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A dissolução do casamento com o advento da Emenda Constitucional nº 66

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08/04/2014 às 16:16
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Após a EC 66/2010, não mais persiste na legislação brasileira o sistema dual de término do casamento, consistente em prévia dissolução da sociedade conjugal e posterior dissolução do vínculo matrimonial. O fim do casamento passou depender da vontade do casal, sem a necessidade de se provar a culpa ou o cumprimento de requisitos objetivos.

Sumário: RESUMO. INTRODUÇÃO. Capítulo 1- FAMÍLIA E CASAMENTO. 1.1. A ORIGEM DA FAMÍLIA. 1.2. LINEAMENTOS HISTÓRICOS DO CASAMENTO. 1.2.1. O casamento em Roma. 1.2.2. O casamento canônico. 1.2.3. O casamento no Brasil. 1.3. O CASAMENTO NO DIREITO BRASILEIRO. 1.3.1. Conceito e características. 1.3.2. Natureza jurídica. 1.3.3. Casamento civil e religioso. 1.3.4. Princípios do direito matrimonial. Capítulo 2- A DISSOLUÇÃO DO CASAMENTO. 2.1. RETROSPECTIVA HISTÓRICA. 2.2. VÍNCULO MATRIMONIAL E SOCIEDADE CONJUGAL. 2.3. CAUSAS TERMINATIVAS. 2.3.1. Morte de um dos cônjuges. 2.3.2. separação antes da Emenda Constitucional nº 66/2010. 2.3.3. Divórcio antes da Emenda Constitucional nº 66/2010. Capítulo 3- A EMENDA CONSTITUCIONAL DO DIVÓRCIO. 3.1. A PROPOSTA DA EMENDA CONSTITUCIONAL. 3.2. OBJETIVO DA EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 66. 3.2.1. A extinção do requisito temporal. 3.2.2. A extinção da separação no ordenamento jurídico brasileiro. 3.2.3. Legislação infraconstitucional revogada. 3.2.4. Legislação infraconstitucional recepcionada e recriada. 3.3. O DIVÓRCIO SEM CULPA. 3.4. ASPECTOS PROCESSUAIS. 3.4.1. A ação de conversão. 3.4.2. Processos em tramitação. 3.4.3. Estado civil do separado judicialmente. CONCLUSÃO. REFERÊNCIAS. ANEXOS.

Resumo: A presente pesquisa está direcionada à análise das consequências advindas da Emenda Constitucional nº 66, de 14 de julho de 2010, a qual extinguiu os lapsos temporais autorizadores do divórcio, bem como baniu do ordenamento jurídico brasileiro a figura das separações judicial e extrajudicial. O objetivo precípuo da alteração constitucional foi proporcionar maior agilidade aos processos judiciais de dissolução do casamento, notadamente pela menor intervenção do Estado na decisão exclusivamente privada dos cônjuges, que não mais desejam permanecer em uma relação falida, que até então devia se submeter a um sistema dual extremamente burocrático e moroso. Assim, para melhor compreender a problemática do tema, foi elaborada uma breve análise do instituto do casamento e suas especificidades desde a era primitiva até os modelos de família/casamento hoje conhecidos, além de realizar uma retrospectiva histórica dos modelos de dissolução do casamento que perduraram até o advento da Emenda Constitucional objeto deste trabalho acadêmico. Por fim, após o estudo detalhado das modificações instituídas, percebe-se a iminente tentativa do Estado de se desvincular da influência da Igreja Católica que até então impunha um procedimento desgastante com o intuito de obstar o fim do casamento, para, enfim, destacar o caráter laico da legislação brasileira, e consequentemente, normatizar de forma autônoma, visando somente o melhor interesse da sociedade brasileira.


INTRODUÇÃO

A pesquisa tem como objetivo institucional a produção de Monografia para a obtenção de título de Bacharel em Direito pela Universidade da Região de Joinville - UNIVILLE.

O objeto deste Trabalho de Conclusão de Curso é a investigação acerca do novo paradigma de dissolução do casamento introduzido pela Emenda Constitucional nº 66 de 14 de julho de 2010, notadamento na persistência do sistema dual de termo ao matrimonio e da desnecessidade de distinção entre vínculo matrimonial e sociedade conjugal.

Assim,  importante realizar uma cuidadosa análise dos institutos que perduram contemporaneamente no ordenamento jurídico brasileiro, além de sustentar a necessidade/exigência da separação judicial enquanto não forem revogados os artigos que dela tratam no Código Civil, visto que não o feito expressamente.

Neste ínterim, o objetivo geral é elaborar um trabalho acadêmico capaz de identificar e analisar corretamente as mudanças na ordem jurídica do âmbito familiar inseridas com a Emenda Constitucional número 66, bem como avaliar as consequências processuais desta significativa reforma.

Neste tocante, tem-se como objetivos específicos comparar as relações familiares anteriores a Emenda Constitucional número 66 com as posteriores, bem como analisar teoricamente a persistência do sistema dual de dissolução do vínculo matrimonial no ordenamento jurídico brasileiro, inclusive na análise dos resultados práticos dos procedimentos judiciais referentes à dissolução do casamento no domínio catarinense.

Para este fim, adotou-se como método a investigação indutiva operacionalizada com a técnica da pesquisa bibliográfica, exclusivamente teórica, onde serão analisadas as referências a respeito do assunto em doutrinas, artigos científicos e acórdãos proferidos pelo Tribunal de Justiça de Santa Catarina que se posicionam quanto à problemática do tema.

Para atingir tais objetivos, a monografia foi dividida em três capítulos.

