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Jurispridência comentada: STJ - 2ª Seção - Juros compensatórios (juros no pé). Incidência anterior à entrega das chaves. Compromisso de compra e venda (EResp. 670.117/PB)

30/01/2014 às 14:45
Leia nesta página:

Analisa-se o posicionamento do STJ quanto aos chamados "juros no pé", cuja cobrança deve constar expressamente no contrato, em razão do direito básico à informação, expressamente previsto no art. 6º, III, do CDC.

EMENTA: Segunda Seção - JUROS COMPENSATÓRIOS (“JUROS NO PÉ”). INCIDÊNCIA ANTERIOR À ENTREGA DAS CHAVES. COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA.

A Seção, por maioria, decidiu que não é abusiva a cláusula de cobrança de juros compensatórios incidentes em período anterior à entrega das chaves nos contratos de compromisso de compra e venda de imóveis em construção sob o regime de incorporação imobiliária. Observou o Min. Antonio Carlos Ferreira que, a rigor, o pagamento pela compra de um imóvel em fase de produção deveria ser feito à vista. Não obstante, em favorecimento financeiro ao comprador, o incorporador pode estipular o adimplemento da obrigação mediante o parcelamento do preço, inclusive, em regra, a prazos que vão além do tempo previsto para o término da obra. Em tal hipótese, afigura-se legítima a cobrança dos juros compensatórios, pois o incorporador, além de assumir os riscos do empreendimento, antecipa os recursos para o seu regular andamento. Destacou-se que seria injusto pagar na compra parcelada o mesmo valor correspondente da compra à vista. Acrescentou-se, ainda, que, sendo esses juros compensatórios um dos custos financeiros da incorporação imobiliária suportados pelo adquirente, deve ser convencionado expressamente no contrato ou incluído no preço final da obra. Concluiu-se que, para a segurança do consumidor, em observância ao direito de informação insculpido no art. 6º, II, do CDC, é conveniente a previsão expressa dos juros compensatórios sobre todo o valor parcelado na aquisição do bem, permitindo, dessa forma, o controle pelo Judiciário. Além disso, afirmou o Min. Antonio Carlos Ferreira que se esses juros não puderem ser convencionados no contrato, serão incluídos no preço final da obra e suportados pelo adquirente, sendo dosados, porém, de acordo com a boa ou má intenção do incorporador. Com base nesse entendimento, deu-se provimento aos embargos de divergência para reconhecer a legalidade da cláusula contratual que previu a cobrança dos juros compensatórios de 1% a partir da assinatura do contrato. EREsp 670.117-PB, Rel. originário Min. Sidnei Beneti, Rel. para acórdão Min. Antonio Carlos Ferreira, julgados em 13/6/2012.

SÍNTESE: O entendimento firmado pela Segunda Seção do STJ é de suma relevância, já que importou em verdadeiro rompimento do que vinha sendo firmado pelas Turmas de Direito Privado daquele Superior Tribunal. Tanto a Terceira quanto a Quarta Turma do STJ entendiam que a cobrança dos chamados juros “no pé” era abusiva frente às normas consumeristas. Resumidamente, as decisões fundamentavam-se na ausência de capital mutuado pela construtora ao promitente comprador, bem como na não utilização do imóvel financiado, durante o período em que ele estava sendo construído, o que revelava a abusividade desse tipo de encargo. Contudo, como destacado, essa orientação foi superada no julgamento que comentamos nessa oportunidade, ficando ressalvado, todavia, que a cobrança de juros “no pé”deve constar expressamente no contrato, em razão do direito básico à informação, expressamente previsto no art. 6º, III, do CDC (Obs: no destaque foi feita referência ao inciso II do art. 6º, mas o correto é o inciso III).

COMENTÁRIOS:

Inicialmente, impende registrar que a espécie contratual analisada refere-se ao contrato de incorporação imobiliária, regulado pela Lei nº 4.591/64, com as alterações operadas pela Lei nº 4.864/65.

Na lição de Werson Rêgo, a incorporação imobiliária pode ser assim conceituada:

“É um empreendimento imobiliário que, em síntese apertada, visa a obtenção do capital necessário para a construção do prédio, mediante a venda antecipada de suas respectivas unidades autônomas e as correspondentes frações ideais das partes comuns e do terreno. Nessas circunstâncias, geralmente, o negócio jurídico se celebra por preço global, inclusive com parte do pagamento após a entrega da unidade, e deverão ser discriminados, no contrato, o preço da cota do terreno e o da construção. A operação é realizada, portanto, sob a forma de promessa de compra e venda” (RÊGO, Werson. O Código de Proteção e Defesa do Consumidor e os negócios jurídicos imobiliários: aspectos doutrinários e jurisprudenciais. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 115).

