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Liberdade de imprensa e privacidade: princípios em colisão

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19/03/2014 às 17:55
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O que fazer se a pessoa retratada numa notícia publicada na internet, há alguns anos, deseja que a notícia seja retirada do ar? O fato de ter cumprido a pena ou ter quitado uma indenização lhe dá esse direito?

Sumário: INTRODUÇÃO..CAPÍTULO I- DIREITOS FUNDAMENTAIS. 1.1 - GERAÇÕES OU DIMENSÕES DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS. 1.2 - DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA.. 1.3 – DIREITO À PRIVACIDADE. CAPÍTULO II- LIBERDADE DE IMPRENSA.. 2.1 – LIMITES DA LIBERDADE DE EXPRESSÃO E DE INFORMAÇÃO.. 2.2 — DIREITO AO ESQUECIMENTO.. CAPÍTULO III- COLISÃO DE NORMAS E PRINCÍPIOS DE DIREITOS FUNDAMENTAIS. 3.1 – CONFRONTO E PONDERAÇÃO.. 3.2 – PARÂMETROS DE PONDERAÇÃO. CAPÍTULO IV -CONSIDERAÇÕES FINAIS. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS. 


INTRODUÇÃO

A colisão de direitos fundamentais tem sido amplamente discutida por doutrinadores no Brasil e no mundo e retratada em discussões judiciais recentes. O assunto é polêmico e desperta debates sobre limites e técnicas para balizar qual direito deve prevalecer em determinados casos concretos. Este Trabalho de Conclusão de Curso traça um histórico dos direitos fundamentais assim como faz referência a alguns conceitos sobre o tema. Também apresenta como ponto fulcral a discussão sobre dois direitos fundamentais em jogo — liberdade de imprensa X privacidade — e mostra como pensam alguns doutrinadores e ministros sobre o assunto.

O interesse pelo confronto desses dois direitos fundamentais surgiu após o início da discussão, em algumas decisões judiciais, sobre a retirada de conteúdo jornalístico de sites na internet. O Trabalho de Conclusão de Curso focou o estudo tão somente em notícias verdadeiras, lícitas e de interesse público. Ou seja, em fatos que pelo próprio conteúdo são noticiáveis e merecem ser publicados na imprensa. A intenção foi defender a manutenção dessas notícias em um banco de dados de sites assim como jornais já tinham seus arquivos no passado.

É preciso salientar, neste contexto, um fato curioso que vem tomando conta de alguns pedidos judiciais. Acusados, denunciados, condenados ou absolvidos, que no passado foram retratados em notícias de sites, agora não mais desejam que seus nomes estejam eternizados em arquivos virtuais. Por isso, tem buscado o Poder Judiciário. A intenção é limar estas informações dos bancos de dados de sites na internet. A alegação é a de que a manutenção da notícia desatualizada no ar viola os direitos da personalidade.

Há muito tempo se discute no Brasil se um veículo de comunicação pode ser impedido previamente de publicar uma notícia. O Poder Judiciário, geralmente, entende que não por configurar ato de censura, proibido pela Constituição Federal. No entanto, a discussão tratada neste Trabalho de Conclusão de Curso é exatamente oposta. O personagem retratado na notícia, no passado, deseja que seu nome e até mesmo a notícia despareçam do banco de dados de um site por lhe causar algum incômodo ou por considerá-la ofensiva aos direitos da personalidade.

A intenção neste estudo não é cravar uma solução definitiva para o conflito 

destes dois direitos fundamentais. Até mesmo porque, como o próprio assunto discutido, algo que está atualizado hoje pode estar desatualizado no futuro e ser objeto de novos estudos. A ideia é apenas discutir, em linhas gerais, conceitos de liberdade de expressão e de informação assim como direitos da personalidade. Além disso, apontar caminhos possíveis para que estes dois direitos constitucionais fiquem em harmonia mesmo depois de anos da publicação de notícias.

