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Desafios aos marcos legais no Brasil:

a economia e as indústrias criativas como polo de desenvolvimento humano, econômico, social e sustentável

02/03/2014 às 14:18
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O presente artigo defende o estudo do marco legal para a economia e indústrias criativas no Brasil dado o potencial que esse setor da economia tem para promover um desenvolvimento humano, econômico e social sustentável.

Introdução: Para começo de conversa

O presente artigo intitulado Desafios aos Marcos Legais no Brasil: A Economia e as Indústrias Criativas como polo de Desenvolvimento Humano, Econômico, Social e sustentável  foi elaborado a partir das investigações e estudos que vêm sendo realizados pelos Grupos de Pesquisa CriaAtivos: criando um novo mundo  e Gestão, Educação e Direitos Humanos (GEDH), ambos, da Universidade do Estado da Bahia (UNEB), sobre a economia e indústrias criativas no Brasil.  Nessa linha de pesquisa, os grupos têm como objetivo investigar como estimular a criatividade das pessoas para a produção de idéias inovadoras nas organizações brasileiras – sejam elas públicas, privadas ou não governamentais – que favoreçam o desenvolvimento humano, econômico e social sustentável do Brasil. No momento, o Grupo desenvolve quatro projetos de pesquisa que servem de base para essa reflexão:

  • O primeiro trata das Indústrias Criativas na Bahia, é desenvolvido com apoio da Secretaria de Ciência, Tecnologia e Inovação do Estado da Bahia (SECTI), tem sede no Parque Tecnológico, e trata da implantação de um polo de Indústrias Criativas no Estado da Bahia;
  • O segundo, é chamado de Projeto CriaAtivos: criando um novo mundo, desenvolvido no programa de Estudos do Trabalho (PROET), do Departamento de Educação do Campus I - UNEB, com apoio da Superintendência de Educação Profissional (SUPROF), da Secretaria de Educação do Estado da Bahia, que pretende mapear o perfil econômico, social e educacional dos trabalhadores criativos na Bahia, bem como identificar as demandas da indústria criativa na Bahia;
  • O terceiro projeto tem o nome de Desafios dos Marcos Legais para a Economia e Indústrias Criativas no Brasil: Proposições a Legislação de Inovação e ao Código Brasileiro de Ciência, Tecnologia e Inovação, aprovado na chamada pública n. 80 CNPq/SEC/Minc;
  • O quarto projeto tem como objetivo prestar assessoria e formação a projetos solidários e criativos e tem também apoio do CNPq;

O tema da Economia e Indústrias criativas no Brasil vem sendo tratado pelo grupo em suas discussões pelo potencial que esse setor econômico revela no que diz respeito a geração de desenvolvimento  humano, econômico e social em bases sustentáveis, isto é, desenvolvimento com respeito ao meio ambiente. Essa discussão está apenas no início e o presente ensaio tem o papel apenas de fixar alguns pontos para a reflexão.


O Que é Economia Criativa

Economia Criativa, indústrias criativas, territórios criativos, empreendedores criativos, cidades criativas, isto é, nunca se falou tanto em criatividade como nos últimos tempos. Isso está acontecendo porque o mundo mudou, há uma revolução cultural em curso e a criatividade, imaginação e inovação se constituem como importantes ativos econômicos gerando riquezas e trabalho para os países.

A origem desta revolução está naquilo que o sociólogo do trabalho italiano Domenico de Masi apresenta como sociedade criativa. Para Masi (2008), a Economia criativa se afirma no momento em que o progresso tecnológico, o desenvolvimento organizacional, a globalização, os meios de comunicação e informação, a desmaterialização da economia, a escolarização difusa em muitas áreas do mundo, a duplicação da longevidade, assim como uma drástica redução do tempo humano necessário para a produção de bens e serviços têm provocado significativas mudanças no mundo do trabalho e na riqueza das nações (MASI, 2008, p. 10).

Para esse autor, essas mudanças vêm gerando um número crescente de pessoas com tempo livre, prevalecendo nitidamente sobre o tempo absorvido pelo trabalho, e têm representado uma revolução de época, com o nascimento de uma sociedade pós-industrial, comparável a duas outras transformações igualmente decisivas na história humana: a revolução agrícola – que há sete mil anos determinou o surgimento da civilização rural – e a revolução industrial, que no final do século XVIII determinou o advento da produção e do consumo de massa (MASI, 2008, p. 11).