Estabelecido o conceito de incorporação imobiliária, passamos a entender o que significam juros “no pé”. 

Trata-se de expressão comumente utilizada no mercado imobiliário, e que também passou a ser usada por nossos tribunais em suas decisões, significando, nada mais do que a cobrança de juros praticada antes que o imóvel objeto do financiamento seja erguido, isto é, enquanto está na planta, no chão, ou seja, na dicção popular: “no pé”.

No mercado imobiliário, a cobrança de juros “no pé” pode acontecer de duas formas: (i) o incorporador dilui os juros compensatórios nas parcelas devidas pelo promitente comprador; (ii) o incorporador cobra os juros de uma só vez, quando o imóvel fica pronto, inclusive o período anterior à entrega das chaves ao consumidor.

As Turmas de Direito Privado do STJ possuíam entendimento majoritário no sentido da abusividade desse tipo de cobrança, já que o promitente comprador, ao firmar o contrato de financiamento, não toma empréstimo (mútuo) junto à construtora, tampouco utiliza o imóvel durante sua construção, motivo pelo qual a cobrança de juros compensatórios seria indevida. A exemplificar os julgados da Terceira Turma, confira-se: AgRg no Ag 1014027 / RJ; AgRg no Ag 1402399 / RJ; AgRg no REsp 1184536 / RJ. Na Quarta turma, o mesmo entendimento havia prevalecido no REsp 670117 / PB. Contudo, nestes autos foram interpostos Embargos de Divergência pela construtora vencida, cujo julgamento resultou no entendimento esposado.

Do ponto de vista do direito consumerista, entendemos que houve um retrocesso, em detrimento do consumidor, no posicionamento firmado pela Segunda Seção do STJ. A cobrança dessa espécie de encargo, a nosso ver, continua sendo abusiva, pelos mesmos fundamentos repetidamente utilizados nos julgados que adotavam esse entendimento. Isto é, na relação entre o promissário comprador e a construtora/incorporadora inexiste um contrato de mútuo (empréstimo), tampouco o consumidor utiliza o imóvel objeto do contrato de compra e venda, não havendo o que se compensar.

Antes do julgado em comento entendia-se, corretamente, em nossa opinião, que, pelo fato de os juros representarem remuneração de capital, deveria haver uma contrapartida da construtora, sob pena de enriquecimento sem causa, evento este que não ocorre in casu. A construtora simplesmente nada empresta ao mutuário; as instituições financeiras, sim, é que são legalmente autorizadas a realizar esse tipo de operação. Via de consequência, e por ser natural em um contrato de mútuo, podem cobrar juros sobre o dinheiro emprestado. Sendo assim, se não há retribuição por parte do incorporador, compensa-se o que?

A abusividade da cobrança de juros “no pé” sempre foi objeto de acalorados debates, dividindo os operadores do direito, e já havia sido expressamente declarada pela Secretaria de Direito Econômico do Ministério da Justiça, através da edição da Portaria nº 3, de 15 de março de 2001, que estabeleceu um rol de cláusulas abusivas em contratos de consumo regulados pelo CDC. Consta do item 14 do elenco de cláusulas declaradas abusivas que assim será considerada a cláusula “que estabeleça, no contrato de venda e compra de imóvel, a incidência de juros antes da entrega das chaves”. Ou seja, juros “no pé”.

É de notório conhecimento que, para a maioria dos brasileiros que recorrem a financiamento para a aquisição da casa própria, o cumprimento da avença já é bastante sacrificante, pois o mutuário sacrifica parcela significativa de suas economias para honrar as parcelas do contrato durante longo prazo. Nesse sentido, pensamos que a imposição desse “plus” ao consumidor colide frontalmente com a função social do contrato. Isto é, ao invés de se facilitar a aquisição do imóvel, como meio de concretizar o direito fundamental à moradia (art. 6º - CF/88), dificulta-se ainda mais o seu alcance.

No âmbito do próprio STJ, cabe destacar o elucidativo e didático trecho do voto proferido pelo min. Luiz Felipe Salomão neste julgado que comentamos, cuja leitura de sua íntegra fica desde já recomendada:

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“Em contratos de promessa de compra e venda de imóvel não construído, o preço integral do imóvel somente é exigido pelo vendedor quando da entrega das chaves, ocasião em que o consumidor deverá pagá-lo, com as próprias forças, ou mediante financiamento bancário. Por outro lado, de regra - mas não obrigatoriamente -, a construtora, com o escopo de capitalizar-se para erguer o empreendimento, busca recursos tanto no mercado financeiro quanto junto aos promitentes compradores.