Nada impede que, no futuro, haja estudos que apontem a necessidade de se retirar uma notícia de site do ar com base em outros argumentos como, por exemplo, o de que a notícia perdeu o interesse público ou foi obtida de forma ilícita. Há uma infinidade de vertentes que ainda podem ser exploradas dentro deste mesmo contexto. Entretanto, a ideia foi focar nos casos em que a notícia atende todos os requisitos jornalísticos para ser publicada e, depois de certo tempo, passa a ser questionada judicialmente, apesar de ser verdadeira, lícita e de interesse público.


CAPÍTULO I -DIREITOS FUNDAMENTAIS

A Revolução Francesa tem um papel relevante na história dos direitos fundamentais e, consequentemente, na liberdade de expressão. Foi a partir da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, em 26 de agosto de 1789, que surgiu o embrião das liberdades — entre elas, a liberdade de expressão. O lema da Revolução Francesa, como é de conhecimento público, era “Liberdade, Igualdade e Fraternidade”.

O papel relevante da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão é frequentemente mencionado por doutrinadores. José Joaquim Gomes Canotilho, por exemplo, entende que há uma Constituição mundial para tratar do constitucionalismo no mundo globalizado. E este documento ao qual se refere é justamente a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão. Para ele, além de proteger o cidadão contra o poder do Estado, este documento “define os direitos fundamentais das pessoas e consagra a democracia como o regime ideal”.[1]

Nesse cenário, é importante ressaltar que a liberdade de expressão é um dos mais importantes direitos fundamentais garantidos na Constituição Federal de 1988. Ela tem sido objeto de diversas discussões judiciais, especialmente quando confrontada com outros direitos fundamentais igualmente relevantes. José Afonso da Silva afirma que a Declaração de 1789 tem um estilo sintético, entre outros adjetivos mencionados, com 17 artigos que fazem referência a princípios da liberdade, da igualdade, da propriedade e da legalidade e as garantias individuais liberais.[2] Este autor aponta, em sua obra, que o pensamento cristão é uma das principais fontes que inspiraram as declarações de direitos.[3]

O ministro do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes, entende que o cristianismo foi relevante para o surgimento “da ideia de uma dignidade única do homem, a ensejar proteção especial”.[4] A partir dessa concepção, nos séculos XVII e XVIII começa a reflexão de que o Estado serve para garantir direitos básicos dos cidadãos.

Foi este o pensamento que influenciou a Declaração de Direitos da Virgínia, em 1776, e a Declaração francesa, em 1789. O ministro Gilmar Mendes explica, em sua obra, que talvez este seja o motivo de o século XVIII ser apontado como o “ponto fulcral do desenvolvimento dos direitos fundamentais”,[5] especialmente com o Bill of Rights da Virgínia - momento que ficou marcado pela positivação dos “direitos tidos como inerentes ao homem”.[6]

José Afonso da Silva lembra que é necessário, também, levar em consideração as condições históricas e revolucionárias da época em questão. Em suas palavras, havia uma “contradição” entre o regime da monarquia absoluta e uma nova sociedade em busca de expansão comercial.[7] E, por outro lado, havia as condições subjetivas como o pensamento cristão.

A interpretação de José Afonso da Silva é a de que o cristianismo do século XVIII era conivente com a situação vigente e apoiava a monarquia absolutista. Para ele, o pensamento cristão não era benéfico para a criação de uma declaração dos direitos do homem. O “cristianismo primitivo”, no entanto, deixava a mensagem de libertação do homem e da dignidade da pessoa humana.[8]

É importante ressaltar que as condições econômicas dessa época, com o desenvolvimento industrial, fez com que novas relações surgissem na sociedade. O cenário que se desenhava era o do proletariado dominado pela burguesia capitalista. José Afonso da Silva entende que essas novas condições serviriam para fundamentar direitos fundamentais como os direitos econômicos e sociais.[9]

Ele cita também, em sua obra, outras fontes de inspiração para os direitos fundamentais. São elas: o Manifesto Comunista e as doutrinas marxistas, a doutrina social da Igreja, o intervencionismo estatal. Todas elas com fundamento, basicamente, na igualdade social.[10]