Essa sociedade pós-moderna, também chamada de sociedade do conhecimento, caracteriza-se, portanto, por uma revolução cultural que ainda não se tem a exata dimensão. Para Domenico de Masi, chegou-se a um ponto de inflexão onde, pela primeira vez, o trabalho, o labor não é mais a principal categoria econômica e social.

O tempo livre aumentou graças ao progresso tecnológico, ao desenvolvimento organizacional e à globalização, que resultam na produção de uma quantidade sempre crescente de bens e serviços, como aporte cada vez menor de trabalho humano. Aumentou também, graças à higiene, à alimentação, à medicina, à farmacologia, à informação e à escolarização, que permitiram que a duração média de nossas vidas fosse duplicada em apenas duas gerações (MASI, 2008, p. 19).

Nesse processo de transformação social e mudança de paradigma emerge uma nova relação social de produção, que se chama de trabalho criativo, que está a reinventar a sociedade contemporânea e exige trabalhadores dedicados em tempo integral a solucionar problemas que exigem idéias inovadoras. O trabalho integral, ou seja, o trabalhador criativo não consegue se desvencilhar das questões relativas ao seu trabalho, como faz o operário da sociedade industrial ao desligar a linha de montagem, já que ele está plenamente integrado as questões que busca resolver.

No trabalho criativo o trabalhador fica em estado permanente de alerta em busca das soluções para os problemas, o que muda significativamente a relação com o trabalho. Há uma revolução em curso, a produção e o trabalho estão sendo reinventados e a produção de bens e serviços culturais, bem como o turismo e o esporte, fazem parte dessa revolução (MASI, 2008, p. 15).


Setores da Economia Criativa

O conceito de economia criativa não é totalmente novo, trata-se de um novo olhar sobre a economia da cultura e do entretenimento propiciado, sobretudo, pela revolução digital que tem por base as Tecnologias de Comunicação e Informação (TICs) que estão mudando a forma como as coisas estão sendo produzidas e consumidas.

Essa discussão surge no cenário internacional no final dos anos 1990 e início dos anos 2000 quando um grupo de economista em diferentes nações percebeu que certos setores da economia como a música, o cinema, o designer e outros, vinham apresentando resultados expressivos em relação a setores da economia tradicional.

Perceberam também que com as TICs existiam conexões entre esses diversos setores, relações de produção que articulavam os diversos setores entre si na produção de novos produtos e serviços. Com isso, em 2001 o economista John Howkins publica o livro The Creative Economy – how people make money from ideas, ou Economia Criativa – como ganhar dinheiro com idéias criativas, em que fala sobre uma nova economia fundada na relação entre criatividade, inovação e economia que se combinam para gerar valor e riquezas extraordinários (HOWKINS, 2013).

Em seu livro, Howkins (2013) defende que a economia criativa é um conjunto de atividades produtivas e mercadológicas potencializadas pela capacidade criativa e imaginativa dos indivíduos que possibilita a geração de soluções e produtos em uma determinada área obtendo valor econômico. A economia criativa é composta por áreas que tem como base a inventabilidade para criar produtos e serviços que tenham impacto positivo na sociedade e gerem renda e riqueza para as nações (HOWKINS, 2013).

Desse modo os economistas perceberam que se alguns setores da economia como música, cinema, artes, designer, publicidade e propaganda, que figuravam em setores distintos, fossem agregados em um novo setor, ter-se-ia um novo e potente ramo da economia com grande capacidade de gerar empregos e renda, onde a criatividade e a inovação passam a ter uma importância decisiva para o funcionamento do modelo. Idéias geram produtos, serviços e valores materiais e imateriais que passam a ser consumidos em escalas crescentes pela população mundial.

Esse segmento da economia que passou a ser chamado de economia criativa tem por base setores como patrimônio cultural, a exemplo do artesanato, expressão cultural tradicional, festivais, celebrações, shows e concertos; artes dramáticas, como música, teatro, dança, ópera, marionetes, circo, dentre outros; edição e mídia impressa, tais como livros, revistas, impressos e outros; audiovisual, o caso de cinema, televisão, rádio e outros; design e moda, novas mídias digitais, a exemplo de conteúdo digital, softwares, games e outros; serviços criativos; e arquitetura, que compreendidas de forma global passam a ter importância para as economias nacionais.


