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A fragilidade do elemento “evidência” na composição da prova no processo penal

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03/05/2014 às 12:22
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Este ensaio tem por objetivo realizar uma breve pesquisa sobre o mecanismo processual da prova e da prova por evidência, informando as possíveis fragilidades deste modelo de instrumento probatório.

Nas relações entre a sociedade e o Direito positivado,  percebe-se que existe um duplo sentido de adaptação: as regras são instituídas como processo de adequação às realidades e vontades sociais e, para isso, absolutamente necessário se faz a adaptação do meio; de outro lado, o Direito imposto cria a necessidade do povo adaptar o seu comportamento aos novos padrões de convivência.

A palavra “prova” poder ser definida como instrumento que serve para estabelecer a verdade de um fato ou de uma asserção. No âmbito do Direito, pode-se afirmar que a prova exprime os elementos criados ou produzidos pelas partes ou, ainda, determinados pelo juiz, visando à elucidação da existência de certos fatos.

A prova consiste no dispositivo mais importante no âmbito do Direito Penal, pois será esta a responsável para aferição de culpa ou inocência daquele que está submetido à persecução penal. Lembramo-nos, ainda, que estamos tratando de um bem jurídico absolutamente tutelado pelo vértice da ordem constitucional que é a liberdade do ser humano.

O objetivo principal da prova, como instrumento material e formal, é fundar a convicção do juiz sobre os elementos necessários para proferir a decisão.

Serão analisadas a prova e a evidência e, ainda, os elementos que compõem a prova: a convicção, a crença e a adesão.

O intuito será angariar elementos para subsidiar os fundamentos de que a prova evidente, considerada  um dos elementos da prova, possui contaminação, na sua essência, capaz de ferir o postulado da democracia instituída, principalmente infringindo lesão ao postulado do bem maior tutelado que é a liberdade humana.

A vida em sociedade pressupõe organização e traz consigo a existência do Direito. Neste prisma, insurge a necessidade de formular as bases de justiça e segurança que permearão as relações dentro da sociedade, sendo possível notar que este padrão cria uma estabilidade nas ações sociais.

Em brilhante explanação, o Professor Paulo Nader diz:

O Direito, porém, não é uma força que gera unilateralmente o bem estar social. Os valores espirituais que o Direito apresenta não são investidos do legislador. Por definição, o Direito deve ser uma expressão da vontade social e, assim, a legislação deve apenas assimilar os valores positivos que a sociedade estima e vive.[1]

Sendo assim, podemos afirmar que se o homem em convívio com a sociedade não está propenso a respeitar os valores fundamentais instituídos e de bens comuns, de vivê-los em suas ações o Direito, será inócuo, não realizando seu objetivo fundamental.

O Direito positivo é caracterizado por se encontrar normatizado por uma sociedade politicamente organizada, diferentemente do Direito Natural, que encontra suas bases fundadas na justiça que a própria natureza ensina aos homens pelas vias da experiência e da razão e não pode ser reconhecido como um Direito que passa por um processo de adaptação social. Neste sentido, portanto, devemos perceber que o Direito positivo deverá ser adaptado aos princípios fundamentais do Direito Natural, esculpidos no respeito à vida, à liberdade.

As necessidades de paz, ordem e bem comum levam a sociedade a estabelecer um organismo responsável pela instrumentalização e regência destes valores que poderão ser vistos como mecanismos de punição/sanção que envolvem uma sociedade politicamente organizada, valores estes esculpidos nas razões de ser do Direito. É imprescindível mencionar que o Direito não pode corresponder às necessidades individuais, mas a uma carência e controle da coletividade.

 O grande Mestre Paulo Nader afirma: “Apesar de possuir um substrato axiológico permanente, que reflete a estabilidade da natureza humana, o Direito é um engenho a mercê da sociedade e deve a sua direção de acordo com os rumos sociais.”[2]

O processo de adaptação da sociedade externa deverá ser formado por normas jurídicas que são as células do Direito, que fixam modelos de condutas sociais, que determinam limites à liberdade do homem, através de regras de conduta. Desta forma, instituída pelo Direito, a punição/sanção advém de um mecanismo de controle de conduta moral e social dos indivíduos que pertencem à sociedade.

A sociedade, enquanto organismo coletivo, deverá tornar favorável o bem-estar afim de que os homens possam, de forma livre, atingir os ideais de vida e propagar o seu potencial para o bem.