Dentro do contexto social e econômico,  os direitos  fundamentais  foram

ganhando destaque. A sua definição é ampla. Para Canotilho, os direitos consagrados e reconhecidos pela constituição são considerados direitos fundamentais formalmente constitucionais. Mas ele lembra que uma Constituição pode admitir, no entanto, um direito fundamental constante em leis e regras aplicáveis de direito internacional — o que chama de direitos materialmente fundamentais.[11]

A definição de Canotilho é relevante dentro do cenário jurídico. Entretanto, ao longo dos anos, várias expressões já foram usadas para conceituar os direitos fundamentais. Os livros que tratam do assunto trazem diversas expressões. Entre elas, direitos naturais, direitos do homem, direitos individuais, liberdades fundamentais e direitos fundamentais do homem. Cada expressão tem suas peculiaridades.

Algumas delas são criticadas por não corresponder exatamente ao que os direitos fundamentais realmente são essencialmente. Segundo José Afonso da Silva, a expressão “mais adequada” é direitos fundamentais do homem. Isso por três motivos resumidamente: Abrange princípios que englobam a concepção do mundo, trata de situações jurídicas para a pessoa se realizar, conviver e até sobreviver e está ligada a condição da pessoa humana.[12]

O ministro Gilmar Mendes também aponta a dificuldade para conceituar direitos fundamentais. A forma com que eles são tratados varia de país para país, de acordo com o ministro. Na Alemanha, por exemplo, a regulação é minuciosa na Constituição.

Na França, são remetidos a uma declaração histórica de direitos humanos e, na Grã-Bretanha, são tidos como garantia não escrita. Ele explica, em sua obra, que a “sedimentação dos direitos fundamentais como normas obrigatórias é resultado de maturação histórica, o que também permite compreender que os direitos fundamentais não sejam sempre os mesmos em todas as épocas (...)”.[13]

Para José Afonso da Silva, os direitos fundamentais se desenvolveram com base nas concepções jusnaturalistas. E foi por isso que nasceu a ideia de que tais direitos são inatos, absolutos, invioláveis e  imprescritíveis. O autor, mesmo ao

afastar essa ligação jusnaturalista, reconhece características importantes e semelhantes conferidas aos direitos fundamentais. Em linhas gerais, ele enumera os direitos fundamentais na seguinte ordem:

· “Historicidade: Os direitos apareceram com a revolução burguesa e evoluíram com o passar dos anos. São baseados no direito natural.

·  Inalienabilidade: Os direitos, por não serem de conotação econômica e patrimonial, são intransferíveis e inegociáveis.

·  Imprescritibilidade: Não existem requisitos que gerem a prescrição dos direitos fundamentais.

·   Irrenunciabilidade: Os direitos fundamentais não são renunciáveis. É possível deixar de exercê-los, mas não podem ser renunciados”.[14]

Além dessas particularidades mencionadas, há uma discussão sobre o caráter absoluto dos direitos fundamentais. Tanto Gilmar Mendes quanto José Afonso da Silva entendem que eles não são absolutos. Em sua obra, José Afonso da Silva discorda de Pontes Miranda, para quem há direitos fundamentais absolutos e relativos.[15]

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Na visão de Pontes Miranda, mencionada por José Afonso da Silva, os “absolutos seriam os supra estatais, cuja validade, segundo o autor, independe de positivação interna constitucional, enquanto os relativos seriam aqueles que somente teriam validade se previstos no Direito Positivo interno”.[16] Gilmar Mendes lembra, em seu livro, que a os direitos fundamentais não são absolutos.[17]

Quem defende esta ideia de caráter absoluto parte do ponto de que eles estão no patamar máximo de hierarquia jurídica e não podem sofrer restrições. Segundo o ministro, essa premissa vem do “pressuposto jusnaturalista de que o Estado existe para proteger os direitos naturais, como a vida, a liberdade e a propriedade, que, de outro modo, estariam ameaçados”.[18]

Entretanto, segundo Gilmar Mendes, se prevalecesse este pensamento, os poderes estatais e sociais estariam limitados pelos direitos fundamentais, que prevaleceriam sobre os interesses coletivos. A conclusão que o ministro expõe é a de que os direitos fundamentais podem sofrer limitações e restrições e, consequentemente, não são absolutos.