O primeiro capítulo traz uma breve retrospectiva sobre a origem da família e como este instituto milenar desencadeou no modelo de família/casamento existente nos tempos atuais. Neste mesmo momento, foram analisadas as características gerais e específicas da constituição do matrimônio que imperam no Código Civil vigente.

Na sequência, o segundo capítulo dispôs de uma retrospectiva acerca da história da dissolução do casamento no Brasil, e, em seguida, atentou-se a distinção entre vínculo matrimonial e sociedade conjugal, bem como descreveu as hipóteses de causas terminativas anteriormente à edição da Emenda Constitucional em estudo.

Por fim, o último capítulo discutiu de forma aprofundada as implicações advindas com a Emenda Constitucional nº 66, no que tange ao objeto e à finalidade desta, além do diagnóstico no atinente a legislação infraconstitucional revogada, recepcionada e recriada, e consequentemente, da persistência ou não do instituto da separação judicial no ordenamento jurídico atual. Ainda, restou concluída uma breve análise dos procedimentos judiciais em andamento no Poder Judiciário e como as mudanças constitucionais se amoldaram nos casos práticos.

Findo o conteúdo investigatório, foi apurado nas considerações finais a conclusão da presente pesquisa acadêmica.


Capítulo 1- FAMÍLIA E CASAMENTO  

1.1 A ORIGEM DA FAMÍLIA

A família é a instituição mais antiga da qual se tem conhecimento, sendo que sua origem remete a estágios primitivos da humanidade, precedendo até mesmo à religião e ao Estado. Salienta-se que por esta razão, os estudos acerca da origem da família carecem de dados fáticos e revestem-se em estudos sociológicos, e até mesmo meramente imaginários.

Alguns historiadores concluem que as relações familiares não possuíam um caráter individual, imperando os relacionamentos em grupo entre todos os membros da tribo. Sobre o assunto ensina Engels em sua obra publicada no século XX baseando-se nas investigações de Morgan:

Reconstituindo retrospectivamente a história da família, Morgan chega, de acordo com a maioria de seus colegas, à conclusão de que existiu uma época primitiva em que imperava, no seio da tribo, o comércio sexual promíscuo, de modo que cada mulher pertencia igualmente a todos os homens e cada homem a todas as mulheres[1].

Neste ínterim, surge o primeiro modelo de família, sendo aquela constituída em torno da figura materna, pois segundo Venosa:

[...] sempre a mãe era conhecida, mas se desconhecia o pai, o que permite afirmar que a família teve de início um caráter matriarcal, porque a criança ficava sempre junto à mãe, que a alimentava e a educava[2].

Engels afirma, ainda, que “em toda parte onde existe o matrimônio por grupos a descendência só pode ser estabelecida do lado materno, e, por conseguinte, apenas se reconhece a linhagem feminina[3]”.

Remontando-se aos estudos de Morgan, Engels divide em quatro etapas a formação da família, sendo a primeira a chamada “Família Consanguínea”, pois permaneciam os relacionamentos com caráter grupal, excluindo-se somente os ascendentes e descendentes, assim:

[...] os grupos conjugais classificam-se por gerações: todos os avôs e avós, nos limites da família são maridos e mulheres entre si; o mesmo se sucede com seus filhos, quer dizer, com os pais e mães; os filhos deste, por sua vez, constituem o terceiro círculo de cônjuges comuns; e seus filhos, isto é, os bisnetos dos primeiros o quarto círculo[4].

Desta forma, a única situação em que não ocorria o vínculo matrimonial era entre os ascendentes e descendentes, ou seja, pais e filhos não possuíam direitos e deveres inerentes ao casamento. Em contrapartida “o vínculo de irmão e irmã pressupõe, por si, nesse período, a relação carnal mútua[5]”.

Em seguida, Engels cita o surgimento da “Família Punaluana”, na qual se excluíram os irmãos das relações sexuais recíprocas. Nas palavras do historiador do século XIX:

Foi ocorrendo pouco a pouco, provavelmente começando pela exclusão dos irmãos uterinos (isto é, irmãos por parte de mãe), a princípio em casos isolados e depois, gradativamente, como regra geral (no Havaí ainda havia exceções no presente século) e acabando pela proibição do matrimônio até entre irmãos colaterais (quer dizer, segundo nossos atuais nome de parentesco, entre primos carnais, primos em segundo e terceiro graus)[6].

Desta forma, proibidas as relações entre irmãos por linha materna – lembrando que nesta época desconhecia-se a linhagem paterna – o grupo familiar transforma-se na chamada gens e “[...] a partir de então, este círculo se consolida cada vez mais por meio de instituições comuns, de ordem social e religiosa, que o distingue das outras gens da mesma tribo[7]”.

Assim, extrai-se da obra de Venosa que “os historiadores fixam nesse fenômeno a primeira manifestação contra o incesto no meio social (exogamia)[8]”.

Posteriormente, surgiram as denominadas “Famílias Sindiásmicas”, nas quais “um homem vive com uma mulher, mas de maneira tal que a poligamia e a infidelidade ocasional continuam a ser um direito dos homens [...], ao mesmo tempo, exige-se a mais rigorosa fidelidade das mulheres [...][9]”.

Este modelo familiar decorreu principalmente da proibição do matrimônio entre parentes consanguíneos, pois tornou impossível a união por grupos e obrigou a procura de parceiros sexuais em outras gens[10].

Segundo Morgan, citado por Engels:

O matrimônio entre os gens não consanguíneos engendra uma raça mais forte, tanto física como mentalmente; mesclavam-se duas tribos adiantadas, e os novos crânios e cérebros cresciam naturalmente até que compreendiam capacidades de ambas as tribos[11].