Inclusive, em razão de reiteradas disputas entre o agente financiador da obra e o consumidor - promitente comprador da unidade habitacional -, este e. STJ editou a Súmula n.º 308: "A hipoteca firmada entre a construtora e o agente financeiro, anterior ou posterior à celebração da promessa de compra e venda, não tem eficácia perante os adquirentes do imóvel".

Daí já se percebe que, durante a obra, o consumidor não adquire nem usufrui de capital alheio, financeiro ou imobilizado, mas, muito pelo contrário, é a construtora que se capitaliza com recursos de outrem – de instituições financeiras e de particulares promitentes compradores”.

Nada obstante, a Segunda Seção daquele Superior Tribunal entendeu que os riscos do empreendimento do incorporador devem ser compensados, na medida em que ele antecipa recursos para o regular andamento da obra (compra do terreno, materiais de construção, contratação de mão-de-obra etc.), e em razão disso, não seria justo que o comprador pagasse, a prazo, o mesmo preço fixado para pagamento à vista.

Ocorre que, como bem frisado no bojo do julgado, o incorporador, enquadrado como fornecedor (art. 3º do CDC), atua no mercado de consumo assumindo os riscos do empreendimento, e isso é natural a qualquer empresa; pertence à sua essência. Portanto, os riscos devem ser assumidos pelo empresário. Sendo assim, a nosso juízo seria lícita apenas a cobrança de correção monetária. Ademais, não se pode perder de vista que os fornecedores, valendo-se de cálculos atuariais, já embutem todos os custos da obra no preço final do imóvel, sendo que, nos dizeres do eminente ministro acima citado, “certamente consubstanciaria um bis in idem, porquanto a mesma despesa estaria sendo contabilizada ‘no pé’ e durante todo contrato, gerando uma desvantagem exagerada para o consumidor”.

Entretanto, como não poderia deixar de ser, restou estatuído no julgado que a cobrança de juros compensatórios antes da entrega das chaves ao adquirente de imóvel deverá constar expressamente do respectivo contrato, em obediência à norma insculpida no art. 6º, III, do CDC, que impõe ao fornecedor de produtos e serviços o dever jurídico de informar ao consumidor, clara e adequadamente, entre outras características, aquelas afetas ao preço, no qual, obviamente, estão incluídos os juros.

Em complemento a esse dever, não custa lembrar a regra etiquetada no art. 46 do CDC, estatuindo que ”os contratos que regulam as relações de consumo não obrigarão os consumidores, se não lhes for dada a oportunidade de tomar conhecimento prévio de seu conteúdo, ou se os respectivos instrumentos forem redigidos de modo a dificultar a compreensão de seu sentido e alcance”. Destarte, não havendo a previsão expressa dos juros compensatórios, o incorporador não poderá exercitar tal cobrança.

De qualquer forma, ainda que prejudicial ao consumidor, por onerá-lo excessivamente, o leitor deverá se atentar para essa nova orientação, uma vez que fora emanada da reunião das duas Turmas de Direito Privado do STJ, o que sinaliza a adoção desse entendimento a partir desse momento.

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Sobre o autor
Vitor Guglinski

Advogado. Professor de Direito do Consumidor do curso de pós-graduação em Direito da Universidade Cândido Mendes (RJ). Professor do curso de pós-graduação em Direito do Consumidor na Era Digital do Meu Curso (SP). Professor do Curso de pós-graduação em Direito do Consumidor da Escola Superior da Advocacia da OAB. Especialista em Direito do Consumidor. Membro do Instituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor (Brasilcon). Ex-assessor jurídico do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais. Autor colaborador da obra Código de Defesa do Consumidor - Doutrina e Jurisprudência para Utilização Profissional (Juspodivn). Coautor da obra Temas Actuales de Derecho del Consumidor (Normas Jurídicas - Peru). Coautor da obra Dano Temporal: O Tempo como Valor Jurídico (Empório do Direito). Coautor da obra Direito do Consumidor Contemporâneo (D'Plácido). Coautor de obras voltadas à preparação para concursos públicos (Juspodivn). Colaborador de diversos periódicos jurídicos. Colunista da Rádio Justiça do Supremo Tribunal Federal. Palestrante. Currículo Lattes: http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K4246450P6

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GUGLINSKI, Vitor. Jurispridência comentada: STJ - 2ª Seção - Juros compensatórios (juros no pé). Incidência anterior à entrega das chaves. Compromisso de compra e venda (EResp. 670.117/PB). Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3865, 30 jan. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/26526. Acesso em: 24 nov. 2024.

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