1.1 - GERAÇÕES OU DIMENSÕES DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

A evolução histórica dos direitos fundamentais passa por conceitos de dimensões ou gerações. O termo mais usual é o segundo. Entretanto, o primeiro tem sido utilizado por alguns doutrinadores para passar a ideia de coexistência entre os direitos fundamentais. A alegação, para tanto, é a de que a nomenclatura geração pode ser associada equivocadamente a ciclos. Entretanto, os direitos fundamentais não terminam quando se menciona outra geração. Apenas coexistem.

Alguns doutrinadores preferem usar o termo dimensões. Ingo Wolfagang Sarlet, por exemplo, entende da seguinte forma:

“(...) a teoria dimensional dos direitos fundamentais não aponta, tão somente, para o caráter cumulativo do processo evolutivo e para a natureza complementar de todos os direitos fundamentais, mas afirma, para além disso, sua unidade e indivisibilidade no contexto do direito constitucional interno e, de modo especial, na esfera do moderno “Direito Internacional dos Direitos Humanos”.[19]

Por uma questão prática, no entanto, neste Trabalho de Conclusão de Curso será usado o termo geração para se tratar da evolução histórica dos direitos fundamentais. As três principais gerações são baseadas no lema da Revolução Francesa — Liberdade, Igualdade e Fraternidade. A sequência histórica dos direitos fundamentais remete ao lema nesta ordem.

Os direitos de primeira geração abrangem liberdades individuais como: liberdade de culto, inviolabilidade de domicílio, liberdade de reunião e de consciência.

Neste contexto, é encaixada também a liberdade de manifestação de pensamento. Esta é uma consequência das revoluções liberais, ocorridas no Século XVIII, na busca pela liberdade e pelo limite ao poder absoluto do Estado.

A primeira geração, que surgiu no fim do Século XVIII, abrange direitos que foram tratados nas Revoluções americana e francesa. São direitos que Ives Gandra Martins, Gilmar Mendes e Carlos Valder do Nascimento chamam de “negativos ou de defesa”.[20] Isso porque ficou claro, naquele momento, que o Estado não poderia mais intervir sobre aspectos da vida pessoal do indivíduo. Os direitos exigiam uma abstenção por parte do Estado. Segundo os autores, foram reconhecidos formalmente os direitos à liberdade e à igualdade.[21] Ingo Wolfgang detalha o contexto em que nasceram os direitos da primeira geração. Diz ele:

“Os direitos fundamentais, ao menos no âmbito de seu reconhecimento nas primeiras Constituições escritas, são o produto peculiar, do pensamento liberal-burguês do século XVIII de marcado cunho individualista, surgindo e afirmando-se como direitos do indivíduo frente ao Estado, mais especificamente como direitos de defesa, demarcando uma zona de não intervenção do Estado e uma esfera de autonomia individual em face de seu poder. São, por este motivo, apresentados como direitos de cunho “negativo”, uma vez que dirigidos a uma abstenção, e não a uma conduta positiva por parte dos poderes públicos, sendo, neste sentido, direitos de resistência ou de oposição perante o Estado”.[22]

É preciso ressaltar que, em um Estado soberano, até mesmo a religião não era escolha do próprio cidadão na sociedade. Ela era imposta. E “qualquer pessoa que tivesse uma crença diferente da adotada oficialmente pelo Estado poderia sofrer punições, já que não havia tolerância religiosa”.[23]. Por isso, a Revolução Francesa tem um papel fundamental para os direitos fundamentais. A soberania popular começou a ganhar força assim como os direitos de primeira geração. Isso fica claro, especialmente, nos artigos 2º e 3º da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789. Dizem os dispositivos:

“Art. 2. A finalidade de toda associação política é a conservação dos direitos naturais e imprescritíveis do homem. Tais direitos são a liberdade, a propriedade, a segurança e a resistência a opressão.

