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A reformatio in pejus no processo administrativo sancionador

31/01/2014 às 14:15
Leia nesta página:

O princípio da reformatio in pejus não tem aplicação absoluta no processo administrativo sancionador, podendo haver majoração de penalidade imposta pelos órgãos de segunda instância.

1. Introdução

Considerando as peculiaridades do processo administrativo sancionador, o presente estudo se propõe a averiguar a possibilidade de agravamento de penalidade imposta pela Administração.

Sendo assim, se buscará definir os limites da Administração Pública ao reavaliar suas decisões, à luz da Lei n. 9.784/99 (Lei do Processo Administrativo Federal).


2. Limites da Administração na majoração de sanções impostas aos administrados:

A Administração Pública no exercício de suas atividades, muitas vezes, tem o dever de apurar infrações cometidas por seus administrados e aplicar a correspondente penalidade.

Tal atividade de apuração e punição, tendo em vista os princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório, pressupõe a abertura de processo administrativo, no qual se garanta ao interessado o direito de se defender. Como o intuito do referido processo é a aplicação de uma determinada sanção, é utilizada a denominação de processo administrativo sancionador para designá-lo.

O processo administrativo sancionador, assim como os demais processos administrativos, deve pautar-se pelo princípio da legalidade, observando os limites existentes para o legítimo exercício do seu poder-dever de apurar infrações e aplicar penalidades.

Sob esse aspecto, tem-se discutido se o princípio da reformatio in pejus é um limitador absoluto a ser observado pela Administração na aplicação de suas sanções, ou seja, se existe a possibilidade de os órgãos administrativos de segunda instância majorarem penalidade anteriormente imposta.

A reformatio in pejus decorre da lógica de que não é possível se piorar a situação do recorrente, se a outra parte, em tese principal interessada em um eventual agravamento, conformou-se com a condenação.

Assim, vislumbra-se absoluta coerência da aplicação da referida proibição nas hipóteses em que temos processos com duas partes envolvidas. No entanto, quando não há essa situação, como nos processos administrativos sancionadores, a aplicação do instituto precisa ser mitigada.

Nesse contexto, a Lei n. 9.784/99 previu expressamente a possibilidade de reformatio in pejus através do seu artigo 64, concedendo aos órgãos de segunda instância um amplo Poder, na medida em que permite que tal órgão reavalie todo o processo, independentemente das matérias alegadas, bastando que, para tanto, estas sejam de sua competência, ocasião em que poderá confirmar, modificar, anular ou revogar, total ou parcialmente, a decisão recorrida, ainda que tal revisão acarrete gravame à situação do recorrente:

Art. 64. O órgão competente para decidir o recurso poderá confirmar, modificar, anular ou revogar, total ou parcialmente, a decisão recorrida, se a matéria for de sua competência.

Parágrafo único. Se da aplicação do disposto neste artigo puder decorrer gravame à situação do recorrente, este deverá ser cientificado para que formule suas alegações antes da decisão.

Dessa forma, não há que se falar em vedação absoluta de reformatio in pejus no âmbito administrativo, já que a própria Lei que regula o Processo Administrativo Federal permite que o órgão de segunda instância administrativa conheça de ofício qualquer matéria de sua competência e modifique livremente a decisão anterior, podendo, inclusive, agravar a situação do recorrente, desde que garantido ao interessado o direito de se manifestar.

Ao assim disciplinar a questão, a Lei n. 9.784/99 permitiu o agravamento da sanção de ofício pela Administração em âmbito recursal, sem violar os direitos do recorrente, pois ao exigir a abertura de prazo para manifestação do interessado garantiu-lhe o exercício do contraditório e da ampla defesa.

Ademais, em tais casos não há que se cogitar em violação do Princípio da Proteção à Confiança ou da Segurança Jurídica. Isso porque o artigo 64 da Lei n. 9.784/99 permite que a situação do recorrente seja piorada pelos órgãos recursais somente antes da conclusão do processo administrativo, ou seja, antes que qualquer condição se consolide.

