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O dano existencial no Direito do Trabalho

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6. CONCLUSÃO

O trabalho, concebido inicialmente como castigo e dor, ocupa posição central no cotidiano das pessoas, que em torno dele estruturam suas vidas.

A evolução do direito do trabalho foi lenta, mostrando-se como marco relevante à consolidação e reconhecimento dos direitos sociais a sua constitucionalização, que deu origem ao chamado Estado de Bem-Estar Social.

Entretanto, a reorganização do capital, precipitada pela crise do petróleo de 1973/1974, provocou o afastamento do Estado das relações laborais, compelindo os trabalhadores a buscar nos direitos fundamentais ponto de apoio para conter os avanço dos poderes empresariais e restabelecer o equilíbrio entre tais poderes e os direitos dos laboristas.

Os direitos fundamentais, entrelaçados com o princípio da dignidade humana, inicialmente concebidos como direitos de defesa em face do Estado, assumiram nova feição, prestando-se também a evitar lesões e a fundamentar reparações por atos ilícitos, inclusive aqueles praticados por particulares, neste contexto inserido o empregador.

Os direitos da personalidade representam consequência do reconhecimento da dignidade humana e sua violação enseja reparação dos danos causados.

A responsabilidade civil incluía tradicionalmente apenas os danos materiais. A admissão da reparabilidade dos danos extrapatrimoniais somente passou a existir de forma ampla, no cenário nacional, a partir da Constituição Federal de 1988, mas sob a denominação de dano moral.

Deve-se à doutrina italiana a construção de nova moldura da responsabilidade civil, incluindo nos danos indenizáveis nova categoria, denominada “dano existencial”, que consiste em lesão ao conjunto de relações que propiciam o desenvolvimento normal da personalidade humana, alcançando o âmbito pessoal e social.

O dano existencial distingue-se do dano moral porque não se limita a uma amargura, a uma aflição, caracterizando-se pela renúncia a uma atividade concreta.

No âmbito do Direito do Trabalho pode estar presente, exemplificativamente, nas hipóteses de assédio moral e doença ocupacional, na medida em que tais eventos, além de ensejar sofrimento e angústia (dano moral), também podem causar prejuízos ao projeto de vida, às incumbências do cotidiano, à paz de espírito (dano existencial), registrando-se acolhimento, pela magistratura trabalhista, de pedido de indenização calcado em renúncia involuntária às atividades cotidianas do trabalhador em razão de conduta ilícita do empregador (TRT/4ª Região. Processo 0000105-14.2011.5.04.0241).

Registra-se, entretanto, a necessidade de o tema ser enfrentado com a necessária prudência pelo Poder Judiciário, que deve estar atento e vigilante para coarctar eventuais atitudes passíveis de por em risco a credibilidade deste importante instrumento de tutela, que se mostra apto, em razão de sua natureza e desde que adequadamente interpretado, à preservação da dignidade da pessoa humana do trabalhador.


REFERÊNCIAS

ALMEIDA NETO, Amaro Alves de. Dano existencial – A tutela da dignidade da pessoa humana. Disponível em www.mp.sp.gov.br/portal/page, acesso em 19.12.2012.

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BARROSO, Luís Roberto (organizador). A nova interpretação constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2003.

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NASCIMENTO, Amauri Mascaro. FERRARY, Irani. SILVA FILHO, Ives Gandra Martins da (org.). História do Trabalho, do Direito do Trabalho e da Justiça do Trabalho. 3ª edição. São Paulo: LTR, 2011.

GAGLIANO, Pablo Stolze e PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil. V.4. t.1. São Paulo: Saraiva, 2005.

ROMITA, Arion Sayão. Direitos Fundamentais nas Relações de Trabalho. São Paulo: LTr, 2005.

SOARES, Flaviana Rampazzo. Responsabilidade Civil por Dano Existencial. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora Ltda, 2009.


Notas

1 FERRARI, Irany. História do Trabalho. In: NASCIMENTO, Amauri Mascaro. FERRARY, Irani. SILVA FILHO, Ives Gandra Martins da (org.). História do Trabalho, do Direito do Trabalho e da Justiça do Trabalho. 3ª edição. São Paulo: LTR, 2011, p.13-14.

2 ROMITA, Arion Sayão. Direitos Fundamentais nas Relações de Trabalho. São Paulo: LTR, 2005, p. 393.

3 ROMITA, Arion Sayão. Op. Cit., p. 36.

4 ALMEIDA NETO, Amaro Alves de. Dano existencial – A tutela da dignidade da pessoa humana. Disponível em www.mp.sp.gov.br/portal/page, acesso em 19.12.2012.

5 GOLDSCHMIDT, Rodrigo. Saúde mental do trabalhador: direito fundamental social, reparação civil e ações afirmativas da dignidade humana como forma de promoção. . In: BAEZ, Narciso Leandro Xavier; LEAL, Rogério Gesta; MEZZAROBA, Orides. (coord.) Dimensões Materiais e Eficaciais dos Direitos Fundamentais. São Paulo: Conceito Editorial, 2010, p.209.

6 CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 3ª ed. Almedina: 1999, p. 383.

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7 MÜNCH, Ingo von. Drittwirkung de derechos fundamentales em alemania. Apud PEREIRA, Jane Reis Gonçalves. Apontamentos sobre a Aplicação das Normas de Direito Fundamental nas Relações Jurídicas entre Particulares. In: BARROSO, Luís Roberto (organizador). A nova interpretação constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 121.

8 HESSE, Konrad. Significado de los derechos fundamentales. Apud PEREIRA, Jane Reis Gonçalves. Apontamentos sobre a Aplicação das Normas de Direito Fundamental nas Relações Jurídicas entre Particulares. In: BARROSO, Luís Roberto (organizador). A nova interpretação constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 138.

9 PEREIRA, Jane Reis Gonçalves. Apontamentos sobre a Aplicação das Normas de Direito Fundamental nas Relações Jurídicas entre Particulares. In: BARROSO, Luís Roberto (organizador). A nova interpretação constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 148-149.

10 DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. 19ª ed. 1º v. São Paulo: Saraiva, 2002, p.118.

11 GAGLIANO, Pablo Stolze. PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil. Parte Geral. V. I. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 144.

12 SOARES, Flaviana Rampazzo. Responsabilidade Civil por Dano Existencial. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora Ltda, 2009, p. 37.

13 SOARES, Flaviana Rampazzo. Op. Cit. p. 40.

14 ALMEIDA NETO, Amaro Alves. Op. Cit.p. 18

15 ALMEIDA NETO, Amaro Alves. Op. Cit. p.25.

16 SOARES, Flaviana Rampazzo. Op. Cit. p.44.

17 SOARES, Flaviana Rampazzo. Op. Cit. p.99.

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Sobre os autores
Ilse Marcelina Bernardi Lora

Juíza do Trabalho no Paraná

Rodrigo Goldschmidt

Doutor em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina. Professor do Programa de Mestrado em Direito da Unoesc. Coordenador da Linha de Pesquisa em Direitos Fundamentais Sociais da Unoesc. Juiz do Trabalho do TRT 12/SC;

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LORA, Ilse Marcelina Bernardi ; GOLDSCHMIDT, Rodrigo. O dano existencial no Direito do Trabalho. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3951, 26 abr. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/27899. Acesso em: 24 abr. 2024.

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