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Justiça Militar brasileira em uma análise de fato e de direito:

renovar e atualizar é preciso

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04/12/2013 às 14:42
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CONCLUSÃO

Acompanhando entendimento de nossa Corte Constitucional, defendo a tese de que o Código Penal Militar Brasileiro deve ter aplicação restritiva em tempo de paz, voltado somente ao âmbito castrense, quando a infração atentar contra as organizações militares (tutela do bem jurídico relevante). Muitos países já vêm adotando medidas para atender as orientações propostas pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos, ajustando suas legislações constitucionais e infraconstitucionais, extinguindo a possibilidade de submissão de civis ao ordenamento jurídico militar e transferindo a competência dos julgamentos para a justiça comum.

Particularmente, ainda não compactuo com a ideia de extinção da justiça militar, haja vista não ser prudente neste momento, pelo menos no Brasil, o controle jurisdicional de infrações penais e administrativas militares  por magistrados de varas penais e cíveis não especializadas. Embora a justiça castrense não se mostre tão célere e eficiente, em decorrência de uma estrutura física inadequada e uma legislação envelhecida, é de longe menos lenta e por outro lado, mais eficiente, se comparada com a justiça comum, abarrotada de processos de toda natureza. Só para registro, o jornal Folha de São Paulo, em matéria de 25 de junho de 2012, publicou números contidos no Relatório Justiça em Números do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), destacando que no Brasil, há mais de 83 milhões de processos em tramitação, muitos com tempo superior a dez anos.

Os atos praticados por forças militarizadas necessitam ser submetidos a uma jurisdição especializada e que tem condições de se tornar mais eficiente, entretanto, esta deve ser formada, em primeira instância, somente por juízes togados e, em instâncias superiores, por magistrados pertencentes e comprometidos, após a nomeação e posse, exclusivamente, com o poder judiciário, o que lhes conferirá maior legitimidade, imparcialidade, independência e identidade jurisdicional.

Devemos considerar que o Estado brasileiro possui forças militares e justiças militares em âmbito nacional e estadual, bem como uma legislação constitucional e infraconstitucional distinta do resto do mundo, entretanto, convencidos estamos de que o tratamento dado ao julgamento de civis em tempo de paz deva ser realizado sempre por magistrados civis e pela Justiça Comum. A exceção poderia ser admitida em casos de guerra, assim como nossa constituição já estabelece para penas capitais.

O Direito Militar existe há alguns séculos acompanhando as instituições militares e, a princípio, surgiu no período das grandes conquistas territoriais, na necessidade de punir o cidadão integrante da força, autor de atos contrários às rígidas regras de caserna, pelos quais devia ser julgado de forma diferenciada de um cidadão civil. Logicamente que não estamos falando de processo judicial diferenciado, que renegue o devido processo legal e as garantias da ampla defesa e do contraditório. Estamos falando da importância desse profissional diferenciado, que detém o poder do Estado de, legalmente e discricionariamente, deliberar sobre a manutenção da vida, da liberdade e da propriedade de outras pessoas.

Inequivocamente, como os fatos e valores do século XXI são outros, ninguém discorda de que a norma contida no Código Penal e de Processo Penal Militar esteja necessitando de maior atenção por parte de nossos legisladores, de forma a ser devidamente atualizada e alinhada constitucionalmente com as novas necessidades da vida em caserna. Melhor seria se a legislação penal e processual penal brasileira, civil e militar, fosse unificada em códigos indistintos e que trouxesse, simultaneamente, a previsão de crimes comuns e militares, bem como a competência das jurisdições estadual, federal e militar, à semelhança do que foi realizado com o código penal argentino.

Finalmente, caso nenhuma modificação no texto infraconstitucional militar se faça presente a curto ou médio prazo, deve o poder judiciário, por intermédio do controle difuso ou concentrado de constitucionalidade, reconhecer a força dos Tratados e Pactos Internacionais de Direitos Humanos, impedindo a aplicação do inciso I e III, art. 9º do Dec. 1001/69-CPM (Código Penal Militar Brasileiro) em relação aos civis. Da mesma maneira, deve mitigar a instauração de processos e a aplicação de penas para algumas condutas típicas contidas nesse ordenamento, por estarem evidentemente em descompasso com a realidade social e profissional dessas instituições, atentando contra a dignidade da pessoa humana dos militares federais e estaduais.


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Notas

[2] Fonte: página do Tribunal de Justiça Militar de MG – www.tjmmg.jus.br

[3] Fonte: página do Tribunal de Justiça Militar do RS – www.tjmrs.jus.br

[4] Fonte: página do Tribunal de Justiça Militar de SP – www.tjmsp.jus.br

[5] Fonte: página do Superior Tribunal Militar da União – www.stm.jus.br

[6] Fonte: página do Tribunal de Justiça de MG – www.tjmg.jus.br. 

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Sobre o autor
Paulo Roberto de Medeiros

Oficial da Polícia Militar do Estado de Minas Gerais Professor de Direito Penal e Processo Administrativo da Academia de Polícia Militar de Minas Gerais na Escola de Formação de Oficiais Bel em Direito e aluno do Curso de Doutorado em Direito Penal pela Universidade de Buenos Aires, Argentina Especialista em Segurança Pública pela Fundação João Pinheiro, Belo Horizonte/MG Especialista em Educação Física pela Pontifícia Universidade Católica do PR Aluno do Curso de Gestão Estratégica da Academia de Polícia Militar.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MEDEIROS, Paulo Roberto. Justiça Militar brasileira em uma análise de fato e de direito:: renovar e atualizar é preciso. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3808, 4 dez. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/25972. Acesso em: 5 nov. 2024.

Mais informações

Partindo dos estudos realizados no Curso de Doutorado em Direito Penal pela Universidade de Buenos Aires - UBA, analisamos o contexto em que está inserido o Direito Penal Militar brasileiro, haja vista as manifestações e entendimentos expressos pela CIDH e pelo STF, em face do atual estado democrático de direito.

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