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A impossibilidade da criação de imposto afetado a um fundo.

A Lei Complementar nº 110/01 e o princípio da proporcionalidade no Direito Tributário

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01/02/2002 às 01:00
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INTRODUÇÃO.

No dia 29 de junho de 2001, editou-se a Lei Complementar nº 110, que "institui contribuições sociais, autoriza créditos de complementos de atualização monetária em contas vinculadas do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço – FGTS e dá outras providências." De acordo com o artigo 14 da referida lei, ela entra em vigor, produzindo efeitos noventa dias a partir da data inicial de sua vigência, relativamente à contribuição criada pelo seu artigo 1º; e a partir do primeiro dia do mês seguinte ao nonagésimo dia da data de início de sua vigência, no tocante à contribuição criada pelo seu artigo 2º. Em outras palavras, em relação à contribuição criada pelo artigo 1º, começou a produzir efeitos a partir de 29 de setembro de 2001; no tocante à contribuição do artigo 2º, sua eficácia se deu a partir de 1º de outubro de 2001.

À primeira vista, a Lei Complementar em comento teria criado duas novas contribuições sociais. Nesse sentido, vejamos o teor dos artigos 1º e 2º da lei em comento:

"Art. 1º Fica instituída contribuição social devida pelos empregadores em caso de despedida de empregado sem justa causa, à alíquota de dez por cento sobre o montante de todos os depósitos devidos, referentes ao Fundo de Garantia do Tempo de Serviço – FGTS, durante a vigência do contrato de trabalho, acrescido das remunerações aplicáveis às contas vinculadas."

"Art. 2º Fica instituída contribuição social devida pelos empregadores, à alíquota de cinco décimos por cento sobre a remuneração devida, no mês anterior, a cada trabalhador, incluídas as parcelas de que trata o art. 15 da Lei nº 8.036, de 11 de maio de 1990."

Contudo, essas contribuições sociais criadas são inconstitucionais, como veremos a seguir, pois, o legislador, descumpriu o princípio da proporcionalidade, abusando de seu poder de legislar, além de ter criado impostos afetados a um Fundo, in casu, o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço, utilizando-se do nomen iuris contribuição, ferindo, dentre outros dispositivos constitucionais, o artigo 167, inciso IV, da Carta da República.

Para melhor entendermos a sistemática dessas novas exações fiscais e suas inconstitucionalidades, mister se faz um breve esforço no sentido de apreendermos a natureza jurídica do FGTS. É o que veremos a seguir.


1. DA NATUREZA JURÍDICA DO FGTS.

Conforme noticia EDUARDO GABRIEL SAAD[1] em clássica obra sobre o FGTS, o Fundo de Garantia foi adotado como alternativa ao instituto da estabilidade.

Com a criação, pela Lei nº 5.107/66, do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço "o espantalho da estabilidade deixou de existir", fazendo nascer, nos empregados, a esperança de que muitos dos empregadores deixariam de dispensá-los assim que eles se avizinhassem dos perigosos dez anos de serviço. Sendo assim, o FGTS era menos nocivo ao empregado do que a fantasiosa estabilidade decenal.

A partir da Constituição de 1988, o instituto da estabilidade foi suprimido de vez, sendo substituído por uma indenização compensatória, nestes termos:

"Art. 7º - São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem a melhoria de sua condição social: I – relação de emprego protegida contra despedida arbitrária ou sem justa causa, nos termos da lei complementar, que preverá indenização compensatória, dentre outros direitos."

Para dar aplicabilidade imediata à norma constitucional acima citada, bem como para impedir que o legislador ordinário alterasse o perfil do Fundo de Garantia, o Constituinte estabeleceu, no artigo 10 do ADCT o seguinte: "Art. 10 – Até que seja promulgada a lei complementar a que se refere o art. 7º, I, da Constituição: I – fica limitada a proteção nele referida ao aumento, para quatro vezes, da porcentagem prevista no art. 6º, caput, e §1º, da Lei nº 5.107, de 13.9.66."