Pontes de Miranda afirma que o Direito é um fenômeno de adaptação: “Direito é processo de adaptação social que consiste em se estabelecerem regras de conduta cuja incidência é independente da adesão daqueles a que a incidência da regra jurídica possa interessar.”[3] A sujeição entre Direito e necessidade, absolutamente indispensável no fenômeno jurídico  como processo adaptativo, também é vista por Recásens Siches, quando em sua obra afirma: “O Direito é algo que os homens fabricam em sua vida, sob o estímulo de umas determinadas necessidades: algo que vivem em sua existência com o propósito de satisfazer àquelas necessidades.” “[4]

O Direito Penal é o ramo do Direito que estabelece em âmbito público os crimes, as penalidades correspondentes e dispõe sobre as medidas de segurança para que a vida em sociedade seja percebida com urbanidade, criando e estabelecendo limites de atuação do indivíduo e da sociedade. Sua dimensão é regrar a conduta social com o objetivo de assegurar a segurança e a Justiça.

Magalhães Noronha define o Direito Penal como sendo “o conjunto de normas jurídicas que regulam o poder punitivo do estado, ligando ao delito, como pressuposto, a pena como consequência.”[5]

O Direito penal historicamente passou por diversas etapas, como vingança privada, composição voluntária, composição legal, repressão do Estado, até atingir a fase que se encontra.

No período conhecido como humanização do direito, para o qual César Beccaria (1738-1794) contribuiu decisivamente, com a obra intitulada Dei Delitte e delle Pene, o Estado detém o direito de punir e o faz mediante critérios científicos que objetivam, de um lado, a intimidação e, de outro, a readaptação em sociedade do criminoso.

As formas de garantia do cumprimento das regras são denominadas de sanções jurídicas. Estas podem ser percebidas pela sua predeterminação e organização.

A prova pode ser definida como um dos critérios que utiliza o Estado para aferir a sanção jurídica, consistindo no mecanismo probatório para atribuir culpa ou inocência àquele indivíduo, seja de forma individual ou coletiva, que transgrediu as regras normativas impostas pela Direito. Desta forma, consiste a prova no instrumento mais importante para formalizar a convicção do julgador.

Conforme já informado, a prova judiciária possui objeto, qual seja a reconstrução dos fatos investigados tentando adequar a realidade histórica daquele acontecimento. De igual posicionamento, Eugênio Pacelli afirma:

A prova judiciária tem um objetivo claramente definido: a reconstrução dos fatos investigados, no processo, buscando a maior coincidência possível com a realidade histórica, isto é, com a verdade dos fatos, tal como efetivamente ocorridos no espaço e no tempo. A tarefa, portanto, é das mais difíceis, quando não impossível: a reconstrução da verdade.[6] (grifo nosso)

Podemos ainda informar que, ao longo de sua história, o Direito defrontou-se com o tema da construção da verdade, no qual se verificou diversos métodos e formas jurídicas de obtenção da verdade.

O processo penal deve construir uma verdade judicial, sobre a qual irá irradiar os efeitos da coisa julgada, incluindo, em absoluto, as consequências legais e constitucionais. Mais uma vez, Pacelli cita: “O Processo, por tanto, produzirá uma certeza do tipo jurídica que pode ou não corresponder a verdade da realidade histórica (da qual, aliás, em regra, jamais se saberá), mas cuja pretensão é a de estabilização das situações eventualmente conflituosa que vem a ser o objeto da jurisdição penal.”[7]

Para se conseguir atingir o objetivo explicitado são disponibilizados vários meios ou métodos de provas, com os quais se busca alcançar o mais próximo possível a realidade dos fatos investigados, que estão sujeitos as regras previamente definida. O exame acerca dos meios de prova disponíveis, bem como a sua idoneidade e da capacidade de produção de certeza que cada um deles pode apresentar, deve ser precedido da identificação dos princípios e das regras gerais a elas aplicáveis.

Em se tratando de métodos de provas em processo penal, deverá obrigatoriamente passar pelo exame da espécie do modelo processual adotado, no que se refere à significação das funções investigatórias e acusatórias, bem como a fixação e da distribuição do ônus processual. Com a vigência da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, o modelo consolidado se aproxima mais de um sistema de feição acusatória.

No modelo atual, o sistema de garantias individuais instituídas como fundamentais, na Carta de 1988, além dos Pactos e Acordos estabelecidos no âmbito internacional, permite fazer uma interseção ao modelo construído de Processo Penal, datado de 1941, em bases completamente distintas.

