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Desafios da reintegração social do preso: a experiência da Cadeia Pública do Município de Gravatá - PE

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Revelam-se os resultados obtidos na gestão da Cadeia Pública do Município de Gravatá, Estado de Pernambuco, a partir do ano de 2010, com enfoque nas diretrizes traçadas pelos magistrados e representantes do Ministério Público.

1.       INTRODUÇÃO

Este artigo tem por escopo revelar os resultados obtidos na gestão da Cadeia Pública do Município de Gravatá, Estado de Pernambuco, a partir do ano de 2010, com enfoque nas diretrizes traçadas pelos magistrados e representantes do Ministério Público que atuam e que atuaram junto à Vara Criminal da Comarca de Gravatá, as quais foram exitosamente encampadas pelos gestores da referida unidade prisional.

Partindo da ideia de que a humanização do cárcere é uma alternativa para viabilizar a reintegração social do preso, os vetores lançados pelos atores envolvidos diretamente na fiscalização e gestão da Cadeia local apontaram para dois caminhos: a valorização da dignidade ao preso e a viabilização do trabalho para a remição da pena, capacitação profissional.

Adotamos o seguinte itinerário: Em primeiro momento, analisamos a atual conjuntura do sistema carcerário brasileiro e o pernambucano. Em seguida, registramos a importância do trabalho e da valorização da dignidade ao preso como fatores de reintegração social. Por fim, trazemos à baila os resultados, em números, obtidos junto a Cadeia Pública do Município de Gravatá.

 Como fontes de pesquisa, socorremo-nos de obras doutrinárias voltadas à execução penal, bem como dos números obtidos nos sítios oficiais do Ministério da Justiça, da Secretaria de Ressocialização de Pernambuco, no sistema informatizado do Tribunal de Justiça de Pernambuco (judwin) e nos dados fornecidos pela atual gestão da já referida unidade prisional.


2.       A CRISE DO SISTEMA CARCERÁRIO

Para todo e qualquer trabalho acadêmico cuja temática está relacionada à Execução Penal no Brasil, é praticamente impossível fugir de dois grandes clichês: o primeiro deles é a superlotação das unidades prisionais. O outro é o de que o sistema prisional é deletério, embrutece, corrompe e não recupera o preso. Vale a máxima de que os presídios e as penitenciárias são as “universidades do crime”, razão pela qual o egresso sai de lá inexoravelmente pior do que quando entrou.

Em vigor desde 11 de julho de 1984, a Lei de Execução Penal, doravante denominada de LEP, carece de efetividade justamente pela falta de uma política criminal séria e comprometida. Nesse sentido, de precisão cirúrgica o registro do Professor Adeildo Nunes (2005, p. 401):

A Lei de Execução Penal Brasileira (LEP) – por unanimidade dos juristas brasileiros e de fora do País – é uma norma jurídica completamente atualizada e já oferece os instrumentos necessários para a ressocialização do condenado, mas tudo dependerá de decisão política, infelizmente, que surge para aprisionar mais, endurecer as penas e castigar fisicamente e moralmente o detento, o que acaba contribuindo para que o condenado saia muito mais preparado para o crime do que para a convivência social.

Por isso mesmo, os teóricos da chamada escola da Criminologia Crítica apregoam que é impossível conseguir a ressocialização de um indivíduo numa penitenciária, pois, nos moldes atuais, a pena privativa de liberdade estigmatiza e acaba servindo como instrumento para a manutenção de uma cultura de estratificação social (MIRABETE, 2004, p. 26).

Vejamos os dados da população carcerária no Brasil e, particularmente, no Estado de Pernambuco.

O sítio do Ministério da Justiça detalha os números da população carcerária no país, coletados por um programa denominado ‘InfoPen – Estatística”[1]. Com o objetivo de oferecer informações confiáveis à administração do Sistema Penitenciário Nacional, os registros do “InfoPen estatística” não estão atualizados, pelo menos para o grande público. Os dados disponibilizados mostram a população carcerária “oficial” entre dezembro de 2005 a dezembro de 2012.

Em dezembro de 2012, último registro disponibilidade, encontramos os seguintes dados nacional: População Carcerária de 548.003 para um total de 190.732,694 habitantes. Ou seja, 287,31 presos para cada 100.00 habitantes. Já o número de vagas no sistema prisional é de 310.687.