A Lei nº 8.036, de 11 de maio de 1990, em seus artigos 1º e 15, amparada no artigo 7º, I e III da CF/88, pôs fim à dualidade de regimes de proteção da relação de emprego, isto é, ao regime de estabilidade previsto na CLT alternativamente ao regime do FGTS previsto na Lei nº 5.107/66. Pelo sistema da antiga lei, a filiação ao FGTS era uma opção do empregado que, assim o fazendo, adquiria o direito de exigir do empregador o depósito mensal em uma conta vinculada, de importância igual a 8% da remuneração percebida. Quem não optasse pelo FGTS ficaria com seu contrato de trabalho amparado pela CLT, ou seja, teoricamente, lhe era possível chegar à estabilidade no emprego depois de dez anos de serviço prestado. A partir da Lei nº 8.036/90 extinguiu-se a referida opção, passando o FGTS a constituir um direito de todo o trabalhador.

Diante desse breve escorço histórico, fica claro que o FGTS e as contribuições a ele devidas constituem direito do empregado, uma vez que ele foi concebido como uma alternativa à estabilidade a este devida, visando sua maior proteção. Sendo assim, a despeito das divergências doutrinárias no tocante à natureza do Fundo de Garantia[2], é indiscutível que as importâncias a ele destinadas não constituem receita pública, não podendo, dessa forma, serem qualificadas como tributo. Nesse sentido, as lições de ANTÔNIO ÁLVARES DA SILVA:

"Qual será a natureza jurídica do FGTS depois da Constituição de 88? Perdendo a função indenizatória do tempo de casa, funcionará como uma poupança obrigatória, feita em nome do empregado, que terá a natureza de um seguro social, reforçando sua condição de assalariado e suprindo os benefícios previdenciários, notoriamente inferiores, em nosso país, às necessidade vivenciais do trabalhador."[3]

Esse também é o entendimento de JOÃO DE LIMA TEIXEIRA FILHO:

"Os depósitos para o FGTS constituem um crédito, uma poupança forçada do trabalhador a fim de acudi-lo na aquisição da casa própria, na situação do desemprego (...). Trata-se de um direito do trabalhador (art. 7º da CF), que, afinal, é o titular deste crédito decorrente da execução do seu contrato de trabalho. Não é uma receita pública."[4]

Esse entendimento já vinha sendo adotado pelo Supremo Tribunal Federal antes mesmo da Constituição de 1988. Confira-se, nesse sentido, decisão proferida pelo Plenário do STF, no julgamento do RE nº 100.249-2, Relator Ministro NÉRI DA SILVEIRA, j. 02/12/87, p. DJU 01/07/88.

Com a criação, pela Carta de 1988, do Superior Tribunal de Justiça, este passou a adotar o mesmo entendimento doutrinário e jurisprudencial do Supremo sobre o assunto. Assim, por exemplo, a seguinte decisão:

"FGTS. PRESCRIÇÃO TRINTENÁRIA. PRECEDENTES DA CORTE E STF. 1. Não se aplica às contribuições do FGTS o disposto nos arts. 173 e 174 do CTN. 2. Recurso conhecido e provido para afastar a prescrição qüinqüenal da ação."[5]

Portanto, assentado que as contribuições ao FGTS não possuem natureza tributária, passemos à análise da Lei Complementar nº 110/2001 e o desrespeito ao princípio da proporcionalidade.


2. A LEI COMPLEMENTAR Nº 110/01 E O PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE: O ABUSO DO PODER DE LEGISLAR.

A Lei Complementar nº 110/01 foi criada para cobrir um passivo da Caixa Econômica Federal, em função da decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal no mês de setembro de 2000. Naquela decisão, assentou o Plenário do STF que a correção monetária das contas do FGTS é devida, nos percentuais de 16,64% (dezesseis inteiros e sessenta e quatro centésimos por cento) e 44, 08% (quarenta e quatro inteiros e oito décimos por cento) sobre os saldos das contas mantidas, respectivamente, no período de 1º de dezembro de 1988 a 28 de fevereiro de 1989 e durante o mês de abril de 1990.[6]

Passaria, então, a referida norma no teste da proporcionalidade? E o que é o princípio da proporcionalidade? São essas as questões a serem respondidas a seguir.

PAULO BONAVIDES, dissertando sobre o princípio da proporcionalidade, ensina:

"Em sentido amplo, entende Muller que o princípio da proporcionalidade é a regra fundamental a que devem obedecer tanto os que exercem quanto os que padecem o poder.