O que são Indústrias Criativas

Para a economia criativa, um segmento importante é o das indústrias criativas. Para os autores Wood Jr. et al. (2009), a expressão indústrias criativas surgiu nos anos 1990, primeiramente na Austrália, ganhando depois impulso na Inglaterra, associado ao conceito das políticas públicas de cultura, designa hoje setores nos quais a criatividade e a inovação são dimensões essenciais, destacam-se pela dimensão simbólica de seus produtos e serviços, e compreendem atividades relacionadas ao teatro, cinema, arquitetura, publicidade e propaganda, mercado de artes e antiguidades, design de jóias, museus, softwares, tevê, e outras atividades vinculadas às tradições culturais.

Nesse prisma as indústrias criativas passaram a ser consideradas aquelas que combinam a criação, a produção e a comercialização de conteúdos que são intangíveis e culturais por natureza, e que são tipicamente protegidos por copyright, que é o direito à propriedade intelectual, e tomam formas de bens e serviços (UNESCO, 2013). Para Meleiro (2008), as indústrias criativas podem ser consideradas como uma série de atividades econômicas que combinam as funções de concepção, criação e produção da cultura de modo que a manufatura e a comercialização sejam feitas em larga escala.


Economia Criativa e Economia Solidária como Tecnologias Sociais

Quando se fala em trabalho criativo, o talento individual tem resolvido muitos problemas e ainda vai resolver muitos outros, mas, inegavelmente, na sociedade pós-industrial são cada vez mais numerosas as atividades de pesquisa cientifica e alianças estratégicas para a inovação que se transformam em trabalhos de equipe e impõem a integração social. E não existe talento, por mais destacado que seja, capaz de substituir de modo compensador os esforços dos grandes laboratório que desenvolvem hoje a maior parte das atividades cientificas (MASI, 2008, p. 14).

Com isso se quer dizer que a produção e difusão do conhecimento, bem como a ciência, tecnologia e inovação são tarefas sociais coletivas e não individuais. A produção coletiva do conhecimento e inovação é a base para o sucesso nesta nova revolução, a criatividade individual é superada em muito pela criatividade articulada em equipe.

Segundo Adair (2010), a inovação é o segredo para conquistar e manter a liderança em mercados mundiais. Novas idéias, novas maneiras de se fazer as coisas são os principais ingredientes para a manutenção do sucesso no mundo dos negócios e do trabalho, mas a inovação depende de uma modalidade especial de criatividade, que o autor chama de criatividade em equipe. Em síntese conhecimento, criatividade e inovação são hoje em dia os principais ativos de uma economia, sendo a ciência, tecnologia, inovação e a pesquisa os meios para tanto. Inovar significa para Adair criar ou apresentar algo novo, diferente do que já foi visto (ADAIR, 2010, p. 6).

Tudo isso faz da economia criativa um campo fértil para a economia solidária. A economia criativa agrega valor às atividades culturais, turísticas e esportivas, valorizando a diversidade natural e cultural que temos no país, sobretudo, no Nordeste. O Turismo de Base Comunitária, pode a partir do referencial teórico da economia criativa, reinventar novos produtos e serviços tornando-os mais atrativos para a população brasileira e mundial. Arranjos Produtivos Locais (APLs) criativos como o APL do Hip Hop, no Rio de Janeiro podem ser mapeados e organizados favorecendo às comunidades um maior retorno cultural e econômicos de seu patrimônio histórico, artístico e cultural. A economia criativa representa, sem a menor dúvida, um novo aporte para esse tipo de serviço.


Associativismo, Cooperativismo e Economia Criativa

Considerando que neste campo a produção coletiva tem mais condições de promover a criatividade e a inovação, iniciativas voltadas para o associativismo e cooperativismo podem ser encorajadas porque representam uma maior chance de sucesso destes empreendimentos.

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Como a criatividade envolve pessoas, equipes multidisciplinares em torno de um objetivo, essa nova modalidade de economia se mostra como um setor capaz de agregar muitas pessoas, gerando emprego e renda diferente da indústria tradicional intensiva em capital que produz máquinas, por exemplo. Instituições como o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (SEBRAE), incubadoras universitárias, entre outros atores podem favorecer projetos dessa natureza, na medida em que projetos coletivos têm mais chance de inovar do que ações isoladas de um empreendedor. Reitera-se, a economia criativa é um espaço privilegiado para o cooperativismo e o associativismo.


