Segundo a alínea “l” do inciso I do artigo 1° da Lei Complementar n°. 64/90 – alterada pela Lei Complementar n°. 135/2010 (Lei da “Ficha Limpa”) – estão inelegíveis os que forem condenados à suspensão dos direitos políticos, em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado, por ato doloso de improbidade administrativa que importe lesão ao patrimônio público e enriquecimento ilícito, desde a condenação ou o trânsito em julgado até o transcurso do prazo de 8 (oito) anos após o cumprimento da pena.
Percebe-se, de início, que o texto legal é claro ao prever a incidência da presente causa de inelegibilidade, àqueles que forem condenados à suspensão dos direitos políticos pela prática de ato doloso de improbidade administrativa, ato ímprobo que tenha acarretado danos ao erário público e enriquecimento ilícito.
Noutras palavras, além de prever a incidência dessa restrição aos condenados à suspensão dos direitos políticos pela prática de atos ímprobos, prevê, igualmente, que tais ilicitudes devem ter acarretado, concomitantemente, danos ao erário público, bem como enriquecimento ilícito.
Os requisitos, portanto, devem estar conjugados.
Assim, aparentemente, frente ao texto legal, não haveria maiores discussões, considerando a clareza da disposição normativa.
Ocorre que, atualmente, acalorados debates têm sido travados acerca da incidência – ou não – da causa de inelegibilidade em comento, notadamente quanto aos requisitos dano ao erário e enriquecimento ilícito, no que tange à presença (ou não) de ambos, ao que inúmeras decisões antagônicas surgem nos Tribunais brasileiros.
A primeira reflexão que merece destaque é a de que não é qualquer condenação pela prática de ato de improbidade administrativa, que atrai a incidência da causa de inelegibilidade prevista na alínea “l”, conforme já se vê pelo acima exposto.
Há requisitos claros que devem ser conjugados a partir do reconhecimento do ato ímprobo, quais sejam, além da condenação à suspensão dos direitos políticos, o reconhecimento da existência de danos ao erário e de enriquecimento ilícito.
A incidência da inelegibilidade inserta no dispositivo legal em debate pressupõe, como dito, que o ato doloso de Improbidade Administrativa pelo qual o candidato tenha sido condenado, importe, concomitantemente, lesão ao erário (patrimônio público) e enriquecimento ilícito, nos termos da Lei de Improbidade Administrativa (Lei n°. 8.429/92).
E nesse sentido, o próprio Tribunal Superior Eleitoral já pacificou a matéria:
AGRAVO REGIMENTAL. Recurso Especial ELEITORAL. REGISTRO DE CANDIDATURA. ELEIÇÕES 2012. INELEGIBILIDADE. ART. 1º, I, L, DA LC 64/90. REQUISITOS. DANO AO ERÁRIO. ENRIQUECIMENTO ILÍCITO. AUSÊNCIA. DESPROVIMENTO. 1. A incidência da causa de inelegibilidade prevista no art. 1º, I, L, da LC 64/90, com redação dada pela LC 135/2010, pressupõe condenação do candidato à suspensão dos direitos políticos por ato de improbidade administrativa que importe lesão ao patrimônio público e enriquecimento ilícito. Precedentes. [...]. (Agravo Regimental em Recurso Especial Eleitoral nº 36553, Acórdão de 20/11/2012, Relator (a) Min. FÁTIMA NANCY ANDRIGHI, Publicação: PSESS – Publicado em Sessão, Data 20/11/2012).
Pois bem, considerando a indispensável presença conjugada do dano ao erário e do enriquecimento ilícito – além da suspensão dos direitos políticos – por ocasião da condenação por ato doloso de improbidade administrativa, tendo em vista que tais conceitos são trazidos pela própria Lei n°. 8.429/92, necessário trazer a baila às próprias disposições da lei de improbidade.
Vejamos:
São três as modalidades de atos de improbidade administrativa, que encontram-se previstas nos artigos 9°[1], 10[2] e 11[3] da normativa de regência.
