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Da prescrição da pretensão punitiva no Código Penal

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25/02/2014 às 11:30
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PRESCRIÇÃO EM ABSTRATO

Segundo Bitencourt “denomina-se prescrição abstrata porque ainda não existe pena concretizada na sentença para ser adotada como parâmetro aferidor do lapso temporal” (2007, p. 718). Destarte, a prescrição regula pela pena máxima cominada ao delito (teoria da pior das hipóteses). Essa modalidade de prescrição também é chamada de prescrição da pretensão punitiva propriamente dita.

Nas palavras de Damásio “a prescrição da pretensão punitiva é regulada pela pena abstrata cominada na lei penal incriminadora, seja simples, seja qualificado o delito. O prazo prescricional varia de acordo com o máximo da sanção abstrata privativa de liberdade, com desprezo da pena de multa, quando cominada cumulativa ou alternativamente” (JESUS, 2006, p. 720). Nesta subespécie, basta a mera verificação (simples comparação) da pena in abstrato com os incisos do artigo 109 do Código Penal, para descobrir o tempo da prescrição.

A título ilustrativo, suponha que o agente tenha praticado o crime de furto simples (art. 155, caput, do CP), cuja pena é de reclusão de 1 a 4 anos e multa. A prescrição, neste caso, regular-se-á pela máxima abstrata, ou seja, 4 anos. Assim, comparando-se ao artigo 109, inciso IV, do Código Penal (mais de 2 a 4 anos, inclusive, a prescrição ocorre em 8 anos), o prazo prescricional será de 8 anos para o caso concreto.


PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE

A prescrição intercorrente, também chamada de superveniente, posterior ou subsequente, regula-se pela pena em concreto, com trânsito em julgado para a acusação (Ministério Púbico ou querelante), no que se refere à dosimetria da pena, aplicável a partir da sua publicação (causa interruptiva) em diante (até o trânsito em julgado para ambas as partes). Tal modalidade está prevista no artigo 110, § 1º, primeira parte do Código Penal.

Neste caso, “Aplicada a pena e não tendo havido recurso da acusação, a pena privativa de liberdade não pode mais ser alterada para prejudicar o sentenciado, tornando-se base para o cálculo da prescrição mesmo que não tenha transitado em julgado para defesa” (Zaffaroni e Pierangeli, 2004, p. 723). Assim, pode-se concluir que “a prescrição da ação penal regula-se pela pena concretizada na sentença, quando não há recurso da acusação” (Súmula 146 do STF), ou quando houver, for improvido (não alterando a dosimetria da pena).

Tome como exemplo o mesmo crime citado anteriormente. O agente praticou crime de furto simples (art. 155, caput, do CP), cuja pena privativa é de 1 a 4 anos de reclusão. A prescrição abstrata ocorreria em 8 anos (pois regulado pela pena máxima). No caso, porém, houve sentença condenatória, aplicando a pena de 1 ano ao réu. O Ministério Público, satisfeito, deixou de recorrer. Assim, o prazo prescricional passa a ser regulado pela pena em concreto, ou seja, 1 ano. E ao fazer a subsunção ao artigo 109 do Código Penal, é possível concluir que para pena de 1 a 2 anos, o prazo prescricional é de 4 anos (inciso V). Deste modo, o prazo prescricional de 4 anos será utilizado daquele momento (publicação da sentença condenatória) em diante (até o trânsito em julgado).


PRESCRIÇÃO RETROATIVA

A terceira forma de prescrição da pretensão punitiva é a retroativa. Juarez Cirino comenta que “A hipótese de pena aplicada com trânsito em julgado para a acusação, ou depois de improvido recurso da acusação, fundamenta a prescrição retroativa – uma criação original da jurisprudência brasileira –, regida pela pena concretizada na sentença e contada retrospectivamente até a denúncia, como causa de interrupção anterior” (Santos, 2011, p. 404).

São, portanto, características da prescrição retroativa: a) forma de prescrição da pretensão punitiva; b) regula-se pela pena em concreto; c) exige trânsito em julgado para acusação ou improvimento do seu recurso, na parte da dosimetria penal; d) contada da publicação da sentença/acórdão condenatórios para trás, isto é, em regra, até a data do recebimento da inicial.

