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Os serviços de táxi, sua natureza jurídica e a necessidade de ajustes terminológicos da legislação ao respectivo fenômeno – caso do Rio de Janeiro

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30/01/2014 às 12:40
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4. Os serviços de táxi e sua natureza jurídica.

Os serviços de táxi31 tiveram desde o seu surgimento um caráter privado e o ingresso do estado em sua relação se deu por necessidade de ordenamento e não por uma incapacidade do particular prestar tal serviço.

Para este serviço existem costumes que o tornam sui generis, como a necessidade de padronização, por meio de tarifa, em que pese sua origem privada. Trata-se de costume mundialmente adotado, pois, sendo um aluguel medido por meio de equipamento taximétrico, necessária é a padronização de suas unidades de medida.

A transferência do direito de operar, seja por ato inter vivos, gratuito ou oneroso, bem como e razão de sucessão, é uma das características e práticas aplicáveis a este serviço com previsão legislativa e recorrência nas decisões judiciais.

Trata-se de serviço com relevância social, porém, desprovido de essencialidade, sua paralisação teria impacto nos sistemas de transporte e trânsito devido à transferência de modais por parcela dos usuários, mas, não representaria caos para a sociedade.

Apresenta condição de suplementar dentre os serviços de transporte direcionados ao público. E o mais relevante, sua prestação não constitui deve inescusável do estado. Não é exigível que o estado preste tal serviço.

A modicidade também não é uma de suas características, pois, seu custo, em que pese ser regulado e padronizado, não é acessível a toda a sociedade, assim como são os ônibus, trens e metrô. Trata-se de serviço direcionado a classe média e média alta.

Não se exige regularidade em sua prestação, a oferta é definida em razão de condições de demandas de mercado, tanto em relação aos horários de operação, noturnos ou diurnos, quanto aos locais com maior incidência do serviço.

Com relação à incidência da impessoalidade também esta não se aplica, em que pese regra geral estar aberto a todos e não se poder escolher usuários, no caso dos serviços por chama, táxi executivos/turísticos e taxis com serviços especiais, o atendimento está vinculado ao grupo específico de pessoas, pois, estes tem por obrigação atender aos usuários determinados.

No caso dos táxis executivos/turísticos, por exemplo, há uma vinculação a pontos turísticos específicos e, por consequência, limitação do conjunto de usuários a ser atendidos.

Desta maneira, verifica-se que os serviços de táxis não preenchem uma série de características essencialmente relacionadas ao conceito de serviço público, no caso, atividade de interesse geral.

Outra questão relevante é o fato da Constituição não ter tratado dos serviços de táxi em nenhum de seus artigos, tão pouco ter acometido a união, estados, distrito federal e municípios a obrigação de prestá-los e sua respectiva titularidade, uma vez que no que concerne a transporte terrestre de passageiros como serviço público, serviço de interesse geral, somente o transporte coletivo e o transporte rodoviário foram tratados constitucionalmente.

Os demais serviços de transporte, conforme Art. 178 da CFRB/88 estão sujeitos à ordenação dada sua natural vocação de operação sistêmica e integrada.

“Art. 178. A lei disporá sobre a ordenação dos transportes aéreo, aquático e terrestre, devendo, quanto à ordenação do transporte internacional, observar os acordos firmados pela União, atendido o princípio da reciprocidade. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 7, de 1995)

Parágrafo único. Na ordenação do transporte aquático, a lei estabelecerá as condições em que o transporte de mercadorias na cabotagem e a navegação interior poderão ser feitos por embarcações estrangeiras.”

Deste modo, a constituição claramente não reservou ao poder público, direitos sobre as atividades de operação dos serviços de táxi, seja diretamente, seja por delegação.

Outra forma de se considerar um serviço como público, como atividade de interesse geral, se abstrairmos a incidência de princípios constitucionais e características destes serviços, é a mera declaração desta condição por meio de lei ordinária.

Tomando o Município do Rio de Janeiro como base é claramente perceptível que tal situação não ocorreu.

