PRESCRIÇÃO VIRTUAL
Por fim, e não menos importante, é a prescrição virtual, também denominada como em perspectiva, retroativa antecipada, projetada ou por prognose.
Trata-se de “criação jurisprudencial, sem amparo legal, que tem por finalidade a antecipação do reconhecimento da prescrição retroativa” (Cunha, 2013, 306) cujo fundamento “reside na falta de interesse de agir do Estado no prosseguimento da ação penal cuja sentença, dadas as circunstâncias do crime e condições do próprio réu, será fixada em patamares mínimos, conduzindo o juízo, no futuro, ao certo reconhecimento da prescrição retroativa” (idem).
De outro modo, diz-se prescrição virtual à prescrição da pretensão punitiva que é reconhecida antecipadamente, tomando como base uma pena provavelmente fixada, que no caso de condenação futura, estaria fulminada pela prescrição retroativa. Tem como fundamento a falta de interesse de agir do Estado, pois, segundo Renato Brasileiro, “não faz sentido dar início a um processo penal fadado à prescrição. Em outras palavras, qual seria a utilidade de um processo penal, com grande desperdício de atos processuais, de tempo, de trabalho humano etc., se, antecipadamente, já se pode antever que não haverá resultado algum?” (Lima, 2012, p. 251).
Entretanto, essa modalidade de prescrição não é bem vinda perante os Tribunais, tanto é que o Superior Tribunal de Justiça sumulou no sentido de que “É inadmissível a extinção da punibilidade pela prescrição da pretensão punitiva com fundamento em pena hipotética, independentemente da existência ou sorte do processo penal” (Súmula 438), sob o fundamento de ausência de amparo legal.
Ratificando o posicionamento jurisprudencial, eis o julgado do Supremo Tribunal Federal: “De qualquer forma, é inadmissível a extinção da punibilidade em virtude de prescrição da pretensão punitiva com base em previsão da pena que hipoteticamente seria aplicada” (ARE 708233 AgR / SP. Rel. Roberto Barroso. T1. Julg. 15.10.2013)
Nesse mesmo sentido, é o entendimento de Bitencourt: “não há suporte jurídico para o reconhecimento antecipado da prescrição retroativa, como se está começando a apregoar, com base numa pena hipotética. Ademais, o réu tem direito a receber uma decisão de mérito, onde espera ver reconhecida a sua inocência. Decretar a prescrição retroativa, com base em uma hipotética pena concretizada, encerra uma presunção de condenação, consequentemente de culpa, violando o princípio constitucional da presunção de inocência” (2007, p. 721).
Continuando com o exemplo acima, imagine que o agente foi denunciado pelo furto simples. Porém, do recebimento da denúncia até o oferecimento da defesa preliminar, já decorreu prazo superior a 4 anos (sem qualquer causa impeditiva). Sabe-se de antemão que o réu é primário, de bons antecedentes, não há circunstâncias agravantes, confessou a prática do crime no inquérito policial e restituiu o bem subtraído, voluntariamente. Assim, na pior das hipóteses, imaginando uma condenação futura, a sua pena não ultrapassaria 2 anos, estando certamente prescrita na forma retroativa. Por conseguinte, é possível, para a prescrição virtual, que o juiz, ao observar os fatos, declare a prescrição da pretensão punitiva, sem que seja necessário prosseguir com a demanda até eventual sentença condenatória.
PENAS RESTRITIVAS DE DIREITOS
Havendo substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos (art. 44, do CP), a pena restritiva de direito prescreve no mesmo prazo estabelecido para a pena privativa de liberdade (art. 109, parágrafo único, do CP). Neste sentido é o magistério de Delmanto et alii “Dispõe (...) que os mesmos prazos previstos para as penas privativas de liberdade são aplicáveis às penas restritivas de direitos. Como estas são substitutivas daquelas, o dispositivo interessa às formas de prescrição dos §§ 1º e 2º do art. 110 (prescrição subsequente e retroativa) a que este art. 109 faz expressa remissão (...)”. (2010, p. 409).
ATOS INFRACIONAIS
Embora não seja matéria constante no Código Penal, vale a pena frisar que há prescrição nos atos infracionais (amparados pelo Estatuto da Criança e do Adolescente). O prazo prescricional para tais atos é o mesmo do crime (tipo penal incriminador) correspondente. A propósito, este é o teor da Súmula 338 do Superior Tribunal de Justiça: “A prescrição penal é aplicável nas medidas sócio-educativas”.
MEDIDA DE SEGURANÇA
Declarada a prescrição da pretensão punitiva, é impossível a aplicação de medidas de segurança face ao inimputável. Ou seja, a aplicação da medida de segurança (internamento ou tratamento ambulatorial) fica inviável pela prescrição da pretensão punitiva do Estado, nos termos do artigo 96, parágrafo único, do Código Penal. Assim, “Se ocorrer a prescrição, em qualquer de suas formas, não caberá a medida de segurança na jurisdição penal. A situação de perigo, causada pelo doente mental ou pelo portador de desenvolvimento mental incompleto ou retardado ou de perturbação da saúde mental, deve ser resolvida pelas medidas de internamento promovidas pela família ou pelo poder público responsável pela saúde pública” (Dotti, 2010, p. 779).
