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Do uso de algemas por parte dos integrantes dos órgãos de segurança pública sob a ótica do princípio da dignidade da pessoa humana

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29/04/2014 às 11:30
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5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O princípio da dignidade da pessoa humana possui caráter universal e está devidamente previsto em todos os níveis do ordenamento jurídico pátrio. Nesse sentido, deve ser respeitado por todos os cidadãos e também pelo Estado e seus agentes.

Em que pese não estar devidamente regulamentado conforme exige a Lei de Execução Penal, diversas outras normas infraconstitucionais e internacionais de caráter cogente e/ou norteador disciplinam o emprego de algemas por parte dos órgãos de segurança pública estatais. Dentre elas, destaca-se a Convenção Americana de Direitos Humanos, o Código de Conduta para os Encarregados da Aplicação da Lei e o Código de Processo Penal Militar.

Nesse sentido, verifica-se que o emprego de algemas tem por objetivos evitar que o cidadão infrator, seja ele quem for, cesse eventual resistência física empregada contra ato legal da autoridade, empreenda fuga, danifique patrimônio particular ou público ou exponha a risco a integridade física e/ou a vida sua, dos agentes estatais ou de terceiros. Tal utilização possui amparo nas normas internacionais sobre Direitos Humanos que fundamentam a elaboração dos manuais de doutrina e técnica utilizados pelos órgãos de segurança pública elencados no art. 144 da Constituição da República.

Com o objetivo de nivelar seu entendimento a respeito desse tema e aproveitando-se da lacuna legal existente, recentemente o Supremo Tribunal Federal editou a Súmula Vinculante 11. Ao considerar que as algemas só devem ser utilizadas em caráter excepcional. o referido texto sumular apresenta as hipóteses em que seu emprego poderá ser considerado justo desde que formalmente fundamentado. Além disso, em caso de ausência da fundamentação escrita, orienta no sentido da nulidade da prisão ou do ato a que se refere, além da responsabilização disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade que cometeu este equívoco.

Como profissional de segurança pública atuando diariamente na atividade operacional de prevenção e combate ao crime em suas inúmeras modalidades, o autor entende que a defesa da dignidade humana e dos direitos fundamentais dela derivados deve ser perseguida a todo o custo, principalmente pelo Estado e seus agentes. Nesse sentido, corrobora o entendimento no sentido da excepcionalidade do emprego de algemas.

Contudo, não podemos concordar com o teor da Súmula Vinculante 11 do STF quando ela impõe a nulidade da prisão ou do ato a que se refere em caso de não justificativa formal do emprego das algemas.

As consequências impostas pela não justificação do emprego das algemas, ao nosso sentir, representa verdadeira insegurança jurídica para a sociedade, que poderá ver infratores perigosos presos retornando logo após para o convívio social em virtude do descumprimento, por parte dos policiais, de um entendimento jurisprudencial que, em que pese possuir força cogente no seio do Poder Judiciário, não possui status de lei.

Como bem previsto no texto sumular em comento, nos casos de descumprimento da obrigatoriedade de justificação escrita do emprego de algemas, o autor concorda que agentes encarregados da aplicação da lei devem ser responsabilizados administrativamente, de acordo com seus regulamentos e estatutos específicos, e até civilmente, nos casos de manifesta afronta aos direitos e garantias cuja preservação é objeto da Súmula.

Do exposto, corroboramos defesa da revogação do teor da Súmula Vinculante 11 do STF e a elaboração de uma lei federal que discipline o assunto, com o mesmo conteúdo da Súmula, extirpada a parte em que ela menciona a nulidade da prisão ou atos dela decorrentes em caso de não justificação formal do emprego das algemas. Além disso, deverá constar do texto legal a proibição a que cidadãos comuns portem ou utilizem tal instrumento, passando as algemas, portanto, a serem aprestos exclusivos dos agentes encarregados da aplicação da lei integrantes dos órgãos elencados no art. 144 da Constituição da República.

Concluindo, de acordo com o entendimento doutrinário e jurisprudencial mais atualizado e à luz da técnica policial, o autor deste trabalho conclui que o emprego de algemas como instrumento utilizado exclusivamente para limitar temporariamente a liberdade motora do cidadão infrator não afronta de nenhuma forma sua dignidade ou qualquer dos seus direitos constitucionais.