Ao contrário, pode-se dizer, inclusive, que a Lei do Processo Administrativo Federal prestigia expressamente os referidos princípios ao vedar a possibilidade de majoração da sanção após o encerramento do processo:

Art. 65. Os processos administrativos de que resultem sanções poderão ser revistos, a qualquer tempo, a pedido ou de ofício, quando surgirem fatos novos ou circunstâncias relevantes suscetíveis de justificar a inadequação da sanção aplicada.

Parágrafo único. Da revisão do processo não poderá resultar agravamento da sanção.

Dessa forma, verifica-se que, em face das normas vigentes, apenas haverá ofensa aos princípios da Proteção à Confiança e da Segurança Jurídica se a Administração agravar a sanção imposta ao administrado após o “trânsito em julgado administrativo”.

Tal regramento da matéria, portanto, é irretocável, pois se coaduna com a visão segundo a qual o Direito Administrativo Sancionador deve primar pela defesa do interesse público, sem aniquilar os direitos individuais.

Para finalizar, válido transcrever importante reflexão feita por Carlos Ari Sundfeld, que apenas corrobora as considerações acima declinadas[i]:

“É necessário atentar em que os procedimentos administrativos normalmente não imitam os judiciais, inexistindo um agente encarregado de formular recursos pela Administração. Assim, se inadmitida a reformatio in pejus, a primeira autoridade a decidir seria absoluta, quando favorecesse o acusado. De outro lado, recurso – bem como o próprio procedimento – não existe exclusivamente para garantia do administrado, mas também para assegurar que a decisão seja o mais possível ajustada à lei, o que é o único interesse da Administração. Por fim, se é verdadeiro que a reformatio in pejus pode ser usada para indiretamente constranger o acusado a não recorrer, é certo igualmente que, se a revisão resultar em ilegalidade, sempre haverá o recurso ao Judiciário. Portanto, este constrangimento só poderá ser eficaz  contra quem sabe que o Judiciário não alterará a decisão, por ser ela válida. Em outras palavras, o constrangimento só pode atingir quem foi sancionado de forma mais branda que o correto, de maneira que a interdição da reformatio in pejus, se a aceitássemos, viria em benefício exclusivo das decisões ilegais” .

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3. Considerações Finais

Diante do quadro apresentado no decorrer desse trabalho, constata-se que o princípio da reformatio in pejus não tem aplicação absoluta no processo administrativo sancionador, podendo haver majoração de penalidade imposta pelos órgãos de segunda instância, antes do trânsito em julgado administrativo.

Tal possibilidade, além de ter expressa previsão legal (parágrafo único do art. 64 da Lei do Processo Administrativo Federal), não ofende qualquer princípio constitucional, sendo, consequentemente, legítima.

Os direitos do administrados, por sua vez, não são violados, na medida em que antes da majoração, é lhe garantido o direito de se manifestar e, após a prolação de decisão definitiva, é absolutamente vedada a majoração de sua sanção.

Dessa forma, em que pese o presente estudo não tenha a pretensão de exaurir a problemática e tampouco apresentar uma conclusão definitiva, vislumbra-se o acerto da previsão do parágrafo único do artigo 64 da Lei n. 9.784/99, pois ele prestigia a defesa do interesse público, sem violar direitos individuais.


Nota

[i] Sundfeld, Carlos Ari. A defesa nas sanções administrativas. Apud Daniel Ferreira. Sanções Administrativas. pp. 130 e 131.

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Sobre a autora
Ângela Onzi Rizzi

Procuradora Federal. Ex-Procuradora do Estado do RS. Pós graduada em Direito Público

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RIZZI, Ângela Onzi. A reformatio in pejus no processo administrativo sancionador. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3866, 31 jan. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/26575. Acesso em: 22 dez. 2024.

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