A Lei Orgânica deste Município possui 60 menções do termo concessão, 27 menções do termo permissão e 36 menções ao termo autorização e nenhuma desta vinculadas direta ou indiretamente aos serviços de táxi;

O termo táxi é citado 9 vezes no texto do diploma constitutivo municipal e em todas as vezes em que se trata de uma atuação do poder público no sentido de possibilitar seu exercício, o termo licença é utilizado.

Relevante notar que o Art. 148 da Lei Orgânica, segundo preceito do Art. 175 da Constituição Federal, estabelece a concessão e a permissão como formas exclusivas para delegação de serviços públicos, não sendo admitida outra forma, seja, autorização ou licença.

Lei Orgânica do Município do Rio de Janeiro:

“Art. 148 - A prestação de serviços públicos poderá ser delegada a particular mediante concessão ou permissão, através de processo licitatório, na forma da lei.” grifo nosso

Não é possível concluir outra coisa senão à natureza de atividade privada dos serviços de táxi, mais precisamente de serviço de interesse econômico geral, seja por não se coadunar com características essenciais dos serviços de interesse geral, serviços públicos na acepção tradicional do termo, seja pelo fato da constituição é lei orgânica não atribuir a tais serviços, no Rio de Janeiro, tal condição.

Cabe ressaltar que, se serviço público fosse, o meio para sua delegação seria exclusivamente a permissão, nunca a autorização como se vem aventando como solução de ajuste normativa à realidade do serviço.

Sendo vedada, no Município do Rio de Janeiro, a atribuição de serviço público por meio de autorização, salvo em situação transitória e excepcional, em que não haja possibilidade de concorrência em processo licitatório, caso o serviço de táxi fosse público, não seria lícito delegação por meio de autorização.

Apesar de respeitosamente discordância quanto ao conteúdo do julgado, que parte do pressuposto de ser o Serviço de Táxi um Serviço de Interesse Público, cabe colacionar julgado que reconhece que a delegação de serviços público em essência, ainda que por autorização, devem ser precedidos de licitação.

Jurisprudência do STJ

“3. A delegação de serviço público de transporte por meio de táxi pressupõe a realização de licitação desde a Constituição da Republica de 1988, em razão de sempre haver limitação do número de delegatários e o manifesto interesse na exploração daquela atividade pelos particulares, seja pela via da permissão, seja pela via da autorização”32

Entendemos haver um erro de pressuposto no julgado ao tomar o serviço de taxi como público em sentido tradicional, bem como em admitir licitação para o instituto da autorização tendo por fundamento a limitação de acesso, uma vez que toda autorização de serviço público ou mesmo de uso de bem público pressupõe limitação de acesso. Entretanto, reflete bem a inadequação do instituto da autorização como meio de possibilitar o exercício dos serviços de táxi.

Em que pese nossa respeitosa discordância quanto à vinculação do serviço de táxi ao instituto da autorização, é possível verificar que Marçal Justen Filho considera os serviços de táxi como atividade privada.

“Como exposto, existem serviços que não são públicos, mas, que atendem a relevantes interesses. Costuma-se utilizar a expressão serviços públicos virtuais e se propôs, acima, a expressão serviços de interesse coletivo. A hipótese abrange os casos de transporte por meio de táxi, profissões regulamentadas, atividades de hotéis, bancos, seguros etc.”33

Neste mesmo sentido vale destacar decisão do STF no RE 359.444-3RJ, que apensar de trabalhar com o termo autorização, no voto do Ministro Marco Aurélio, tratou o táxi como serviço privado.

Os serviços de táxi, além de não preencherem os requisitos de classificação como serviços de interesse geral e, no Município do Rio de Janeiro, ter sido tratado como privado pela própria Lei Orgânica, refletem o exercício de uma profissão regulamentada pela Lei 12.468/11.

