É dando que se recebe.
O RECLAMADO
Henrique Pizzolato, brasileiro, bancário, nascido no distrito de Engenho Velho, Concórdia, Santa Catarina, Brasil. Portanto, brasileiro nato. Contudo, por ter raízes na Itália, de conformidade com a legislação daquela nação, optou por ter, também, nacionalidade italiana. No governo anterior, marcado por escândalos “jamais vistos na história deste País”, ocupou o cargo de diretor de “marketing” do Banco do Brasil, do qual se prevaleceu para ser um dos mais importantes protagonistas do maior de todos os escândalos, o “Escândalo do Mensalão”, repassando, segundo apuração do Ministério Público Federal, no mínimo, 73 milhões de reais do Fundo Visanet (administrado pelo Banco do Brasil) para as agências de Marcos Valério, outro não menos ilustre componente da gang que se instalou no Palácio do Planalto no governo do ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva. Denunciado, juntamente com alguns dos muitos co-partícipes, foi, após cumpridos os devidos, mas extremamente demorados, trâmites legais, julgado e condenado pelo Supremo (?) Tribunal Federal, pelo cometimento dos crimes de corrupção passiva, peculato e lavagem de dinheiro, ao cumprimento de pena privativa de sua liberdade por doze (12) anos e sete (7) meses. Contudo, antes da expedição do mandado de prisão, daqui fugiu e homiziou-se em território italiano.
Sabe-se, hoje, que essa fuga começou a ser planejada em 2007, quando teve ciência do acatamento pelo STF das denúncias contra ele feitas pelo Ministério Público Federal, começando dali por diante a falsificar vários documentos do irmão Celso Pizzolato, morto há 35 anos. Portanto, não foi uma fuga precipitada, desesperada, mas, sim, uma fuga detalhadamente arquitetada. Os documentos foram submetidos a “test drive”, para ter ele a certeza de que não sofreriam qualquer impugnação quando se determinasse a fugir do País.
REQUERENTE E REQUERIDA
A parte requerente é a República Federativa do Brasil, por solicitação do Poder Judiciário (Supremo Tribunal Federal), através da Procuradoria Geral da República, ao Poder Executivo (Presidência da República-Ministério da Justiça-Ministério das Relações Exteriores), e a parte requerida é a República Italiana. E que não se diga que a reclamação foi feita pelo Governo brasileiro por respeito à solicitação do Supremo Tribunal Federal. Foi, sim, por força do clamor da sociedade brasileira. A submissão do Poder Judiciário às conveniências do Poder Executivo ficou evidente quando, há não muito tempo, essa mesma Itália teve a si negado pelo Brasil requerimento por si feito solicitando a extradição do delinquente italiano Cesare Battisti, condenado pela justiça daquele país e que aqui se homiziou. Naquela oportunidade o Governo brasileiro, contrariando o comando sentencial proferido pelo Supremo (?) Tribunal Federal no processo extradicional, não atendeu à súplica da Itália - o que se caracterizou como uma afronta, um desrespeito, uma subestimação à Máxima (?) Corte de Justiça do País.
Pois é, graças ao STF, que não fez valer sua prerrogativa constitucional de decidir e fazer cumprir a decisão sobre a extradição do criminoso italiano, vive ele leve e solto no seio da sociedade brasileira.
FUNDAMENTAÇÃO DO REQUERIMENTO
Fundamentou-se o requerimento do Brasil no mesmo tratado de que se valeu a Itália para requerer a extradição de Cesare Battisti, e que foi desrespeitado pelo Brasil, apesar do comprometimento assumido quando da celebração do mesmo. Reza o art. 1º do tratado extradicional: “Cada uma das partes OBRIGA-SE a entregar a outra, mediante solicitação, segundo as normas e condições estabelecidas no presente Tratado, as pessoas que se encontrem em seu território e que sejam procuradas pelas autoridades judiciárias da parte requerente, para serem submetidas a processo penal ou para a execução de uma pena restritiva de liberdade pessoal” (grifos nossos).
EXPECTATIVAS QUE NORTEIAM O PEDIDO DE EXTRADIÇÃO
A situação da República Italiana diante do pedido de extradiçãol do delinquente-condenado Henrique Pizzolato é bastante cômoda; decidirá da maneira que bem lhe aprouver. Concedendo ou não a extradição do reclamado, estará imune a qualquer crítica sobre sua decisão, seja do Brasil, seja da comunidade jurídica internacional.
