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A Justiça Restaurativa (PARTE III) – Implicações psicológicas para o ofensor

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CONCLUSÃO

Apesar dos danos (com fartura, evidenciados na mídia) causados pelos criminosos. Apesar dos clamores populares por intensificação das medidas (mais prisões, prolongamento das penas, entre outras), não se pode negar que existem fatores mais profundos na motivação criminal. Tenham esses fatores origem em aspectos desenvolvimentais (o mais comum) ou em traumas mais recentes, o criminoso, frente às solicitações e exigências sociais está naturalmente em débito. O que não significa que tenha consciência desse fato.

Em uma situação de falta com o socialmente aceito e, consequentemente consigo mesmo, o ofensor tende a sofrer por culpa – culpa por ‘não ser ninguém’. Culpa de não conseguir ser o que socialmente é esperado. Certamente, ser negado como pessoa, como ‘ser existente de valor’ é causa de humilhação. Tanta frustração ambiental/desigualdade social/desequilíbrio pode dar origem à agressividade, ao ‘medo do que é capaz de fazer’, medo de sua realidade interna cuja construção ficou parada em algum ponto do tempo podendo se apresentar fragmentada ou desintegrada.

Para evitar esse sofrimento, o ofensor utiliza-se de diversas defesas como a negação, a racionalização e a projeção, entre outros, de forma a sentir-se com razão e com algum valor próprio. Frente a tanto desamparo, principalmente em delinquentes jovens, mas não exclusivamente nesses, o ato infrator pode ser um grito de socorro em busca de um controle externo, em busca de um ambiente que lhe dê os limites dos quais necessita para uma aceitação social.

Surge então a questão: O que fazer frente à duas relevantes constatações que se apresentam de forma paradoxal: 1 – em prol da segurança social (e por exigência ingênua – ou justa, em busca primitiva e prioritária de segurança - do social) o criminoso deve ser punido, recluso/contido, excluído; 2 – o sofrimento do humano que chegou a situação de infrator o qual não consegue ocupar um papel socialmente aceito e busca formas possíveis para ele de ‘empoderamento’ e afirmação pessoal (através do crime) – sendo ele também vítima de um crime velado (crime esse que precede o fato criminoso atual e possui relação direta com o mesmo porém, totalmente ignorado pela justiça).

Ao responder ao questionamento acima, caso se realize uma abordagem que intensifique a humilhação através da intensificação da culpa, sem oportunidades de responsabilização/reparação, com foco no erro, no isolamento, na punição, no controle, em procedimentos traumáticos, pouco de positivo se estará fazendo ao infrator e, não faz nenhum sentido se falar em reabilitação.

Muito embora o controle externo possa, em parte, amenizar/conter o comportamento criminoso, ele, por si só, também não é a resposta para o problema da criminalidade. O desenvolvimento de um senso de responsabilidade e de moral passa por um desenvolvimento interno o qual necessita de um ambiente estável que proporcione experiências de reparação e responsabilização efetivas. Um ambiente favorável é livre de preconceitos e humilhação, suporta a raiva e estimula a responsabilização e controle dos impulsos. Num ambiente facilitador do desenvolvimento (que certamente não é a prisão que se conhece hoje, nem o tribunal) existe uma maior probabilidade de se conseguir integrar a realidade interna e a externa do humano infrator. Com uma personalidade mais integrada, a pessoa pode lidar com suas culpas e responsabilizações na direção do controle de impulsos e, de comportamentos construtivos dentro de um contexto social.

Uma abordagem/atenção ao criminoso com a amplitude que é necessária não é algo tranquilamente aceito pelo social. A estigmatização/preconceito serve à sociedade para simplificar e afastar de si a complexidade que é tratar da criminalidade. Desta forma, responsabilizando unidirecionalmente apenas o infrator e, culpando sua ‘má índole’ ou a de sua família. Caso a justiça (ou a injustiça) coadune com essa postura pouco se poderá fazer para mudar o processo. Indiscutivelmente, são necessárias novas práticas, como a JR, por exemplo. Esta aponta para um novo paradigma, onde se estimule um olhar mais complexo sobre a criminalidade e, não se permita/facilite olhares preconceituosos, simplistas que apenas projetam no outro toda a culpa que, na verdade, também passa pelo social, pelo Estado. Um olhar estigmatizante não permite que as pessoas constatem que ‘o criminoso pode ter tido menos oportunidades do que outros ou, não ter tido a devida atenção do Estado quando necessitou (talvez em sua infância).Ou seja, que ele, antes de mais nada, também é vítima.

O ofensor, muitas vezes possui uma auto-estima baixa, possui poucas possibilidades de inclusão. Entre as possibilidades que se apresentam para se sentir incluído está a participação de ‘organizações criminosas’. Assim pode o ofensor estar procurando nas ‘organizações criminosas’ a mãe-ambiente estável de Winnicott (2005). Um lugar onde pode ser alguém, onde pode transitar com alguma sensação de pertencimento, de segurança.