Numa dimensão menos larga, o princípio se caracteriza pelo fato de presumir a existência de relação adequada entre um ou vários fins determinados e os meios com que são levados a cabo.

Nessa última acepção, entende Muller que há violação do princípio da proporcionalidade, com ocorrência de arbítrio, toda vez que os meios destinados a realizar um fim não são por si mesmos apropriados e ou quando a desproporção entre meios e fins é particularmente evidente, ou seja, manifesta." [7]

Ou:

"O chamado princípio da proporcionalidade exerce um papel de relevo na definição de tal conteúdo material do princípio do Estado de Direito. À noção de proporcionalidade corresponde a idéia intuitiva de justa medida, de necessidade e de adequação." [8]

Esse também é o entendimento de GILMAR FERREIRA MENDES:

"Uma lei será inconstitucional, por infringente ao princípio da proporcionalidade ou da proibição de excesso, diz o Bundesverfassungsgericht, "se se puder constatar, inequivocamente, a existência de outras medidas menos lesivas" 16.

[...]

É interessante notar que a primeira referência de algum significado ao princípio da proporcionalidade na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal – tanto quanto é possível identificar – está intimamente relacionada com a proteção ao direito de propriedade. No RE nº 18.331, da relatoria do eminente Ministro Orozimbo Nonato, deixou-se assente, verbis:

"O poder de taxar não pode chegar à desmedida do poder de destruir, uma vez que aquele somente pode ser exercido dentro dos limites que o tornem compatível com a liberdade de trabalho, comércio e da indústria e com o direito de propriedade. É um poder, cujo exercício não deve ir até o abuso, o excesso, o desvio, sendo aplicável, ainda aqui, a doutrina fecunda do ‘détournement de pouvoir’. Não há que estranhar a invocação dessa doutrina ao propósito da inconstitucionalidade, quando os julgados têm proclamado que o conflito entre a norma comum e o preceito da Lei Maior pode se acender não somente considerando a letra do texto, como também, e principalmente, o espírito do dispositivo invocado 27."

[...]

No entanto, não posso deixar de considerar, na análise do caso presente, tanto a existência de um acórdão concessivo de mandado de segurança (remédio constitucional cuja eficácia não deve ser neutralizada por disposição constante de simples diploma legislativo) quanto a plausibilidade jurídica da tese exposta pela parte impetrante, especialmente se se considerar a jurisprudência constitucional do Supremo Tribunal Federal que já assentou o entendimento de que transgride o princípio do devido processo legal (CF, art. 5º, LIV) – analisado este na perspectiva de sua projeção material (substantive due process of law) – a regra estatal que veicula, em seu conteúdo, prescrição normativa qualificada pela nota de irrazoabilidade.

Coloca-se em evidência, neste ponto, o tema concernente ao princípio da proporcionalidade, que se qualifica – enquanto coeficiente de aferição da razoabilidade dos atos estatais (CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO, ‘Curso de Direito Administrativo’, p. 56/57, itens nºs 18/19, 4ª ed., 1993, Malheiros; LÚCIA VALLE FIGUEIREDO, ‘Curso de Direito Administrativo’, p. 46, item nº 3.3, 2ª ed., 1995, Malheiros) – como postulado básico de contenção dos excessos do Poder Público.

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Essa é a razão pela qual a doutrina, após destacar a ampla incidência desse postulado sobre os múltiplos aspectos em que se desenvolve a atuação do Estado – inclusive sobre a atividade estatal de produção normativa – adverte que o princípio da proporcionalidade, essencial à racionalidade do Estado Democrático de Direito e imprescindível à tutela mesma das liberdades fundamentais, proíbe o excesso e veda o arbítrio do Poder, extraindo a sua justificação dogmática de diversas cláusulas constitucionais, notadamente aquela que veicula, em sua dimensão substantiva ou material, a garantia do due process of law (RAQUEL DENIZE STUMM, ‘Princípio da Proporcionalidade no Direito Constitucional Brasileiro’, p. 159/170, 1995, Livraria do Advogado Editora; MANOEL GONÇALVES FERREIRA FILHO, ‘Direitos Humanos Fundamentais’, p. 111/112, item nº 14, 1995, Saraiva; PAULO BONAVIDES, ‘Curso de Direito Constitucional’, p. 352/355, item nº 11, 4ª ed., 1993, Malheiros; GILMAR FERREIRA MENDES, ‘Controle de Constitucionalidade – Aspectos Jurídicos e Políticos’, p. 38/54, 1990, Saraiva.)." [9]