A própria origem do termo comum pelo qual as atuais “permissões” de táxi no Rio de Janeiro são tratadas, reflete sua condição originária e essencial de exercício de uma profissão de uma atividade profissional de caráter privado, ou não são estes serviços denominados historicamente como “autonomias”?

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Se buscarmos na legislação de outros municípios verificaremos a existência de uma série destes que também tratam da possibilidade de exercício do serviço através de licenciamento, todas com regras de limitação de acesso em razão de questões urbanísticas, ambientais e da necessidade de integração aos sistemas de trânsito, transporte e turismo da cidade.

Ao buscarmos na legislação comparada a forma com que tais serviços são tratados, não nos surpreendeu a confirmação da condição de atividade privada do serviço e da atuação reguladora e ordenadora do estado.

Poderíamos colacionar diversos textos legais com este posicionamento, mas, colacionaremos o que acreditamos estar mais bem estruturado, tal seja o de Zaragoza:

REGLAMENTO MUNICIPAL DEL SERVICIO URBANO DE AUTOTAXI DE ZARAGOZA.

Aprobación definitiva por Ayuntamiento Pleno el 29.02.2008

Publicado en BOPZ nº 55 de 08.03.2008

(...)

CAPÍTULO PRIMERO: DISPOSICIONES GENERALES

Art. 1.- Objeto

1.Es objeto del presente Reglamento la regulación del transporte de viajeros en automóviles de turismo de alquiler con conductor y con aparato taxímetro en el término municipal de Zaragoza, actividad que ostenta la calificación de servicio de interés público.

(...)

Art. 2.-. Principios generales

El régimen jurídico del servicio queda sujeto a los siguientes principios generales:

La intervención administrativa, que se fundamenta en la necesaria defensa del interés público, concretado en la óptima calidad del servicio.

El equilibrio entre la suficiencia y calidad del servicio y la rentabilidad de la explotación para el profesional, a cuya consecución se dirigen instrumentos como la existencia de limitaciones en el número de licencias y la fijación de tarifas obligatorias.

La universalidad, accesibilidad en condiciones de igualdad y continuidad del servicio, y el respeto a los derechos de transportistas y usuarios.

(...)

CAPÍTULO II DE LAS LICENCIAS

Sección primera : Disposiciones generales

Art. 4.- Necesidad de licencia.

Para la prestación del servicio urbano de autotaxi es condición imprescindible estar en posesión de la correspondiente licencia municipal que habilite para su realización, la cual se denominará licencia de autotaxi. La coordinación de la licencia con el título habilitante preciso para el desarrollo de transportes de ámbito interurbano se regulará por las normas autonómicas o, en su caso, estatales aplicables.

Art. 5.- Adscripción de vehículo.

La licencia de autotaxi habilitará para la prestación del servicio con un único vehículo, afecto a la licencia y cuya identificación figurará en la misma.

(...)

Art. 6.- Obtención de la licencia.

La licencia de autotaxi podrá obtenerse por otorgamiento del Ayuntamiento o por transmisión de su titular, siendo en este último supuesto necesaria la autorización del Ayuntamiento.

Sección segunda : De la creación de licencias por el Ayuntamiento

Art. 7.-Presupuestos

1.La creación de nuevas licencias por parte del Ayuntamiento vendrá determinada por la necesidad del servicio a prestar al público.

2.Para acreditar dicha necesidad se deberá tener en cuenta cualquier factor que influya en la oferta y demanda de transporte urbano, y esencialmente el incremento de la población censada en el municipio.

Deberá tramitarse expediente a tal efecto en el que queden acreditadas la necesidad y conveniencia del servicio a prestar al público, analizándose específicamente las siguientes cuestiones:

a) La situación del servicio en calidad y extensión antes del otorgamiento de nuevas licencias.

b) El tipo, extensión y crecimiento de los núcleos de población (residencial, turística, industrial, etc.).

c) Las necesidades reales de un mejor y más extenso servicio.

d) La repercusión de las nuevas licencias a otorgar en el conjunto del transporte y la circulación.

(...)

