“Esse tal ‘Chópis Cêntis’ é muicho legalzinho /Pra levar as namoradas e dar uns rolêzinhos”.
Mamonas Assassinas
Em tempos de discursos politicamente corretos, tutela de minorias e exacerbação da liberdade de expressão, ações que visem a limitação ou repressão de mobilizações populares são duramente criticadas.
Nesse contexto, os chamados “rolezinhos” – encontros marcados pelas redes sociais com o objetivo de reunir jovens para “zoar, curtir, se divertir, pegar geral etc" – têm despertado polêmicas.
O argumento retórico de que se trata de mera liberdade de expressão de jovens “majoritariamente pobres, negros, da periferia e excluídos da sociedade capitalista” é utilizado para legitimar os eventos e refutar medidas inibitórias, inclusive judiciais.
Ocorre que simplificar o fenômeno com o mero rótulo de “movimento social e político de tentativa de integração dos excluídos” é tão grave quanto estereotipar seus participantes de “vândalos que representam uma ameaça social”.
Há cerca de uma década as empresas perceberam o potencial consumista das classes C e D e têm investido neste mercado. A novidade é que, além de impulsionar o mercado de bens básicos, essas classes estão cada vez mais consumindo produtos e serviços considerados de alto padrão e, obviamente, frequentando locais que os oferecem, como os shoppings centers.
O fato é que, na contramão do discurso de segregação, grande parte dos jovens que participam dos eventos ostentam smartphones, aparelhos eletrônicos, roupas e calçados da dita sociedade consumista e excludente.
Por outro lado, embora o movimento aparente ser inofensivo, há relatos da ocorrência de tumultos, pequenos furtos, depredação e perturbação da ordem.
Diante deste cenário, as administradoras de alguns shoppings obtiveram judicialmente medidas liminares para impedir a realização de rolezinhos ou aplicar multas aos participantes.
Surge, assim, o problema da compatibilização dos direitos dos participantes com os direitos dos demais frequentadores, lojistas e donos dos shoppings. Havendo colisão entre tais direitos, é preciso que o judiciário solucione o conflito buscando harmonizar ao máximo os direitos e interesses envolvidos.
Pois bem, se é verdade que a liberdade de manifestação, de expressão e de ir e vir são direitos constitucionalmente assegurados, é uma realidade também que a anormalidade do exercício desses direitos configura abuso de direito, repudiado pelo ordenamento jurídico (artigo 187 do Código Civil).
O Superior Tribunal de Justiça – STJ (Informativo nº 0468, AgRg no Ag 1113293/MG, REsp 926721/RJ, REsp 419059/SP) já firmou entendimento no sentido da obrigação do shopping center de prover a segurança de todos os frequentadores de suas dependências, sejam usuários ou funcionários, e de sua responsabilidade caso qualquer dessas pessoas sofra algum dano dentro do estabelecimento.
Sendo assim, a ocorrência de eventos dessa natureza implica na possibilidade de imputação de responsabilidade objetiva ao shopping por um obrigação que originariamente não é sua, o que não é razoável, haja vista que, a rigor, fornecer espaço e garantir a segurança desses eventos não é obrigação (legal ou contratual) dos shoppings nem tampouco risco do seu negócio.
Com efeito, o contrato de shopping center é um contrato atípico – não há lei específica que o discipline – por meio do qual um empreendimento oferece a lojistas espaço físico e prestação de serviços mercadológicos e logísticos para que os mesmos forneçam um mix de serviços e produtos de forma mais atrativa aos clientes.
O empreendimento é, portanto, uma propriedade privada, ainda que aberta ao público, que não foi concebida nem tem capacidade física e estrutura adequada para a realização de encontros públicos com a potencialidade de gerar danos e que, não raro, descambam para atos de violência.
Isso, por si só, não justifica a proibição do ingresso de grupos de jovens ao shopping – principalmente se forem utilizados critérios discriminatórios, como cor, classe social, vestimenta ou etnia –, mas autoriza que certas regras e medidas sejam tomadas para proteger a segurança, a ordem pública e a propriedade.
Um dos limites da autonomia é a ordem pública e a liberdade de manifestação, de expressão e de ir e vir não são direitos absolutos, intangíveis, axiologicamente superiores aos direitos de propriedade e segurança, e excessos no seu exercício configuram abuso de direito.
Desta forma, os shoppings podem tomar medidas concretas e preventivas para garantir a segurança e evitar tumultos, badernas e danos, dentre elas verificar as condições de lotação limitando o número de participantes, orientar sobre normas internas, contratar mais seguranças, solicitar que se retirem pessoas que estejam violando regras ou gerando danos, até mesmo com apoio de força policial, e solicitar (inclusive judicialmente) o bloqueio e retirada do ar de páginas da internet de eventos quando houver incitação de atos de vandalismo.
Se há espaços públicos com capacidade física adequada, o ideal é que eventos desse tipo se realizem nesses locais e não em um ambiente privado que não comporta esse volume de pessoas com segurança.
O que se conclui é que a solução para o problema perpassa pelo diálogo entre o poder público, a iniciativa privada e os jovens, com vistas a conciliar todos os interesses envolvidos e garantir a manutenção da ordem pública, e o que se espera é que toda essa gente, com tanta alegria, descubra que a felicidade é mais que um crediário nas Casas Bahia.