Neste mesmo período, as informações relacionadas ao estado de Pernambuco são as seguintes: População Carcerária de 28.769 para um total de 8.796.032 habitantes. Ou seja, 327,07 presos para cada 100.00 habitantes. Já o número de vagas no sistema prisional é de 11.478.

Vale ainda registrar que esses os relatórios[2]trazem informações quanto à escolaridade, tipo de crime, gênero e vários outros dados.

Em um sistema superlotado, com celas em condições insalubres, não é difícil imaginar o efeito deletério das nossas prisões. Atualmente, os animais de nossos zoológicos recebem um tratamento melhor do que os presos nas nossas penitenciárias (ALVES, 2013).

Analisando o fenômeno da prisionização, o professor Alvino Augusto de Sá ensina:

Dizer que a pena e o cárcere não recuperam ninguém, mas, pelo contrário, provocam a degradação do ser humano, é dizer uma verdade incontestável. Aliás, tornou-se um discurso por demais repetitivo e, por parte de alguns, um discurso meramente de impacto, acomadatício, que não traz proposta alguma. (SÁ, 2013, p. 116).

Dentro do sistema fechado, o indivíduo se isola da família, convive forçadamente no meio delinqüente e com o sistema de poder paralelo (SÁ, 2013, p.116).

Com esse quadro, o processo de reintegração social é um desafio exponencial. Não podemos nos olvidar que os que estão dentro do sistema prisional, um dia, voltarão com convívio social. Aliás, os que fazem parte da atual população carcerária fazem parte de um segmento da sociedade e reintegração social do preso “só se viabilizará na medida em que se promover uma aproximação entre ele e a sociedade, ou seja, na medida em que o cárcere se abrir para a sociedade e esta se abrir para o cárcere (SÁ, 2013, p. 120).


3.       A IMPORTÂNCIA DO TRABALHO E RENDA PARA O PROCESSO DE REINSERAÇÃO SOCIAL

A Lei 7.210/84 dispõe, em seu artigo 1º que o objetivo fundamental da execução penal é proporcionar condições para a harmônica integração social do condenando e do internado. Para tanto, são necessárias ações de promoção de escolaridade, assistência aos apenados, egressos e internados, além da profissionalização, viabilização da colocação no mercado de trabalho e geração de renda.

O discurso é lindo, pois na prática, a teoria é outra. A realidade revela uma massa de encarcerados ociosos, trancafiados sem qualquer qualificação profissional. As unidades prisionais que conseguem viabilizar estudo e trabalho aos seus encarcerados constituem “ilhas”. Existe um conhecido ditado popular que prega que “cabeça vazia é oficina do diabo”.

Ora, o preso está trancafiado em um ambiente superlotado, insalubre e sem qualquer atividade para realizar. Em uma mente ociosa é que se projetam a crueldade, as atitudes negativas, a depressão, a paranóia e outras experiências angustiantes.

A atividade laborativa, de preferência profissionalizante, nos estabelecimentos prisionais é salutar.

Neste sentido, o trabalho prisional deve primar primeiramente por assegurar ao condenado todos os direitos que a pena não lhe suprimiu, garantindo-lhe ainda o acesso aos bens e serviços necessários para que cumpram a sua reprimenda com dignidade e se instrumentalize e se fortaleça perante as limitações que o Estado lhe impõe (BORBA; CORREIA, 2014)

Os números disponibilizados pela Secretaria de Ressocialização de Pernambuco - SERES/PE revelam como a questão do trabalho do preso é relegada: O relatório do ano de 2013 mostra que apenas 621 presos do regime fechado trabalharam. Somente 99 presos (homens e mulheres) foram encaminhados ao trabalho externo[3]. Enquanto essa realidade perversa perdurar, veremos os problemas da população carcerária crescerem em progressão geométrica.

Não podemos olvidar que o preso é um sujeito de direitos e obrigações, mesmo que parte da sociedade não aceite, seja por desinformações, seja por preconceito social (NUNES, 2009, p. 53).

Diante do quadro de inexistência de uma real política penitenciária que capacitasse os agentes ao cumprimento de sua missão, da crescente superpopulação carcerária, a falta de construção de novas unidades prisionais e a não execução real, positiva da LEP, sobretudo pela ausência de devida assistência material, jurídica, social, à saúde e à educação (ALVES, 2014, p. 106). Poucas são as unidades prisionais que resguardam os direitos do preso. Vejamos as diretrizes adotadas na Cadeia Pública do Município de Gravatá.