O ordenamento jurídico peninsular, desde remotas épocas, foi - e continua sendo - espelho para legislações de diversas nações, dentre elas a nossa. Hoje, certamente, a Itália é um dos países que mais se dedicam ao combate à criminalidade – não só à criminalidade, em todas as suas espécies -, mas, sobretudo, ao empenho para que esse esforço seja coroado com a punição dos criminosos.
Lá, na Itália, a impunidade não é uma prevalente, como ocorre em muitas nações, a exemplo do Brasil, onde a justiça é discriminatória. Aqui impera o dinheiro, as classes – endinheiradas e políticas: “cadeia é para pretos e pobres”. Seu, da Itália, aparelhamento – polícia e justiça – é eficaz e destemido, tanto no combate ao crime como na efetiva e exemplar punição aos infratores. Prova disso é o enfrentamento que esse aparelhamento trava contra a temida máfia italiana, mesmo já tendo sofrido baixas em todos os seus escalões – de simples policiais a conceituados magistrados.
E esse desejo da Itália ultrapassa suas fronteiras. Não lhe interessa ver punidos só os delitos cometidos no seu território. Depreende-se esse propósito pelo quanto exposto no art. 26 da Constituição italiana: “L'estradizione del cittadino può essere consentita soltanto ove sia espressamente prevista dalle convenzioni internazionali” (A extradição do cidadão (nacional) pode ser admitida desde que esteja expressamente prevista em convenção internacional). O código penal italiano ao tratar da extradição, no seu art. 13, estabelece: “Estradizione ... Non è ammessa l’estradizione del cittadino, salvo che sia espressamente consentita nelle convenzione internazionali” (Não é admitida a extradição do cidadão (nacional), salvo se estiver expressamente consentida em convenção internacional).Vê-se, pois, que no seu afã a Itália permite até a extradição do seu nacional, desde que a permissibilidade esteja inserida em convenção internacional.
O art. 6º do tratado extradicional firmado entre a Itália e o Brasil, ao tratar da extradição facultativa, no seu inciso I, reza: “Quando a pessoa reclamada, no momento do recebimento do pedido, fornacional do Estado requerido, este não será obrigado a entregá-la. ...” (grifo nosso).
Muito se tem especulado sobre que decisão será adotada pela Itália no processo extradicional de Henrique Pizzolato: atende ou não a solicitação do Brasil?
Confessamos: não conhecemos o inteiro teor do instrumento elaborado pela Procuradoria Geral da República, ou melhor, não conhecemos sequer em parte o requerimento. Gostaríamos, sim, de conhecê-lo, para podermos tentar entender os reais porquês do extremado otimismo demonstrado pelo procurador geral, numa das muitas entrevistas que lhe foram feitas ultimamente, quanto ao atendimento pela Itália ao pleito do Brasil. Nessa entrevista, sucintamente, a procurador geral esboça as razões do seu otimismo: o reclamado é fugitivo condenado por sentença transitada em julgado pela justiça brasileira; o Brasil celebrou tratado extradicional com a Itália, onde faculta à requerida extraditar ou não seu nacional; a legislação italiana permite a extradição do seu nacional; e, também, considera juridicamente viável a apresentação do requerimento de extradição à República Italiana, em razão de Pizzolato também ser cidadão brasileiro. "Além da base legal, há o notável fato de que a extradição desse cidadão ítalo-brasileiro far-se-ia para o Brasil, país do qual ele também é nacional, e não para uma nação estrangeira em relação a ele (extraditando)",argumentou o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, nessa entrevista.
Nessa mesma reportagem, surgem duas alternativas para o caso de a Itália se negar a entregar o reclamado ao Brasil: uma atribuída à Procuradoria Geral da República, qual seja, o cumprimento da pena na Itália, o que faria o Brasil com amparo em tratados internacionais; e, a outra, como última alternativa e que a reportagem não atribui diretamente à PGR, um pedido para que o reclamado – Henrique Pizzolato – seja julgado pela justiça italiana, com base nas provas colecionadas no processo que o condenou aqui no Brasil.
Realmente, diante dessas circunstâncias, parece improvável que a Itália negue o pleito extradicional do Brasil. Para atendê-lo basta se valer da faculdade a si conferida pelo inciso I do art. 6º do tratado Brasil-Itália. Dir-se-á: portanto, a extradição do reclamado dependerá única e exclusivamente de boa vontade da Itália; do seu real comprometimento no combate à criminalidade externado no tratado entabulado com o Brasil.
