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O princípio da primazia da realidade como instrumento contra o fenômeno da pejotização nas relações trabalhistas

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À luz do princípio da primazia da realidade sobre a forma, afasta-se o contrato de prestação de serviço simulado para encobrir a relação empregatícia verdadeira e legítima, reconhecendo-se, por consequência, todos os direitos a que faz jus o trabalhador, desde a constituição da pessoa jurídica pelo empregado.

Sumário: 1. Introdução. 2. O contrato individual de trabalho. 3. A flexibilização da relação de emprego 4. O fenômeno da pejotização no Direito do Trabalho. 5. Consequências da substituição do contrato de trabalho pelo contrato de prestação de serviço. 6. Aplicação do princípio da primazia da realidade no combate à pejotização. 7. Efeitos do reconhecimento de fraude à relação trabalhista. 8. Considerações Finais.

Resumo: O presente artigo tem por escopo analisar o fenômeno da pejotização, que consiste na substituição do contrato individual de trabalho pelo contrato de prestação de serviço, visando fraudar a relação de emprego e a aplicação das normas trabalhistas, bem como demonstrar a sua inviabilidade à luz do princípio da primazia da realidade e os efeitos do seu reconhecimento.

Palavras-Chave: Pejotização. Primazia da realidade. Lei 11.196/2005.


1 INTRODUÇÃO

Com a abertura da economia brasileira na década de 1990, num contexto globalização, iniciou-se uma tendência de flexibilização do Direito do Trabalho, que incentivou alterações legislativas em nosso sistema jurídico, sustentando a redução da intervenção do Estado na regulação dos conflitos entre capital e trabalho. Com o intuito de reduzir a proteção garantida pelo Direito do Trabalho e, desse modo, diminuir os custos com a produção, criaram-se novas formas de trabalho. Dentre elas, surge a pejotização, modalidade de contratação em que se busca descaracterizar o vínculo empregatício, ao afastar o elemento “pessoa física”, por meio da substituição do contrato de emprego pela contratação de pessoas jurídicas.

Essa prática se configura como fraude à relação de emprego, fundamentada em tortuosa interpretação da Lei 11.196/2005 e incentivada pelas empresas, com o intuito de reduzir os custos através do descumprimento das normas trabalhistas, causando efeitos nefastos aos trabalhadores.

Em face da omissão legislativa em apresentar dispositivo expresso que possa ser aplicado nesse sentido, os princípios do Direito do Trabalho se tornam extremamente importantes no combate ao fenômeno da pejotização, mormente o princípio da primazia da realidade, que, combinado com outros princípios e dispositivos legais, viabiliza o reconhecimento da relação de emprego, com consequente anulação do contrato de prestação de serviço e declaração de nulidade da constituição da pessoa jurídica pelo trabalhador coagido.

O presente estudo pretende, então, analisar os aspectos que envolvem o fenômeno da pejotização, bem ainda as suas repercussões na sociedade e os efeitos do reconhecimento desse tipo de fraude à luz dos princípios norteadores do sistema protetivo do trabalhador.


2 O CONTRATO INDIVIDUAL DE TRABALHO

O contrato de trabalho é gênero do qual o contrato de emprego é espécie, bem como o contrato do trabalhador autônomo, do eventual, do avulso, do empresário etc.1 O contrato de emprego, especificamente, diz respeito apenas à relação em que há subordinação do empregado em relação ao empregador, não aos outros tipos de trabalho.2 Mas a CLT utiliza, em seu art. 442, a denominação “contrato individual de trabalho” para se referir ao acordo correspondente à relação de emprego. Trata-se de negócio jurídico firmado entre uma pessoa física (empregado) e uma pessoa física ou jurídica (o empregador), em que se discutem, mediante acordo de vontades, condições de trabalho referente à atividade remunerada, não eventual e dirigida por quem obtém a referida prestação.3

Assim, a relação de emprego se configura quando são observados, na realidade fática, determinados elementos extraídos da conjugação dos conceitos de empregador e empregado, descritos na CLT, em seus artigos 2º e 3º, respectivamente. Somente haverá relação de emprego se preenchidos os requisitos de continuidade, subordinação, alteridade, onerosidade e pessoalidade. A relação empregatícia não pode ser afastada pela vontade das partes. Uma vez presentes todos os requisitos, ainda que não haja contrato formal, existirá, ainda assim, relação de emprego.