Entretanto, a dissolução do vínculo conjugal ainda dissolvia-se de forma simples, por qualquer das partes, permanecendo os filhos exclusivamente com a mãe[12].

Neste mesmo período, iniciou-se a domesticação de animais e a criação de gado, surgindo novas formas de riqueza e relações sociais até então desconhecidas. As posses pessoais, que até então se limitavam aos adornos e utensílios domésticos, tornam-se a riqueza dos indivíduos, consistente em mandas de cavalos, bois e camelos[13].

Como competia ao homem a obtenção de alimentos para o sustento da família sindiásmica, era também deste, a propriedade dos instrumentos e animais utilizados para tanto, o que desencadeou em um problema de ordem sucessória[14].

Como explanado anteriormente, na família primitiva seguia-se somente a linhagem materna, e em decorrência deste fato, quando o homem falecia, sua riqueza se transferia para seus irmãos e irmãs. Assim, melhor explica Engels:

Devido à sua pouca importância, esses bens passavam, na prática, desde os tempos mais remotos, aos parentes gentílicos mais próximos, isto é, aos consanguíneos por linha materna. Entretanto, os filhos de um homem falecido não pertenciam à gens daquele, mas à de sua mãe; ao princípio, herdavam da mãe, como os demais consanguíneos desta; depois, provavelmente, foram seus primeiros herdeiros, mas não podiam sê-lo de seu pai, porque não pertenciam à gens do mesmo, na qual deveriam ficar os seus bens. Desse modo, pela morte do proprietário de rebanhos, esses passavam primeiro lugar aos seus irmãos e irmãs, e aos filhos destes ou aos descendentes das irmãs de sua mãe; quanto aos seus próprios filhos, viam-se eles deserdados[15].

Este acúmulo de riquezas por parte do homem, somado a nova concepção da família sindiásmica (com o fim das relações sexuais em grupos se reconheceu a paternidade em relação aos filhos), colocou o varão em uma posição familiar de maior importância em relação à mulher, o que de acordo com Engels fez com que nascesse “a ideia de valer-se desta vantagem para modificar, em proveito de seus filhos, a ordem da herança estabelecida. Mais isso não se poderia fazer enquanto permanecesse vigente a filiação segundo o direito materno[16].”

Desta forma, termina o legado do poder matriarcal, assumindo o homem a direção da casa e posicionando a mulher como “servidora, escrava da luxúria do homem, e em simples instrumento de reprodução[17].

Este avanço na posição do homem foi o gancho para o novo modelo de família, a chamada “monogâmica”, e que perdura até os tempos atuais.

Engels ensina que “a família monogâmica diferencia-se do matrimônio sindiásmico por uma solidez muito maior dos laços conjugais, que já não podem ser rompidos por vontade de qualquer das partes[18]”.

Este modelo familiar que se baseia no predomínio do homem, e tem como finalidade expressa a procriação de filhos cuja paternidade não possa ser negada, em razão da futura herança que os filhos receberão por parte de pai (preocupação que passou a existir somente após o acúmulo de riquezas nas famílias)[19]

Por mais romântico que pareça a imagem da família monogâmica, extrai-se da obra de Engels que “os gregos proclamavam abertamente que os únicos objetivos da monogamia eram a preponderância do homem na família e a procriação de filhos que só pudessem ser seus para herdar dele[20]”.

Em contrapartida, quanto à mulher legítima, exigia-se que tolerasse tudo, guardando de forma rigorosa a castidade e a fidelidade, representando para o homem a mãe de seus filhos, a governanta da casa e a vigia das escravas[21].

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Ademais, Venosa aduz que:

A monogamia desempenhou um papel de impulso social em benefício da prole, ensejando o exercício do poder paterno. A família monogâmica converte-se, portanto, em um fator econômico de produção, pois esta se restringe quase exclusivamente ao interior dos lares, nos quais existem pequenas oficinas[22].

Assim, verifica-se que a existência do modelo de família monogâmica decorreu basicamente das necessidades de imposição do homem como ser superior diante da própria família e da sociedade em que vivia. Desta forma, a ideia de monogamia como prova de amor entre o casal é recente, sendo adaptado aos costumes e necessidades do século XXI, pois este último modelo de família é o que impera contemporaneamente.

1.2. LINEAMENTOS HISTÓRICOS DO CASAMENTO

1.2.1O Casamento em Roma

Com o advento do Império Romano, o casamento perdeu o caráter religioso e passou a ser considerado Ciência, sendo este o grande mérito do Direito Romano[23]. A primeira forma de casamento existente no direito romano estava inserida na Lei das XII Tábuas, e segundo Magalhães:

A primeira legislação Romana foi a Lei das XII Tábuas, que data de aproximadamente 452 a.C., em cuja Tábua Sexta, que tratava do direito de propriedade e da posse, estava escrito: “A mulher que residiu durante um ano em casa de um homem, como se fora sua esposa, é adquirida por esse homem e cai sob seu poder, salvo se se ausentar de casa por três noites”. Era a aquisição a título de usucapião[24].

Basicamente, havia duas espécies de casamento em Roma: a conventio in manum e a conventio sine manu. Segundo Magalhães, na primeira hipótese “o homem adquiria o poder marital sobre a mulher, que se desvinculava da família de origem e ingressava na do marido com os seus bens[25]”. Já na segunda hipótese, Monteiro afirma que a “mulher continuava a pertencer ao lar paterno[26]”.

A escolha da espécie do casamento também refletia no regime de bens, pois no casamento in manu, segundo Magalhães, “a mulher ingressava na família do seu marido com seus bens e passava a ser considerada como filha, desvinculando-se dos laços que ligavam à sua família biológica, especialmente do julgo paterno[27]”.

