Prescrição no contrato de seguro.

Os prazos no CC e a suposta aplicabilidade do CDC.

21/03/2014 às 13:23
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Diante de um aparente conflito de normas, o presente artigo visa analisar de forma conclusiva a possibilidade de incidência do prazo quinquenal do CDC nos contratos de seguro que configuram relação de consumo.

O instituto do contrato de seguro não é novo no sistema normativo brasileiro, e possui previsão no ordenamento desde o Código Comercial de 1850, com o seguro marítimo. Com a elaboração do Código Civil de 1916 recebeu ordenamento definitivo e ganhou tipicidade, avançando no ponto legal e doutrinário. Atualmente a sua estrutura está presente no Código Civil de 2002 no artigo 757 e seguintes.

Os avanços legislativos quanto à matéria são reflexos de como esta modalidade de contrato está presente no cotidiano da nossa sociedade, cercada dessas relações jurídicas. Os contratos de seguro podem ser celebrados para segurar um bem imóvel, veículos terrestres, marítimos e aéreos, maquinários, pessoas, como qualquer objeto passível de indenização.

Assim, considerando que todos os indivíduos da sociedade estão sujeitos a essas relações, mesmo que celebradas por terceiros, é de suma importância nos atentar no porque do atual entendimento jurisprudencial e na possibilidade de uma interpretação diversa, uma vez que temos um aparente conflito normativo no que tange a prescrição do contrato de seguro.

Conceituando sucintamente, o contrato de seguro é uma transferência de risco. Neste negócio jurídico, uma das partes se obriga a garantir interesse de outro sujeito contra riscos pré-determinados, mediante pagamento de determinado valor compensatório.

Sua prescrição tem incisos próprios no art. 206, § 1º, II e § 3º, IX, do CC (Código Civil), sendo de um ano a pretensão do segurado contra o segurador (ou vice e versa), e três anos a pretensão do beneficiário contra o segurador.

Desta forma, um conflito dentro da legislação ordinária do sistema normativo brasileiro surge, mesmo que aparente. O contrato de seguro é considerado relação de consumo pelo artigo 3º, § 2º, do Código de Defesa do Consumidor, ficando assim, também sujeito ao prazo de cinco anos previsto pelo art. 27 do diploma.

O tema é objeto do enunciado da ainda vigente súmula 101 do Superior Tribunal de Justiça editada antes da vigência do atual Código Civil, que reconheceu a aplicação da prescrição ânua invés da quinquenal.

O objetivo do presente artigo é compreender de forma conclusiva, o porquê dos entendimentos jurisprudenciais atuais sobre o tema e se realmente são viáveis os fundamentos para considerar a aplicabilidade da prescrição do CDC (Código do Consumidor) nos contratos de seguro.


1 O CONTRATO DE SEGURO COMO RELAÇÃO DE CONSUMO

Não se discute mais na doutrina sobre a aplicabilidade do Código Consumerista na prestação de serviço de natureza securitária, sendo o principal motivo, segundo Cavalieri (2008), a tutela expressa do legislador sobre, in verbis:

Art. 3º [...]

§ 1º Produto é qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial.

§ 2º Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista. (grifo nosso)

O professor ainda, elucida que as celebrações dos contratos de seguro ocorrem na maioria como relação de consumo. Apenas não incidindo o CDC quando o contrato tiver natureza empresarial, sendo insumo da atividade econômica, como seguros por acidente de trabalho, crédito, transporte e etc.

No sentido da indiscutibilidade sobre a incidência do CDC nas relações de natureza securitária, Rizzato Nunes (2011, p. 140): “Ninguém duvida que esse setor da economia presta serviços ao consumidor e que a natureza dessa prestação se estabelece tipicamente numa relação de consumo”.

2. DISPOSITIVOS EM CONFLITO APARENTE: PRESCRIÇÃO NO CÓDIGO CIVIL E PRESCRIÇÃO NO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR

Nos ensinamentos de Tartuce (2010), para que haja presença de antinomia as leis devem ser plenamente vigentes e válidas, sendo aplicáveis simultaneamente no mesmo lapso de tempo.

A prescrição do contrato de seguro foi tutelada pelo Código Civil de 2002, dentre os incisos do art. [206], vejamos:

Art. 206. Prescreve:

§ 1º Em um ano:

[...]