O trabalhador que presta serviço de forma eventual não se configura como empregado, pois o contrato de emprego é de trato sucessivo, não se exaurindo, pois, em uma única prestação. Esse serviço deve ser remunerado, em face da onerosidade inerente ao contrato de trabalho. Assim, o trabalho voluntário não gera vínculo empregatício, obrigação de natureza trabalhista ou previdenciária, conforme disposto no parágrafo único do art. 1º da Lei nº 9.608.4

Exige-se, ainda, a presença da subordinação, razão pela qual o empregado não poderá assumir os riscos do negócio, sendo a responsabilidade imputada ao empregador. 5 O “critério da subordinação jurídica ou da dependência é o que tem logrado maior aceitação na doutrina, na legislação e na jurisprudência, ganhando maior proeminência na conformação do tipo legal na relação empregatícia”, lecionam Gomes e Gottschalk.6

O importante é a possibilidade de o empregador poder intervir na atividade do empregado, sem, necessariamente, haver vigilância de forma constante, o que seria impossível de ocorrer em relação aos trabalhadores intelectuais. Nem por isso a relação empregatícia deixa de se configurar, pois “em relação a estes profissionais, essa subordinação apenas se dilui, porquanto a sua iniciativa é maior, o que não significa que não esteja presente”, assevera Maria Amélia de Carvalho. 7 A atividade dos trabalhadores intelectuais é aquela que pressupõe “uma cultura científica ou artística, como o advogado, o médico, o dentista, o engenheiro, o artista, entre outros”, leciona Alice Barros. Em função dessa peculiaridade, os trabalhadores intelectuais podem exercer suas atividades na condição de empregados ou de forma independente, como profissionais autônomos.8

Por fim, para a existência de relação de emprego, exige-se a pessoalidade. O trabalho deve ser realizado por certa e determinada pessoa física, isto é, o empregado deve realizar suas atividades pessoalmente, sem se fazer substituir.9 Nesse contexto, Maurício Godinho Delgado alerta para a ocorrência de utilização da pessoa jurídica com o intuito de fraudar a relação de emprego, na medida em que se tenta excluir a presença do elemento pessoa física:

[…] a realidade concreta pode evidenciar a utilização da roupagem da pessoa jurídica para encobrir prestação efetiva de serviços por uma específica pessoa física, celebrando-se uma relação jurídica sem a indeterminação de caráter individual que tende a caracterizar a atuação de qualquer pessoa jurídica. Demonstrado, pelo exame concreto da situação examinada, que o serviço diz respeito apenas e tão-somente a uma pessoa física, surge o primeiro elemento fático-jurídico da relação de emprego.10

Esse tipo de contrato se diferencia da prestação de serviços, regida pelo Direito Civil, porquanto nesta inexiste subordinação entre o prestador e o tomador do serviço. Trata-se de contrato em que prepondera a atividade intelectual, autônoma e independente, motivo pelo qual o prestador de serviço se torna o responsável pelos prejuízos decorrentes da atividade. 11


3 A FLEXIBILIZAÇÃO DA RELAÇÃO DE EMPREGO

No Brasil, a tendência de flexibilização do Direito do Trabalho teve início na década de 1990, com a abertura da economia brasileira num contexto de globalização, que incentivou alterações legislativas nesse sentido. Com a promulgação da Constituição Federal de 1988, ganhou força “no âmbito oficial e nos meios privados de formação da opinião pública, um pensamento estratégico direcionado à total desarticulação das normais estatais trabalhistas, com a direta e indireta redução dos direitos e garantias laborais”, destaca Mauricio Godinho Delgado 12 O discurso utilizado, nos moldes neoliberais, sustenta a redução da intervenção do Estado na regulação dos conflitos entre capital e trabalho e uma maior autonomia dos trabalhadores e das entidades sindicais.13

Segundo Andréia Galvão “o sistema de relações de trabalho no Brasil, caracterizado por exacerbado intervencionismo estatal, pela rigidez de seu marco regulatório, constitui barreira à competitividade das empresas e desestímulo à geração de empregos formais”.14 Desse modo, surgiu a necessidade de adoção de um novo sistema regulatório das relações trabalhistas, que contemplasse mais negociação e menos legislação, flexibilizando as formas de contratação e remuneração, gerando, por conseguinte, a redução dos custos da produção.15 Nesse contexto, Luciano Versapollo assevera que

A fragmentação do trabalho modificou a velha concepção da empresa fordista e reduziu a existência do trabalho assalariado, com surgimento das novas figuras profissionais, que fazem seus trabalhos tanto dentro quanto fora da empresa. O mercado de trabalho, transformando rapidamente o trabalho padrão, traz consigo novos tipos de ocupações que interligam quase todas as características do trabalho autônomo com as do trabalho efetivo.