É importante fazer a ressalva que, para os delitos praticados antes da vigência da Lei nº 12.234/2010, que alterou o artigo 110, § 2º, do Código Penal, é possível a prescrição retroativa abranger o período anterior do recebimento da denúncia ou da queixa, isto é, haver a prescrição da pretensão punitiva contados do recebimento da inicial até a data dos fatos (termo inicial). Para as infrações penais posteriores a sua vigência só se admite a prescrição retroativa até o recebimento da inicial.

Ainda no exemplo citado acima, o agente que foi condenado à 1 ano de reclusão, em sentença transitada em julgado apenas para a acusação, cuja prescrição ocorre em 4 anos, contar-se-á se da publicação da sentença condenatória até o recebimento da denúncia transcorreu o prazo superior a 4 anos (ausente causas suspensivas). Se sim, houve a prescrição retroativa.


PRESCRIÇÃO VIRTUAL

Por fim, e não menos importante, é a prescrição virtual, também denominada como em perspectiva, retroativa antecipada, projetada ou por prognose.

Trata-se de “criação jurisprudencial, sem amparo legal, que tem por finalidade a antecipação do reconhecimento da prescrição retroativa” (Cunha, 2013, 306) cujo fundamento “reside na falta de interesse de agir do Estado no prosseguimento da ação penal cuja sentença, dadas as circunstâncias do crime e condições do próprio réu, será fixada em patamares mínimos, conduzindo o juízo, no futuro, ao certo reconhecimento da prescrição retroativa” (idem).

De outro modo, diz-se prescrição virtual à prescrição da pretensão punitiva que é reconhecida antecipadamente, tomando como base uma pena provavelmente fixada, que no caso de condenação futura, estaria fulminada pela prescrição retroativa. Tem como fundamento a falta de interesse de agir do Estado, pois, segundo Renato Brasileiro, “não faz sentido dar início a um processo penal fadado à prescrição. Em outras palavras, qual seria a utilidade de um processo penal, com grande desperdício de atos processuais, de tempo, de trabalho humano etc., se, antecipadamente, já se pode antever que não haverá resultado algum?” (Lima, 2012, p. 251).

Entretanto, essa modalidade de prescrição não é bem vinda perante os Tribunais, tanto é que o Superior Tribunal de Justiça sumulou no sentido de que “É inadmissível a extinção da punibilidade pela prescrição da pretensão punitiva com fundamento em pena hipotética, independentemente da existência ou sorte do processo penal” (Súmula 438), sob o fundamento de ausência de amparo legal.

Ratificando o posicionamento jurisprudencial, eis o julgado do Supremo Tribunal Federal: “De qualquer forma, é inadmissível a extinção da punibilidade em virtude de prescrição da pretensão punitiva com base em previsão da pena que hipoteticamente seria aplicada” (ARE 708233 AgR / SP. Rel. Roberto Barroso. T1. Julg. 15.10.2013)

Nesse mesmo sentido, é o entendimento de Bitencourt: “não há suporte jurídico para o reconhecimento antecipado da prescrição retroativa, como se está começando a apregoar, com base numa pena hipotética. Ademais, o réu tem direito a receber uma decisão de mérito, onde espera ver reconhecida a sua inocência. Decretar a prescrição retroativa, com base em uma hipotética pena concretizada, encerra uma presunção de condenação, consequentemente de culpa, violando o princípio constitucional da presunção de inocência” (2007, p. 721).

Continuando com o exemplo acima, imagine que o agente foi denunciado pelo furto simples. Porém, do recebimento da denúncia até o oferecimento da defesa preliminar, já decorreu prazo superior a 4 anos (sem qualquer causa impeditiva). Sabe-se de antemão que o réu é primário, de bons antecedentes, não há circunstâncias agravantes, confessou a prática do crime no inquérito policial e restituiu o bem subtraído, voluntariamente. Assim, na pior das hipóteses, imaginando uma condenação futura, a sua pena não ultrapassaria 2 anos, estando certamente prescrita na forma retroativa. Por conseguinte, é possível, para a prescrição virtual, que o juiz, ao observar os fatos, declare a prescrição da pretensão punitiva, sem que seja necessário prosseguir com a demanda até eventual sentença condenatória.