Por outro lado, na união sine manu Magalhães ensina que a mulher “permanecia sob o poder do pai, e a este revertia o patrimônio dela no caso de dissolução do casamento[28]”.

Assim, percebe-se que a mulher nunca poderia ser detentora de direitos ou autonomia, pois passava da condição de propriedade do pai para propriedade do marido. Neste ínterim, ensina Pereira:

A mulher vivia in loco filiae, totalmente subordinada à autoridade marital (in manu mariti), nunca adquirindo autonomia, pois que passava da condição de filha à esposa, sem alteração na sua capacidade; não tinha direitos próprios, era atingida por capitis deminutio perpétua que se justificava propter sexus infirmitatem et ignorantiam rerum forensium. Podia ser repudiada por ato unilateral do marido[29].

Outro ponto diferencial do casamento romano era o denominado affectio maritalis, ou seja, a intenção de viverem em uma sociedade conjugal. Em outras palavras explica Ruggiero:

É ele dado pela affectio maritalis, isto é, pela intenção de quererem ser marido e mulher, pela vontade de criar e manter aquela vida em comum, de conseguir os fins da união conjugal: uma vontade que não consiste num consenso inicial, num único ato volitivo, mas que se deve prolongar pelo tempo, ser duradoura e contínua, renovando-se quase de momento a momento, visto que sem isso a relação física perde seu valor[30].

 Devido a este caráter, Magalhães ensina que a falta do animus no casamento implicaria no divórcio, sem qualquer formalidade ou intervenção do Estado[31].

Esta situação ilustra corretamente a visão dos romanos sobre o casamento, pois ensina Ruggiero que “ele não é indissolúvel no sentido moderno, mas duradouro, e perpétuo, e todavia a sua perpetuidade concilia-se e coexiste com o instituto do divórcio, visto ser ideal e intencional e não necessário e real[32]”.

Desta forma, verifica-se que o casamento romano prezava, antes de qualquer formalidade, a convivência entre o casal, e a intenção de conviver maritalmente, o que reflete no fato de o casamento não ter um caráter perpétuo, mas sim de perdurável.

1.2.2. O Casamento Canônico

O casamento nos moldes tradicionais romanos perdurou até o governo do Imperador Constantino, que aliado ao surgimento da Igreja Católica Romana em 50 d.C. e ao início da ruína do Império, resultou na inserção da religião na família comum[33].

De acordo com as lições de Magalhães, quando o Império Romano desmoronou em 1453 em razão da tomada de Constantinopla pelos turcos, já existia o fortíssimo poder eclesiástico e, a princípio, a Igreja aceitou o casamento nos moldes romanos, pois este se baseava no consentimento dos nubentes na affectio maritalis[34].

Entretanto, esta tolerância perdurou por pouco tempo, pois já no século IX a Igreja iniciou o processo de canonização do casamento, dizendo Monteiro que “devido à sua formação e constituição, está o casamento acima do Estado[35].”.

Segundo Ruggiero, esta época a Igreja Católica:

(...) chama a si o conhecimento das causas matrimoniais, afirma a competência exclusiva dos tribunais eclesiásticos para se pronunciarem nas respectivas controvérsias e prepara o caminho para a jurisdição exclusiva e legislação, ditando nos cânones as regras relativas aos requisitos, aos impedimentos, à celebração e à nulidade do matrimônio[36].   

 A regulamentação do casamento católico se deu em 1563 com o Concílio de Trento, na qual foi determinada a intervenção obrigatória do sacerdote na celebração do casamento, bem como instituiu o rito matrimonial a ser seguido[37].

De acordo com Ruggiero, o rito consignava que:

(...) os esposos, depois de três publicações seguidas em três dias festivos e feitas diante dos fiéis, durante a missa, devem apresentar-se ao pároco que, na presença de duas ou três testemunhas, os une e abençoa a união (...)[38].

Neste período também foi criado o registro paroquial, no qual eram registrados os casamentos realizados, sendo que Magalhães ensina que em casos excepcionais, realizava-se o casamento secreto, fazendo o registro em livro não público, mas como os mesmos efeitos do casamento ordinário[39].

Neste ínterim, extrai-se da obra de Pereira que:

O Cristianismo elevou o casamento à dignidade de um sacramento, pelo qual um homem e uma mulher selam a sua união sob as bênçãos do céu, transformando-se numa só entidade física e espiritual (caro una, uma só carne), e de maneira indissolúvel (quos Deus coniunxit, homo nos separet)[40].

Assim, verifica-se a importância do casamento católico nas relações conjugais, pois retirou o caráter mercantil presente no Direito Romano e o transformou em uma relação sagrada e de maior intimidade.

1.2.3. O Casamento no Brasil

Em razão da colonização portuguesa, país fortemente católico, o Brasil, desde a época colonial possuía um poder eclesiástico tão forte, que podia confundir-se com o próprio Estado[41].

Segundo Magalhães, na ocasião do descobrimento, vigorava em Portugal as Ordenações Afonsinas (1446), substituída pelas Ordenações Manuelinas (1521), e posteriormente, as Ordenações Filipinas, sendo que esta última teve grande importância para o Brasil, pois disciplinou a matéria civil até a instituição do Código Civil de 1916[42].

As Ordenações Filipinas não dispunham de regulamentos sobre o casamento, limitando-se somente a proibir os casamentos sem licença “Del Rei” nos casos em que as mulheres possuíam bens ou recebiam rendas originárias da Coroa e proibir o casamento entre julgadores temporais e mulheres de sua jurisdição[43].