Lado outro, o emprego de algemas com objetivo de punir, causar lesão ou sofrimento físico ou moral de qualquer espécie – aqui se enquadra o direito à imagem - deve ser rechaçado e punido pelas autoridades competentes.


6 REFERÊNCIAS

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Notas

1 Haja vista que todo o texto da CR?88 foi elaborado tendo como pilar, dentre outros, a proteção da dignidade do ser humano, baseado nos tratados e convenções internacionais a respeito do tema.

2 Conforme infere-se da interpretação do art. 5°, XVII da CR/88.

3 KRUEGER, Herbert. Grundgesetz und Kartellgesetzgebung, Bona, 1950, p. 12.

4 CARVALHO, Kildare Gonçalves. Direito Constitucional. 15ª ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2009. p.673

5 Aprovada em 26 de agosto de 1789 pela Assembléia Constituinte da França.

6 Adotado pela XXI Seção da Assembléia Geral das Nações Unidas, em 16?12?1966 e adotada pelo Brasil desde 1992, por força do Decreto 592, de 06?06?1992.

7 Assinada em 1969 e adotada pelo Brasil desde 1992, também conhecida por Pacto de San José da Costa Rica.

8 Aprovada pela Conferência Ministerial da Organização da Unidade Africana (OUA) em Banjul, Gâmbia, em janeiro de 1981, e adotada pela XVIII Assembléia dos Chefes de Estado e Governo da Organização da Unidade Africana (OUA) em Nairóbi, Quênia, em 27 de julho de 1981.

9 Adotada pela Resolução 39/46, da Assembléia Geral das Nações Unidas, em 10 de dezembro de 1984 , aprovado pelo Brasil no Decreto Legislativo 04?1989 e promulgado pelo Decreto 40?1991.

11 Adotados por consenso em 7 de setembro de 1990, por ocasião do Oitavo Congresso das Nações Unidas sobre a Prevenção do Crime e o Tratamento dos Delinqüentes.

12 Conforme o texto do art. 59 da CR/88.

13 Fullerton Police Department Policy Manual, p. 161,162. “Juveniles fourteen years of age or older may be handcuffed when the act commited is of a felonious nature or when their acts have amounted to crimes where the officer has reasonable suspicion the suspect may have a desire to escape, injure themselves, injure the officer, or destroy property. Juveniles under fourteen years of age generally will not be handcuffed unless their acts have amounted to a dangerous felony or when they are of a state of mind which suggests a reasonable probability of their desire to escape, injure themselves, the officer, or to destroy property”. Appud HERBELLA (2008, P. 79).

14 EMENTA: Administrativo. Responsabilidade civil do Estado. Uso de Algemas. Aferição de razoabilidade. 1. O uso de algemas pela força policial deve ficar adstrito a garantir a efetividade da operação e a segurança de todos os envolvidos. 2. Demonstra-se razoável o uso de algemas, mesmo inexistindo resistência à prisão, quando existir tumulto que o justifique. Afasta-se a condenação da União por danos materiais. 3. Recurso especial provido. (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. STJ, Recurso Especial n. 571924/PR, relator Ministro Castro Meira. Data do Julgamento: 24?10?2006. Data da Publicação: 10?11?1006).

15 EMENTA: Habeas Corpus. Penal. Processual penal. Os pedidos referentes a: apuração de responsabilidade por haver violação de segredo de justiça, proibição de veiculação de imagens do paciente e fixação de mensagem, vedando filmagens, no tribunal, não são compatíveis com o objeto da ação constitucional eleita, que se restringe à liberdade de locomoção.

O uso de algemas pelos agente policiais não pode ser coibido, de forma genérica, porque algemas são utilizadas para atender a diversos fins, inclusive proteção do próprio paciente, quando, em determinado momento, pode pretender a autodestruição. Ordem denegada. (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Habeas Corpus n. 35540?SP, relator. Ministro Jose Arnaldo da Fonseca. Data do Julgamento: 05?08?2004. Data da Publicação: 06?09?2004.

