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Justiça Militar brasileira em uma análise de fato e de direito:

renovar e atualizar é preciso

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04/12/2013 às 14:42
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Os atos praticados por forças militarizadas necessitam ser submetidos a uma jurisdição especializada e que tem condições de se tornar mais eficiente, mas seus membros devem ter compromisso apenas com o Judiciário em si, a bem da imparcialidade.

Resumo: No Brasil, diferente de outros países signatários da Convenção Americana de Direito Humanos, o civil, em tempo de paz, indevidamente, continua sendo processado e julgado pela Justiça Militar da União. O conceito de crime militar adotado no Brasil quando da edição do primeiro Código Militar de 1891, “ex vi legis”, continuou a ser utilizado nos códigos posteriores, entretanto, resultou a partir de 1944, em uma aplicação indevida mais abrangente em relação ao público, principalmente porque se aperfeiçoou embalado pela doutrina e jurisprudência de nossa Corte Militar evidenciada durante os governos militares que imperaram em nosso território desde 1930 até 1985.

Palavras-chave: Justiça. Militar. Crime. Civil. Escabinato.

Sumário; Introdução; 1. O direito militar no cenário latinoamericano; 2. O julgamento de civis e a ofensa ao princípio do juiz natural; 2.1 Precedentes de modernidade e democracia; 3. A perda da identidade física dos juízes militares e a parcialidade do escabinato; Conclusão.


INTRODUÇÃO

No dia 22 de novembro de 2005, a Corte Interamericana de Direitos Humanos proferiu importante decisão no julgamento do “Caso Palamara Iribarne vs. Chile” (CDIH, 2005, 102), determinando, dentre outras medidas, que a República do Chile adequasse em tempo razoável o seu ordenamento constitucional e jurídico interno aos modelos internacionais referentes à jurisdição penal militar. A sentença destacou que em sendo necessária a continuidade da existência da justiça militar naquele país, deveria estar limitada exclusivamente ao conhecimento de infrações penais praticadas por militares pertencentes ao serviço ativo e que sua legislação interna passasse a estabelecer limites à competência material e pessoal dos Tribunais militares, em ordem a que, “(...) en ninguna circunstancia um civil se vea sometido a la jurisdicción de los tribunales penales militares (...)”.

Na mesma linha de entendimento, registra-se que no dia 16 de novembro de 2010, em decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal Brasileiro - STF, constante da Medida Cautelar em Habeas Corpus n. 106.171, oriunda do Estado do Amazonas, onde foi relator o Ministro Celso de Mello, dentre outros precedentes citados destacou o acórdão proferido:

É importante observar que, no plano do direito comparado, registra-se, modernamente, em diversos sistemas normativos vigentes em Estados impregnados de perfil democrático, clara tendência, quer no sentido da extinção (pura e simples) de tribunais militares em tempo de paz, permitindo-lhes, no entanto, a existência, embora circunstancialmente, apenas quando deflagrado estado de guerra, quer, ainda, no sentido da exclusão de civis da jurisdição penal militar, valendo destacar, sob tais aspectos, o ordenamento positivo de alguns países, como o de Portugal (Constituição de 1976, art. 213, Quarta Revisão Constitucional de 1997), o da Argentina (Ley Federal nº 26.394/2008), o da Colômbia (Constituição de 1991, art. 213), o do Paraguai (Constituição de 1992, ART. 174), o do México (Constituição de 1917, art. 13) e o do Uruguai (Constituição de 1967, art. 253, c/c Ley 18.650/2010, arts. 27 E 28).

Amparando os posicionamentos supra descritos da CIDH e do STF, o ilustre Promotor de Justiça Militar da União e doutrinador Jorge César de Assis, citando o grande Jorge Alberto Romeiro, nos chama a atenção, advertindo de que “tudo o que se escreveu até agora sobre tão relevante assunto está defasado, inteiramente desatualizado”, e explica (2010, pg. 19/20):

O próprio Código Penal Militar de 21.10.1969, que já nasceu eivado de inconstitucionalidade, brigando com a Emenda Constitucional 01, de 17 anterior, que antecedeu sua publicação em apenas quatro dias, afinando doutrinariamente com o malsinado Código Penal comum de 1969, que por seus desacertos e excessiva severidade foi revogado antes mesmo de entrar em vigor; e, por esse motivo, conflitando com a Parte Geral do Código Penal comum (Lei 7.209, de 11.07.1984), está com um grande número de dispositivos revogados, por inconstitucionalidade, pelo desuso e sobretudo, por essa grande fonte de direito que é a jurisprudência, pela Lei de Execução Penal de 11.07.1984, e, principalmente pela Constituição Federal de 1988, que introduziu profundas modificações em nosso tradicional Direito Penal Castrense. (1984: VII)