Art. 3. O princípio de toda soberania reside essencialmente na Nação. Nenhuma corporação, nenhum indivíduo pode exercer a autoridade que dela não emane expressamente”.[24]

Os pensamentos e ideais do liberalismo ganharam terreno nas declarações dos direitos — principalmente, como já mencionado, na Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789 e na Declaração de Direitos da Virgínia, de 1776, na Revolução Americana. Paulo Bonavides sintetiza esta esfera de direito. O autor afirma:

“Os direitos da primeira geração ou direitos de liberdade têm por titular o indivíduo, são oponíveis ao Estado, traduzem-se como faculdades ou atributos da pessoa e ostentam uma subjetividade que é seu traço mais característico; enfim, são direitos de resistência ou de oposição perante o Estado”.[25]

Os direitos fundamentais da segunda geração nasceram a partir do fim da 1ª Guerra Mundial. Desta vez, obrigando o Estado a implementar obrigações positivas, no Século XIX, como assistência social, saúde, previdência, educação, lazer e trabalho. Os direitos de segunda geração, historicamente ligados à Revolução Industrial, são de prestações jurídicas – ou seja, exigem uma atuação por parte do Estado. Estes direitos que complementavam os de primeira geração. Era a tentativa de se estabelecer uma “liberdade real e igual para todos”.[26]

A influência dessa segunda geração de direitos fundamentais foi sentida diretamente nas primeiras constituições promulgadas após a 1ª Guerra Mundial. Ives Gandra Martins, Gilmar Mendes e Carlos Valder do Nascimento afirmam que as Constituições do México (1917), da Alemanha (1919), da Iugoslávia (1921) e do Chile (1925), por exemplo, tiveram “elevada carga de direitos econômicos e sociais”,[27] por conta dos direitos de segunda geração.

Já os direitos fundamentais de terceira geração foram consagrados a partir do fim da 2ª Guerra Mundial. Na ocasião, de acordo com Ives Gandra Martins, Gilmar Mendes e Carlos Valder do Nascimento, houve “maior reconhecimento”[28] dos direitos individuais, de natureza civil e política, e também dos direitos econômicos e sociais. E mais: firmaram-se novos direitos humanos – como os direitos dos povos e os direitos da humanidade, conhecidos como direitos de fraternidade e de solidariedade. A característica marcante, nos direitos de terceira geração, é a proteção da coletividade. São exemplos destes direitos a proteção do meio ambiente, a paz, a segurança e a conservação do patrimônio histórico cultural, entre outros.

Hoje, existem doutrinadores que defendem a existência de direitos de quarta, quinta, sexta e até sétima gerações ou dimensões. Mas ainda há divergências a partir da quarta geração. Paulo Bonavides, por exemplo, entende que os direitos fundamentais de quarta geração estão ligados à democracia, à informação e ao pluralismo. “Deles depende a concretização da sociedade aberta do futuro, em sua dimensão de máxima universalidade, para a qual parece o mundo inclinar-se no plano de todas as relações de convivência”.[29] Este Trabalho de Conclusão de Curso optou por enfatizar as três primeiras gerações ou dimensões, que são as clássicas dos direitos fundamentais.

1.2 - DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

A dignidade humana não estava ligada a qualquer conceito de direitos humanos até o Século XVIII. Na Declaração Universal de Direitos Humanos, de 1789, a dignidade humana é atrelada a ocupações públicas. O artigo 6º afirma que “(...) todos os cidadãos são iguais aos olhos da lei e igualmente admissíveis a todas as dignidades, lugares e empregos públicos, segundo a sua capacidade e sem outra distinção que não seja a das suas virtudes e dos seus talentos”.

Com o passar dos anos e a evolução histórica conceitual, a dignidade da pessoa humana passou a ser relacionada à honra por alguns doutrinadores, como José Afonso da Silva[30] por exemplo. Para ele, a honra tem ligação direta com a reputação e respeito. O direito à honra, no contexto defendido e entendido pelo autor, é um dos pontos mencionados neste Trabalho de Conclusão de Curso como alegação de personagens que querem banir suas histórias de arquivos virtuais de sites na internet.