Sobre estas limitações, ensina Magalhães:

No primeiro caso, tratava-se de disposição relativa às mulheres que, por sucessão hereditária, houvessem recebido de seus antecessores bens dados pela Coroa, ou que deste recebessem qualquer vantagem pecuniária, sob pena de perda daqueles bens ou vantagens. A outra proibição tinha como objetivo evitar os incômodos naturais do casamento de um juiz com mulheres residentes na sua jurisdição, o que poderia resultar em prejuízo ao exercício da judicatura[44].

Desta forma, o casamento, tanto no Brasil Colônia como no Império, não se regia pelas normas de direito civil, mas sim pelas regras da Igreja Apostólica Romana.

Esta realidade ficou mais evidente com a edição de um decreto em 3 de novembro de 1827, que de acordo com Magalhães, determinou a observação do casamento religioso nas freguesias do Império[45].

Sobre este Decreto ensina Rizzardo que “com isso, reconheceu e adotou a jurisdição canônica sobre o casamento e sua dissolução, o que significa afirmar que não se admitia a validade do casamento sem a intervenção da Igreja[46]”.

Desta forma, Pereira aduz que:

Com o crescimento populacional, aumentou o número acatólicos, que se viam forçados a um drama de consciência: absterem-se do casamento, ou realizarem-no em contradição com as suas convicções espirituais[47].

Assim, tendendo a laicização surgiu em 1890 no ordenamento jurídico brasileiro a figura do casamento civil, de “observância obrigatória e sem distinção religiosa[48]”. Esta inserção foi dada através do Decreto número 181, de 24 de janeiro de 1890, e segundo Venosa, “como consequência da separação da Igreja do Estado, situação consolidada pela promulgação do Código Civil[49]”.

Magalhães afirma, ainda, que no mesmo ano o Governo Provisório editou o Decreto nº 521 de 26 de junho de 1890, momento em que estabeleceu que o casamento civil deveria preceder o religioso, bem como cominava pena de seis meses de prisão e multa ao ministro religioso que celebrasse antes o casamento católico[50].

Em 15 de novembro de 1889 foi proclamada a República, e em 1891, outorgada a Constituição Republicana, da qual se extrai do art. 72, § 4º: “A República só reconhece o casamento civil, que precederá sempre as cerimônias de qualquer culto[51]”.

Posteriormente, em 1950, foi aprovada a Lei nº 1.110, que nas palavras de Venosa “disciplina que o casamento religioso equivale ao civil quando os consortes promoverem o devido processo de habilitação perante o oficial de registro, na forma da lei civil[52]”.

Entretanto, considerava-se válida somente a união celebrada por religião reconhecida pelo Estado, conforme ensina Pereira:

Válido o matrimônio oficiado por ministro de confissão religiosa reconhecida (católico, protestante, muçulmano, israelita). Não se admite, todavia, o que se realiza em terreno de macumba, centros de baixo espiritismo, seitas umbandistas, ou outras formas de crendices populares, que não tragam a configuração de seita religiosa reconhecida como tal[53].

Por fim, Rizzardo traz com brevidade as disposições referentes ao matrimônio constantes nas Constituições posteriores:

Nas constituições que se seguiram, veio mantida a instituição, com a proteção, inclusive, do casamento religioso com efeitos civis – o que se nota na de 1934, art. 146; na de 1946, art. 163, §§ 1º e 2º; na de 1969 (Emenda Constitucional nº 1), art. 175, §§ 2º e 3º, e na Constituição vigente, art. 226, § 1º: “O casamento é civil e gratuita a celebração.” O §: 2º “O casamento religioso tem efeito civil, nos termos da lei.” E, no § 6º, no pertinente à dissolução: “O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio, após prévia separação judicial por mais de um ano nos casos expressos em lei, ou comprovada a separação de fato por mais de dois anos.[54]

Ressalta-se que em 13 de julho de 2010 foi promulgada a Emenda Constitucional nº 66, que alterou o § 6º da Constituição de 1988, sendo que passou a vigorar desta forma “O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio[55]”.

1.3. O CASAMENTO NO DIREITO BRASILEIRO

1.3.1. Conceito e caracteres

Assim como em diversos outros ramos do ordenamento jurídico brasileiro, recorre-se ao Direito Romano para definir o conceito de casamento, sendo de Modestino a máxima: “Nuptiae sunt coniunctio maris et feminae, consortium omnis vitae, divini et humani iuris communicatio[56]”.

Com o decurso do tempo, desapareceu a alusão à divindade, e tornou-se mais adequada a definição elaborada por Ulpiano, qual seja, “Nuptiae autem sive matrimonium est viri et mulieris coniunctio, individuam consuetudinem vitae continens”[57].

Em relação ao matrimônio e o Direito Romano, leciona Pereira que “denominava na concepção romana do matrimônio era mais a ideia de relação jurídica do que de celebração, mais a situação fática da convivência, animada sempre ao affectio maritalis[58]”.

O casamento, instituto basilar do Direito de Família, também é exaustivamente conceituado por diversos e brilhantes juristas brasileiros. Em uma definição mais antiga, Washington de Barros Monteiro, citado por Venosa, conceitua como “a união permanente entre o homem e a mulher, de acordo com a lei, a fim de se reproduzirem, de se ajudarem mutuamente e de criarem os seus filhos[59]”.

Em outras palavras, define Clóvis Bevilacqua apud Guimarães:

Contrato bilateral e solene, pelo qual um homem e uma mulher se unem indissoluvelmente, legalizando por ele suas relações sexuais, estabelecendo a mais estreita comunhão de vida e de interesses e comprometendo-se a criar e educar a prole que de ambos nascer[60].