Neste contexto, entendemos que o ordenamento militar brasileiro encontra-se em flagrante desacordo com o sistema jurídico internacional recomendado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos no que se refere à competência da Justiça Militar em tempo de paz. Em especial, na possibilidade de submissão de civis à jurisdição castrense no âmbito federal, uma vez que, acertadamente, a anomalia não ocorre no âmbito da justiça militar estadual brasileira.

Assim também é o entendimento da Procuradoria Geral da República (PGR), que ajuizou, no mês de agosto deste ano de 2013, no STF, a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 289, em que “pede que seja dada ao artigo 9º, incisos I e III, do Código Penal Militar (CPM, Decreto-Lei nº 1.001/1969), interpretação conforme a Constituição Federal (CF) de 1988, a fim de que seja reconhecida a incompetência da Justiça Militar para julgar civis em tempo de paz e que esses crimes sejam submetidos a julgamento pela Justiça comum, federal ou estadual” (STF: 2013). Ainda, no mês de setembro deste mesmo ano, a mesma PGR ajuizou no STF Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 5032), com pedido de liminar, contra regra prevista na Lei Complementar 97/1999, na redação dada pelas Leis Complementares 117/2004 e 136/2010, que insere na competência da Justiça Militar o julgamento de crimes cometidos no exercício das atribuições subsidiárias das Forças Armadas. A PGR sustenta que (STF: 2013):

(...) além de regular as atribuições subsidiárias das Forças Armadas, as alterações no parágrafo 7º do artigo 15 da LC 97/1999 ampliaram demasiadamente a competência da Justiça Militar, violando o artigo 5º, caput, da Constituição Federal ao estabelecer foro privilegiado sem que o crime tenha relação com funções tipicamente militares. De acordo com os autos, o dispositivo também contraria a Constituição nos artigos 5º, inciso LIII, e 124, ao classificar de crime militar delito comum, “desvirtuando o sistema constitucional de competências”. Segundo a ação, “o alargamento dessa competência atenta contra todo o regime de direitos fundamentais inscritos na nossa Carta Magna”. A PGR argumenta que, apesar de a Constituição Federal deixar para norma infraconstitucional os critérios de fixação de competência da Justiça Militar, “não é qualquer crime que pode a ela ser submetido, senão o crime militar. E este, por sua vez, não é qualquer crime praticado por militar”, argumenta. A ADI 5032 elenca precedentes em que o STF atribui à Justiça comum a competência para julgar crimes de militares fora do exercício de suas funções. Afirma, também, que o tema já foi abordado pela Comissão de Direitos Humanos da ONU, pela Corte Interamericana de Direitos Humanos e pelo Tribunal Europeu de Direitos Humanos, todos de acordo no sentido de que deve vigorar o “princípio da especialidade”, que atribui  jurisdição militar apenas aos crimes cometidos em relação com a função tipicamente militar.


1. O direito militar no cenário latinoamericano

O estudo do direito militar na América Latina encontra-se tormentoso e tem gerado algumas discussões importantes em face da situação dessa justiça especializada no cenário internacional, decorrente das orientações e recomendações estabelecidas pelos Tratados e Pactos de Direitos Humanos quando a matéria envolve o julgamento de militares e civis em tempo de paz. Infelizmente, ilustres doutrinadores e constitucionalistas Brasileiros (ASSIS, 2010, 50/51; BULOS, 2007, 1124/1125; CARVALHO, 2004, 678/679; LOBÃO, 2009, 106; MORAES, 2007, 574) tem se omitido na discussão dessa importante matéria e pouco discorrem sobre o real significado da Justiça especializada em Estados onde vigora um ambiente de democracia.

Depois de longos períodos de críticos regimes militares, os países latinoamericanos, com raras exceções, tentam avançar nessa luta democrática que passa necessariamente por profundas mudanças de pensamento e de ideologia. A estrutura de poder se desloca do interior dos quartéis e, mais organizada e transparente, mostra sua face mais humana perante a sociedade civil, uma vez que agora as forças armadas não têm mais a capacidade de “intervir para regular a vida coletiva e disciplinar da nação” (ALMEIDA, 2007, 152).

