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A efetividade da jurisdição arbitral

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08/04/2014 às 11:30
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3. A CRISE DE EFETIVIDADE DO PODER JUDICIÁRIO

Incontroverso que a pacificação social é um dos escopos magnos do Estado Democrático de Direito. Para a consecução desse objetivo, o Poder Público garantiu aos cidadãos o acesso ao Judiciário. A interpretação do princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional dispensada pelo Estado junto à população enraizou a ideia de exclusividade da jurisdição estatal para a solução de controvérsias. Nessa ordem, desenvolveu-se um procedimento formal – arrimado especialmente nos princípios do devido processo legal, contraditório e ampla defesa – para fazer atuar a jurisdição. O procedimento informado por tais princípios foi nomeado de processo jurisdicional ou, simplesmente, processo. Assim, pode-se dizer que o processo é o instrumento da jurisdição.

A fim de garantir uma ordem jurídica com distribuição igualitária das liberdades civis e políticas (direitos fundamentais), a doutrina, jurisprudência e legislador pátrio aderiram ao movimento universal de acesso à Justiça. Esse movimento, encabeçado por Mauro Cappelletti e Bryant Garth e esmiuçado no subcapítulo 2.2., foi denominado de “Ondas renovatórias de acesso à Justiça”. As duas primeiras ondas das três que formam essa ideologia já foram incorporadas ao nosso ordenamento jurídico, contudo a terceira ainda rateia. Nesse sentido, aclara-se:

O direito pátrio, após ter alcançado, ao menos formalmente, os objetivos da primeira destas ondas renovatórias, qual seja, a garantia de assistência judiciária gratuita; e após ter se tornado o mais rico ordenamento jurídico no atendimento da segunda onda renovatória, consistente na tutela dos interesses metaindividuais, através de institutos como a ação popular, a ação civil pública e a ação coletiva para tutela dos consumidores, volta agora seus olhos para a terceira onda renovatória, que consiste na fase atual de preocupação dos modernos processualistas. Consiste esta terceira onda renovatória do Direito Processual no chamado “novo enfoque do acesso à Justiça”, através do qual se buscam meios mais adequados de tutela dos consumidores do serviço de prestação de justiça (CÂMARA, 2009, p. 1-2).

Com subsídio na transcrição acima, verifica-se que a implementação da primeira e segunda ondas renovatórias no sistema jurídico equiparou a prestação jurisdicional a uma prestação de serviço qualquer. Dessa maneira, pelo substancial encurtamento da distância entre o jurisdicionado e a porta de acesso à Justiça, todo cidadão foi alçado à categoria de potencial consumidor da jurisdição estatal.

A facilitação do acesso formal dos cidadãos à Justiça e a cultura do monopólio estatal de solução de conflitos redundaram, como era de se esperar, numa enxurrada de ações judiciais, ocasionando a estagnação do Poder Judiciário. Vale lembrar que a proliferação de demandas foi e é potencializada pela cultura do litígio criada no Brasil. Ocorrendo choque de interesses entre pessoas, pensa-se logo em dirimi-lo através do aparelho estatal, sem ao menos tentar-se um acordo prévio. Essa cultura assoberba a Justiça, gerando gastos públicos inúteis.

Destarte, a falta de infraestrutura ou de um plano estratégico dimensionado para o aumento exponencial do número de feitos, as formalidades do processo e a insuficiência de servidores e juízes são algumas das razões da crise de entrega da tutela jurisdicional. O pior produto dessas mazelas é a morosidade processual, “amplamente divulgada pelos meios de comunicação, demonstrando as dificuldades enfrentadas pelos cidadãos na busca da solução de seus conflitos por meio da tutela jurisdicional” (PETROCELLI, 2006, p. 50).

Para ilustrar a crise de efetividade do Poder Judiciário, Jorge Mussi, Ministro do Superior Tribunal de Justiça, relatou que atualmente tramitam no Brasil oitenta e seis milhões de processos judiciais, volume impossível para o contingente de quinze mil juízes. Ante esses dados, ponderou que a sociedade está perdendo a paciência com o Judiciário, sendo imprescindível a união de advogados e magistrados para estimular a mudança da cultura do litígio e buscar a conciliação (2012).

No que tange ao formalismo processual – também causador de lentidão judicial – o legislador tem buscado uma redução ao mínimo indispensável das formas processuais. Porém, nem mesmo esse empenho legislativo, comentado no subcapítulo 2.2., conseguiu equilibrar a proporção entre o número de ações distribuídas e o número de processos extintos.