II - a pretensão do segurado contra o segurador, ou a deste contra aquele, contado o prazo:

a) para o segurado, no caso de seguro de responsabilidade civil, da data em que é citado para responder à ação de indenização proposta pelo terceiro prejudicado, ou da data que a este indeniza, com a anuência do segurador;

b) quanto aos demais seguros, da ciência do fato gerador da pretensão;

[...]

§ 3º Em três anos:

[...]

IX - a pretensão do beneficiário contra o segurador, e a do terceiro prejudicado, no caso de seguro de responsabilidade civil obrigatório.

Ocorre que a lei 8.078/90, o Código de Defesa do Consumidor, traz prazo prescricional diferenciado para as relações de consumo. Segue dispositivo:

Art. 27 - Prescreve em 5 (cinco) anos a pretensão à reparação pelos danos causados por fato do produto ou do serviço prevista na Seção II deste Capítulo, iniciando-se a contagem do prazo a partir do conhecimento do dano e de sua autoria.

Pelo o critério cronológico sugerido por Norberto Bobbio (1999), o Código Civil de 2002 prevaleceria perante o Código do Consumidor, norma de 1990, pois aquele é mais novo.

No entanto, segundo o critério da especialidade também elaborado pelo doutrinador, o Código de Defesa do Consumidor é norma especial, e esta prevalece sobre norma geral, caso do Código Civil.

Tomando como paradigma a doutrina de Maria Helena Diniz (2001), estamos diante de uma antinomia de 2º grau, antinomia da antinomia. Assim, diante do conflito dos critérios, neste caso, a autora afirma que como o critério cronológico não é absoluto, deve imperar o da especialidade.

Este é o entendimento reafirmado por Cavalieri Filho (2008, p. 277): “Neste particular a norma especial há de prevalecer, de acordo com o indiscutível princípio da especialidade”.

3 PRESCRIÇÃO NO CONTRATO DE SEGURO: PREVALÊNCIA DO CÓDIGO CIVIL

Reiterando os dispositivos legais em comento:

Art. 206. Prescreve:

§ 1º Em um ano:

[...]

II - a pretensão do segurado contra o segurador, ou a deste contra aquele, contado o prazo:

a) para o segurado, no caso de seguro de responsabilidade civil, da data em que é citado para responder à ação de indenização proposta pelo terceiro prejudicado, ou da data que a este indeniza, com a anuência do segurador;

b) quanto aos demais seguros, da ciência do fato gerador da pretensão;

[...]

§ 3º Em três anos:

[...]

IX - a pretensão do beneficiário contra o segurador, e a do terceiro prejudicado, no caso de seguro de responsabilidade civil obrigatório.

Art. 27 - Prescreve em 5 (cinco) anos a pretensão à reparação pelos danos causados por fato do produto ou do serviço prevista na Seção II deste Capítulo, iniciando-se a contagem do prazo a partir do conhecimento do dano e de sua autoria.

O debate sobre a aplicabilidade do dispositivo que trata da prescrição do Código Consumerista não gira apenas em torno do conflito de normas. Sérgio Cavalieri (2008) suscita que a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça a partir do julgamento do Resp 232.483-RJ, decidiu que em ação de indenização do segurador prescreve em um ano, como era previsto no art. 178, § 6º, II, do Código Civil de 1916.

Imprescindível lembrar que Flávio Tartuce (2008) destaca que a redação do antigo dispositivo sobre a prescrição nos contratos de seguro do Código de 1916 é análoga a do Código de 2002. A inovação legislativa está no § 3º do art. 206, que tutela a pretensão do beneficiário contra o segurador, sendo esta também uma relação de consumo.

De volta a Sérgio Cavalieri (2008), o citado recurso especial fez prevalecer a inaplicabilidade do art. 27 do Código de Defesa do Consumidor nos contratos de seguro, pois este dispositivo dispõe sobre prescrição em ação de reparação de danos por fato do serviço, não incidindo em responsabilidade decorrente de inadimplemento contratual. Vejamos a mais atual jurisprudência:

CIVIL E PROCESSO CIVIL. CONTRATO DE SEGURO. COMPLEMENTAÇÃO DOPAGAMENTO DA INDENIZAÇÃO. PEDIDO ADMINISTRATIVO À SEGURADORA. PRESCRIÇÃO ÂNUA. 1. Prescreve em um ano a ação de segurado contra seguradora, conforme disposto no art. 178, § 6º, II, do Código Civil de 1916.2. "O pedido do pagamento de indenização à seguradora suspende o prazo de prescrição até que o segurado tenha ciência da decisão"(Súmula n. 229/STJ).3. Agravo regimental desprovido. (STJ - AgRg no REsp: 977356 MG 2007/0187943-8, Relator: Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, Data de Julgamento: 14/06/2011, T4 - QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe 03/08/2011 – Disponível em: http://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/21101793/agravo-regimental-no-recurso-especial-agrg-no-re... Acesso em: 23 de out. 2013)

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. CIVIL. SEGURO. INVALIDEZ. PRESCRIÇÃO. PRAZO ÂNUO. SUSPENSÃO. TERMO INICIAL. PREQUESTIONAMENTO. AUSÊNCIA. 1. O pedido do pagamento de indenização à seguradora suspende a prescrição até que o segurado tenha ciência da decisão de recusa, quando então volta a fluir o prazo remanescente. 2. Face a não comprovação da data em que o segurado efetivou o pedido administrativo do pagamento do seguro, termo inicial da suspensão do prazo prescricional, inviável em sede de recurso especial, a verificação da ocorrência da perda da pretensão. 3. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. (STJ - AgRg no REsp: 1168872 SP 2009/0230689-8, Relator: Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, Data de Julgamento: 14/02/2012, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 17/02/2012 – Disponível em: http://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/21101793/agravo-regimental-no-recurso-especial-agrg-no-re... Acesso em: 23 de out. 2013)

Observa-se, desta forma, que o Resp 232.483-RJ gradativamente irradiou seus fundamentos na jurisprudência, atualmente firmando em entendimento consolidado.

4 NEGATIVA DE PAGAMENTO: REPARAÇÃO DE DANOS POR FATO DO SERVIÇO OU INADIMPLEMENTO CONTRATUAL

Os calorosos debates sobre o tema no Superior Tribunal de Justiça concentraram-se em elucidar didaticamente os termos do art. 27 do Código de Defesa do Consumidor. Assim, para compreender quais situações que o legislador pretendeu tutelar com o prazo quinquenal foi necessário uma interpretação dos conceitos trazidos pelo dispositivo. O que seria o fato do serviço a que este se refere, e a abrangência do art. 14 do mesmo diploma quanto à reparação dos danos causados por defeitos relativos à prestação dos serviços.

4.1 NEGATIVA DA SEGURADORA SOB A PERSPECTIVA DE INADIMPLEMENTO CONTRATUAL

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Como já exposto anteriormente, extraído dos ensinamentos de Cavalieri (2008) a partir do julgamento do Resp 232.483-RJ a jurisprudência majoritária começou a consolidar o entendimento de que não deve incidir prazo quinquenal do CDC, e sim a prescrição prevista no Código Civil. O fundamento de tal compreensão se dá pelo motivo de que a negativa da seguradora ser inadimplemento contratual, não caracterizando responsabilidade por fato do serviço.

Desta forma, é interessante elucidar esmiuçar o Resp 207.789 – RS. Este se destacou pela divergência nos seus votos, e minuciosa análise do tema pelos eminentes Ministros. Foram votos vencedores os Srs. Ministros Aldir Passarinho Junior, Eduardo Ribeiro, Waldemar Zveiter Barros Monteiro e Cesar Asfor Rocha. Vencidos os Srs. Ministros Relator, Ruy Rosado de Aguiar e Ari Pargendler. Segue ementa:

CIVIL. ACIDENTE DE VEÍCULO. SEGURO. INDENIZAÇÃO. RECUSA. PRESCRIÇÃO ÂNUA. CÓDIGO CIVIL, ART. 178, § 6º, II. INAPLICABILIDADE À ESPÉCIE DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR, ART. 27. I. Em caso de recusa da empresa seguradora ao pagamento da indenização contratada, o prazo prescricional da ação que a reclama é o de um (1) ano, nos termos do art. 178, parágrafo 6º, inciso II, do Código Civil. II. Inaplicabilidade do lapso prescricional quinquenal, por não se enquadrar na espécie do conceito de “danos causados por fato do produto ou do serviço”, na exegese dada pela 2ª Seção do STJ, uniformizadora da matéria ao art. 27 c/c os art. S 12, 13 e 14 do Código de Defesa do Consumidor. III. Recurso especial conhecido e provido. (STJ - Resp: 207.789 -RS, Relator: Ministro Carlos Alberto Menezes, Data de Julgamento: 27/06/2001, 2ª Turma, Data de Publicação: 24/09/2001. Disponível em:https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/ita.asp?registro=199900223861&dt_publicacao=24/09/2001 Acesso em: 22 out. 2013)