A Assembleia Nacional Constituinte que revogou a Constituição Brasileira de 1967 e estabeleceu novas regras para a Constituição de 1988 retirou do texto a expressa submissão de civis à jurisdição militar, deixando ao critério da lei infraconstitucional (ratione legis) a definição de crime militar contida no Código Penal Militar em vigor desde o ano de 1969. Essa modificação do texto constitucional, mais que uma inovação, em nosso modesto entendimento, trouxe profunda mudança na doutrina e jurisprudência relacionada à aplicação do direito militar aos civis em tempo de paz, uma vez que sendo o Brasil integrante e assinante da Convenção Americana de Direitos Humanos, deve se adequar as recomendações contidas nesses institutos, conforme estabelece o §3º, inciso LXXVIII, art. 5º, acrescido pela Emenda Constitucional n. 45, de 30 de dezembro de 2004: “Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais”.

Conforme decisão do STF firmada por maioria no RE 466.343-SP, no dia 03 de dezembro de 2008, os acordos e tratados internacionais que versem sobre direitos humanos “tem status acima das leis ordinárias, porém, abaixo dos dispositivos contidos na própria Constituição, salvo se ratificados em votação semelhante às das propostas de emendas constitucionais” (GOMES e MAZUOLLI, 2008, 10-12) (GOMES, 2009).

Portanto, nos parece que os textos infraconstitucionais que estão em desacordo com os Tratados e Pactos Internacionais em matéria de Direitos Humanos, encontram-se superados e inaplicáveis e devem ser revogados por via de exceção (controle concreto) ou por via de ação (controle abstrato) (BONAVIDES, 2008, 301 a 311). Neste contexto, destacamos o inciso III, art. 9º do CPM, que submete os civis à jurisdição militar da União em tempo de paz, contrariando o inciso LIII, art. 5º da Constituição Brasileira de 1988, bem como o n.1, art. 8º da Convenção Americana de Direitos Humanos. Esse é o entendimento que deve vigorar, amparado em registros do próprio STF que passou a declarar a inconstitucionalidade da prisão civil para depositário infiel (inciso LXVII, art. 5º da CRFB/88), aplicando-se o Pacto de San José da Costa Rica (GOMES, 2009):

Entre esses tratados estão o Pacto Internacional dos Direitos Civil e Políticos (da ONU) e a Convenção Americana Sobre Direitos Humanos (Pacto de San José) (da OEA). Os dois tratados foram ratificados pelo Brasil em 1992 e não admitem mais a prisão civil do depositário infiel (art. 11 e art. 7º, 7, respectivamente).

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Segundo o ministro, mesmo com esse tipo de prisão estando previsto no artigo 5º, inciso LXVII, da Constituição Brasileira, "não há mais base legal para prisão civil do depositário infiel, pois o caráter especial desses diplomas internacionais sobre direitos humanos lhes reserva lugar específico no ordenamento jurídico, estando abaixo da Constituição, porém acima da legislação interna", afirmou.

(…)

O Brasil já foi condenado pela Corte a reparar os familiares de Damião Xavier, morto por maus tratos em uma clínica psiquiátrica do Ceará conveniada ao Sistema Único de Saúde (SUS). Outro caso de grande repercussão que chegou à Comissão (não chegou à Corte) foi o que deu origem a Lei Maria da Penha (Lei 11.340/2006), que criou mecanismos para coibir e prevenir a violência.

Considerando que o STF mitigou texto da Constituição Brasileira que conflitava com o texto da Convenção Americana de Direitos Humanos, nos parece um tanto quanto induvidoso que seja adotada a mesma postura pela proibição da jurisdição militar em tempo de paz ao cidadão civil. Em julgamentos perante a Corte Interamericana de Direitos Humanos esta, reiteradamente, tem afirmado que em um Estado Democrático de Direito a jurisdição penal militar há de ter um alcance restrito e excepcional e estar direcionada para a proteção de interesses jurídicos especiais, vinculados com as funções que a lei estabelece para as forças militares e que por sua própria natureza atentem contra os bens jurídicos próprios da ordem militar (ADC, 2011).