O artigo 9° da Lei n°. 8.429/92 traz as hipóteses de ato de improbidade administrativa que importam em enriquecimento ilícito, tudo em razão do exercício de cargo, mandato, função, emprego ou atividade nas entidades mencionadas no art. 1° da mesma lei; o dispositivo subsequente, por sua vez, prevê as hipóteses de ato ímprobo por danos ao erário público e, por fim, o artigo 11 da L.I.A. traz previsão do conhecido ato de improbidade administrativa em razão de afronta a princípio da administração pública.
Portanto, a própria legislação de regência trás em si três modalidades de atos de improbidade administrativa, ou seja, atos ímprobos que importem em enriquecimento ilícito, dano ao erário e/ou afronta a princípios da administração pública, dentre os quais, considerando a temática posta, interessa-nos os dois primeiros.
E é nesse sentido que surge a principal tormenta na temática em questão.
A condenação por ato de improbidade no âmbito da Justiça Comum teria que se dar com base nos dois dispositivos da própria lei de regência, ou seja, com base nos artigos 9° e 10 do Diploma Legal, de forma expressa e tipificada no dispositivo do decisum?
Ou, pelas circunstâncias do caso concreto, poder-se-ia concluir pela existência de um ou de outro requisito, mesmo sem ter havido reconhecimento e condenação expressa e tipificada por parte do Juízo competente, no âmbito da ação de natureza cível?
Tem-se visto, diariamente, várias situações nas quais, mesmo sem o reconhecimento expresso da existência de enriquecimento ilegal de quem quer que seja e, consequentemente, sem condenação do Juízo comum nos termos do artigo 9° da L.I.A., eventuais candidatos ou pré-candidatos têm sido vistos ou declarados como inelegíveis, e justamente com lastro na causa de inelegibilidade em análise.
Ou seja, em diversos casos, a Justiça Eleitoral, a partir da existência de uma condenação por ato de improbidade, que tenha importado na imputação de suspensão dos direitos políticos, e no reconhecimento de danos ao erário, vem pressupondo a existência de enriquecimento ilícito do próprio condenado ou de terceiro e, com isso, reconhecendo a incidência da causa de inelegibilidade prevista na alínea “l”, por entender presentes conjuntamente às figuras do dano ao erário e do enriquecimento ilícito, mesmo sem reconhecimento por parte da Justiça comum.
Ocorre que o texto legal é muito claro ao prever que estão inelegíveis os condenados por ato doloso de improbidade, que tenha importado lesão ao patrimônio público e enriquecimento ilícito.
Claro é, da mesma forma, que a lei de improbidade trouxe, em seu texto, a previsão de três modalidades distintas de atos ímprobos (arts. 9°, 10 e 11), dentre eles, atos de improbidade que importem em enriquecimento ilícito e atos de improbidade que importem em danos ao patrimônio público.
Qualquer condenação, em sede de ação de improbidade administrativa, se dá à luz de um(ns) dos três dispositivos previstos na lei, atraindo, assim, de forma não cumulativa, as sanções previstas no artigo 12 do mesmo dispositivo legal, e isso de forma expressa, tipificada e fundamentada.
Ora, uma vez que há previsão legal de três modalidades de atos ímprobos, totalmente distintas entre si, e que eventual condenação por ato de improbidade deve se dar com base nas mesmas (arts. 9°, 10 e/ou 11), para que haja a incidência da causa de inelegibilidade prevista na alínea “l”, que prevê a conjugação de duas delas, deve estar presente uma condenação – na Justiça comum – que tenha, expressamente, reconhecido a prática de atos de improbidade nos termos dos artigos 9° e 10, ou seja, que de forma expressa, tenha reconhecido a prática de atos ímprobos que transgrediram às disposições dos artigos de lei precitados, concomitantemente.
O legislador complementar, ao trazer os requisitos dano ao erário e enriquecimento ilícito, obviamente teve vistas à própria lei de improbidade administrativa, que traz, de forma distinta e independente, as figuras ultramencionadas tipificadas nos artigos 9° e 10.
Não há, aqui, com todo o respeito a quem pensa o contrário, lastro para suposições, pois, o que atrai a incidência da causa de inelegibilidade em debate é, justamente, uma condenação por ato de improbidade administrativa, no âmbito da Justiça comum, com a suspensão dos direitos políticos do agente, que tenha se dado pela existência de danos ao erário público e enriquecimento ilícito, os quais devem ser reconhecidos com lastro direto na tipificação legal.
