remontam inegavelmente à Durkheim, e assim à Comte, isto é,  remonta aos alicerces filosóficos e deveras sociológicos (haja vista o método positivista de investigação científica) do positivismo jurídico, do legalismo político-jurídico,  do procedimentalismo inócuo, arraigado à teoria do Direito ocidental, mormente à brasileira (ou à teoria aqui estabelecida prevalecentemente).

Ao invés, muito mais correto é falar em experiência hermenêutica, cujo conceito encontra-se atrelado ao existir situado do homem que dialoga constantemente em si, consigo mesmo, e para o outro, no-outro, com-o-outro e no-mundo , na subjetividade e na intersubjetividade, respectivamente. Isso dentro de um quadro existenciário (Heidegger) complexo, do homem a par de suas dificuldades, potencialidades de acertos ou gozos plenos de possibilidades, ou de suas falhas e falências, também coetâneas ao existir. No itinerário constante da intersubjetividade, no seio do social, do Estado, em meio às proveniências culturais, diz-se, muito mais acertadamente, que os homens convivendo, ou melhor coexistindo, perfazem constantes experiências entre si, sob múltiplas variações, a partir de diversos esquemas e cruzamentos. E o que melhor explica esses contatos conflitantes ou não das subjetividades entre si ou das intersubjetividades culturais, no caso dos conflitos de grupos, nações, etc., é a noção de experiência hermenêutica, que será utilizada para a busca precisa dos princípios quiditativos envolvidos, e é, além disso, o conceito que melhor explica, que melhor compreende, a situação propriamente dita do homem (ente) em seu existir, de acordo com o pensamento contemporâneo e ao modus hodierno do mundo.

Ainda, é igualmente a grande deficiência da clássica fórmula normativo-integradora do Direito quanto à adequação social e, entrementes, à adequação aos fatos sociais, independente de serem anteriores ou posteriores à norma jurídica, é que tais fatos encontram-se desprovidos de significação, enquanto fenômenos essencialmente humanos, de per si, hermenêuticos e principiológicos.  Isso vai fundamentar a estática fria do Direito, uma espécie de resignação encontrada no ato de alongar o positivado ao post factum, vendo-o obstruído por conceitos que não lhe são pertinentes, ou por entendimentos que não lhe são coetâneos. A investigação do fato para o Direito, portanto, deve ser sempre uma investigação de algo dentro das possibilidades existenciárias do homem, da realidade total alcançável, para que a decisão jurisdicional percorra os precisos limites dos princípios quiditativos do mesmo e, desta maneira, dotando o factum de significação própria, hermeneuticamente conforme às noções plurais de falibilidade e fragilidade do ente em si e para si.

Temos então, já no que precisamos dissertar, que primeiramente há dois princípios utilizados como fundamentos de pedidos de bens da vida, respectivamente P1 e P2.[13] O primeiro ator-agente, ou interlocutor num processo judicial ou em sede de uma deliberação democrática, argumenta a sua tese com base em P1, enquanto o outro, com base em P2. Ocorre que, sendo P1 e P2 teses simultâneas ab initio, as correlatas antíteses serão P2 e P1, respectivamente.

PARTE I – Esquemática Preliminar in abstracto

Pois: (S) = P3 e P4 dada à assimilação natural à Pq1, Pq2 e Pq3, esquematizado abaixo. A tensão entre P3 e P4 será resolvida através da proximidade que vão ter com os princípios quiditativos.

PARTE II – Esquemática dos Princípios Quiditativos (1, 2 e 3)

(Direção da exegese)

Assim, em grau de importância ou prevalência ontológica: Pq1 > Pq2 > Pq3

Logo:

I – Situações notoriamente díspares:

a) Se P3 assimila-se à Pq1 e P4 à Pq2, então (S) = P3>P4

b) Se P3 assimila-se à Pq1 e P4 à Pq3, então (S) = P3>P4

c) Se P3 assimila-se à Pq2 e P4 à Pq3, então (S) = P3>P4

d) Se P3 assimila-se à Pq1,2 ou 3 e P4 à nenhum, então (S) = P3>P4

II – Situação-limite:

e) Se P3 assimila-se à Pq1 e P4 à Pq1, então (S) = P3>P4 ou P4>P3; desde que P3/P4 seja maior do que P4/P3 dada a correspondência à Pq2. Persistindo, considera-se a correspondência à Pq3. Assim sucessivamente.

Percebe-se que a base para o raciocínio é o esquema que apresenta os princípios quiditativos ou essenciais. O resultado do procedimento dialético realizado entre os princípios inicialmente argumentados no processo discursivo serve para se faça um sopesamento preliminar, mas a derradeira síntese constituir-se-á na capacidade de tais princípios assimilarem-se de modo mais próximo possível à escala hierárquica da esquemática dos princípios quiditativos.

