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Responsabilidade civil do Estado por omissão da função administrativa em casos de acidentes de trânsito provocados pela má conservação das rodovias

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12/05/2014 às 10:36
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2. CONSIDERAÇÕES SOBRE A RESPONSABILIDADE OBJETIVA E SOBRE A RESPONSABILIDADE SUBJETIVA DO ESTADO POR OMISSÃO

2.1 OS ACIDENTES EM RODOVIAS E A OMISSÃO DO ESTADO

Segundo o Anexo 1 do Código de Trânsito Brasileiro (Lei nº 9.503, de 23 de setembro de 1997), que trata de conceitos e definições, rodovia é considerada uma via rural pavimentada. Sua manutenção será de responsabilidade de todas as esferas governamentais, bastando, para definir a competência da responsabilização, observar se a via é federal (interestaduais, de sigla BR), estadual (intra-estaduais, de sigla AL, por exemplo) ou municipal (rodovias vicinais) e se está a cargo da administração direta, indireta ou de terceiro, mediante concessão para manutenção.

Entretanto, no presente trabalho, não serão feitas diferenciações. Consideraremos, simplesmente, a entidade estatal como competente e responsável para realizar a manutenção das rodovias e assegurar a segurança em sua circulação.

Porém, não podemos olvidar que o DNIT (Departamento Nacional de Infra-Estrutura de Transportes), autarquia criada pela Lei 10.233/2011, cujo inciso IV do artigo 82 expõe sua responsabilidade na manutenção, conservação, restauração e reposição de rodovias , é o órgão executivo rodoviário da União e, portanto, competente para exercer as atribuições elencadas no art. 21 da lei 9.503/1997 (Código de Trânsito Brasileiro).

Ademais, em acidentes ocorridos pela falta de conservação em rodovias federais, a jurisprudência já reconhece a responsabilidade do Departamento Nacional de Infra-Estrutura de Transportes:

ADMINISTRATIVO. ACIDENTE DE TRÂNSITO EM RODOVIA FEDERAL. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO DNIT. MÁ CONSERVAÇÃO DA ESTRADA. DANO MORAL CONFIGURADO.

1. Os documentos e a prova testemunhal deixam claro que o motivo causador do acidente foram as péssimas condições de conservação da rodovia.

2. Mantida a condenação à reparação dos danos morais causados pelo acidente.

Sendo assim, não prescindindo o disposto nos artigos 37, §6º , da Constituição Federal, e 927 do atual Código Civil Brasileiro, o CTB impõe a segurança no trânsito e a responsabilidade para assegurar o tráfego seguro:

Art. 1º O trânsito de qualquer natureza nas vias terrestres do território nacional, abertas à circulação, rege-se por este Código.

(...)

§ 2º O trânsito, em condições seguras, é um direito de todos e dever dos órgãos e entidades componentes do Sistema Nacional de Trânsito, a estes cabendo, no âmbito das respectivas competências, adotar as medidas destinadas a assegurar esse direito.

§ 3º Os órgãos e entidades componentes do Sistema Nacional de Trânsito respondem, no âmbito das respectivas competências, objetivamente, por danos causados aos cidadãos em virtude de ação, omissão ou erro na execução e manutenção de programas, projetos e serviços que garantam o exercício do direito do trânsito seguro. (grifamos)

E ainda:

Art. 88. Nenhuma via pavimentada poderá ser entregue após sua construção, ou reaberta ao trânsito após a realização de obras ou de manutenção, enquanto não estiver devidamente sinalizada, vertical e horizontalmente, de forma a garantir as condições adequadas de segurança na circulação.

Parágrafo único. Nas vias ou trechos de vias em obras deverá ser afixada sinalização específica e adequada. (grifamos)

Outrossim, o CTB dispõe sobre a responsabilidade quanto à insuficiência de sinalização no § 1º do art. 90: “o órgão ou entidade de trânsito com circunscrição sobre a via é responsável pela implantação da sinalização, respondendo pela sua falta, insuficiência ou incorreta colocação”.

Desta forma, a omissão da entidade estatal na implantação de sinalização também é ensejadora de sua responsabilidade, ou seja, na não colocação da sinalização adequada, deve responder pelos danos que vierem a ser provocados em decorrência dessa inércia.

Muitos são os julgados que seguem esse entendimento, como se vê:

RESPONSABILIDADE CIVIL. ACIDENTE OCORRIDO EM PONTE LOCALIZADA EM RODOVIA ESTADUAL. PRECÁRIO ESTADO DE CONSERVAÇÃO. AUSÊNCIA DE SINALIZAÇÃO. RESPONSABILIDADE DO ESTADO. CONFIGURAÇÃO.