Portanto, defendendo a tese de que o Código Civil é aplicado na situação em comento, o Sr. Ministro Aldir Passarinho Junior (Resp n.º 207.789 – RS) adere totalmente aos fundamentos do ilustre Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeirano julgamento do Resp n.º 232.483/RJ. Este último jurista cuidou de distinguir a responsabilidade civil decorrente do inadimplemento contratual da responsabilidade por fato do serviço da seguinte forma:

"Com efeito, a ação de reparação de danos por fato de serviço decorre dos chamados “acidentes de consumo”, ou seja, quando a deficiente prestação do serviço é capaz de gerar danos ao consumidor. No caso de cobrança de indenização securitária, no entanto, a responsabilidade civil decorre do inadimplemento contratual, que não tem qualquer relação com vício do serviço.

[...]

Duas são as espécies de responsabilidade civil reguladas pelo Código de Defesa do Consumidor: a responsabilidade pelo fato do produto e do serviço e a responsabilidade por vícios do produto ou do serviço.

[...]

E não se nega, é bem verdade, que o Código de Defesa do Consumidor, de forma genérica, considera o seguro como “uma prestação de serviço” (art. 3º, § 2º). Por outro lado, ao disciplinar a prescrição, tratou o CODECON apenas das ações de reparação de danos por defeito no serviço, sabido que nem toda relação de consumo entre segurado e seguradora envolve fato ou vício do serviço."

Ademais, o Sr. Ministro Aldir Passarinho Junior complementa o pensamento explicitado pelo ilustre Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira afirmando que para aplicar a prescrição quinquenal, já deve ter havido de forma incompleta e defeituosa uma prestação de serviço. O que não se configura na questão debatida, sendo mera negativa da seguradora, se discutiria o direito ao seguro em si.

Ainda, exemplifica o julgador que a reparação pelos danos causados por fato do serviço na situação de prestação de serviço securitário poderia ser feita quando uma oficina escolhida pela seguradora faz o reparo de um veículo, e em virtude desse serviço, feito de forma defeituosa, o segurado viesse a sofrer um acidente. Assim incidiria o prazo de cinco anos previsto no art. 27 do CDC.

Ficou evidenciado do entendimento dos eminentes Ministros que a prescrição do CDC apenas se aplicaria quando ocorre um acidente de consumo. Na doutrina de Cláudia Lima Marques et al. (2004) o acidente de consumo ocorre quando há um defeito na prestação do serviço e como consequência decorre um evento danoso à segurança do consumidor final do serviço.

Este pensamento está em harmonia com a concepção de reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços dada por Rizzato Nunes (2005) ao comentar o art. 14 do CDC. O autor diferencia vício de defeito, este uma coisa extrínseca ao produto que causa um dano maior atingindo o consumidor através de um acidente de consumo, aquele uma característica do serviço em si.

4.2 NEGATIVA DA SEGURADORA SOB A PERSPECTIVA DE FATO DO PRODUTO

Do exposto no subitem anterior, temos um pensamento antagônico, onde a negativa da seguradora deve ser vista como fato do produto, sendo aplicável desta forma, o art. 27 do Diploma Consumerista.

Primeiramente é imprescindível citar o argumento de Sérgio Cavalieri Filho (2008, p. 278) quanto ao Código de Defesa do Consumidor ter superado as diferenças da relação contratual ou fato ilícito, dando tratamento paritário para os dois, unificando em relação de consumo, in verbis:

"A aplicação do Código do Consumidor no seguro não se dá em razão de relação contratual, mas por força da relação de consumo; esta, por sua vez, abarca relações contratuais e extracontratuais, indistintamente [...] Isso porque o fundamento da responsabilidade civil do fornecedor deixa de ser a relação contratual (responsabilidade contratual) ou o fato ilícito (responsabilidade aquiliana) para se materializar em função da existência de um outro tipo de vínculo: a relação jurídica de consumo, contratual ou não.. (STJ - Resp: 207.789 -RS, Relator: Ministro Carlos Alberto Menezes, Data de Julgamento: 27/06/2001, 2ª Turma, Data de Publicação: 24/09/2001. Disponível em:https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/ita.asp?registro=199900223861&dt_publicacao=24/09/2001 Acesso em: 22 out. 2013)"

Antes de o ilustre doutrinador chegar a esta conclusão, em voto vencido no Resp n.º 207.789, o Sr. Ministro Carlos Alberto de Menezes já defendia a corrente de que a negativa da seguradora deve ser visualizada como fato do serviço. A distinção entre acidente de consumo e inexecução contratual não chegaria à resposta da problemática em comento.