Não, não é bem assim. Estamos convencidos de que essa possibilidade fica mesmo só na aparência. Fica no “far-se-ia” conjecturado pelo ilustre procurador geral, quando, na entrevista, vislumbra a possibilidade da extradição por ser o reclamado ítalo-brasileiro e a extradição ser requerida por um país do qual ele é nacional, e não por nação pela qual assim não é reconhecido. Sinceramente, entendemos que à Itália sobejam razões para não atender ao pedido do Brasil. Senão vejamos.
O PRINCÍPIO DA RECIPROCIDADE
É por demais sabido que nas relações internacionais, no que diz respeito à extradição, atendendo à necessidade de cooperação judiciária internacional no combate ao crime, as nações observam os tratados ou convenções entre si celebradas, onde são fixadas obrigações recíprocas. Rege, pois, o instituto da extradição o princípio da reciprocidade, que consiste na entrega do paciente reclamado, condicionada à promessa de igual tratamento quando de um eventual similar pedido feito pela requerida, ou seja, “é dando que se recebe”.
É especialmente o fato de não poder o Brasil dispensar à Itália tratamento igual em semelhante pedido que a extradição do delinquente reclamado não será levada a efeito pela Itália, a exemplo do que ocorreu no pedido de extradição do também delinquente Salvatore Cacciola, o que à época provocou injustificáveis críticas à justiça e governo italianos.
Foi no episódio de Salvatore Cacciola como, provavelmente, será agora no caso Henrique Pizzolato, incensurável a negativa de extradição decidida pela Itália. O art. 5º, inciso LI, da Constituição da República Federativa do Brasil reza: “nenhum brasileiro será extraditado, salvo o naturalizado, em caso de crime comum, praticado antes da naturalização ou de comprovado envolvimento em tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, na forma da lei” (grifo nosso).
Tratava-se Salvatore Cacciola de cidadão italiano “da gema”, naturalizado brasileiro. Henrique Pizzolato é cidadão brasileiro “da gema”, naturalizado italiano. Se ambos tivessem cometido seus crimes na Itália e aqui se homiziassem, num eventual pedido de extradição dos mesmos feito pela Itália, ou qualquer outra nação, o Brasil não poderia atender à súplica sem que infringisse o dispositivo constitucional retro transcrito. O primeiro, embora italiano, cometeu o crime e si imputado após naturalizado brasileiro e o segundo é brasileiro nato, circunstâncias que são impedientes constitucionais para concessão de extradição pelo Brasil.
Portanto, negando a Itália a extradição de Henrique Pizzolato, seja por considerá-lo seu nacional e, por conseguinte, amparando-se no art. 6º, inciso I, do tratado extradicional, seja por ter a certeza de que não será atendido em eventual requerimento análogo feito ao Brasil, o que fere o princípio basilar de um tratado de extradição, qual seja, o princípio da reciprocidade, impassível estará de sofrer justas críticas quanto ao seu posicionamento.
Outrossim, entendemos que serão de total improcedência eventuais críticas feitas à Itália pelo fato de vir a negar a extradição de Henrique Pizzolato em represália à negativa recebida quando de sua solicitação de extradição do criminoso Cesare Battisti - o que não acreditamos que venha a fazer, pois sabedora é de que a postura arbitrária contra si adotada naquela ocasião não correspondeu à vontade do Brasil, do povo brasileiro. Foi uma atitude isolada, compreensivelmente impensada, tomada por uma pessoa incapaz de comedir suas consequências; uma pessoa que geriu o Brasil como se estivesse gerindo um sindicato de classe operária; que se achava dono do País, e que assim continuará se achando até que a sujeira que se encontra embaixo dos tapetes do Palácio do Planalto seja descoberta e exposta ao povo brasileiro.
E que não se diga que tomou a irresponsável atitude por ser ignorante, por ser semianalfabeto – atributos dos quais sempre se vangloriou –, e que por isso se deixou levar pelas apaixonadas e inexplicáveis intervenções do ex-ministro da Justiça de seu governo, Tarso Genro, e de outros partidários, no sentido de obstar a remessa do meliante solicitado; inexplicáveis para alguns, as qualidades do Cesare Battisti nos levam a crer que aqui estava (e ainda deve estar) reservado para ele o mesmo papel que desempenhou o “Che” Guevara na “revolução” cubana - e que, portanto, a eles deve ser creditada tal irresponsabilidade. Não! Não concordamos. Deve ser creditada a ele, o ex-presidente. Era ele quem avocava para si os louros atribuídos à gestão do Brasil; era ele quem vestia a toga da arrogância, quando algumas nações, inadvertidamente, lhe concediam títulos de “doutor honoris causa”, na ilusão de que os propalados progressos do Brasil não eram fantasiosos, de que a realidade do povo brasileiro havia mudado radicalmente durante seu governo – mudou, é verdade, a realidade dele e de “seu do povo”. Achava-se, mesmo “doutor”; e ainda está convicto disso. Portanto, não há que se falar em sua inimputabilidade. A irresponsabilidade pelo desgaste da credibilidade, pelo comprometimento da honradez do Brasil, não só diante da Itália, mas também perante a comunidade internacional, da mesma forma que os elogios, a ele deve ser atribuída. Sua irresponsabilidade fez ver ao mundo não só sua tirania, expôs a fragilidade, a subserviência, do Poder Judiciário ao seu Governo, como também a conivência do Poder Legislativo com seus desmandos, o que até então estava reservado à nossa intimidade. Mas se alguém achar que seu ato comporta divisão de “irresponsabilidade”, entendemos que a divisão há de ser feita não com os aficionados do paciente reclamado, mas, sim, com o Poder Judiciário e com o Poder Legislativo brasileiros.