Na mesma linha, Lafayette citado por Pereira disciplina que “o casamento é um ato solene pelo qual duas pessoas de sexo diferente se unem para sempre, sob promessa recíproca de fidelidade no amor e da mais estreita comunhão de vida[61]”.

Em que pese o brilhantismo destas definições, deve-se desconsiderar o caráter permanente do matrimônio, em razão do contexto histórico em que foram formuladas.

Já de acordo com a legislação civil vigente, Rizzardo conceitua o casamento como:

[...] um contrato solene pelo qual duas pessoas de sexo diferente se unem para constituir uma família e vier em plena comunhão de vida. Na celebração do ato, prometem elas mútua fidelidade, assistência recíproca, e a criação e educação dos filhos[62].

Dentre as características do casamento, Diniz enumera-as como: liberdade na escolha do nubente, a solenidade do ato nupcial, legislação matrimonial de ordem pública, união permanente e união exclusiva[63].

A primeira característica consiste no fato de o matrimônio ser um ato pessoal, cabendo ao nubente à escolha da pessoa do sexo oposto com quem quer conviver maritalmente, assim, nas palavras de Diniz, “a interferência da família restringe-se tão-somente à orientação, mediante conselhos, salvo nos casos em que a legislação exige o consentimento dos pais[64]”.

No mesmo sentido, extrai-se das palavras de Venosa que:

É pessoal, pois cabe unicamente aos nubentes manifestar sua vontade, embora se admita casamento por procuração. Não é admitido, como ainda em muitas sociedades, que os pais escolham os noivos e obriguem o casamento. Ato sob essa óptica, no direito brasileiro, padece de vício. Tratando-se igualmente de negócio puro e simples, não admite termo ou condição[65].

Em relação à solenidade do ato nupcial, versa Diniz:

[...] uma vez que a norma jurídica reveste-se de formalidades que garantem a manifestação do consentimento dos nubentes, a sua publicidade e validade. Não basta a simples união do homem e da mulher, com a intenção de permanecerem juntos e gerarem filhos; é imprescindível que o casamento tenha sido celebrado, conforme a lei que o ampara e rege[66].

Ainda, leciona Rizzardo que o casamento “reveste-se o ato de solenidade, com a observância de uma série de requisitos e inscrição no registro civil” [67].

No tocante a terceira característica do casamento, Diniz diz que a legislação matrimonial é de ordem pública, “por estar acima das convenções dos nubentes[68]”.

No que concerne à união permanente, a mesma doutrina assevera que:

A ideia da plena comunidade de vida – ensina Lehmann – exige que a durabilidade do casamento vá além das alterações das circunstâncias e independe da vontade das partes, em particular quando houver descendentes, cuja educação pode ficar prejudicada em virtude da destruição do lar paterno[69].

Ainda, sobre o mesmo assunto, Diniz leciona que:

Se duas pessoas contraem matrimônio, não o fazem por tempo determinado, mas por toda a vida; mesmo que venham a separar-se ou divorciar-se e tornem a se casar novamente existe sempre, em regra, um desejo íntimo de perpetuidade, ou seja, de permanência da ordem conjugal e familiar[70].

Por fim, a união exclusiva consiste na proibição da relação sexual fora do casamento, pois apesar de não ser mais considerada uma infração penal, o adultério continua sendo um ilícito civil, notadamente, por estar incluído no rol das causas de dissolução do casamento. Diniz ensina que “por ser da essência do casamento, o dever de fidelidade não pode ser afastado mediante pacto antenupcial ou convenção posterior ao matrimônio, tendente a liberar qualquer dos cônjuges, por ofender a lei e os bons costumes[71]”.

1.3.2. Natureza jurídica do casamento

As doutrinas de direito de família muito divergem sobre a natureza jurídica do casamento, não havendo um consenso se é instituição, contrato, ou até mesmo um meio termo entre estes dois.

A teoria contratualista originou-se no Direito Canônico, e disciplina que ao casamento devem ser aplicadas todas as disposições comuns aos contratos civis em geral, requerendo-se a mais, somente o consentimento dos nubentes.

Discorre Gonçalves que:

Tal concepção representava uma reação à ideia de caráter religioso que vislumbrava no casamento um sacramento. Segundo os seus adeptos, aplicavam-se aos casamentos as regras comuns a todos os contratos. Assim, o consentimento dos contraentes constituía o elemento essencial de sua celebração e, sendo contrato, certamente poderia dissolver-se por um distrato. A sua dissolução ficaria, destarte, apenas na dependência do mútuo consentimento[72].

Neste mesmo sentido, Pereira leciona:

O que no matrimônio deve ser primordialmente considerado é o paralelismo com os contatos em geral, que nascem de um acordo de vontade, e realizam os objetivos que cada um tem em vista, segundo a motivação inspiradora dos declarantes e os efeitos assegurados pela ordem jurídica.  

Para ilustrar esta concepção, extrai-se da obra de Magalhães:

A história da humanidade mostra-nos inúmeras passagens em que o contrato matrimonial é mencionado, como, por exemplo, na passagem Bíblica do casamento de Tobias e Sara, onde Raquel toma uma tábua e redige o contrato de matrimônio da filha Sara. No Código de Hamurabi estava escrito: “Se um homem tomou uma esposa e não redigiu seu contrato, essa mulher não é sua esposa” (art. 128) [73].

Em contraponto às argumentações da natureza jurídica contratualista, insurgem-se os doutrinadores defensores da teoria institucionalista, inspirados pelos elaboradores do Código Civil italiano de 1865, pois estes entendem que as questões familiares e personalíssimas não podem ser objeto de convenção contratual[74].