Isto se dá considerando que a relação de consumo se forma com a efetiva realização do contrato, e o serviço seria o pagamento do valor contratado, caso a condição estabelecida para tanto se concretize. Assim, se a seguradora se nega a pagar a indenização, o serviço está defeituoso, se enquadrando na redação do art. [14] do CDC: “fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação de danos causados aos consumidores por defeitos relativos a prescrição dos serviços.”

Afirma ainda o ilustre jurista que nos contratos de seguro a inexecução do contrato se confunde diretamente com à prestação do serviço. O não pagamento da indenização, como descumprimento contratual é o próprio fato do serviço, gerador de dano ao consumidor.

Assim, segundo o Ministro há determinados casos em que a inexecução contratual se diferencia do serviço prestado com defeito. Por exemplo, a instalação elétrica que entra em curto circuito, e posteriormente, explode. O bombeiro adimpliu com a obrigação contratual de instalar a fiação, entretanto, o serviço prestado insuficientemente gerou danos materiais.

Em contraponto, o Ministro Carlos Alberto Menezes diferencia:

"Mas, no contrato de seguro por acidente de veículo, o serviço é o pagamento do valor contratado; se a empresa pura e simplesmente não paga ou paga menos ou não paga alegando qualquer excludente, como, por exemplo, o agravamento do risco, o serviço contrato foi prestado com defeito, porque o serviço é tão-somente, o pagamento do valor da apólice."

Em consonância com o explicitado, Cavalieri (2008) aduz que o fato do serviço não está limitado apenas ao ilícito extracontratual, devendo abranger também o ilícito contratual, contanto que o inadimplemento resulte danos ao consumidor.

Ainda, conforme os ensinamentos do jurista, o segurador é um fornecedor de serviços, e seu produto é garantir riscos que o segurado está sujeito. A obrigação não é o mero pagamento da indenização, mas também, a garantia e segurança do consumidor. O segurador surge na figura de fiador ou avalista do risco segurado. O segurado compra a tranquilidade pagando o prêmio, assumindo o segurador, a obrigação de cobrir eventuais prejuízos. Com a ocorrência efetiva do sinistro, ocorreria o fato do serviço.

Ademais, o professor acrescenta que a jurisprudência, inclusive do Superior Tribunal de Justiça, vem reconhecendo o fato de serviço em outros casos de inadimplemento contratual. O exemplo dado é overbooking das companhias aéreas.

5 CONCLUSÃO

O contrato de seguro é um instituto completamente enraizado na nossa sociedade. É um negócio jurídico muito interessante para ambas às partes contraentes, em que um assume os riscos da outra mediante o pagamento de uma determinada quantia.

Começou a ter tratamento especial a partir do Código Civil de 1916, e foi amplamente tipificado no art. 757 e seguintes sendo submetido a todos os princípios gerais contratuais: autonomia da vontade, força obrigatório dos contratos, relatividade dos contratos, boa-fé contratual, função social contratual e proibição de comportamento contraditório.

De todas suas características, se destaca por ser um contrato de adesão. Nesta modalidade, o segurado não tem liberalidade para discutir sobre as cláusulas contratuais, devendo aceitar o que está disposto pelos termos oferecidos pelo segurador, aderindo ou não.

Ocorre que, dentro do ordenamento jurídico brasileiro, sua espécie de serviço é mencionada em uma lei especial, o Código de Defesa do Consumidor. Este, na redação do art. 3º, § 2º, foi bem claro quanto o caráter de relação de consumo para os “serviços de natureza securitária”.

Para ocorrer está relação é necessário então que se estabeleça vínculo de consumo entre o segurado e segurador. Este deve ser basicamente exercer atividade de prestação de serviços, e aquele ser destinatário fático e econômico, sendo o serviço para atender necessidade pessoal e ter vulnerabilidade em sentido amplo.