HOJE, INEXISTÊNCIA DE TRATADO EXTRADICIONAL
Modestamente, entendemos nós que uma negativa de extradição do reclamado Henrique Pizzolato que não seja fundada nos argumentos retro expostos (a faculdade de extraditar ou não e a observância do princípio da reciprocidade) não deve ser confundida como represália à negativa de extradição do delinquente italiano Cesare Battisti, mas, sim, ao fato de o Brasil não mais poder invocar o tratado de extradição celebrado com a Itália. Aquele entabulamento, hoje, não tem mais valia; foi rompido unilateralmente pelo ex-presidente do Brasil - não pelo Brasil -, numa atitude, comandada, arbitrária e irresponsável, que contou, principalmente, com a irresponsável, submissa e prevaricativa aquiescência da Suprema (?) Corte de Justiça do País e com o também não menos irresponsável consentimento omissivo do nosso Congresso Nacional. Quando aqui consignamos “principalmente” é porque de outros segmentos da sociedade brasileira esperávamos insurgências, como, por exemplo, da imprensa e da comunidade jurídica nacionais. Mas o que vimos foi uma passividade que de outra forma não pôde ser interpretada senão como aquiescência desses setores àquela arbitrariedade.
Não, não, nem de longe estamos sendo levianos. Se isto asseveramos o fazemos com responsabilidade e embasados na legislação pátria.
Pedimos tolerância aos nossos eventuais leitores para, doravante, reproduzir passagens que externamos em alguns trabalhos por nós escritos à época do imbróglio em que se envolveu o STF quando da apreciação do pedido de extradição de Cesare Battiti.
É do conhecimento geral – geral mesmo, pois a repercussão do desfecho do imbróglio foi amplamente internacional, o impacto negativo não foi sentido só pela Itália, foi um sentimento globalizado - que o Supremo (?) Tribunal Federal, após inconcebíveis desacertos processuais, por fim, decidiu pelo deferimento do pleito da República Italiana. Uma sentença caríssima para o cofre público, mas que de nada valeu, pois quem deveria cumprir seu comando achou por bem desprezá-la como se papel higiênico fosse e, impropriamente, acintosamente, desrespeitosamente, tomando a decisão como opinião de um órgão a si subordinado, resolveu negar a extradição do paciente reclamado.
E não se deveu isso só à incompetência, à subserviência do Máximo (?) Colegiado Jurisdicional do País (ressalve-se a não unanimidade de seus membros) e do conivente Congresso Nacional; em muito contribuiu nossa mídia e nossa comunidade jurídica, tendenciosamente ou não.
Em “EXTRADIÇÃO – DECISÃO IMPERATIVA. Submissão absoluta do Presidente da República Federativa do Brasil ao acórdão prolatado pelo Supremo Tribunal Federal” externamos:
“Após as vexatórias procrastinações no processamento da vindicação feita pela Itália, a começar pelas maquinações perpetradas pelo ex-ministro da Justiça do Brasil, senhor Tarso Genro, e a terminar pelas não só injustificáveis, mas, acima de tudo, inconcebíveis vacilações do Supremo Tribunal Federal para se reconhecer competente para processar e julgar o feito, mesmo tendo diante de si cristalinas disposições legais de fácil interpretação por qualquer do povo, desde que relativamente alfabetizado, e isso porque a legislação extradicional tem como principais destinatários os não nacionais, pelo que o legislador se empenhou ao máximo para escrevê-la de maneira simples e clara, proporcionando-lhes mais fácil assimilação ...”.