1. Tratando-se de responsabilidade estatal por omissão, provado o nexo de causalidade entre a negligência administrativa, decorrente da ausência de sinalização sobre o estado de conservação da rodovia estadual, e os danos morais suportados, é devida a indenização reclamada, a teor do art. 37, § 6º da constituição Federal.

2. Apelo conhecido e improvido. Unanimidade.

Com tudo que já foi visto, é evidente que a Administração Pública tem o dever jurídico de fiscalizar e conservar as rodovias para manter a incolumidade pessoal e material de seus usuários. Entretanto, segundo Yussef Said Cahali, nem sempre o simples fato da má conservação da via é o suficiente para a responsabilização estatal, é preciso constatar a falha gritante na ausência do cumprimento do dever legal pela Administração Pública. Aduz o autor:

A pretensão contra o Estado só nasce se efetivamente, na grande relatividade do espaço social, em concreto, se puder interpretar o direito objetivo como falha tão gritante que, nas circunstâncias, se possa interpretar como obrigação estatal descumprida; o só fato de não estar, em geral, perfeitamente cuidada a rua não é suficiente causa de acidente atribuível ao Estado, num País apenas em desenvolvimento, com as finanças públicas também em estado de grande debilitação; a configuração da hipótese ter-se-ia dado se fosse o caso de uma ‘cratera’ especial, contra o qual o Município nenhuma providência tomou, sequer a de aviso de perigo; o simples mau estado das ruas, numa Capital com poucos recursos financeiros, somente exige aos cidadãos ainda maior cuidado com o tráfego.

Contudo, as más condições das rodovias poderão ensejar a responsabilidade do órgão público, seja pela ausência de acostamento e sinalização ou pavimentação inadequada, desnível na pista, curvas mal projetadas e buracos nas vias. Entretanto, o que precisa se esclarecer são as determinantes da responsabilidade do Estado por acidentes decorrentes da sua omissão estatal, no que se refere à aplicação das teorias objetiva e subjetiva.

2.2 A RESPONSABILIDADE DO ESTADO POR OMISSÃO

Como já visto, os danos não são cometidos apenas por uma ação comissiva. Tem-se pacificado o entendimento de que a omissão também pode gerar responsabilização civil pelos danos que tal conduta negativa vier causar.

Porém, grande divergência na doutrina e jurisprudência se concentra no que se refere à necessidade de comprovação de culpa quando o Estado se encontra responsável por seus atos omissivos. A este respeito, surgiram duas posições.

No posicionamento favorável à responsabilidade do Estado por conduta omissiva com natureza subjetiva, encontramos o prelecionamento Celso Antônio Bandeira de Mello ao defender que a responsabilidade estatal por ato omissivo é sempre por ato ilícito, proveniente de negligência, imprudência ou imperícia e, por isso, a responsabilização é, em todos os momentos, subjetiva. Alega ainda Carlos Roberto Gonçalves que tal entendimento já foi sustentado há muitos anos por Aranha Bandeira de Mello, contando com o aplauso de Maria Helena Diniz.

José dos Santos Carvalho Filho ainda defende que o fato caso de conduta estatal omissiva não gera, necessariamente, a responsabilidade civil do Estado, haja vista que nem toda conduta omissiva representa uma falha no cumprimento do dever legal pelo Administração Pública.

Neste sentido, estão as lições do Ministro Gilmar Ferreira Mendes:

O Direito brasileiro, como é sabido por todos nós, aceita a teoria da responsabilidade objetiva do Estado. Mas, será que isso quer dizer a responsabilidade do Poder Público por qualquer fato ou ato, comissivo ou omissivo no qual esteja envolvido, direta ou indiretamente? Qualquer acadêmico de Direito que tenha uma mínima noção dos requisitos para a configuração dessa responsabilidade sabe que não.

Ou seja, diante deste raciocínio, o Estado somente seria civilmente responsável e, consequentemente, obrigado a reparar os prejuízos causados pela ocorrência dos danos decorrentes de sua conduta, seja ela omissiva ou comissiva, quando este possui o dever legal de agir. E, no caso de acidentes de trânsitos provocados pela deficiência de conservação das rodovias, o Estado é sujeito a ser responsabilizado quando se encontra legalmente obrigado a evitar e impedir os danos que podem ser causados pela deterioração dos elementos que compõem a via.

Sendo assim, conclui-se que, para a constatação da existência da responsabilidade do Estado por condutas omissivas, é necessário que sejam verificados: um dano ao particular; nexo causal entre essa lesão e a conduta estatal; uma omissão do Poder Público; e o descumprimento de um dever legal originado a partir de um comportamento omissivo do Estado.