O ministro do Supremo Tribunal Federal, Luís Roberto Barroso, lembra que, na cultura ocidental, dos romanos ao Século XVIII, “o primeiro sentido atribuído à dignidade” estava ligado a um status superior. Para Barroso, no geral, a dignidade estava associada à nobreza. E isso, segundo ele, implicava em tratamento especial assim como direitos exclusivos e até mesmo privilégios.[31]

Atualmente, a dignidade humana é baseada no valor intrínseco de cada pessoa. O cristianismo tem um papel relevante no conceito de dignidade humana. E, além dos pensamentos filosóficos como os de Rousseau, foi no Iluminismo que o conceito de dignidade ganhou mais força, no entendimento de Barroso. Isso porque esta fase marca a ruptura do autoritarismo e da ignorância e marca o humanismo e a liberdade.[32]

Há, ainda neste contexto, o marco histórico da dignidade humana. As reações do fascismo, após o fim da 2ª Guerra Mundial, serviram para inserir o discurso da dignidade humana no discurso político dos vitoriosos em período de paz. Tudo isso depois de um mundo que tinha presenciado o genocídio de judeus na Alemanha nazista. Barroso lembra que, depois da incorporação da dignidade humana no discurso político, houve a inserção também no discurso jurídico com mais força. Diversos tratados e documentos internacionais, assim como constituições, começaram a fazer referências à dignidade humana.[33] Como se percebe, a dignidade humana deixou de ser um valor moral e passou a ser um valor jurídico.

Ela foi inserida, por exemplo, na Carta das Nações Unidas em 1945. Em 1948, passou a ser incorporada também na Declaração Universal dos Direitos Humanos. Somente em 2000 passou a fazer parte da Carta Europeia de Direitos Fundamentais e, em 2004, entrou no esboço da Constituição Europeia.

Depois da 2ª Guerra Mundial, várias constituições passaram a adotar o discurso da proteção da dignidade humana. É o caso de países como Alemanha, Itália, Japão, Portugal, Espanha, África do Sul e Brasil, entre outros. Em países como os Estados Unidos e o Canadá não existe uma referência à dignidade humana no texto constitucional. Mas tanto a Suprema Corte americana quanto o Conselho Constitucional francês a invocam como força normativa e argumentativa em suas decisões, de acordo com Barroso.[34] No Canadá, a dignidade humana é mencionada somente no preâmbulo da Constituição. No texto principal, não. Mesmo assim, a Suprema Corte também emprega o seu conceito em diversas decisões.

No Brasil, a Constituição de 1988 não insere a dignidade humana entre os

direitos fundamentais, tratados no art. 5º. Ela está expressamente prevista como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil. Diz o art. 1º:

“A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

I - a soberania;

II - a cidadania;

III - a dignidade da pessoa humana;”[35]

A interpretação possível deste dispositivo é a de que o Estado deve ser o meio adequado para atender as necessidades do ser humano. Isso em um patamar mínimo de condições sociais. Dessas condições fazem parte o direito à vida, à saúde, à educação e à moradia, entre outros igualmente previstos constitucionalmente. Além disso, é possível entender que a dignidade humana foi a base para a criação dos direitos fundamentais.

Sobre o Estado ser o meio adequado para atender as necessidades do ser humano, com base na dignidade humana, há decisões do Supremo Tribunal Federal neste sentido. Entretanto, uma das mais marcantes foi a que levou o ministro Celso de Mello a se emocionar e chorar durante o julgamento de um caso do Distrito Federal, em 2009.

A mãe de uma criança que nasceu com síndrome de West estava de um lado e de outro o Estado. A criança possuía uma série de problemas como paralisia cerebral, tetraplegia, epilepsia, cegueira e malformação encefálica. O Ministério Público pediu, na ação, indenização para a mãe por conta das anomalias genéticas. Elas ocorreram por infecção por citomegalovírus contraída pela mãe durante a gestação, quando ela trabalhava no berçário de um hospital público do Distrito Federal.