Ya en 1999, en el caso “Castillo Petruzzi y otros” llevado a cabo contra el Estado de Perú, la Corte consideró que la justicia militar posee un ámbito de competencia limitado y que su extensión implicaría violar el derecho al debido proceso legal. En aquella oportunidad, un grupo de civiles había sido condenado por la justicia militar de Perú por el delito de traición a la patria. Al analizar el proceso seguido, la Corte IDH sostuvo que la justicia militar tiene por finalidad el mantenimiento del orden y la disciplina dentro de las fuerzas armadas de un Estado, y que si esta clase de justicia asume competencias propias de la justicia ordinaria se produce una violación al derecho de ser juzgado por el “juez natural” para el conocimiento de la causa. La propia CADH establece que las personas tienen derecho a que el juez a cargo del proceso sea competente, independiente e imparcial. Ello no ocurriría cuando las personas civiles son sometidas a la justicia militar, pues es claro que esta sólo sería competente para juzgar a personal militar ante la sospecha de haber cometido hechos delictivos que propiamente atentaran contra el orden militar. La Corte IDH concluyó que el Estado de Perú se encontraba obligado a juzgar nuevamente a los civiles, observando plenamente las garantías del debido proceso legal.

En la causa “Cantoral Benavides”, la Corte IDH observó que el Estado de Perú había determinado que los delitos por traición a la patria fueran juzgados por tribunales militares aunque hubieran sido cometidos por civiles, infringiendo las disposiciones de la CADH relativas al juez natural competente, independiente e imparcial.

Asimismo, en “Palamara Iribarne”, el tribunal consideró que el Estado de Chile, tras la prohibición de la publicación de un libro y el proceso penal militar iniciado contra su autor por el delito de desacato, violó la CADH. En su desarrollo argumental, la Corte IDH determinó que las normas penales militares deben establecer claramente y sin ambigüedad quiénes son militares – únicos sujetos activos de los delitos militares; explicitar cuáles son las conductas delictivas típicas en el especial ámbito militar; determinar la antijuridicidad de la conducta ilícita a través de la descripción de la lesión o puesta en peligro de bienes jurídicos militares gravemente atacados, que justifiquen el ejercicio del poder punitivo militar; y especificar la correspondiente sanción.

A restrição de julgamento de civis por jurisdição militar, como conclui Bovino (2009, pg. 23), se fortalece se considerarmos a hipótese de que para impormos uma sanção penal nessas circunstâncias haveremos de observar a intervenção de um tribunal independente e imparcial:

La experiencia de nuestra región demuestra de modo inequívoco las terribles consecuencias producidas por la decisión de atribuir a tribunales militares el juzgamiento de infracciones penales imputadas a civiles, especialmente en situaciones de conflicto interno. En este contexto, debemos reconocer la necesidad política de evitar estas consecuencias, retirando a los tribunales militares la facultad de juzgar a civiles. La solución también se impone si atendemos al carácter excepcional de la jurisdicción militar y al fundamento que se le reconoce, referido a la necesidad de mantener la disciplina de los ejércitos. Ambas consideraciones indican que la prohibición absoluta para la justicia militar de intervenir en el juzgamiento de civiles constituye la opción más deseable. Idénticas conclusiones aconsejan dar el mismo tratamiento, previsto para los civiles, a los militares que no están en situación de servicio activo, como los militares retirados.

Naturalmente que não é necessário muito esforço para entender que jurisdição imparcial e independente para julgar civis é a justiça comum e não a justiça militar, uma vez que a sociedade civil se submete a um regime ideológico diferente daquele imposto ao pessoal militar, a quem as regras de conduta devem e são necessariamente mais rígidas e inflexíveis. Como nos adverte Almeida (2007: 150), os militares se compõem de uma “organização complexa (…)” e “(…) tem sempre como horizonte, senão como razão de ser, o uso da violência legítima. Dessa missão que as define decorre um sistema de regras e conduta que as diferencia de país a país”.  A ideia que vigorou na exposição de motivos para o Código Penal Militar de 1944 e de 1969 não se sustenta mais nos dias atuais (BASTOS, 1946):

Em verdade, todo cidadão é um soldado, porque as forças armadas são instituições nacionais, às quais são obrigados a servir os brasileiros, mas, por isso mesmo, as leis penais militares se aplicam também aos civis, quando estejam como soldados ou quando se trata de garantir as instituições militares do país (art. 111 da Constituição de 1937).