A prova sempre utilizará critérios diferentes para comprovação dos fatos alegados, a verdade na via judicial será sempre uma verdade reconstruída. Em um Estado democrático de Direito, temos como vetor interpretativo e verdadeiro valor-fonte que conforma e inspira todo o ordenamento constitucional vigente e que traduz, de modo expressivo, um dos fundamentos em que se assenta, entre nós, a ordem republicana e democrática consagrada pelo sistema de direito constitucional positivo com base primordial aos princípios da dignidade da pessoa humana, da presunção de inocência e do devido processo legal em se tratando de direito processual penal, consagrando desta forma a liberdade como princípio fundamental.

A regra estabelecida pela norma Constitucional, assim como na legislação infraconstitucional, é a liberdade. A prisão faz exceção a essa regra, que deve ser excepcionalíssima,  aliás. A regra cede a ela em situações marcadas pela demonstração cabal da necessidade de segregação ante tempus.

A sanção no âmbito penal, imposta pelo Estado, pode ser definida como um mecanismo essencialmente de proteção da ordem jurídica. Desta forma, vislumbramos que, ao restringir a liberdade do ser humano, esta deverá estar eminentemente abarcada por dispositivos e elementos seguros para a imputação da sanção, não podendo ocorrer mácula no processo sob pena de ferir o postulado fundamental da democracia e da dignidade da pessoa humana.

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No âmbito filosófico, podemos dizer que, para a lógica formal, evidente (grifo nosso) é o que está claro para todos e é por todos aceito, sem necessidade de demonstração ou comprovação.

Já a prova, na visão de Marques, é “o meio e modo de que usam os litigantes para convencer o juiz da verdade da afirmação de um fato, bem como o meio e modo de que se serve o juiz para formar sua convicção sobre os fatos que constituem a base empírica da realidade.”[8] Desta forma, podemos afirmar que a prova é a soma dos meios produtores de certeza que inclui a evidência.

Conclui-se, ainda, que não se pode ter algo que precise da prova, ou mesmo a prova em si, como uma evidência. A afirmação, portanto, deriva do fato de que, no âmbito processual, é a evidência como o resultado de uma apreciação conjunta e unida com a prova.

Em se tratando de dispositivo processual que representa pelo menos potencialmente a obtenção da prova por evidência, podemos dizer que estamos diante de uma modalidade de prova contaminada, devendo ser desconstituída por abarcar em sua constituição elementos de convicção que a princípio insurgem como verdadeiros, mas que na sua composição estão infectados. Nós sabemos que as evidências acabam por alucinar e produzir a verdade dos fatos e finaliza com a obtenção do conhecimento evidente.

Evidência ainda pode ser considerada como termo de senso comum, caracterizado como indícios da prova, o que traduz no campo jurídico elementos muito abrangentes.

A evidência do ponto de vista técnico epistemológico afirma que: o que é evidente dispensa a prova, ou seja, um saber que dispensa a prova. Quando falamos ainda em evidência, no sentido da prova, teríamos uma visão mais fechada, que já passou pelo julgamento de alguém, contudo ainda não foi formalizada como prova.

Poderíamos dizer, ainda, que seria um conhecimento que não requer prova, pois possui uma autorreferência capaz de produzir a verdade, ou seja, a evidência dispensa mecanismos exteriores de verificação. Nasce nela própria, possuindo autorreferencial, dispensando, assim, a prova.

Evidência seria, ainda, a correspondência exagerada da própria terminologia, pois não admite dúvidas - a manifesta certeza exposta à vista de todos. Podemos, portanto, identificar que a evidência é indicadora de si mesma, pois traduz como certo aquilo que é apresentado e, desta forma, a verdade está contida em si própria.

O conhecimento evidente pressupõe uma satisfação rápida indicadora de plausividade verossímil. Pode, ainda, ser aquilo que se apresenta em um primeiro momento, sendo perceptível, pressuposto de verdade. Já a prova é o mecanismo de constrangimento que permite reter conhecimento.

O conhecimento evidente instaura um verdadeiro desamor no contraditório, pois este existe para permitir a garantia da participação do réu no processo, uma efetiva contribuição no resultado final do processo. Desta forma, o paralelismo pode ser traçado partindo do princípio de que, havendo a evidência, o contraditório se torna inerte, sem sentido, posto que a evidência é pressuposto de veracidade.

O conhecimento evidente blinda a participação, nesta modalidade de constituição, de elementos probatórios do processo penal, pois resta claro. Não há prova sem determinada evidência. Assim como a convicção está para a crença, a prova está para a evidência, observada do ponto de vista da realidade por definição.