Por fim, interessante é o magistério de HELENILSON CUNHA PONTES:

Em nossa concepção, a proporcionalidade apresenta duas dimensões, complementares entre si. Uma dimensão de princípio geral de vedação do arbítrio estatal, e outra de concretização prática dos diferentes direitos, interesses e garantias constitucionais.

Como cláusula geral anti-arbítrio, o princípio da proporcionalidade exerce, em relação ao Estado, uma função negativa ou de proteção. Tomado nesta dimensão, o princípio da proporcionalidade constitui verdadeira norma de bloqueio, isto é, comando jurídico no qual se sobressai a função de proteção do indivíduo contra medidas estatais arbitrárias.

Na segunda dimensão, a proporcionalidade consubstancia um instrumento de concretização ótima das pretensões constitucionais que aparentemente possam apresentar-se contraditórias. Assim concebido, o princípio da proporcionalidade desempenha notável função positiva de afirmação da normatividade dos comandos constitucionais.

Tanto quanto desempenha função negativa ou positiva, o princípio da proporcionalidade exerce a dupla missão de constituir o limite e o fim da atuação estatal. Portanto, independentemente da dimensão que assuma, o princípio da proporcionalidade consubstancia sempre um juízo de adequação, necessidade e conformidade entre o interesse público que suporta uma determinada medida estatal, limitadora do alcance ou do exercício de um bem juridicamente protegido, e o peso que este bem jurídico assume no caso concreto."[10]

Vê-se, portanto, que o legislador complementar desrespeitou o princípio da proporcionalidade, ao editar a Lei Complementar nº 110/01, abusando do seu poder de legislar. A norma não é necessária, adequada ou se encontra em conformidade com o interesse público. Não é necessária, pois poderia o legislador ter adotado uma medida mais suave para resolver o problema de caixa do FGTS; não é adequada, porque criou discriminações entre os próprios trabalhadores que recebem o Fundo; por fim, não se encontra em conformidade com o interesse público, pois tais tributos irão onerar ainda mais a produção, gerando mais desemprego, ou empregos informais.

Portanto, a Lei Complementar nº 110/01 não passa no teste da proporcionalidade, sendo, dessarte, inconstitucional, seja por desrespeitar o devido processo legal, seja por desrespeitar a igualdade que deve reger as relações entre Fisco e contribuinte. Assim, trecho de decisão em que funcionou como relator o Ilustre Ministro CELSO DE MELLO:

"A essência do substantive due process of law reside na necessidade de proteger os direitos e as liberdades das pessoas contra qualquer modalidade de legislação que se revela opressiva ou, como no caso, destituída do necessário coeficiente de razoabilidade." [11]

Por outro lado, a Lei Complementar nº 110/01 é inconstitucional, pois, sob o manto de contribuição, criou, na verdade, impostos vinculados a um Fundo específico, desrespeitando o artigo 167, inciso IV, da Constituição de 1988. É o que veremos a seguir.


3. AS CONTRIBUIÇÕES CRIADAS PELOS ARTIGOS 1º E 2º DA LC Nº 110/2001 NÃO SE CONSTITUEM EM AUMENTO DA INDENIZAÇÃO POR DESPEDIDA SEM JUSTA CAUSA.

Inicialmente, não se pode aceitar qualquer argumentação no sentido de que a contribuição criada pelo artigo 1º da Lei Complementar em comento seja um simples aumento da indenização de 40% devida ao empregado em caso de despedida imotivada. Assim, quando da despedida imotivada, a indenização sofreria um aumento de 40% (quarenta por cento) para 50% (cinqüenta por cento).