Ao site Consultor Jurídico, o ministro explicou por escrito o motivo do choro durante o julgamento. Ele disse que situações, como a retratada no processo é angustiante para o próprio juiz. O ministro criticou o desamparo social por parte do Estado e mencionou a vulnerabilidade do ser humano e a sua essencial dignidade.[36]

No julgamento, ficou decidido que o governo do Distrito Federal deveria depositar, em até 30 dias, a título de pensão mensal, desde o nascimento da criança, dois salários mínimos por mês, enquanto for viva. E, por dano moral, deveria pagar indenização de 80 salários mínimos.

1.3 – DIREITO À PRIVACIDADE

O inciso X, art. 5º, da Constituição, prevê os direitos da personalidade. São eles: intimidade, vida privada, honra e imagem. O dispositivo trata da inviolabilidade desses direitos e do direito à indenização nestes casos. Eles são indisponíveis, inalienáveis, intransmissíveis, imprescritíveis, irrenunciáveis e impenhoráveis. São também inerentes à condição humana. Miguel Reale Júnior, com base no Código Civil e na Constituição, define os direitos da personalidade da seguinte forma:

“O importante é saber que cada direito da personalidade corresponde a um valor fundamental, a começar pelo do próprio corpo, que é a condição essencial do que somos, do que sentimos, percebemos, pensamos e agimos.

É em razão do que representa nosso corpo que é defeso o ato de dele dispor, salvo por exigência médica, quando importar diminuição permanente da integridade física, ou contrariar os bons costumes, salvo para fins de transplante.

Estatui o Código Civil que é válida com objetivo científico, ou altruísta, a disposição gratuita do próprio corpo, para depois da morte, ninguém podendo ser constrangido a submeter-se, com risco de vida, a tratamento médico ou a intervenção cirúrgica.

Eis aí os mandamentos que estão liminarmente na base dos atos humanos, como garantia principal de nossa corporeidade, em princípio intocável.

Vem, em seguida, a proteção ao nome, nele compreendido o prenome e o sobrenome, não sendo admissível o emprego por outrem do nome da pessoa em publicações ou representações que a exponham ao desprezo público, ainda quando não haja intenção difamatória. É o mesmo motivo pelo qual, sem autorização, é proibido o uso do nome alheio em propaganda comercial.

Em complemento natural a esses imperativos éticos, são protegidos contra terceiros a divulgação de escritos de uma pessoa, a transmissão de sua palavra, bem como a publicação e exposição de sua imagem.

São esses os que podemos denominar direitos personalíssimos da pessoa, assim como a inviolabilidade da vida privada da pessoa natural, devendo o juiz, a requerimento do interessado, adotar as providências necessárias para impedir ou fazer cessar ato contrário a esta norma.

Nada mais acrescenta o Código, nem poderia enumerar os direitos da personalidade, que se espraiam por todo o ordenamento jurídico, a começar pela Constituição Federal que, logo no artigo 1º, declara serem fundamentos do Estado Democrático do Direito a cidadania, a dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho e a livre iniciativa.

Enquanto titular desses direitos básicos, a pessoa deles tem garantia especial, o que se dá também com o direito à vida, a liberdade, a igualdade e a segurança, e outros mais que figuram nos Arts. 5º e 6º da Carta Magna, desde que constituam faculdades sem as quais a pessoa humana seria inconcebível.

Não há, pois, como confundir direitos da personalidade, que todo ser humano possui como razão de ser de sua própria existência, com os atribuídos genérica ou especificamente aos indivíduos, sendo possível a sua aquisição. Assim, o direito de propriedade é constitucionalmente garantido, mas não é dito que todos tenham direito a ela, a não ser mediante as condições e processos previstos em lei.

Poderíamos dizer, em suma, que são direitos da personalidade os a ela inerentes, como um atributo essencial à sua constituição, como, por exemplo, o direito de ser livre, de ter livre iniciativa, na forma da lei, isto é, de conformidade com o estabelecido para todos os indivíduos que compõem a comunidade.