Quando falamos em prova temos as características evidentes: do ponto de vista epistemológica, remete sempre ao objeto existente; é uma proposição que está assegurada para a construção da prova; situação de aderência (crença); de estar provada.

Não há prova que se dispense o destinatário e o paradoxo da prova é de que esta não deve ser fraca. A prova fraca se desfaz com a mera verossimilhança (evidência). Já a prova “forte” não merece qualquer dúvida, vem revestida de uma certeza esmagadora, ostensiva, que, em regra, se apresenta como evidente. O silogismo aparente nos remete a afirmação: É lógico, portanto é evidente.

O instituto da prova é atribuir o convencimento àquele a que é destinado e é essencial para engendrar a convicção. A convicção pode ser conceituada como trabalho probatório que levará à crença corrigida. Já a crença é a marca da evidência, ou seja, pré-compreensões estáveis de certezas. Tem-se uma segurança daquilo que é apresentado, não de forma imediata, mas que é construída.

A convicção do ponto de vista teórico seria o ponto de interseção entre a convicção e a crença que resultará na adesão, ou seja, levará ao convencimento do julgador no momento em que adere a postulação atribuída. É por meio da adesão que se vai constituir o processo de conhecimento. Convicção, portanto, é o exercício da confiança que levará a crença (por presunção), culminando com a adesão.

A confiança traz a ideia de identidade, de estabilidade, de normalidade. Enquanto a presunção advém da ausência de atos concretos, seria a lógica estatística que se repete, que costuma acontecer, que é coerente. Sintetiza o que é preferível e não o que é seguro. Podemos perceber nas decisões que são proferidas absolutamente iguais. O tipo de prova que se pesquisa corresponde a um prognóstico mais ou menos seguro do instrumento probante.

A prova por evidência se torna frágil partindo do pressuposto de que existem pré-compreensões que são estáveis no âmbito da certeza. Tendo em vista a prova obtida pela evidência se encontrar contaminada, a evidência é potencialmente antidemocrática.

Ainda assim, provar nada mais é que convencer o destinatário, cujo objetivo é suscitar a convicção, o que leva, consequentemente, à produção de um resultado. Confiança traz a sensação de convencimento, que é sustentado em doses de normalidade.

A função da prova possui mecanismos distintos e dependerá do bem tutelado. A prova no meio civil e a prova do meio penal possuem valores que se modificam e são anunciáveis para estabelecer limites para novos valores.

Podemos, ainda, perceber que a decisão proferida pelo julgador supre a gestão de expectativas. Um bom exemplo é o que se espera do direito: justiça (expectativa).

O Direito vai gerir a expectativa com o argumento da celeridade. Desta forma, a gestão das expectativas antecipa o conhecimento que levará ao modelo de conhecimento fundado no desejo e na crença, gerando uma grande estabilidade de comportamentos na presunção de uniformidade.

Ao afirmar-se que a evidência contamina a prova, o que fazer com estes mecanismos quando estão contaminados? Se a verdade é contaminada, o que fazer com a verdade?

Com efeito, Vidal estabelece que “o axioma da verdade real é apenas uma dissimulação para a construção de um saber individualizado e concreto que permite o exercício do poder.”[9]

Luigi Ferrajoli afirma que a verdade é sempre contingente, no sentido de não ser definitiva, e relativa “ao estado dos conhecimentos e experiências levadas a cabo”. Sendo assim, algo seria verdadeiro “pelo que sabemos” do mesmo, sendo a verdade absoluta um ideal inalcançável.[10]

Neste sentido, temos por certo a impossibilidade de se atingir uma verdade absoluta, o que afasta a denominação real atribuída à verdade. No processo penal, fala-se em verdade processual, que é alcançada com observância de Aury Lopes “de regras precisas e relativas aos fatos e circunstâncias considerados como penalmente relevantes”, afirmando, ainda, que “A verdade possui um alto grau de realidade.”[11]

No âmbito do Processo Penal, admitir-se-á apenas a verdade processual, que será constituída sob o crivo do contraditório e no âmbito da estrutura dialética própria do processo penal acusatório. Assim, a imparcialidade do juiz, atrelada à igualdade das partes, são as condições sine qua non para a obtenção do conhecimento e da verdade no processo penal, entendida esta como a verdade processual.