Embora sedutor o argumento, ele não resiste a uma análise mais detida da LC nº 110/2001, pois o valor dos 10% incidentes sobre o saldo do FGTS não será creditado na conta do trabalhador, constituindo receita da Caixa Econômica Federal, que estará autorizada a proceder créditos de complementação do FGTS dos trabalhadores vinculados ao sistema nos anos de 1988 a 1989 e 1990, conforme determina o artigo 4º da LC 110/01:

"Art. 4º - Fica a Caixa Econômica Federal autorizada a creditar nas contas vinculadas do FGTS, a expensas do próprio Fundo, o complemento de atualização monetária resultante da aplicação, cumulativa, dos percentuais de dezesseis inteiros e sessenta e quatro centésimos por cento e de quarenta e quatro inteiros e sessenta e quatro centésimos por cento e de quarenta e quatro inteiros e oito décimos por cento, sobre os saldos das contas mantidas, respectivamente, no período de 1º de dezembro de 1988 a 28 de fevereiro de 1989 e durante o mês de abril de 1990, desde que:..."

Ora, fica patente, a partir do artigo citado acima, que somente os trabalhadores que estavam empregados no período de 1º de dezembro de 1988 a 28 de fevereiro de 1989 e durante o mês de abril de 1990 serão beneficiados pelos 10% da contribuição criada pelo artigo 1º da Lei Complementar. É dizer: um trabalhador que começou a laborar em 1993 não irá se beneficiar com o acréscimo em seu Fundo de Garantia. Em outras palavras, não houve o aumento da indenização de 40 para 50%, pois apenas alguns trabalhadores serão beneficiados com os 10% estabelecidos pela Lei Complementar.


4. AS CONTRIBUIÇÕES CRIADAS PELOS ARTIGOS 1º E 2º DA LC 110/01 NÃO SÃO CONTRIBUIÇÕES PARAFISCAIS DO ARTIGO 149 DA CF/88.

Estabelecido que a contribuição de 10% criada pelo artigo 1º da LC 110/01 não é um aumento da indenização em caso de despedida do trabalhador, não sendo, por isso, simples adicional do FGTS, seria ela, junto com a contribuição criada pelo artigo 2º da Lei Complementar acima referida, contribuições de intervenção no domínio econômico ou criadas no interesse de categoria profissional, de que nos fala o artigo 149 da Carta da República?

Inicialmente, atente-se para o fato de que o intérprete da legislação tributária quando analisa um determinado tributo para determinar sua natureza jurídica deve se prender ao fato gerador e base de cálculo e, no caso das contribuições, sua destinação específica. Esse é o teor do artigo 4º do CTN conjugado com o artigo 149 da CF/88. Diz o artigo 4º do CTN: "Art. 4º A natureza jurídica específica do tributo é determinada pelo fato gerador da respectiva obrigação, sendo irrelevantes para qualificá-la: - I – a denominação e demais características formais adotadas pela lei; - II – omissis."

Pois bem. Seriam, então, as contribuições criadas pelos artigos 1º e 2º da LC nº 110/01 verdadeiras contribuições sociais, como fez crer o legislador?

A resposta só pode ser negativa. Vejamos esse ponto com mais vagar.

A partir da Constituição de 1988, para algumas espécies tributárias, a destinação do produto da arrecadação passa a ser elemento fundamental na caracterização do tributo. É o caso das contribuições sociais do artigo 149 da CF/88, que apresenta a seguinte dicção:

"Art. 149. Compete exclusivamente à União instituir contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais ou econômicas, como instrumento de sua atuação nas respectivas áreas, observado o disposto nos arts. 146, III, e 150, I e III, e sem prejuízo do previsto no art. 195, §6º, relativamente às contribuições a que alude o dispositivo."

Sobre a importância da destinação como elemento configurador das contribuições elencadas no artigo 149 da Carta da República, tem-se a palavra esclarecedora de MARCO AURÉLIO GRECO:

"Por derradeiro, o artigo 149, ao tratar das contribuições, adota, igualmente, uma qualificação finalística para determinar a validade das leis instituidoras da figura.