4.       A EXPERIÊNCIA DE CADEIA NO MUNICÍPIO DE GRAVATÁ

Gravatá é uma cidade do agreste de Pernambuco, localizada a 84 km da capital, Recife. Possui mais de 83.000 mil habitantes. Por ser um Município turístico, em região serrana, com muitas casas de campo, a população duplica em finais de semana e chega a triplicar em períodos festivos.

O Município conta uma Cadeia Pública. Existem quatro serventias judiciais, duas varas cíveis, um juizado especial cível e uma vara criminal.

A Vara Criminal da comarca de Gravatá foi instalada em 29/01/2010, iniciando os seus trabalhos com 3.003 processos (muito embora existissem pelo menos mais 500 feitos que não estavam cadastrados no sistema informatizado). Houve a designação de dois magistrados, em exercício cumulativo, uma vez que ambos se encontravam em exercício em outras Serventias. Nos últimos quatro anos, outro magistrado foi designando para atuar na Vara, em substituição a um dos juízes que lá estava. Mais de quatro anos depois de sua instalação, a Vara ainda não possui juiz titular e o magistrado que lá atua, desempenha suas funções em outras duas comarcas e, por isso, só se encontra na unidade dois dias da semana. Graças ao esforço incondicional da equipe de servidores da Vara Criminal Gravatá, conseguimos diminuir o acervo processual, que gravita em torno de 2.400 feitos.

Quando a Vara foi instalada, encontramos a seguinte situação na Cadeia Pública do Município: quase 90 custodiados para 26 vagas. Imediatamente, foram separados todos os feitos de acusados presos para reavaliação da custódia cautelar, providência que culminou na imediata redução do número de presos. Ademais, foi a implantada a cultura da substituição das penas privativas de liberdade por restritivas de direito e a concessão de sursis penal, sempre que possível. Com isso, houve uma visível redução da população carcerária.

Após uma rebelião ocorrida no ano de 2012, um dos magistrados que atuou na Vara Criminal de Gravatá passou duas orientações valiosas para a gerência da Cadeia Pública: a primeira, de que a unidade só deveria aceitar presos com processos vinculados na Comarca e a segunda, de que deveria ser respeitado o limite de capacidade da unidade.

Dentro da Cadeia Pública de Gravatá funciona uma fábrica de esquadrias de alumínio, a PÓRTICOS ESQUADRIAS, fruto do Convênio n.º 004/2011 SERES. Os dados dos presos que exercem atividade laborativa, os valores pagos em contraprestação e os dias remidos são controlados pela Gestão da Cadeia Pública e estão sempre disponíveis ao magistrado responsável pela Vara.

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Respondendo a uma consulta da Vara Criminal de Gravatá, a atual gestora da Cadeia Pública, em fevereiro do corrente ano, forneceu as seguintes informações[4]:

a) A capacidade da unidade é da cadeia 46 presos, com previsão de ampliação para 92 reclusos; Atualmente se encontram 44 pessoas recolhidas (havia 28 presos, porém houve a autorização de transferência de mais 16);

b) Dos 28 que presos que lá estavam, 13 estavam efetivamente trabalhando na PÓRTICOS ESQUADRIAS, com a chegada dos novos 16, teve início o processo de seleção para o reforço do quadro de funcionários;

c) Durante o período total de funcionamento da fábrica (quatro anos e onze meses), dos 152 reclusos que lá trabalharam, apenas 7 reincidiram.

Ao analisarmos os números apresentados, chegamos a uma constatação de clareza solar: Quando são adotadas medidas para, de um lado, evitar a superpopulação prisional e, de outro, para viabilizar o trabalho e a renda, como forma de valorização da dignidade do preso, os resultados aparecem.

No caso de Gravatá, menos de 5% dos presos que estiveram envolvidos no projeto de fábrica de esquadrias voltaram para o sistema prisional. É inequívoco o sucesso dessa prática.


5.       CONSIDERAÇÕES FINAIS.

A valorização do trabalho dentro das unidades prisionais e o controle da população prisional, com a avaliação de medidas cautelares diversas da prisão e da substituição de penas privativas de liberdade por restritivas de direitos, sempre que possível, são praticas que respeitam o indivíduo encarcerado como pessoa e permitem sua participação da reestruturação psíquica e reinserção social.