Como já disse, cada direito da personalidade se vincula a um valor fundamental que se revela através do processo histórico, o qual não se desenvolve de maneira linear, mas de modo diversificado e plural, compondo as várias civilizações, nas quais há valores fundantes e valores acessórios, constituindo aqueles as que denomino invariantes axiológicas. Estas parecem inatas, mas assinalam os momentos temporais de maior duração, cujo conjunto compõe o horizonte de cada ciclo essencial da vida humana. Emprego aqui o termo horizonte no sentido que lhe dá Jaspers, recuando à medida que o ser humano avança, adquirindo novas idéias ou ideais, assim como novos instrumentos reclamados pelo bem dos indivíduos e das coletividades”.[37]

O direito à privacidade, para alguns doutrinadores, engloba o direito à intimidade por ser mais amplo. André Ramos Tavares, por exemplo, entende que o direito à privacidade está ligado ao direito à intimidade, à vida privada, à honra, à imagem das pessoas, à inviolabilidade do domicílio, ao sigilo das comunicações e ao segredo, dentre outros direitos. Segundo ele, com base no direito à privacidade, “apenas ao titular compete a escolha de divulgar ou não seu conjunto de dados, informações, manifestações e referências individuais, e, no caso da divulgação, decidir quando, como, onde e a quem”.[38] Para este autor, esses elementos são decorrentes da vida familiar, doméstica ou particular do cidadão e envolve fatos, hábitos e pensamentos, entre outros.

A privacidade, na visão de Gilmar Mendes, abrange comportamentos ligados às relações profissionais e comerciais. São dados da vida privada que o indivíduo não quer que se tornem públicos. Já a intimidade está conexa com as relações familiares e amizades mais próximas.[39] José Afonso da Silva também engloba a intimidade dentro da privacidade do indivíduo pelo sentido genérico e amplo.[40] Ives Gandra Martins, Gilmar Mendes e Carlos Valder do Nascimento defendem a privacidade como condição para o desenvolvimento da personalidade. Dizem eles:

“A exposição diuturna dos nossos erros, dificuldades e fracassos à crítica e à curiosidade permanentes de terceiros, e ao ridículo público mesmo inibiria toda tentativa de auto superação. Sem a tranquilidade emocional que se pode auferir da privacidade, não há muito menos como o indivíduo se auto avaliar, medir perspectivas e traçar metas”.[41]

A intimidade refere-se a dados da esfera íntima da pessoa. É com base no direito à intimidade do indivíduo, por exemplo, além da garantia do sigilo profissional, que médicos, jornalistas e advogados não divulgam segredos que lhe foram revelados por pacientes, fontes e clientes.

A honra, na concepção de José Afonso da Silva está ligada a dignidade da pessoa. Para ele, honra também abrange o respeito, o bom nome e a reputação. A imagem também tem o seu peso na Constituição, na doutrina e na jurisprudência. Superior Tribunal de Justiça editou, em 2009, a súmula 403 — que prevê indenização em caso de publicação não autorizada da imagem. Diz a Súmula: “Independe de prova do prejuízo a indenização pela publicação não autorizada da imagem de pessoa com fins econômicos ou comerciais”.[42]

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Sobre a autora
Débora Pinho

Mediadora, advogada, jornalista, membro da Comissão Especial de Conciliação, Mediação e Arbitragem da OAB-MT e membro do Instituto Brasileiro de Práticas Colaborativas.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PINHO, Débora. Liberdade de imprensa e privacidade: princípios em colisão. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3913, 19 mar. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/27053. Acesso em: 23 abr. 2024.

Mais informações

Orientador: Manoel Messias Dias Pereira - professor de graduação e pós-graduação lato sensu, doutor em Ciências Jurídico-Criminais, mestre em Direito Processual Penal, pós-graduado em Filosofia e autor do livro "Direito Processual Penal e Direito Constitucional – Uma Abordagem Dialética".

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