[...] Nesta norma atributiva de competência para instituir a exação, tipifica-se uma validação finalística de modo que as leis instituidoras estarão em sintonia com a Constituição, e dentro do respectivo âmbito de competência, se atenderem às respectivas finalidades identificadas a partir das "áreas de atuação" qualificadas pelo artigo 149."[12]

Ainda MARCO AURÉLIO GRECO, ao tratar das contribuições de intervenção no domínio econômico:

"Assim, uma contribuição de intervenção no domínio econômico deve captar, para fins de exigência, algum evento, realidade, pessoa ou situação que esteja relacionado com a intervenção em si mesma considerada. Alguma circunstância que repercuta na finalidade qualificada. Dando um exemplo caricato: se a contribuição é destinada à intervenção no setor de produção e distribuição de filmes, é inadequado qualificar, para fins do dever de pagar a contribuição, o fato econômico da venda de passagens de trem ou prever como sujeito passivo o fabricante de calçados. Ou seja, numa análise da relação entre meios e fins, cumpre perquirir se o meio é pertinente àquele fim e se o meio é adequado para atingir aquele resultado, sem ferir valores igualmente protegidos pelo ordenamento. Em suma, se há adequação entre a contribuição exigida e a finalidade prevista."[13]

GERALDO ATALIBA, citando A.D. Giannini, tem o mesmo entendimento:

"71.11 O mestre A.D. Giannini escreve que "o tributo especial se vincula a uma atividade administrativa que, além de redundar em vantagem indistintamente para toda a coletividade, ao mesmo tempo proporciona uma utilidade específica àqueles que se encontram numa situação particular" (I Concetti....., cit., p. 93), o que dá seu traço financeiro. É rigorosamente perfeita sua observação.

71.12 E define contribuição (ou tributo especial) juridicamente como "prestação devida: a) por aqueles que – por se acharem em uma determinada situação – recebem uma especial vantagem econômica, como efeito do desenvolvimento de uma atividade administrativa, em contraste com todas as outras pessoas a quem a mesma atividade aproveita; ou b) por aqueles que, em conseqüência de coisas que possuem, ou do exercício de uma indústria ou comércio, ou outra atividade, provocam uma despesa (especial), ou uma despesa maior da pessoa pública" (ob. loc. cit.)." [14]

MISABEL DERZI não discrepa dos ensinamentos aqui transcritos:

"A destinação passou a fundar o exercício da competência da União. Sem afetar o tributo às despesas expressamente previstas na Constituição, falece competência à União para criar contribuições. Igualmente, sem a configuração das despesas mencionadas no art. 148, a saber, calamidade pública, guerra externa ou sua iminência, investimento público de caráter urgente e relevante interesse nacional, não tem poder a União para criar empréstimos compulsórios. Assim, a destinação assume relevância não só tributária como constitucional e legitimadora do exercício da competência federal."[15]

No caso em análise, haveria alguma validação finalística estabelecida pelo artigo 149 da CF/88 que autorizaria a conclusão de que os tributos criados pelos artigos 1º e 2º da LC nº 110/01 são contribuições parafiscais?

A resposta aqui só pode ser negativa.

Com efeito. As referidas contribuições não foram criadas para intervenção do Estado no domínio econômico, nem mesmo em interesse de categoria profissional ou econômica específica, como instrumento de sua atuação. Portanto, não se enquadram os tributos dos artigos 1º e 2º da LC nº 110/01 no pressuposto fático previsto pela CF/88 em seu artigo 149. Além disso, a criação de uma contribuição social deve, necessariamente, provocar alguma modificação da realidade que busca atingir, o que é enfatizado pela Constituição quando prevê que elas serão criadas "como instrumento de atuação nas respectivas áreas".

Dessa forma, está claro que as referidas normas não promoverão uma modificação da realidade social a ela subjacente, ou seja, com as referidas contribuições não se estará criando ou majorando nenhum benefício social, intervindo no domínio econômico ou atuando no interesse de determinada categoria profissional.

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Sobre o autor
José Emílio Medauar Ommati

acadêmico de Direito na UFMG, estagiário do Escritório Campos & Mendes Advogados Especializados

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

OMMATI, José Emílio Medauar. A impossibilidade da criação de imposto afetado a um fundo.: A Lei Complementar nº 110/01 e o princípio da proporcionalidade no Direito Tributário. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. 54, 1 fev. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/2622. Acesso em: 28 mar. 2024.

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