É necessidade de qualquer ser humano sentir-se incluído, pertencente a um grupo social. Além disso, os infratores possuem uma série de outras necessidades (rever Zehr, 2008 - anteriormente citado) que, caso sejam negligenciadas, deixam de colaborar no sentido de sua reabilitação. Frente a tantas necessidades, destaca-se uma em especial, que, caso seja atendida, dá conta de diversas outras: os infratores necessitam de reparação social pela falta que tiveram, a qual os levou (ou não os impediu) à criminalidade. É importante que na abordagem do crime, além da responsabilização/reparação do infrator, o contexto seja também revelado, a sua história, suas carências e dificuldades possam vir à tona. Essa importante e incomum consideração permite uma compreensão/abordagem do ato criminoso, com toda a complexidade necessária, evidenciando-se a necessidade de soluções também mais elaboradas. São necessárias abordagens que permitam responsabilização/reparação, mas, também a inclusão social. Uma inclusão real. É necessário possibilitar aos infratores (em reabilitação) se sentirem parte, participantes da sociedade – com direito a uma fatia (relacional, econômica, etc.) do ‘bolo social’, assim sendo, sem necessidade de optarem por procedimentos/comportamentos alternativos possíveis (mas não legais) de pertencimento.

Frente ao apresentado nesse estudo, baseado nas necessidades de um ser humano e, em seu desenvolvimento, acredita-se que, caso existam investimentos efetivos e maciços em assistência social, em educação, em condições de existência digna e, em procedimentos que permitam reais possibilidades de pertencimento ao social, a criminalidade irá diminuir. Este investimento certamente tem um custo, porém, a médio/longo prazo, isso se reverterá em economia e melhora na qualidade de vida da sociedade em geral. Diminuirão muito as despesas com presídios, com policiamento ostensivo, com segurança privada, com demandas jurídicas relativas a crime, com perdas provenientes dos crimes, entre outras reduções: sair-se-á no lucro. Além da economia, aumentará o sentimento de segurança, de responsabilidade social, de esperança no futuro desse país e, consequentemente será reforçada a qualidade de vida das ‘existências que aqui, nesse território, estão inscritas’.

A JR, através de seus processos participativos/inclusivos/restaurativos, entre eles a aproximação da vítima com o infrator, permite um grau maior de possibilidade de responsabilização e reparação. Permite também, ao comunitário e ao familiar, participar e, desta forma, possibilita que aspectos sociais, também responsáveis pela atual situação do ofensor, possam vir à tona e, assim, receberem a abordagem adequada. É necessário mostrar um ambiente social que aceite o infrator (em reabilitação) e, que lhe permita o vislumbre real de inclusão e de participação no coletivo. Para tal o processo de JR deve ser multidisciplinar/transdisciplinar com uma participação muito forte também, das áreas de serviço social e psicologia.

Cabe destacar e, deixar claro que a JR não propõe uma abordagem condescendente com o infrator. Os procedimentos restaurativos buscam sempre um grau maior de participação/inclusão, evitando ao máximo o isolamento e a punição exclusivamente. No entanto, para tal, possui procedimentos com níveis de restrição gradativos onde se procura iniciar com níveis de restrição mínimos. Caso a situação imponha uma necessidade de aumentar o grau de restrição, isso será feito. O que importa para a JR é que, dentro do possível, do seguro, procura-se oferecer e manter um ambiente/procedimentos que permitam ao máximo a responsabilização, a reparação, a participação, a inclusão, a atenção às necessidades da vítima, a atenção às necessidade do infrator, a cura/restauração do relacionamento e, consequentemente, a reabilitação. Por outro ângulo, a JR evitará ao máximo a adoção de procedimentos exclusivamente punitivos/restritivos e, principalmente de procedimentos que levem à humilhação a ‘negação do ser’ infrator que ali se faz algoz e vítima ao mesmo tempo.

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Ao finalizar esse estudo, é importante destacar que a JR se apresenta como uma alternativa ao que está posto. Traz, com sua teoria e prática, esperança para a superação de uma problemática social de extrema relevância. No entanto, mais do que propor uma abordagem específica nova, ela se opõe claramente a procedimentos traumatizantes e humilhantes, bem como denuncia/anuncia a necessidade de procedimentos alternativos para lidar com a criminalidade e seus derivados na atualidade.


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ABSTRACT: This article is a bibliographic research resultant entitled 'Restorative Justice: The Retribution to Restoration - Psychological Implications' (Silva & Schmidt, 2008). In a time of great concern for human rights and, considering the importance and emergence of practices of Restorative Justice (JR), the study mentioned above gave rise to three articles that seek to contribute to the discussion relating to justice and their application. This study (Part III) discusses the psychological aspects linked to criminal behavior and its approach, considering the traditional model of justice and some aspects of the emerging JR. For this, we considered mainly studies the field of psychology, while also consider relevant studies in the area of law and sociology. The research sought to point out the studies about the current justice system and the prison system, highlighting its ineffectiveness to recovery, as well as aspects related to the motivations of the perpetrator, in view of the development of personality and the social aspects, how stereotypes that impede an approach free of humiliation. The study culminates with a look at the possibilities and needs in the offender under the psychological aspect and the aspect of JR. Then ending with a conclusion based on this review.

Keywords: Human Rights. Restorative Justice. Offender. Psychology.

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Sobre o autor
José Eduardo Marques da Silva

Psicólogo. Especialização em ACP com experiência em Mediação de Conflitos.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, José Eduardo Marques. A Justiça Restaurativa (PARTE III) – Implicações psicológicas para o ofensor. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3854, 19 jan. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/26982. Acesso em: 22 nov. 2024.

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