Segundo Pereira “o consentimento se mostra absolutamente ineficaz sem a intervenção do Estado, que se opera de forma constitutiva do casamento[75]”.

E nas palavras de Gomes citado por Diniz:

A concepção institucionalista vê no matrimônio um estado em que os nubentes ingressam. O casamento é tido como uma grande instituição social, refletindo uma situação jurídica que surge da vontade dos contraentes, mas cujas normas, efeitos e forma encontram-se preestabelecidas pela lei. [...] O estado matrimonial é, portanto, um estatuto imperativo preestabelecido, ao qual os nubentes aderem. Convém explicar que esse ato de adesão dos que contraem matrimônio não é um contrato, uma vez que, na realidade, é a aceitação de um estatuto tal como ele é, sem qualquer liberdade de adotar outras normas[76].

Assim, para a corrente institucionalista, o casamento é uma “instituição social”, pois conforme Monteiro apud Gonçalves “nasce da vontade dos contraentes, mas que, da imutável autoridade da lei, recebe sua forma, suas normas e seus efeitos. A vontade individual é livre para fazer surgir a relação, mas não pode alterar a disciplina estatuída por lei[77]”.

Magalhães, em sua obra sobre as instituições de direito de família, discorre tanto sobre a teoria contratualista, quanto a institucionalista, entretanto, conclui que, em razão do casamento envolver pessoas que não fazem parte do ato jurídico, ao contrário dos contratos que obrigam apenas as partes, a natureza jurídica do casamento seria então a de instituição[78].

Neste sentido ensina:

O casamento é celebrado com o intuito de perpetuidade intencional, enquanto que os contratos, em regra, são celebrados para vigorar a tempo certo. A natureza cogente das normas que regem o casamento limita a vontade dos contraentes, o que não ocorre nos contratos. Por último, a finalidade do casamento está assentada em princípios sublimes, enquanto que os contratos costumam ter uma finalidade material acentuada[79].

Por fim, na tentativa de apaziguar a polêmica no tocante a natureza jurídica do casamento, surge uma terceira corrente, a do “contrato-instituição”, na qual se “entende ser o casamento um negócio jurídico complexo, que conjuga a manifestação de vontade dos contraentes e a obrigatória intervenção do Estado[80]”.

Magalhães afirma ainda:

Em outras palavras, não é um ato meramente privado e nem um ato essencialmente público, administrativo, mas o resultado da somatória desses dois fatores na criação de uma relação que vai além dos contraentes, na constituição da família e todas as suas consequências pessoais e materiais[81].

Lecionado sobre tal, Gonçalves cita Espíndola, brilhante filiado da corrente mista:

Parece-nos, entretanto, que a razão está com os que consideram o casamento um contrato sui generis, constituído pela recíproca declaração dos contraentes, de estabelecerem a sociedade conjugal, base das relações de direito de família. Em suma, o casamento é um contrato que se constitui pelo consentimento livre dos esposos, os quais, por efeito de sua vontade, estabelecem uma sociedade conjugal que, além de determinar o estado civil das pessoas, dá origem às relações de família, reguladas, nos pontos essenciais, por normas de ordem pública[82].

Assim, em que pese as diversas opiniões sobre o tema, Venosa sintetiza que “o casamento-ato é um negócio jurídico; o casamento-estado é uma instituição[83].”

1.3.3. Casamento civil e religioso

Anteriormente ao Império, o Direito brasileiro reconhecia somente o casamento religioso católico como válido, em razão de esta ser a religião oficial do Estado. Segundo Diniz, esta situação decorria do Decreto de 3 de novembro de 1827, que concedia a Igreja Católica a titularidade quase absoluta dos direitos matrimoniais, regendo todo e qualquer ato nupcial, com fulcro nas diretrizes do Concílio Tridentino e da Constituição do Arcebispo da Bahia[84].

Entretanto, com o aumento populacional e a consequente miscigenação dos habitantes do país, verificou-se que uma parcela da população considerava-se acatólica, e que nas palavras de Pereira “se viam forçados a um drama de consciência: absterem-se do casamento, ou realizarem-no em contradição com as suas convicções espirituais[85]”.

Assim, o então Ministro da Justiça, Diogo de Vasconcelos, apresentou um projeto de Lei que objetivava estabelecer que o casamento entre não-católicos fosse realizado em conformidade com as prescrições de sua respectiva religião[86].

Este projeto transformou-se na Lei nº 1.144 de 11 de setembro de 1861, e que regulamentada pelo Decreto de 17 de abril de 1863, instituiu o matrimônio civil, com o intuito de unir pessoas pertencentes a seitas distintas.

Neste ínterim, surgiram três modalidades de núpcias, como bem leciona Diniz:

[...] o católico, celebrado segundo normas do Concílio de Trento, de 1563, e das Constituições do Arcebispo baiano; o misto, entre católico e acatólico, sob a égide do direito canônico; e o acatólico, que unia pessoas de seitas dissidentes, de conformidade com os preceitos das respectivas crenças[87].

Posteriormente, com o advento da República e com a consequente separação entre Igreja e Estado, foi introduzido pelo Decreto nº 181 de 24 de janeiro de 1890 o casamento civil obrigatório, e desta forma, como preceitua Diniz, “não mais era atribuído qualquer valor jurídico ao matrimônio religioso[88]”.