Art. 8.- Contingente

El otorgamiento de nuevas licencias no podrá suponer una proporción superior a una licencia por cada cuatrocientos habitantes censados del municipio, sin que ello lleve aparejada la obligación de disminuir el número de licencias actualmente existentes. Ello sin perjuicio de lo establecido en la disposición adicional segunda del presente reglamento.

Em que pese algumas impropriedades no texto desta lei, verifica-se claramente a natureza privada o instituto, o papel regulador do governo e a utilização de licença com regra de bloqueio.

Por todo o exposto, no Brasil, em especial no Rio de Janeiro, não há como entender o Serviço de Táxi como atividade de natureza que não seja a privada e, portanto, objeto de licenciamento, se a lei assim dispuser como ocorre no caso do Rio de Janeiro.

Além de definir como licença o meio pelo qual se possibilita o exercício desta profissão, o Rio de Janeiro ainda possui um requisito objetivo de limitação em razão do planejamento da própria cidade, tal seja a limitação do numero de operadoras em 1 para cada 700 habitantes, número já há muito superado.

Trata-se de regra de ordenação e não de mera limitação, pois, em tese não há impedimento para o acesso, mas, tão somente uma condição, em sendo superado o atual número de licenças vigentes, nada obsta o requerimento de novas licenças, devendo apenas o Município se preparar para definir os meios pelos quais se acessará estas novas licenças.

O que ocorre no Rio de Janeiro é uma transnominação do termo “permissão” em substituição ao termo licença. Assim, a correta interpretação da legislação infraconstitucional é de que onde se lê “permissão” ou “autorização” o sentido correto é de licença.

Entendemos ser ato que desafia a constitucionalidade eventual ajuste terminológico da Lei Orgânica para tratar a forma de possibilitação do exercício da atividade de taxista através de permissão ou autorização, pois, representará usurpação de atividade legada a iniciativa privada.

O ideal é promover uma reformulação da legislação infraorgânica, de modo a compatibilizá-lo com os preceitos constitucionais, as determinações da Lei Orgânica e o planejamento e ordenação da cidade, pois, não é possível imaginar esta atividade com crescimento desordenado, fato que teria impactos em todo o mobiliário urbano e no próprio equilíbrio econômico do mercado, fato que em curto prazo prejudicaria direitos do consumidor deste serviço.

Outra questão de extrema relevância a fundamentar uma regulação e controle estadual deste tipo de serviço é a segurança pública, seja em razão da possibilidade de criminosos se infiltrarem como operadores, seja em razão da necessidade de verificação da capacidade profissional do operador em operar com segurança o transporte de passageiros.

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Sobre o autor
Abdul Nasser

Especialista em Direito Tributário pela Fundação Getúlio Vargas; Bacharel em Direito pela Universidade Candido Mendes. Membro da comissão especial de Direito Cooperativo da OAB/RJ, Membro da AIDC – Associação Internacional de Direito Cooperativo. Professor em cursos de extensão e pós-graduação em Direito e Cooperativismo pela FGV – Fundação Getúlio Vargas. Sua experiência profissional inclui a assessoria jurídica à cooperativas dos sistemas Unimed e Uniodonto, entre outros ramos cooperativistas. Assessor jurídico da OCB/RJ – Organização das Cooperativas Brasileiras do Estado do Rio de Janeiro; do SESCOOP/RJ – Serviço Nacional de Aprendizagem do Cooperativismo no Estado do Rio de Janeiro; Foi Assessor Jurídico do SESCOOP – PA – Serviço Nacional de Aprendizagem do Cooperativismo no Estado do Pará. Gerente dos projetos de modernização do trânsito e transporte do Munícipio de Duque de Caxias e Coordenador de serviços de Transporte no Município de Duque de Caxias.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

NASSER, Abdul. Os serviços de táxi, sua natureza jurídica e a necessidade de ajustes terminológicos da legislação ao respectivo fenômeno – caso do Rio de Janeiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3865, 30 jan. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/26567. Acesso em: 25 abr. 2024.

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