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A Parte I demonstra o meio pelo qual os princípios suscitados devem ser colocados no plano para apreciação e, somente após, tendo como absoluta a proposta da Parte II, é que conseguiremos dizer qual princípio em verdade prevalece sobre o outro, porém, o outro que é subjulgado não desaparece, tampouco é excluído, porquanto fez parte necessária da ponderação dialética, realizada reciprocamente, de modo que, com isso, é possível concluir que o princípio P3, por exemplo, será o princípio P1 em diálogo necessário com o princípio P2 e, sendo assim, P3 é a preservação da melhor essência ou dimensão de P1, à medida que verificado num campo fenomenológico comparativo com P2.

O papel do princípio-antítese é contraditar o princípio-tese e tal ocorre num campo a priori absolutamente desprovido de elementos fáticos, porquanto seja suficiente o critério in abstracto. O elemento fático, que também tem fundamental valor, haja vista tratar-se de uma lógica principiológica com respaldo profundo na hermenêutica ontológica da facticidade do ente no mundo da vida, tem maior relevância nas situações limite, onde tanto o princípio P1 quanto o princípio P2 assumem idênticas proporções e, deveras, constituem-se a si mesmas sob razões idênticas. Por outro lado, esta identidade é meramente uma aparência, de sorte que, frustrada a tentativa de resolução do caso in abstracto conforme o procedimento lógico primeiro e imediato, o elemento fático ganha relevo para apresentar o grau de veracidade e determinabilidade dos mesmos princípios enquanto possibilidade de  conclusão da quaestio, isto é, da síntese.

Portanto, a veracidade e a determinabilidade haverão de ser acotadas do campo do procedimento formal do direito, enquanto um critério formal de justiça adstrito à ordem de que os atores-agentes, dentro de um processo deliberativo em torno de princípios fundamentais, devem agir com um grau de eticidade relativo à justa composição. E, deveras, a justa composição vai querer aduzir que um ator-agente, por exemplo, no uso de suas faculdade processuais, argumentativas, retórico-dialéticas e hermenêutico-principiológicas, não poderá incorrer em má-fé, entendida como o ardil malicioso, o expediente enevoante com que se intenta a manipulação dos fatos e dos argumentos em prol de interesses estritamente subjetivos.

Apesar de tratar-se de uma proposta ideal, entendemos que o atual Estado de Princípios, na estrutura do Estado Constitucional e Humanista de Direito, deve perseguir ideais e, por conseguinte, inaugurar paradigmas que inspirem e forcem, com o correr do tempo e da história, o homem, intérprete e aplicador do Direito e do homem-cidadão que cobra bens da vida, posturas mais éticas e probas no trato daquilo que nos pertence enquanto corolário irrenunciável da própria coexistência constitucionalizada. A ideologia solipsista de direitos fundamentais deve ser combatida pela postura contraideológica de um pós-positivismo empreendedor na teoria dos princípios. Assim poderemos falar em neoconstitucionalismo e, no futuro, de um justificado Estado de Princípios.


Notas

[1] Remeto o leitor aos meus trabalhos publicados precedentemente.

[2] Trata-se de um discurso possível, não pretendemos esgotar tampouco reduzir toda a complexidade da Teoria do Direito ao tanto quanto estamos a delinear. Sobretudo, deve-se perceber a mera inspiração heideggeriana, não perdendo de vista, portanto, contribuições mais vorazes, numa hermenêutica de longa via, tal qual a trabalhada por Jürgen Habermas.

[3] HEIDEGGER, Martin. Ser e Tempo. Petrópolis: Vozes, 1989, p. 93.

[4] Idem, ibidem, p. 103.

[5] Idem, ibidem, p. 104.

[6] Idem, ibidem, p. 105.

[7] Idem, ibidem, p. 106.

[8] Idem, ibidem, p. 106.

[9] HEIDEGGER, Martin, op. cit., p. 107.

[10] Idem, ibidem, p. 107.

[11] Idem, ibidem, p. 109.

[12] ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. p. 93-94.

[13] Procederemos à apresentação formal sem adentrar na casuística, o que poderá ocorrer num momento futuro das nossas pesquisas e reflexões. 

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Sobre o autor
Luiz Felipe Nobre Braga

Mestre em Direito pela Faculdade de Direito do Sul de Minas; Advogado; Consultor e Parecerista; Professor de Direito Constitucional e Lógica Jurídica na Faculdade Santa Lúcia em Mogi Mirim-SP; Professor convidado da pós-graduação em Direito Processual Civil e no MBA em Gestão Pública, da Faculdade Pitágoras em Poços de Caldas/MG. Autor dos livros: "Ser e Princípio - ontologia fundamental e hermenêutica para a reconstrução do pensamento do Direito", Ed. Lumen Júris, 2018; "Direito Existencial das Famílias", Ed. Lumen Juris-RJ, 2014; "Educar, Viver e Sonhar - Dimensões Jurídicas, sociais e psicopedagógicas da educação pós-moderna", Ed. Publit, 2011; e "Metapoesia", Ed. Protexto, 2013.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BRAGA, Luiz Felipe Nobre. Racionalidade principiológica para a fundamentação jurídica de fundo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3795, 21 nov. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/25920. Acesso em: 26 abr. 2024.

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