Luigi Ferrajoli afirma que a verdade processual é aproximativa, sendo, assim, contingente e relativa, distinguindo ainda em verdade processual fática e processual jurídica. A primeira se refere aos fatos passados, sendo “comprovável pela prova de ocorrência do fato e de sua imputação ao sujeito incriminado”. Apresenta-se como “resultado da ilação dos fatos ‘comprovados’ do passado com os fatos ‘probatórios’ do presente.”[12]

Sendo assim, é incorreto afirmar que o processo visa apurar a verdade dos fatos. O objetivo do processo é de alcançar o fim e não o meio.

Diante da percepção da verdade processual, podemos notar que esta verdade é construída, da qual se deve estabelecer critérios para se chegar a verdade relativa, seja de forma objetiva ou subjetiva.

Deve-se atribuir um caráter sistêmico de construção de verdade, atribuindo nesta construção práticas, doutrinas, experiências que se relacionam sistematicamente.

A verdade não pode ser considerada a rainha do processo e a mudança de paradigma encontra sustentação quando apresentado o modelo definido como “verdade–afinidade”. Seria a verdade produzida em contexto de interexpressividade, de várias verdades presentes onde haverá a proximidade de elementos como inquérito, elementos afins, complementares, etc.

Seria a condição processual como verdadeiro-somatório de vários momentos, cruzamentos e plataformas intersistêmicas dentro do processo que interagirá com a “verdade” e os mecanismos que são afins, surgindo a possibilidade de compor a verdade mais próxima da realidade.

A mudança será percebida na forma como é construída a verdade e não como é convencida, longe da evidência que é imediata. As condições processuais de sua construção vão exprimir valores democráticos e constitucionais. Seria ainda a garantia contra os imediatismos da evidência.

Na questão processual penal a “verdade-afinidade” impõe obrigatoriamente a observância do contraditório. Não há provas sem contraditório, firmando de fato um Estado Democrático de Direito.

Este método esclarece bem mais que os outros métodos, pois “aclara a situação” que é condição sine qua non  do processo penal.

No Direito Penal, a presunção de inocência é absoluta. Quando falamos em evidência temos a paralisia probatória, atingindo diretamente os direitos fundamentais daquele que está sendo acusado.

Façamos a análise de um caso concreto que tramitou na 6ª Circunscrição Judiciária Militar, onde atuei na defesa do militar indiciado. Este caso, remete efetivamente a uma denúncia do Ministério Público tendo como base a prova obtida e construída pela “evidência”.

Fora apresentado denúncia pelo Ministério Público, afirmando que o  acusado,  valendo-se da condição de militar da Marinha do Brasil, subtraiu, com a ajuda de terceiro, 3.370 litros de óleo diesel da Lancha Aldebaran, vendendo-os aos pescadores da localidade aonde a embarcação estava atracada.

O Ministério Público apresentou um rol de testemunhas de 15 (quinze) pescadores que afirmaram, em sede de interrogatório, que compraram óleo combustível do acusado. Valeu-se, portanto, o Parquet dos testemunhos prestados para a comprovação de culpa absoluta do acusado. Neste sentido, podemos perceber a prova construída pela evidência. É óbvio, evidente, que o acusado de fato furtou o óleo combustível, pois encontrava-se subsídios no testemunho prestado de pelo menos quinze pessoas.

Nas alegações de defesa, foi inserido inúmeros elementos para a construção da prova, de forma sistemática, visando desconstituir a prova evidente que a princípio já condenaria o acusado de forma absolutamente imediata, o que culminaria na prisão de um inocente.

A sistematização das provas encontrou refúgio na materialidade do crime, nos instrumentos concretos e documentais, nos interrogatórios, na obrigação e omissão Estatal. Sendo assim, a resposta do julgamento fora: mudança de pedido do Parquet, que requereu a absolvição por falta de instrumento probatório e a absolvição do indiciado.

Assim, podemos mais uma vez afirmar que a prova construída pela evidência é incompatível com o sistema de Direito Democrático.

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Sobre a autora
Carina Barbosa Gouvêa

Doutora em Direito pela UNESA; Mestre em Direito pela UNESA; Advogada especialista em Direito Militar/ConstitucionalPesquisadora Acadêmica do Grupo "Novas Perspectivas em Jurisdição Constitucional"; Pós Graduada em Direito do Estado e em Direito Militar, com MBA Executivo Empresarial em Gestão Pública e Responsabilidade Fiscal; E-mail: <[email protected]>. <br>Blog: Dimensão Constitucional < http://dimensaoconstitucional.blogspot.com.br/>.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GOUVÊA, Carina Barbosa. A fragilidade do elemento “evidência” na composição da prova no processo penal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3958, 3 mai. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/27598. Acesso em: 27 abr. 2024.

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