Ações como as desenvolvidas entre a Vara Criminal de Gravatá, a Cadeia Pública de Gravatá e a empresa “pórticos esquadrias”, fomentam o intercâmbio entre sociedade e cárcere, reconhecem que o preso é membro da sociedade e que ele precisam regressar ao seu convívio em uma situação melhor.

A experiência das instituições acima referidas mostram que o trabalho e renda não podem ser encaradas como regalias e sim como instrumento de necessária reinserção social.


REFERÊNCIAS

ALVES, Roque de Brito. A prisão e outros temas (2). Diário de Pernambuco. ed. 20 nov. 2013.

_____________. Direito penal: Parte Geral. 7.ed. rev., atual. e ampl. Recife: do Autor, 2014.

BORBA, Dandrea Moura. CORREIA, Izabel Cristina Marion. Reintegração social: estratégias de intervenção junto aos encarcerados. Disponível em

NUNES, Adeildo. A realidade das prisões brasileiras. Recife: Nossa Livraria, 2005.

_____________. Da execução penal. Rio de Janeiro: Forense, 2009.

MIRABETE, Julio Fabbrini. Execução penal: comentários à Lei n.º 7.210, de 11-7-1984. 11. ed.  rev. e atual. São Paulo: Atlas, 2004.

SÁ, Alvino Augusto. Criminologia clínica e psicologia criminal. 3. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013.


Notas

[1]Segundo as informações do sítio o “InfoPen é um programa de computador (software) de coleta de Dados do Sistema  Penitenciário no Brasil, para a integração dos órgãos de administração penitenciária de todo Brasil, possibilitando a criação dos bancos de dados federal e estaduais sobre os estabelecimentos penais e populações penitenciárias. É um mecanismo de comunicação entre os órgãos de administração penitenciária, criando ‘pontes estratégicas’ para os órgãos da execução penal, possibilitando a execução de ações articuladas dos agentes na proposição de políticas públicas”. Disponível em: http://portal.mj.gov.br/main.asp?View={D574E9CE-3C7D-437A-A5B6-22166AD2E896}&BrowserType=NN&LangID=pt-br&params=itemID%3D%7B598A21D8-92E4-44B5-943A-0AEE5DB94226%7D%3B&UIPartUID=%7B2868BA3C-1C72-4347-BE11-A26F70F4CB26%7D Acesso em 5 fev 2014.

[2]Todos os dados podem ser facilmente acessados através do endereço eletrônico http://portal.mj.gov.br/main.asp?View=%7BD574E9CE-3C7D-437A-A5B6-22166AD2E896%7D&Team=&params=itemID=%7BC37B2AE9-4C68-4006-8B16-24D28407509C%7D;&UIPartUID=%7B2868BA3C-1C72-4347-BE11-A26F70F4CB26%7D

[3]Esses e outros dados podem ser acessados no endereço eletrônico http://www.seres.pe.gov.br/page/1/indicadores-de-ressocializacao/ Acesso em 5 fev 2014.

[4]Dados fornecidos através do ofício n.º 020/2014, datado de 19 de fevereiro de 2014, oriundo da Supervisão da Cadeia Pública de Gravatá, expediente que consta nos arquivos da Vara Criminal de Gravatá.

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Sobre o autor
Luiz Carlos Vieira de Figueirêdo

Bacharel em Direito pela Universidade Católica de Pernambuco (2000). Especialista em Direito Processual Civil pela Universidade Maurício de Nassau, Recife - PE. Mestre em Ciências da Religião pela Universidade Católica de Pernambuco (2009). Professor do programa de Pós-graduação da UNINASSAU. Professor e Membro do Conselho Editorial da Revista da ESMAPE. Professor do programa de Pós-graduação da Faculdade Joaquim Nabuco. Professor do programa de Pós-graduação do Instituto dos Magistrados de Pernambuco. Professor do ATF CURSOS. Magistrado do TJPE, titular da 1ª Vara Criminal do Cabo de Santo Agostinho e com exercício cumulativo na Vara de Violência Doméstica do Cabo de Santo Agostinho/PE.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FIGUEIRÊDO, Luiz Carlos Vieira. Desafios da reintegração social do preso: a experiência da Cadeia Pública do Município de Gravatá - PE. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3942, 17 abr. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/27534. Acesso em: 28 mar. 2024.

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