Com efeito, Petrocelli (2006, p. 42), ao comentar sobre a crise de efetividade da tutela jurisdicional do Estado, não deixa dúvida que:

A morosidade do Judiciário é hoje uma triste realidade, e deixa a sociedade à mercê de uma Justiça lenta e inadequada, que retarda sobremaneira o efetivo atendimento da prestação jurisdicional buscada, estimulando a injustiça, e a consequente descrença do Poder Judiciário.

Compilando o exposto, resta patente que o Estado garantiu apenas o acesso formal à Justiça ao jurisdicionado, o que é inócuo, porque o cidadão busca muito mais que a simples dedução de sua pretensão em juízo; objetiva uma solução efetiva da controvérsia, isto é, uma prestação jurisdicional que certifique, proteja (quando necessário) e, sobretudo, efetive/realize seus direitos. Esse é o “novo enfoque do acesso à Justiça” propugnado pela terceira onda renovatória de acesso à Justiça de Cappelletti e Garth. Em suma, é o acesso efetivo à ordem jurídica justa cristalizador da verdadeira justiça social.

Portanto, o Poder Judiciário – bastante congestionado, inclusive pelo próprio sucesso das duas primeiras ondas renovatórias retromencionadas – afigura-se como via não suficientemente abrangente para resolução e inibição de litígios, donde exsurgem vigorosos o instituto da arbitragem e outros meios alternativos de solução de controvérsias.


4. A EFETIVIDADE DA JURISDIÇÃO ARBITRAL

Nunca é demais lembrar que somente pessoas capazes poderão se valer da arbitragem para dirimir litígios referentes a direitos patrimoniais disponíveis. Esse é o campo de atuação do instituto, o qual possui significantes vantagens em relação ao Poder Judiciário para solucionar controvérsias que envolvam essa categoria de direitos. As proclamadas vantagens – que serão apresentadas na sequência – evidenciam a efetividade da jurisdição arbitral.

A arbitragem possibilita um incremento de qualidade da decisão final, visto que permite a escolha pelas partes de árbitros especializados na questão controvertida entre elas, o que, por certo, impactará positivamente na aceitação social do decisum. Corrobora esse pensamento Ranzolin (2011, p. 12) ao dispor:

A eleição de árbitros especialistas em seus campos de conhecimento possibilita julgamentos mais céleres, precisos e afinados à realidade e expectativa dos litigantes. Sem dúvida, a miríade de diversificação da vida social é impossível de ser totalmente abarcada por um magistrado de carreira – mesmo jurisconsultos experientes, com vidas inteiras de estudo, se julgam incapazes de opinar sobre áreas a que não se dedicaram.

Na esfera judicial, quando a pretensão deduzida em juízo envolve matéria técnica, há uma série de inconvenientes, a saber: (i) o magistrado, quase sempre, fica refém da opinião do experto; (ii) os peritos demandam tempo demasiado para elaborar o laudo; (iii) o procedimento para produção da prova pericial (art. 420 e seguintes do Código de Processo Civil) pode gerar novos conflitos (agora de ordem processual) entre as partes.

O juízo arbitral tende a evitar esses inconvenientes. Nele, os requerimentos de prova pericial nem sempre se justificam, pois pode ser feita pela tomada de depoimento de “testemunha técnica”. Sobre a prova pericial em sede arbitral e a testemunha técnica, esclarece-se:

[…] a virtude do depoimento da testemunha técnica está no fato de poder ser interrogada por ambas as partes, assistidas por seus técnicos e pelos árbitros, permitindo-lhes atestar-lhes a credibilidade e a pertinência de suas conclusões e afirmativas nos depoimentos que prestam. Não raro no processo arbitral a prova pericial é feita em audiência, com o depoimento de técnicos que participaram do objeto da controvérsia e, portanto, afeitos às peculiaridades do caso (MAGALHÃES, 2006, p. 65).

O sistema delineado na transcrição supra é melhor que o da simples prova pericial, onde o perito, estranho às características da matéria em debate, confecciona o laudo, juntando-o ao processo sem se submeter aos questionamentos e esclarecimentos em audiência. O comparecimento obrigatório do perito em audiência, para responder a esclarecimentos solicitados pelas partes (devidamente assistidas por seus técnicos), proporcionará uma atuação com maior cuidado e responsabilidade em suas análises e conclusões. “Permite, também, ao julgador, examinar-lhe a credibilidade e segurança nas conclusões a que chegou” (MAGALHÃES, 2006, p. 65).

Outra vantagem da arbitragem está no fato de não se poder desconsiderar que o conformismo diante de uma decisão proferida por alguém escolhido pelos próprios contendores tende a ser maior, tornando o litígio menos tenso e menos propício à multiplicação dos confrontos.