Nesse mesmo trabalho consignamos:
“Publicado o acórdão, incontinenti, a nossa mídia propalou aos quatro ventos: “SFT publica acórdão de extradição de Battisti e libera decisão de Lula”; “STF autoriza extradição de Cesare Battisti, mas decisão final está nas mãos de Lula”; “Supremo decide dar palavra final à Lula e causa polêmica; ...”.
A extradição do senhor Cesare Battisti dependerá única e exclusivamente da vontade do Presidente Lula. Foi essa a errônea interpretação – que se não emitida tendenciosamente só se pode crer que foi por ignorância, deixando-se levar pelas inconvenientes intervenções do ex-ministro Tarso Genro e outros aficionados pelo delinquente reclamado - que a imprensa nacional deu ao quanto consubstanciado na Ementa nº 08 e que foi irresponsavelmente repassada para a sociedade brasileira. E não se ouviu uma voz sequer do STF contrariando esse errôneo entendimento, pelo que “gregos e troianos”, leigos e alguns operadores do Direito têm-na como expressão da vontade do órgão que a prolatou”
Eis o conteúdo da ementa nº 08 do acórdão prolatado no processo extradicional de Cesare Battisti, tombado no STF sob o nº 1085:
“EXTRADIÇÃO. Passiva. Executória. Deferimento do pedido. Execução. Entrega do extraditando ao Estado requerente. Submissão absoluta ou discricionariedade do Presidente da República quanto à eficácia do acórdão do Supremo Tribunal Federal. Não reconhecimento. Obrigação apenas de agir nos termos do Tratado celebrado com o Estado requerente. Resultado proclamado à vista de quatro votos que declaravam obrigatória a entrega do extraditando e de um voto que se limitava a exigir observância do Tratado. Quatro votos vencidos que davam pelo caráter discricionário do ato do Presidente da República. Decretada a extradição pelo Supremo Tribunal Federal, DEVE O PRESIDENTE DA REPÚBLICA observar os termos do Tratado celebrado com o Estado requerente, QUANTO Á ENTREGA do extraditando” (grifos nossos).
Permitam-nos repetir aqui a análise da ementa feita no retro citado trabalho:
“- Extradição. Passiva. Executória. DEFERIMENTO DO PEDIDO.
Presentes os pressupostos de admissibilidade – a legislação brasileira agasalha o instituto da extradição e o Brasil mantém Tratado Extradicional com a Itália -, foi a extradição conhecida e, por fim, verificada a legalidade e procedência, foi a solicitação provida;
- Execução. ENTREGA DO EXTRADITANDO AO ESTADO REQUERENTE.
Julgada procedente a vindicação feita pela Itália, restava tão-só determinar a entrega do paciente-reclamado à nação requerente; e assim o fez o STF;
- Submissão absoluta ou discricionariedade do Presidente da República quanto à eficácia do acórdão do Supremo Tribunal Federal. NÃO RECONHECIMENTO, OBRIGAÇÃO APENAS DE AGIR NOS TERMOS DO TRATADO CELEBRADO COM O ESTADO REQUERENTE”.
A conclusão:
“Decretada a extradição pelo Supremo Tribunal Federal, DEVE O PRESIDENTE DA REPÚBLICA observar os termos do Tratado celebrado com o Estado requerente, QUANTO Á ENTREGA do extraditando”.”
Quando desse comentário questionamos e aqui voltamos a indagar: em que parte da decisão o STF “libera”, “autoriza”, "dá a palavra final” para o Presidente da República extraditar ou não o paciente reclamado? Em resposta, mantemos a mesma percepção: em parte alguma.
Nossa convicção não é aleatória; emerge da análise de dispositivos constitucionais que não dão margem a outra conclusão. E o acerto desta conclusão demonstramos ou, pelo menos, tentamos demonstrar no trabalho “EXTRADIÇÃO – LEI 6.815/80 (A quem compete conceder a extradição?)”, quando explanamos:
“CELEBRAÇÃO DE ACORDO OU TRATADO
A Constituição da República Federativa do Brasil, no seu art. 84, diz: “Compete privativamente ao Presidente da República: ...; VIII – celebrar tratados, acordos e atos internacionais, sujeitos a referendo do congresso nacional” (grifos nossos).
A legislação brasileira dispensou à extradição os cuidados indispensáveis à delicadeza e seriedade do instituto. A Constituição Federal outorga poderes, privativos, ao Presidente da República para celebrar tratados, acordos e atos internacionais. Mas condiciona a validade desses instrumentos ao referendo do Congresso Nacional (Câmara dos Deputados e Senado Federal). É com esse referendo que eles – tratados, acordos e atos - adquirem força de lei e passam a vigorar como se emanados do povo brasileiro. É lei no sentido próprio da palavra).