Importante ressaltar que, mesmo sob a égide do regime militar que vigorou intensamente na América Latina na metade do século XX (ALMEIDA, 2007, 141 a 157), no Brasil, dentro das forças armadas, identificamos seguimentos de destacados e estudiosos Oficiais que nesse período já demonstravam evidente descontentamento e contrariedade quanto a aplicação da jurisdição militar à sociedade civil, como é o discurso extraído dos anais do I Congresso de Direito Penal Militar (EXÉRCITO, 1959, 86 a 96):

Não podemos aceitar como democrática submeter o cidadão civil por atos não especiais, a tribunais especiais. O princípio democrático é a igualdade e não a exceção. “Em matéria criminal, socialmente falando, o Código Penal Comum o realiza, pois a ele estão sujeitos todos os cidadãos, civis ou militares, e, só em junções irredutíveis às da vida civil, explicam democraticamente um Código Excepcional”.

Passados quase meio século dessa publicação, o Brasil e a América Latina avançaram demasiadamente em um ambiente de democracia, entretanto, a legislação militar, ao contrário de outros países como Portugal, Colômbia, Paraguai, México, Uruguai, Argentina e Chile (STF, 2010), continua presa em um Estado Militar, em parte, por culpa de uma “(…) insegura e perigosa doutrina que põe a definição de crime militar no critério ratione legis” (SILVA, 2008, 60-72).

Essa definição que, entre outras palavras, tem contrariado a moderna compreensão de constitucionalismo e que contempla duas ideias básicas: “(1) ordenar, fundar e limitar o poder político; (2) reconhecer e garantir os direitos e liberdades do indivíduo” (CANOTILHO, 2003, 54/55). Essas características definem um Estado de Direito e o conceito de Rule of Law, que significa a “(…) obrigatoriedade da observância de um processo justo legalmente regulado, quando se tiver de julgar e punir os cidadãos, privando-os da sua liberdade e propriedade” (CANOTILHO, 2003, 93).

Uma respeitável definição de constitucionalismo “é a que o identifica com a divisão do poder ou, de acordo com a formulação jurídica, com a separação dos poderes” (BULOS, 2007, 11). Tem como precedente o art. 16, da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, declarando que, “Toda a sociedade na qual não está assegurada a garantia dos direitos, nem determinada a separação dos poderes, não tem constituição” e este enunciado expressa uma saída para eliminar os abusos, as arbitrariedades, o desrespeito aos direitos fundamentais dos cidadãos.

Dentro dessa premissa e como os Tratados e Pactos Internacionais de Direitos Humanos se inserem em nosso ordenamento jurídico como norma constitucional (GOMES. 2009), resta interpretar que, “ao aplicar o dispositivo constitucional a um caso em concreto, faça-o adotando, dentre as diversas soluções e variáveis possíveis, aquela que proporcione maior atualidade e efetividade ao dispositivo aplicado, aproximando-o do problema a ser solucionado” (MOTTA e BARCHET, 2007, 87). E nosso problema atual a ser solucionado é a proibição de submissão da sociedade civil ao ordenamento jurídico militar da União em tempo de paz. Assim, ao operarmos por esta variável, procuramos “(…) solucionar o caso em concreto, conferindo eficácia à Constituição, como força normativa para reger a sociedade e, consequentemente, para manter-se como estatuto jurídico-político supremo do Estado” (MOTTA e BARCHET, 2007, 88).

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Sobre o autor
Paulo Roberto de Medeiros

Oficial da Polícia Militar do Estado de Minas Gerais Professor de Direito Penal e Processo Administrativo da Academia de Polícia Militar de Minas Gerais na Escola de Formação de Oficiais Bel em Direito e aluno do Curso de Doutorado em Direito Penal pela Universidade de Buenos Aires, Argentina Especialista em Segurança Pública pela Fundação João Pinheiro, Belo Horizonte/MG Especialista em Educação Física pela Pontifícia Universidade Católica do PR Aluno do Curso de Gestão Estratégica da Academia de Polícia Militar.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MEDEIROS, Paulo Roberto. Justiça Militar brasileira em uma análise de fato e de direito:: renovar e atualizar é preciso. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3808, 4 dez. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/25972. Acesso em: 23 abr. 2024.

Mais informações

Partindo dos estudos realizados no Curso de Doutorado em Direito Penal pela Universidade de Buenos Aires - UBA, analisamos o contexto em que está inserido o Direito Penal Militar brasileiro, haja vista as manifestações e entendimentos expressos pela CIDH e pelo STF, em face do atual estado democrático de direito.

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