Extrai-se da obra de Diniz um trecho da circular do Ministério da Justiça de 11 de junho de 1890:

Nenhuma solenidade religiosa, ainda que sob a forma de sacramento do matrimônio, celebrada nos Estados Unidos do Brasil, constituiria, perante a lei civil, vínculo conjugal ou impedimento para livremente casarem com outra pessoa os que houverem daquela data em diante recebido esse ou outro sacramento, enquanto não fosse celebrado o casamento civil.[89]

Destarte, como pondera Venosa “houve dificuldade de assimilação do sistema pelo clero e pela população de maioria católica na época. Com isso, generalizou-se no país o costume do duplo casamento, civil e religioso, que persiste até hoje[90]”.

A concepção de que o casamento unicamente religioso não possuía validade perdurou até a promulgação da Constituição de 1934, que em seu artigo 146, autorizou a atribuição de efeitos civis ao casamento religioso desde que observadas as prescrições legais[91].

As Constituições seguintes seguiram o mesmo entendimento da de 1934, discorrendo Diniz sobre tanto:

A Constituição de 46, no art. 163, § 1º, com a redemocratização do país, manteve a concessão anterior, condicionado-a à observância dos impedimentos e às prescrições em lei, se assim, o requeresse o celebrante ou qualquer interessado, com inscrição do ato no Registro Público. Em seguida, a Lei n. 1.110, de 23 de maio de 1950, regulamentou por completo o reconhecimento dos efeitos civis ai casamento religioso, quando os nubentes requeressem sua inscrição no Registro após sua realização, revogando a Lei n. 379 por inteiro[92].

Ainda:

A Constituição Federal de 24 de janeiro de 1967, com a redação da Emenda Constitucional n. 1/69, no art. 175, §§ 2º e 3º, manteve o casamento religioso com efeitos civis, e pela Emenda Constitucional n. 9/77 quebrou a indissolubilidade do matrimônio (art. 175, § 1º), prevendo sua dissolução nos casos expressos em lei[93].

Atualmente a questão esta prevista no artigo 226, § 2º da Constituição de 1988 e disciplinada pela Lei nº 1.110/50, trazendo, contudo, uma grande inovação, que nas palavras de Venosa “ao permitir que a habilitação ocorra posteriormente ao casamento religioso, com a apresentação dos documentos legalmente exigidos, sem a prévia habilitação civil[94]”.

Assim, Monteiro citado por Venosa sintetiza os quatro sistemas na legislação mundial:

(a) países nos quais apenas o casamento civil é válido, ressalvada a possibilidade de realização do casamento religioso, como ocorre no Brasil e em quase todos os países latino-americanos; (b) países que permitem a escolha entre o casamento civil e o religioso, ambos com o mesmo valor legal, como ocorre nos Estados Unidos; (c) países que mantêm a proeminência do casamento religioso, na religião oficial do Estado, facultando às pessoas de outras religiões o casamento civil (Espanha e países escandinavos); e (d) países nos quais persiste apenas o casamento religioso, como Líbano e Grécia. A tendência universal, contudo, é da secularização do matrimônio conforme o primeiro sistema[95].

Assim, em que pese a possibilidade de atribuição de efeitos civis ao casamento religioso, verifica-se que a celebração dos dois casamentos continua um prática comum entre os casais brasileiros.

1.3.4. Princípios do direito matrimonial

Comumente, são considerados três os princípios arrimos do matrimônio, sendo estes a livre união dos futuros cônjuges, a monogamia e a comunhão indivisa.

Leciona Rizzardo sobre o primeiro princípio:

Os cônjuges decidem livremente na escolha mútua, não subsistindo quaisquer resquícios de antigas interferências de progenitores na escolha do companheiro. Esta união livre, de outra parte, não pode ser limitada por condições, termos ou imposições, cujo cumprimento faculta-se a alguém estabelecer para a continuidade do ato conjugal[96].

Ainda, extrai-se da obra de Diniz que “Impossível é a substituição do consentimento dos contraentes, bem como a autolimitação de suas vontades pela condição ou por termo[97]”.

Em relação ao princípio da monogamia, entende-se que para haver harmonia e respeito no relacionamento, indispensável à exclusividade, sendo o cônjuge a única pessoa autorizada a dividir o leito conjugal.

Embora alguns países orientais admitam a poliandria e a poligamia, ensina Diniz que:

“[...] a grande maioria dos países adota o regime da singularidade, por entender que a entrega mútua só é possível no matrimônio monogâmico, que não permite a existência simultânea de dois ou mais vínculos matrimoniais contraídos pela mesma pessoa, punindo severamente a bigamia[98].”

Importante ressaltar, que o Código Penal brasileiro pune com pena de reclusão aquele que sendo casado, contraia novas núpcias (artigo 235).

O terceiro princípio relacionado por Diniz, diz respeito à comunhão indivisa, o qual, nas palavras de Diniz, “valoriza o aspecto moral da união sexual de dois seres, visto ter o matrimônio por objetivo criar uma plena comunhão de vida entre os cônjuges, que pretendem passar juntos as alegrias e os dissabores da existência[99]”.

Ainda, em sua obra sobre direito de família, Rizzardo cita um terceiro princípio, o da indissolubilidade, pois ao decidirem se casar, os nubentes possuem o objetivo comum de manter uma relação eterna e duradoura[100].

Neste ínterim, entende-se que estes princípios existem para orientar os nubentes sobre a forma correta de relacionarem-se como casal, bem como para sustentar os deveres inerentes ao casamento, quais sejam, o de fidelidade recíproca, vida em comum e mútua assistência.

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Sobre a autora
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PACHECO, Caroline. A dissolução do casamento com o advento da Emenda Constitucional nº 66. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3933, 8 abr. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/27523. Acesso em: 25 nov. 2024.

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Orientador: Prof. MSc. Giovani de Lima

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