[…]

Assim nascem os novos tipos de trabalho, caracterizados pela atipicidade e que oferecem uma área de trabalho não mais vinculada às categorias tradicionais de dependência e de autonomia.

[...]

Surgem, assim, as prestações de serviço, com aumento das jornadas atípicas, flexíveis, que configuram não apenas as novas modalidades de trabalho, mas também a precariedade de toda uma forma de vida, em um contexto de domínio social flexível. 16

Dentre as novas formas de trabalho, citam-se o trabalho temporário, a subcontratação, a empreitada, o estágio, os cooperados, os trabalhadores organizados em forma empresarial, os falsos autônomos, a denominada terceirização, entre outras, que surgem como alternativas para elevar os resultados empresariais.17 O exemplo mais marcante dessa mudança é a terceirização, com destaque para a atuação das empresas individuais (PJ’s) e as cooperativas, que são as modalidades mais utilizadas, tanto no setor público, quanto privado.18

No sistema de terceirização, a empresa contratante irá atribuir uma parcela de suas atividades para empresas contratadas, prestadoras de serviços. A transferência das tarefas secundárias tem por finalidade, sobretudo, a diminuição dos custos e o aumento da produtividade, bem como a melhora da qualidade do produto ou serviço.19 Contudo, a utilização desregrada dessa modalidade provoca a precarização das relações trabalhistas, levando à supressão de direitos, à insegurança e instabilidade, pois viabiliza a redução salarial, a variação de jornada de trabalho, a possibilidade de despedidas arbitrárias, a contratação por prazo determinado, a subcontratação e o trabalho irregular e sem garantias.20


4 O FENÔMENO DA PEJOTIZAÇÃO NO DIREITO DO TRABALHO

O fenômeno da pejotização surge, nesse cenário de flexibilização das normas trabalhistas, como uma nova modalidade de contratação em que se pretende descaracterizar o vínculo empregatício, ao afastar o elemento “pessoa física”, por meio da contratação do trabalhador como pessoa jurídica. 21

O termo pejotização constitui um neologismo derivado da sigla PJ, que é utilizada para designar a expressão “pessoa jurídica”.22 O empregador exige que o trabalhador constitua uma empresa individual para a sua admissão ou permanência no emprego, sendo formalizado um contrato comercial ou civil, embora, em realidade, a prestação de serviços possa se revelar como típica relação de emprego, quando o trabalhador se encontrar subordinado ao empregador, realizando sua atividade com todos os requisitos da relação de emprego. 23

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Nessa modalidade de contratação, o serviço especializado prestado pelo trabalhador se confunde com a atividade finalística do próprio empregador e, “embora o trabalhador detenha conhecimentos técnicos do desenvolvimento das atividades, o empregador detém todo o controle da prestação de serviços”, leciona Ronaldo Lima.24 O empregado, revestido pelo manto da pessoa jurídica, executa o serviço, em regra, de forma exclusiva, recebendo valores de natureza salarial, como remuneração em função do labor, e não detém o capital e os meios de produção, surgindo, assim, a dependência econômica do “prestador de serviços”.25

Esse tipo de contratação visa encobrir a relação de emprego e vem sendo percebida no Brasil desde a década de 1980. De acordo com Camilla Carpes, constitui uma forma deturpada de terceirização, porquanto “na terceirização lícita são admitidas somente quatro situações-tipo pela Súmula 331, do TST, todas executadas sem subordinação direta e pessoalidade.”26 Assim, a empresa lança mão de expediente ilícito visando ocultar a relação de emprego, para não se responsabilizar por despesas dela decorrentes, deixando de assumir os encargos trabalhistas, em busca de maior produtividade e lucro.27 Trata-se, pois, de fraude à relação de trabalho, que tem se tornado muito frequente em diversos setores da economia, apresentando maior expressividade nas áreas de saúde, de informática, indústria de entretenimento e de veículos de comunicação.