Não é outro o precedente do Superior Tribunal de Justiça, que determina a prescrição pela pena máxima em abstrato. Confira: “A medida de segurança é espécie do gênero sanção penal e se sujeita, por isso mesmo, às regras contidas no artigo 109 do Código Penal, sendo passível de ser extinta pela prescrição. (...) A prescrição da medida de segurança aplicada a inimputável, é contada pelo máximo da pena abstratamente cominada ao delito”. (HC 182973 / DF. Rel. Laurita Vaz. T5. DJe 26.06.2012)
PENA DE MULTA
Em regra, a pena de multa prescreve no mesmo prazo estabelecido para a pena privativa de liberdade (art. 114, inciso II, do CP) e prescreverá quando a pena privativa também prescrever (art. 118 do CP), independentemente da conversão da pena privativa por restritiva de direito. No entanto, somente no caso de cominada ou aplicada isoladamente, isto é, havendo previsão de aplicação in abstrato unicamente da multa ou no caso concreto seja aplicada apenas a pena de multa, a sua prescrição ocorrerá em 2 anos (art. 114, inciso I, do CP).
Em suma, “a pena de multa pode prescrever em prazo fixo ou prazo variável, dependendo de sua cominação ou aplicação isolada, alternativa ou cumulativa com penas privativas de liberdade: a) prazo fixo de 2 anos, se cominada ou aplicada de forma isolada; b) prazo variável conforme o prazo de prescrição da pena privativa de liberdade, se cominada de forma alternativa ou cumulativa com pena privativa de liberdade ou se aplicada de forma cumulativa com pena privativa de liberdade” (Santos, 2011, p. 407).
REDUÇÃO DOS PRAZOS
Consoante se depreende do artigo 115 do Código Penal, duas são as hipóteses para a redução do prazo prescricional pela metade: a) ao tempo do crime, era o agente menor de 21 anos (leia-se, entre 18 a 20 anos completos); b) na data da sentença, ser ao agente maior de 70 anos. Deste modo “são reduzidos de metade os prazos da prescrição quando o criminoso era, ao tempo do crime, menor de 21 ou maior de 70 anos na data da sentença” (Jesus, 2006, p. 738).
Primeiro aspecto a considerar é que a redução do prazo prescricional refere-se aquele previsto no artigo 109 do Código Penal. Logo, a tabela desse artigo, com a redução, passaria a ser visto da seguinte maneira: a) pena não superior a 1 ano, prescrição em 1 ano e 6 meses; b) pena de 1 a 2 anos, prescrição em 2 anos; c) acima de 2 a 4 anos, prescrição em 4 anos; d) acima de 4 até 8 anos, prescrição em 6 anos; e) acima de 8 até 12 anos, prescrição em 8 anos; e acima de 12 anos, prescrição em 10 anos. E pena de multa, isolada, em 1 ano.
Com relação à emancipação do agente “por qualquer uma das formas disciplinadas pela lei civil não gerará efeitos para fins de aplicação do dispositivo em tela, de modo que, ainda que emancipado, o menor de 21 anos continuará a ser beneficiado pela redução do lapso prescricional estabelecido pelo Código Penal” (Prado, 2010, p. 399).
É de se considerar que o fato da redução da maioridade civil para 18 anos (com o advento do Código Civil de 2002) e a vigência do Estatuto do Idoso (considerando aquele com idade igual ou superior a 60 anos) em nada interferiu à norma penal de redução de prazo prescricional, sendo vedada interpretação in mallan parte. Dito de outro modo, “Seria necessária revogação expressa dos dispositivos penais” (Cunha, 2013, p. 313).
Acresça-se que ambas as causas redutoras do prazo prescricional são incomunicáveis, isto é, possuem caráter pessoal, não aproveitando aos demais coautores ou partícipes do crime.
Por fim, adverte-se que a reincidência em nada altera a contagem do prazo prescricional da pretensão punitiva, apenas a executória. Segundo o Superior Tribunal de Justiça “A reincidência não influi no prazo da prescrição da pretensão punitiva” (Súmula 220).
CONCURSO DE CRIMES
No caso de concurso de crimes, a prescrição incidirá sobre cada um dos delitos, isoladamente, não levando em consideração o aumento de pena (exasperação) para fins de fixação do prazo prescricional. A prescrição, portanto, opera de forma isolada para cada um dos crimes, sendo irrelevante o aumento da pena.
Neste sentido, o Supremo Tribunal Federal editou a Súmula 497 “Quando se tratar de crime continuado, a prescrição regula-se pela pena imposta na sentença, não se computando o acréscimo decorrente da continuação”.
Vale frisar ainda que sendo o agente menor de 21 anos e no decorrer da continuidade delitiva atinge a idade de 21, a redução da prescrição (art. 115 do CP) somente atinge aqueles fatos praticados antes de completar os 21 anos. É possível, assim, a separação de cada fato, aplicando para cada um, a prescrição devida (reduzida pela metade ou comum).
BIBLIOGRAFIA
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: Parte Geral. 11. Ed. São Paulo: Saraiva, 2007. Vol. 1.
CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: Parte Geral. 11. Ed. São Paulo: Saraiva, 2007. Vol. 1.
CUNHA, Rogério Sanches. Manual de Direito Penal: Parte Geral. Salvador: Jus Podivm, 2013.
DELMANTO, Celso. Et alii. Código Penal Comentado. 8. Ed. São Paulo: Saraiva, 2010.
DOTTI, Rene Ariel. Curso de Direito Penal: Parte Geral. 3. Ed. São Paulo: 2010.
JESUS, Damásio Evangelista de. Direito Penal: Parte Geral. 28. Ed. São Paulo: Saraiva, 2006. Vol. 1.
LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de Processo Penal. Niteroi: Impetus, 2011. Vol. 1.
PRADO, Luiz Régis. Comentários ao Código Penal. 5. Ed. São Paulo: RT, 2010.
SANTOS, Juarez Cirino dos. Manual de Direito Penal: Parte Geral. São Paulo: Conceito Editoral, 2010.
ZAFFARONI, Eugenio Raul. PIERANGELI, José Henrique. Manual de Direito Penal Brasileiro: Parte Geral. 5. Ed. São Paulo: RT, 2004.