PENAS RESTRITIVAS DE DIREITOS

Havendo substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos (art. 44, do CP), a pena restritiva de direito prescreve no mesmo prazo estabelecido para a pena privativa de liberdade (art. 109, parágrafo único, do CP). Neste sentido é o magistério de Delmanto et alii “Dispõe (...) que os mesmos prazos previstos para as penas privativas de liberdade são aplicáveis às penas restritivas de direitos. Como estas são substitutivas daquelas, o dispositivo interessa às formas de prescrição dos §§ 1º e 2º do art. 110 (prescrição subsequente e retroativa) a que este art. 109 faz expressa remissão (...)”. (2010, p. 409).

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ATOS INFRACIONAIS

Embora não seja matéria constante no Código Penal, vale a pena frisar que há prescrição nos atos infracionais (amparados pelo Estatuto da Criança e do Adolescente). O prazo prescricional para tais atos é o mesmo do crime (tipo penal incriminador) correspondente. A propósito, este é o teor da Súmula 338 do Superior Tribunal de Justiça: “A prescrição penal é aplicável nas medidas sócio-educativas”.


MEDIDA DE SEGURANÇA

Declarada a prescrição da pretensão punitiva, é impossível a aplicação de medidas de segurança face ao inimputável. Ou seja, a aplicação da medida de segurança (internamento ou tratamento ambulatorial) fica inviável pela prescrição da pretensão punitiva do Estado, nos termos do artigo 96, parágrafo único, do Código Penal. Assim, “Se ocorrer a prescrição, em qualquer de suas formas, não caberá a medida de segurança na jurisdição penal. A situação de perigo, causada pelo doente mental ou pelo portador de desenvolvimento mental incompleto ou retardado ou de perturbação da saúde mental, deve ser resolvida pelas medidas de internamento promovidas pela família ou pelo poder público responsável pela saúde pública” (Dotti, 2010, p. 779).

Não é outro o precedente do Superior Tribunal de Justiça, que determina a prescrição pela pena máxima em abstrato. Confira: “A medida de segurança é espécie do gênero sanção penal e se sujeita, por isso mesmo, às regras contidas no artigo 109 do Código Penal, sendo passível de ser extinta pela prescrição. (...) A prescrição da medida de segurança aplicada a inimputável, é contada pelo máximo da pena abstratamente cominada ao delito”. (HC 182973 / DF. Rel. Laurita Vaz. T5. DJe 26.06.2012)


PENA DE MULTA

Em regra, a pena de multa prescreve no mesmo prazo estabelecido para a pena privativa de liberdade (art. 114, inciso II, do CP) e prescreverá quando a pena privativa também prescrever (art. 118 do CP), independentemente da conversão da pena privativa por restritiva de direito. No entanto, somente no caso de cominada ou aplicada isoladamente, isto é, havendo previsão de aplicação in abstrato unicamente da multa ou no caso concreto seja aplicada apenas a pena de multa, a sua prescrição ocorrerá em 2 anos (art. 114, inciso I, do CP).

Em suma, “a pena de multa pode prescrever em prazo fixo ou prazo variável, dependendo de sua cominação ou aplicação isolada, alternativa ou cumulativa com penas privativas de liberdade: a) prazo fixo de 2 anos, se cominada ou aplicada de forma isolada; b) prazo variável conforme o prazo de prescrição da pena privativa de liberdade, se cominada de forma alternativa ou cumulativa com pena privativa de liberdade ou se aplicada de forma cumulativa com pena privativa de liberdade” (Santos, 2011, p. 407).

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Sobre o autor
Irving Marc Shikasho Nagima

Bacharel em Direito. Especialista em Direito Criminal. Advogado Licenciado. Ex-Assessor de Juiz. Assessor de Desembargador. Autor do livro "Ações Cíveis de Direito Bancário", publicado pela Editora Del Rey. Coautor do livro "Estudos de Direito Criminal", publicado pela editora Urbi et Orbi.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

NAGIMA, Irving Marc Shikasho. Da prescrição da pretensão punitiva no Código Penal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3891, 25 fev. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/26636. Acesso em: 19 abr. 2024.

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