Tecnologias Sociais, Diversidade, Cidadania e Direitos Humanos

Uma das questões que se considera da maior importância na discussão da economia e indústrias criativas é a sua relação com a inclusão social, com a proteção da diversidade cultural e natural, com a proteção ambiental e com a afirmação da cidadania e direitos humanos baseada na economia do conhecimento.

A criatividade é considerada um bem econômico distribuído igualmente pela humanidade, a diversidade cultural e natural são fatores de diferenciação de produtos para a economia e as indústrias criativas que podem despertar o interesse de consumidores e a possibilidade de geração de emprego e renda dão a esta discussão uma importância maior ao ponto deste tema fazer parte da agenda internacional de desenvolvimento econômico.  Segundo a United Nations Conferenceon Trade and Development (UNCTAD), ou Conferência das Nações Unidas para o Comércio e o Desenvolvimento, a economia criativa é hoje em dia o setor da economia e do comércio mundial que acelera o desenvolvimento sustentável e reduz a pobreza (UNCTAD, 2012).


Considerações Finais

Por todo o exposto, esperamos ter demonstrado nessas breves linhas o potencial da economia criativa para o Brasil, em especial, para o desenvolvimento humano de nosso povo. A discussão ainda está no início, mas o interesse que o governo federal vem demonstrando na discussão nos dá a certeza que esse tema será muito debatido nos próximos anos. Esperamos que dessa vez a população brasileira participe qualificadamente desse processo, para que o Brasil não perca mais uma vez uma oportunidade histórica de gerar desenvolvimento, renda, trabalho e riqueza com mais justiça social. Isto é, gerar um desenvolvimento com partilha de poder, riqueza e informação. O dado novo nessa discussão é o avanço das novas tecnologias de comunicação e informação que esperamos dessa vez estejam a favor da comunidade.


Referências

ADAIR, John. Liderança para a inovação: como estimular e organizar a criatividade para sua equipe de trabalho produzir ideias inovadoras. São Paulo: Clio, 2010.

HOWKINS, John. The creative economy: how people can make money from ideas. São Paulo: Mbooks, 2013.

MASI, Domenico. A economia do ócio. Rio de Janeiro: Sextante, 2008.

MELEIRO, Alessandra. Cinema e política de Estado. Da Embrafilme à ANCINE. São Paulo, Editora Escrituras, 2008.

UNCTAD (Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento). Relatório de economia criativa 2010: economia criativa uma, opção de desenvolvimento. – Brasília : Secretaria da Economia Criativa/Minc ; São Paulo : Itaú Cultural, 2012.

UNESCO. Creative economy. Report 2008, Nova York, United Nations. Disponível em http:www.unesco.org. Acesso em 2013.

WOOD Jr., Thomaz; BENDASSOLLI. Pedro F.; KIRSCHBAUM, Charles (Org.). Indústrias criativas no Brasil. São Paulo: Atlas, 2009.


Nota

[1] José Cláudio Rocha é advogado, economista professor titular da Universidade do Estado da Bahia e consultor de organizações públicas, privadas e não governamentais. Tem doutorado e mestrado em educação, especialização em gestão pública e em ética, capital social e desenvolvimento. Pesquisador do CNPq tem projetos de pesquisa nas áreas de economia e indústrias criativas, direitos humanos e desenvolvimento humano.

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Sobre o autor
José Cláudio Rocha

Professor pleno da Universidade do Estado da Bahia (UNEB) é professor do Departamento de Ciências Humanas e Tecnologias (DCHT), Campus XIX, Camaçari e coordenador do Centro de Referência em Desenvolvimento e Humanidades (CRDH/UNEB). tem graduação em direito (UFBA); ciências econômicas (UFBA) e análise e desenvolvimento de sistemas (UNINASSAU). Especialização em Administração Pública (UEFS); Ética e Desenvolvimento (INEAM/OEA) e Gestão de Projetos (UNIRIO). Mestrado (UFBA) e Doutorado (UFBA) em educação e pós-doutorado (UFSC) em direito.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROCHA, José Cláudio. Desafios aos marcos legais no Brasil:: a economia e as indústrias criativas como polo de desenvolvimento humano, econômico, social e sustentável. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3896, 2 mar. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/26514. Acesso em: 4 nov. 2024.

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