Como todos os direitos, com o intuito de garantir tranquilidade à ordem jurídica, o contrato de seguro também está sujeito à prescrição. Sendo esta a perda do exercício de determinado direito.

O Código Civil tratou da prescrição do contrato de seguro no seu art. 206, §§ 1º e 3º, sendo ânua e trienal, respectivamente. Ocorre que, simultaneamente, o Código de Defesa do Consumidor, no art. 27, traz o prazo quinquenal, gerando aparentemente um conflito de normas.

Assim estamos diante de uma antinomia de 2º grau, a antinomia da antinomia, uma vez que o CC de 2002 é norma mais recente e geral, enquanto o CDC é norma anterior e especial. Utilizando os critérios de solução, chega-se a conclusão que prepondera neste caso o CDC, pois, na ponderação de princípios, o da especialidade é superior.

Não obstante a aparente solução do conflito quanto à aplicabilidade da prescrição quinquenal nos contratos de seguro originados em uma relação de consumo, a discussão dos Tribunais se deu sob outro aspecto. O art. 27 do CDC fala em fato do serviço, o que para alguns não deveria ser considerado na negativa de pagamento pela seguradora, tratando-se este caso de inadimplemento contratual. Este foi o entendimento que começou a ser adotado pelo Superior Tribunal de Justiça a partir do julgamento do Resp n.º 232.483/RJ.

Mesmo após os calorosos e brilhantes debates elucidados Resp n.º 207.789 – RS, o entendimento anteriormente firmado se manteve, imperando que a negativa do contrato de seguro deve ser considerada como inadimplemento contratual e não fato do serviço. Até a data mais recente, com o passar dos anos, este entendimento foi gradativamente consolidado na jurisprudência, ficando consolidado e uníssono.

Portanto, considerando que os Tribunais do país refutam a ideia de aplicabilidade da prescrição quinquenal nos contratos de seguro caracterizados sob relação de consumo, pelos termos utilizados na redação do art. 27 do CDC, conclui-se que para que ocorra a inversão do entendimento, deve haver uma mudança no texto da lei, para que as discussões sobre, saiam da estagnação atual.


REFERÊNCIAS


BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico. 10ª edição. Brasília: Universidade de Brasília, 1999.

BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Vade Mecum. 15ª. Ed. São Paulo, SP: Editora Saraiva, 2013.

BRASIL. Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990. Vade Mecum. 15ª ed. São Paulo, SP: Editora Saraiva, 2013.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. AgRg no REsp: 977356 MG 2007/0187943-8. Relator: Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, Brasília: DF. Data de Julgamento: 14/06/2011, T4 - QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe 03/08/2011 – Disponível em: http://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/21101793/agravo-regimental-no-recurso-especial-agrg-no-re... Acesso em: 23 de out. 2013.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. AgRg no REsp: 1168872 SP 2009/0230689-8. Relator: Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, Brasília: DF. Data de Julgamento: 14/02/2012, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 17/02/2012 – Disponível em: http://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/21101793/agravo-regimental-no-recurso-especial-agrg-no-re... Acesso em: 23 de out. 2013.

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CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de Direito do Consumidor. São Paulo, SP: Editora Atlas, 2008.

DINIZ, Maria Helena. Conflito de Normas. 4ª edição. São Paulo, SP: Saraiva, 2001.

MARQUES, Cláudia Lima; BENJAMIN, Antônio Herman V.; MIRAGEM, Bruno. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. 1ª edição. São Paulo, SP: Editora Revista dos Tribunais, 2004.

NUNES, Rizzato. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. 2ª edição. São Paulo, SP: Editora Saraiva, 2005.

NUNES, Rizzatto. Curso de Direito do Consumidor. 6ª edição. São Paulo, SP: Editora Saraiva, 2011.

TARTUCE, Flávio. “Parte Geral”. In: MACHADO, Costa. Código Civil Interpretado. São Paulo, SP: Editora Manole, 2008.

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Sobre o autor
João Victor Pereira Castello

Profissional do direito comprometido com a advocacia e em início da carreira de pesquisa. Pós-graduando MBA Direito Civil e Processual Civil pela Fundação Getúlio Vargas - FGV (2015). Bacharel em Direito pela Faculdade Brasileira - UNIVIX (2013).<br><br>

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Síntese de monografia apresentada pelo autor a Faculdade Brasileira - UNIVIX, como requisito para conclusão do curso de direito.

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