A arbitragem possibilita a construção de uma estrutura própria para o julgamento individualizado do conflito. Esse tratamento especial na apreciação da lide provoca o conformismo, sobretudo porque os árbitros, ao revés dos juízes, não possuem centenas de casos da mais variada ordem para decidir. Isso lhes permite o exame aprofundado da controvérsia, além do que lhes é facultada a possibilidade de discutir amplamente o caso em reuniões periódicas ou por meio eletrônico.

Na esteira desse tratamento especial, imperativo ressaltar que a arbitrarem promove a desburocratização do julgamento do conflito, porquanto são as partes que estabelecem as normas do procedimento para dirimir a controvérsia.

Não se pode olvidar que o processo arbitral encontra-se estruturado dentro dos princípios do contraditório, da igualdade das partes, da imparcialidade do árbitro e de seu livre convencimento (processo garantístico), entretanto isso não quer dizer que a arbitragem foi engessada pelas regras do Código de Processo Civil.

O processo judicial é público e genérico, regulado por normas que tentam abarcar os mais diferentes tipos de litígios; o processo arbitral é privado e específico, sendo que suas normas procedimentais são redigidas para aquela questão e não para outras em tese. Daí por que os pressupostos daquele não são aplicáveis a este.

A flexibilidade do processo arbitral propicia às partes liberdade para escolher a forma e o encadeamento dos atos processuais, que serão adaptados ao direito material que precisam discutir. Nesse norte, diversos institutos e/ou regras incidentes no processo judicial poderão ser abandonados sem qualquer arrependimento, como, por exemplo, a forma dos atos processuais não precisa ser a do Código de Processo Civil e a ordem de produção das provas não precisa ser aquela estipulada na lei do processo. Nesse sentido, Carmona (2011, p. 9) pronunciou:

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Nada impede que as partes escolham um procedimento completamente apartado dos parâmetros do Código de Processo Civil. É comum, por exemplo, que alguns órgãos arbitrais nacionais utilizem o sistema de apresentação ao mesmo tempo, pelas partes, de suas alegações iniciais, permitindo-se-lhes, depois, resposta também a ser apresentada no mesmo momento. Como conseqüência, abandona-se ao mesmo tempo o sistema seqüenciado previsto no Código (petição inicial, resposta, réplica, tréplica) e também a necessidade de apresentação de reconvenção (as duas partes formulam seus pedidos nas alegações iniciais). A preocupação com a forma da “petição inicial” é mínima (nesta fórmula procedimental o procedimento é dúplice, não há “autor” ou “réu”) e não é raro encontrar regulamentos arbitrais (quando a arbitragem for administrada) que não preveja regras rígidas sobre a estabilização da demanda, permitindo (ainda que com temperamentos) formulação de pedidos novos mesmo depois de apresentadas as alegações das partes.

[…]

Quanto à ordem de produção das provas, por fim, podem as partes (ou os árbitros, quando for o caso) estabelecer uma fórmula que nada tenha a ver com o Código de Processo Civil. Eventualmente será mais interessante produzir toda a prova oral para, só após, cogitar da produção de prova pericial; pode ser conveniente ouvir testemunhas técnicas ao invés de nomear peritos; pode ser interessante permitir que as partes tragam depoimentos escritos das testemunhas que pretendem ouvir, limitando eventual inquirição àquilo que declararam; as partes podem estabelecer um sistema de “chess clock” para a inquirição de testemunhas, concedendo-se a cada uma delas um determinado número de horas para ouvir quantas testemunhas quiser. As possibilidades são infinitas, e exatamente nesta possibilidade de criar e aplicar técnicas de acordo com a necessidade do caso concreto faz da arbitragem um método extraordinariamente eficaz de solução de controvérsias.

Em decorrência da flexibilidade do processo arbitral surge outra virtude do instituto, qual seja, a celeridade. A montagem de um procedimento específico para solucionar determinada controvérsia foca o debate sobre o mérito do caso e não sobre as secundárias questões processuais, que, na maioria das vezes, são a causa do emperramento da jurisdição estatal. Noutras palavras, no processo judicial as questões processuais tendem a tomar tempo e atenção em detrimento do mérito. Já no processo arbitral, pelo fato deste não prever recursos interlocutórios, sua marcha é conduzida normalmente sem maiores incidentes, que devem ser decididos pelos árbitros com observância dos princípios basilares que o informam. Em sintonia com o asseverado a doutrina de Magalhães (2006, p. 65) é objetiva:

A experiência desses dez anos de vigência da lei que regula a arbitragem confirma a rapidez e a pertinência das decisões, como podem atestar as instituições de arbitragem nas quais tem-se processado grande parte das arbitragens de maior complexidade. Mesmo em casos que requerem extensa fase instrutória, a duração média pode ser estimada em torno de um ano. Se se considerar nesse lapso de tempo o período que medeia entre a assinatura do termo de arbitragem, seguindo-se o prazo para as alegações das partes e respectivas respostas, a audiência para a tomada de depoimento pessoal e de testemunhas, e o da prolação do laudo, conclui-se pela celeridade do processo. Se a matéria não requer dilação probatória, a decisão pode ser dada em dois ou três meses, como acontece nas arbitragens no sistema de solução de controvérsias do Mercosul, em que as decisões têm sido tomadas nesse curto espaço de tempo.

Noutro giro, salienta-se que a arbitragem e demais meios alternativos de solução de controvérsias (v.g.: negociação, mediação, conciliação etc.) não surgiram para desafogar o Poder Judiciário – submerso na enxurrada de ações que lhe são distribuídas diariamente – mas para efetivar o direito do jurisdicionado de acesso a uma ordem jurídica justa. Nenhum desses métodos alternativos é melhor ou pior do que o disponibilizado pelo Estado para a solução de lides. Todos eles concorrem para o melhor desempenho da jurisdição. Todavia, não se pode negar que o crescente aumento do uso da arbitragem reflete indiretamente no juízo estatal, seja aliviando-o ou desobstruindo-o ainda que minimamente. Nessa perspectiva, segue matéria veiculada em 25 de abril de 2010 no Jornal O Estado de S. Paulo:

Por causa da morosidade do Poder Judiciário, a prática da arbitragem continua crescendo no País. O valor das pendências decididas por esse método de resolução de conflitos, em que as partes decidem não ir aos tribunais, passou de R$ 594,2 milhões, em 2007, para R$ 867 milhões, em 2008, e para R$ 2,4 bilhões, no ano passado. A informação é do site Consultor Jurídico, com base em pesquisa feita pela professora Selma Ferreira Lemes, do curso de arbitragem do GVlaw, da Fundação Getúlio Vargas (FGV), em São Paulo.

A apresentação desse rol de virtudes da arbitragem consagra sua efetividade, enquanto ferramenta proporcionadora de pacificação social. Conforme dito alhures, o grau de desenvolvimento da sociedade contemporânea clama por um sistema multiportas de solução de conflitos, que dê à população opções válidas para a resolução de seus multifacetados litígios. No Brasil, a instalação desse sistema multiportas ganhou melhores contornos com a publicação da Resolução nº 125, de 29 de novembro de 2010, do Conselho Nacional de Justiça, a qual dispõe sobre a Política Judiciária Nacional de tratamento adequado dos conflitos de interesses.

Especificamente, a citada resolução enuncia sobre a ampliação do acesso à Justiça e da pacificação do conflito por meio dos mecanismos consensuais, considerando que a mediação e a conciliação são instrumentos efetivos de pacificação social, solução e prevenção de litígios.

Destarte, há um tencionamento político no sentido de integrar e operacionalizar a terceira onda renovatória de acesso à Justiça no ordenamento jurídico interno.

Por derradeiro, a efetividade da jurisdição arbitral atinge sua plenitude ante a possibilidade de controle de legalidade de seus atos pelo Poder Judiciário. Essa oportunidade de controle constitui direito indisponível e irrenunciável do cidadão – cláusula pétrea estampada no art. 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal – substrato do Estado Democrático de Direito. Os ensinamentos de Ranzolin (2011, p. 13-14) complementam o quanto sustentado:

[…] a contratação da arbitragem e os decorrentes processo e julgamento arbitrais são estatalmente disciplinados, em detalhes, de modo a estabelecer convivência harmoniosa com o processo judicial, como institutos de um único sistema jurídico apto a atender as diversas demandas dos cidadãos por justiça.

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Sobre o autor
Alan Monteiro Gaspar

Analista do Ministério Público do Estado de Minas Gerais. Especialista em Direito Civil: Universidade Anhanguera – Uniderp (2014/2015). Especialista em Direito Processual Civil: Universidade Anhanguera – Uniderp (2011/2012). Especialista em Direito Processual: grandes transformações: Universidade do Sul de Santa Catarina – UNISUL (2008/2009). Bacharel em Direito: Centro Universitário de Sete Lagoas – UNIFEMM (1998/2002).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GASPAR, Alan Monteiro. A efetividade da jurisdição arbitral. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3933, 8 abr. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/27531. Acesso em: 22 nov. 2024.

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