Entretanto, para balizar entendimento contrário, muito se fala na suposta existência de um enriquecimento ilícito de terceiro.
Com todo o devido e merecido respeito, afinal a divergência de ideias é democrática, esse não é o cerne da questão, sendo possível haver a incidência da inelegibilidade em comento havendo enriquecimento ilícito de terceiro, desde que, as circunstâncias do caso concreto levado a cabo na Justiça comum, e a tipificação da condenação desencadeada pelo órgão judicante competente, tenham reconhecido tal realidade, autorizando essa conclusão.
A análise da Justiça Eleitoral deve estar adstrita à tipificação legal levada a efeito pelo Juízo Comum, bem como aos fundamentos que induziram a conclusão, não cabendo àquela o reexame dos fatos, ou até mesmo o reenquadramento das conclusões adotadas pelo órgão competente para processar e julgar a ação de improbidade administrativa, com vistas a reconhecer suposto enriquecimento ilícito.
Se não houve o reconhecimento dessa realidade por parte do juízo comum, tampouco a tipificação da condenação à luz dos artigos 9° e 10 da Lei n°. 8.429/92, não compete a Justiça Eleitoral promover verdadeira reanálise dos fatos e circunstâncias envoltas, ou presumir a existência de dano e/ou enriquecimento ilícito de quem quer que seja.
Nesse sentido, recentemente, decidiu o Tribunal Superior Eleitoral:
RECURSO ESPECIAL. REGISTRO DE CANDIDATURA. DEFERIMENTO. ELEICOES 2012. VEREADOR. ATO DOLOSO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. VIOLACAO AOS PRINCIPIOS DA ADMINISTRACAO PUBLICA. ART. 1°, I, L, DA LC N° 64/90. AUSENCIA DE CONDENACAO POR DANO AO ERARIO E ENRIQUENCIMENTO ILICITO. PROVIMENTO. 1. A jurisprudência desta Corte e no sentido de que nao incide a inelegibilidade da alínea l do inciso I do art. 1° da LC n° 64/90, nos casos em que a condenação por improbidade administrativa importou apenas violação aos princípios da administração publica, sendo necessária também a lesão ao patrimônio publico e o enriquecimento ilícito (Precedentes: AgR-REspe n° 67-10/AM, Rel. Min. Nancy Andrighi, PSESS de 6.12.2012). 2. Não cabe à Justiça Eleitoral proceder a novo enquadramento dos fatos e provas veiculados na ação de improbidade para concluir pela presença de dano ao erário e enriquecimento ilícito, sendo necessária a observância dos termos em que realizada a tipificação legal pelo órgão competente para o julgamento da referida ação. 3. Recurso especial provido para deferir o registro do candidato. (Recurso Especial Eleitoral nº 154144, Acórdão de 06/08/2013, Relator (a) Min. LUCIANA CHRISTINA GUIMARÃES LÓSSIO, Publicação: DJE – Diário de justiça eletrônico, Tomo 168, Data 3/9/2013, Página 80).
Portanto, não cabe a Justiça Eleitoral reanalisar os fatos, provas e circunstâncias do caso para vir a concluir pela existência de ato ímprobo que importou em enriquecimento ilícito – próprio ou de terceiro, se assim não concluiu o juízo competente para tanto.
Logo, particularmente, e com todas as vênias aos que pensam o contrário, somente uma condenação no âmbito da Justiça comum, por ato doloso de improbidade administrativa, com a conjugação de danos ao patrimônio público e enriquecimento ilícito à luz da tipificação legal (artigos 9° e 10 da lei 8.429/92), algo que deve se dar de forma expressa e fundamentada, seria hábil a atrair a causa de inelegibilidade inserta na alínea “l” do inciso I do artigo 1° da Lei das Inelegibilidades.
Notas
[1] “Art. 9° Constitui ato de improbidade administrativa importando enriquecimento ilícito auferir qualquer tipo de vantagem patrimonial indevida em razão do exercício de cargo, mandato, função, emprego ou atividade nas entidades mencionadas no art. 1° desta lei, e notadamente: [...]”.
[2] “Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta lei, e notadamente: [...]”.
[3] “Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições, e notadamente:[...]”.