O trabalhador, figura como hipossuficiente na relação de trabalho, motivo pelo qual se vê obrigado a ceder a tais circunstâncias para se garantir economicamente, ainda que sejam sucumbidos os seus direitos trabalhistas.28 Outrossim, muitos trabalhadores são atraídos por supostas vantagens, como o pagamento de imposto de renda como pessoa jurídica, o que, em tese, abriria diversas possibilidades de descontos de despesas. No entanto, ainda que o trabalhador opte por essa forma de contratação, a vontade do empregado não poderá ser invocado para a exclusão da relação de emprego29, como adiante será demonstrado.

Cumpre salientar que a pejotização tem sido justificada com base em tortuosa interpretação da Lei 11.196/2005, em especial o seu art. 129.30 Supostamente, esta lei teria sido promulgada com o intuito de conferir legalidade à prática da pejotização. Neste contexto, Célia Regina Camachi Stander, em matéria publicada no jornal Folha de São Paulo, em 23.11.2005, afirmou que o referido dispositivo legal seria “obra de um lobby  liderado por empresas de comunicação”, com o fito de “evitar questionamentos à contratação de profissionais liberais na condição de pessoa jurídica, em especial as chamadas ‘empresas de uma pessoa só’”.31 A mesma matéria trouxe pronunciamento da Receita Federal no sentido contrario ao texto legal, em razão de tal dispositivo abrir “caminho para disfarçar vínculos empregatícios e driblar o fisco”. 32

Em face do referido dispositivo legal, surgem duas correntes doutrinárias que analisam a possibilidade e a legalidade do fenômeno da pejotização, no que tange à existência ou não de hipossuficiência no trabalho intelectual. Nesse sentido, a dúvida dos intérpretes se refere à viabilidade de “o destinatário da norma trabalhista poder se despojar da proteção que lhe é inerente, principalmente no tocante aos direitos de indisponibilidade absoluta”, ponderam Couto Filho e Renault. 33

De um lado, sustenta-se inexistir hipossuficiência do trabalhador no serviço intelectual, de modo que seria viável a esse indivíduo escolher qual sistema normativo se aplicaria ao contrato firmado, podendo dispor das normas protetivas do trabalhador. Caso optasse por abdicar das garantias asseguradas pela CLT, essa falta seria compensada com os incentivos fiscais e previdenciários.34 Trata-se do fundamento do discurso em defesa da pejotização. De acordo com esse raciocínio, a hipossuficiência do empregado seria eliminada na realização de trabalhos intelectuais porque não haveria inferioridade na relação.35

Corrente diversa sustenta que não importam as condições econômicas do trabalhador, nem o prestígio que obtenha, pois a hipossuficiência do empregado seria o bastante para justificar a aplicação do Direito do Trabalho. Desse modo, a legislação trabalhista será sempre aplicável, pois a CLT, conforme se observa em seu artigo 3º, parágrafo único, não faz distinções entre os trabalhos intelectual, técnico e manual.36 A aplicação das normas trabalhistas independe da vontade das partes e da aparência que é conferida à relação, mesmo porque jamais haverá igualdade de condições entre empregado e empregador. 37

O art. 129 da Lei 11.196/2005 deve, então, ser interpretado de forma sistemática, “não possuindo o condão de afastar o reconhecimento do vínculo de emprego entre o trabalhador – contratado sob o manto de pessoa jurídica – e o empregador”, tendo em vista que as normas trabalhistas no Brasil protegem todos os indivíduos que prestem serviços nos moldes dos artigos 2º e 3º, da CLT, “imputando o vínculo de emprego diretamente ao tomador dos serviços, independentemente da configuração jurídica dada à relação ou da forma de contratação do empregado”.38 Ademais, constitui dispositivo inconstitucional, na medida em que viola o princípio da igualdade, insculpido no artigo 5º, I, e no artigo 7º, XXX e XXXII, ambos da CF/88. 39


5 CONSEQUÊNCIAS DA SUBSTITUIÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO PELO CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇO

O discurso em defesa da pejotização sustenta que a renúncia aos direitos trabalhistas seria recompensadora, tendo em vista o aumento da remuneração, em razão da redução do pagamento de impostos. No entanto, o trabalhador estaria deixando de ser beneficiado com as garantias que são inerentes à sua atividade. Nesse processo, são negados ao trabalhador direitos previstos no sistema trabalhista, a exemplo da limitação da carga horária de trabalho, descanso semanal remunerado, férias remuneradas com adicional de um terço, décimo terceiro salário, verbas rescisórias, salário mínimo, horas extras, direitos decorrentes de acidente de trabalho, auxílio doença, auxílio reclusão, licença maternidade, entre outros, somados à falta de segurança quanto ao labor nessas condições.40

Além de ter seus direitos trabalhistas suprimidos, Laura Machado ressalta que o “empregado ainda terá que arcar com as despesas provenientes de uma pessoa jurídica, como o contador, o pagamento de impostos e contribuições de abertura, manutenção e encerramento da firma, além de assumir os riscos de um negócio que não tem razão de existir”.41 Nesse sentido, Turcato e Rodrigues, em matéria publicada na revista da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho, asseveram que

Tem sido prática cada vez mais comum a de empresas que contratam funcionários na forma de pessoa jurídica (PJ). Ou seja, o empregado é levado a constituir empresa e passa a receber mensalmente como prestador de serviço. Há ainda casos em que o empregado compra uma nota fiscal de uma terceira empresa para apresentar ao empregador, mediante o recebimento do salário. Nesse tipo de relação, quem contrata paga menos impostos e se isenta de inúmeras responsabilidades. Quem é contratado abre mão de seus direitos trabalhistas – como FGTS + 40%, férias, 13º salário, horas extras, verbas rescisórias – e assume gastos para manter a pessoa jurídica, como emissão de nota fiscal e administração contábil. Visto que a simulação relaciona-se com o fato de que trabalhadores passam a prestar serviços para uma empresa como empregados, estes se passando por empresários, os encargos previdenciários decorrentes desta relação de emprego estariam sendo eliminados pela pretensa contratação de serviços de pessoas jurídicas. 42

Os trabalhadores enfrentam, ainda, a dificuldade de sindicalização, e consequentemente, são prejudicados pela falta de realização de acordos ou convenções coletivas, instrumentos essenciais para a reivindicação de direitos, com vistas a impedir abusos eventualmente cometidos pelo empregador, acarretando também o enfraquecimento da categoria. 43

Se não bastasse o prejuízo social para o trabalhador, ainda é possível verificar danos provocados à Previdência Social e aos seus beneficiários em razão de sonegação fiscal, tendo em vista que há uma redução do montante recolhido quando o serviço é prestado por pessoa jurídica, em comparação ao recolhimento advindo do trabalhador por atividade regida pela CLT.44

Prejuízos podem ocorrer também ao erário, pois determinadas parcelas a que o empregado faz jus devem ser destinadas ao financiamento de políticas públicas, a exemplo do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço, “cujos recursos, além de representarem uma garantia aos empregados, devem ser aplicados no financiamento de programas de habitação, saneamento básico e infraestrutura urbana”, assevera Jéssica Schneider.45

O empregador, por seu turno, almejando a redução significativa de custos e aumento de produtividade, deixa de assegurar direitos trabalhistas inerentes à relação de emprego, maquiada pela pejotização. Assim, o empregador é beneficiado com a redução da carga tributária, com a prestação de serviços ininterruptos durante todo o ano, com o não pagamento da porcentagem referente ao INSS, da contribuição para o Sistema “S”, bem como da alíquota de 8% referente ao FGTS, da indenização dele decorrente e aviso prévio proporcional.46 Para justificar essa abstenção, as empresas afirmam que, diminuindo os encargos sociais, reduzem-se os preços dos produtos e, consequentemente, aumenta-se o consumo, o que impulsiona a produtividade, contribuindo, assim, para o crescimento socioeconômico do país.47

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Sobre a autora
Samara Moura Valença de Oliveira

Estudante de Direito da Universidade Federal da Bahia, estagiária do Ministério Público Federal na Bahia.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

OLIVEIRA, Samara Moura Valença. O princípio da primazia da realidade como instrumento contra o fenômeno da pejotização nas relações trabalhistas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3952, 27 abr. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/27896. Acesso em: 19 abr. 2024.

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