16 Conforme interpretação do art. 9°, III, do CPM.

17 Conforme determina o art. 10, III, do CPM.

18 Art. 23. Não há crime quando o agente pratica o fato:

I – em estado de necessidade;

II – em legítima defesa;

III – em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito.

Parágrafo único: O agente, em qualquer das hipóteses deste artigo, responderá pelo excesso doloso ou culposo.

19 Inserido pela Emenda Constitucional 45, d e 8 dez. 2004.

20 Por força do art. 22, I, da CR/88.

21 EMENTA: Habeas Corpus. Penal. Uso de algemas no momento da prisão. Ausência de justificativa em face da conduta passiva do paciente. Constrangimento ilegal. Precedentes. 1. O uso legítimo de algemas não é arbitrário, sendo de natureza excepcional, a ser adotado nos casos e com as finalidades de impedir, prevenir ou dificultar a fuga ou reação indevida do preso, desde que haja fundada suspeita ou justificado receio de que tanto venha a ocorrer, e para evitar agressão do preso contra os próprios policiais, contra terceiros ou contra si mesmo. O emprego dessa medida tem como balizamento jurídico necessário os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade. Precedentes. 2. Habeas corpus concedido. (BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus n. 89429/RO, relator Ministra Carmen Lúcia. Data do julgamento: 22/08/2006. Data da publicação: 02?02?2007).

22 EMENTA: Algemas (disciplina). Constrangimento (caso). 1. O emprego de algemas é degradante, desonroso, humilhante e indigno, devendo ser utilizadas quando, e somente quando, demonstrada a sua necessidade. 2. Ordem parcialmente concedida a fim de se ratificar a liminar deferida. (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. N. Habeas Corpus 111112/DF, relator Ministro Nilson Naves. Data do julgamento: 22?10?2008. Data da publicação: 02?03?2009).

23 Conforme art. 5° incisos III e XLIX da CR?88.

24 Extraído do voto do Min. Celso de Melo, Relator do HC 91952?SP.

25 Conforme se infere da leitura do art. 3°, “a” e “i” e art. 4°, “b”, da Lei 4898?65.

26 Sobre esse assunto, ver item 4.4.

27Nesse sentido é o acórdão da lavra do TJMG cuja ementa é: Penal - Cárcere privado - Emprego ilegal de algemas - Palavra das vítimas - Testemunha presencial que atesta a versão das vítimas - Contradição das testemunhas de defesa - Fragilidade da versão defensiva - Condenação mantida - Desclassificação para violência arbitrária - Impossibilidade - Hipótese de concurso formal - Inteligência do art. 322, do cp - Condenação mantida - Pena-base - Três circunstâncias desfavoráveis - Aumento de 1/6 por circunstância - Reforma - Participação de menor importância - Domínio final do fato provado - Condenação mantida - Recurso parcialmente provido. Praticam o crime de violência arbitrária, em concurso com cárcere privado, policiais militares que, durante período de folga, algemam ilegalmente indivíduos, privando-os de sua liberdade durante 40 (quarenta) minutos, a pretexto de sua condição de policiais. para a fixação da pena-base, afigura-se razoável quantum de aumento de 1/6 (um sexto) por circunstância judicial julgada desfavorável. agente que exerce diretamente a violência contra a vítima possui pleno domínio final do fato, não havendo falar em participação de menor importância. Recurso parcialmente provido. (MINAS GERAIS. Tribunal de Justiça de Minas Gerais. Apelação Criminal n. 1.0472.03.000446-0/001, relator Desembargador. Hélcio Valentim. Data do Julgamento: 11?05?2009. Data da Publicação: 11?05?2009). 

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Sobre o autor
Rodrigo Albuquerque Biffi

Bel. em Direito Bel em Ciências Militares com ênfase em Defesa Social Pós Graduado em Direito Civil e Direito Processual Civil pela UNIPAC Pós Graduado em Ciências Penais pelas Faculdades Milton Campos Docente da Academia de Polícia Militar de Minas Gerais Oficial da ativa da PMMG

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BIFFI, Rodrigo Albuquerque. Do uso de algemas por parte dos integrantes dos órgãos de segurança pública sob a ótica do princípio da dignidade da pessoa humana. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3954, 29 abr. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/27789. Acesso em: 22 nov. 2024.

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