Ao se falar sobre teoria da responsabilidade objetiva, verifica-se facilmente que há aqueles que a defendem tanto para a conduta comissiva, como para a omissiva, aplicando-se, para ambos, a norma do artigo 37, parágrafo 6º, da Constituição Federal, e a compreendendo a partir da Teoria do Risco. Nesse pensamento, semelhante ao posicionamento de Sérgio Cavalieri Filho oposto à primeira visão, é o entendimento de Hely Lopes Meirelles:

Aqui não se cogita da culpa da Administração ou de seus agentes, bastando que a vítima demonstre o fato danoso e injusto ocasionado por ação ou omissão do Poder Público. Tal teoria, como o nome está a indicar, baseia-se no risco que a atividade pública gera para os administrados e na possibilidade de acarretar dano a certos membros da comunidade impondo-lhes um ônus não suportado pelos demais. Para compensar essa desigualdade individual, criada pela própria Administração, todos os outros componentes da coletividade devem concorrer para a reparação do dano, através do erário, representado pela Fazenda Pública.

Desta forma, torna-se relevante a discussão acerca da responsabilidade do Estado com base em sua inércia, haja vista que, ao se tratar de responsabilização da Administração Pública por acidentes em rodovias, há que se falar em omissão. Isso porque, quando se enfatiza que o principal fator para a ocorrência do dano é a situação da pista, verifica-se que o Poder Público não gerou um dano por uma conduta positiva, mas causou um infortúnio por não ter realizado o seu dever legal de manter e conservar as condições adequadas que se faziam necessárias nesse local.

2.3 A RESPONSABILIDADE SUBJETIVA DO ESTADO POR OMISSÃO

Celso Antônio Bandeira de Mello, lastreado nos ensinamentos de Oswaldo Aranha Bandeira de Mello, tem seus argumentos seguidos por parte considerável da doutrina. Estes sustentam a aplicação da teoria subjetiva com base no artigo 15 do Código Civil de 1916, aduzindo que:

Se o Estado não agiu, não pode, logicamente, ser ele o autor do dano. E, se não foi o autor, só cabe responsabilizá-lo caso esteja obrigado a impedir o dano. Isto é: só faz sentido responsabilizá-lo se descumpriu dever legal que lhe impunha obstar ao evento lesivo.

Yussef Said Cahali, ao comentar os argumentos do supracitado doutrinador, explica que o dano causado através da omissão estatal é, na verdade, causada por outro evento, e não pelo Estado. Por isso não se pode falar de responsabilidade objetiva, pois existe um elemento a mais na responsabilização e que também não se deve, a priori, supor que alguém responde pelo o que não fez.

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Desta forma, se tratando de responsabilidade civil subjetiva, deve-se haver a presença de alguns pressupostos, indicados no art. 186 do atual Código Civil, que são: conduta culposa do agente, nexo causal e dano. A identificação de tais elementos se dá através da consideração da omissão estatal como um comportamento ilícito, proveniente da negligência, imprudência ou imperícia. Por isso se fala em culpa ou dolo.

Explica ainda Celso Antônio Bandeira de Mello que o Estado deve responder objetivamente pelos danos que causou, mas na situação de omissão, a inação estatal é apenas uma condição para a ocorrência do dano e não sua causa, por isso a responsabilidade é subjetiva. O autor complementa:

De fato na hipótese cogitada o Estado não é o autor do dano. Em rigor, não se pode dizer que o causou. Sua omissão ou deficiência haveria sido condição do dano, e não causa. Causa é o fator que positivamente gera um resultado. Condição é o evento que não ocorreu, mas que, se houvera ocorrido, teria impedido o resultado.

Outro fator importante a ser analisado diz respeito ao nexo de causalidade nos casos de comportamentos omissivos. Pois, se para Bandeira de Mello a omissão é um não agir e é apenas uma condição para a existência de um resultado, ou seja, não é sua causa, como considerar, então, a existência de um nexo causal? Estaríamos diante, no máximo, de um nexo condicional.

Neste mesmo sentido, defende Arêas:

Ainda, por fim, há de se sustentar que na omissão do Estado, esta não funciona, propriamente, como causa de qualquer resultado, pois nada pode surgir da ausência de comportamento. Dessa sorte, na seara da análise do comportamento omissivo, mais apropriado se falar em nexo condicional do que em nexo causal, visto que a omissão não é causa, mas verdadeira condição do evento lesivo.

Também, Di Pietro entende que a omissão deve ser analisada sob a ótica da responsabilidade subjetiva. Para tanto, a doutrinadora aplica a teoria da responsabilização pela falta do serviço, haja vista o mau funcionamento do serviço público em decorrência da inação estatal:

No entanto, mesmo ocorrendo motivo de força maior, a responsabilidade do Estado poderá ocorrer se, aliada à força maior, ocorrer omissão do poder público na realização de um serviço.

(...)

Porém, neste caso, entende-se que a responsabilidade não é objetiva, porque decorrente do mau funcionamento do serviço público; a omissão na prestação do serviço tem levado à aplicação da teoria da culpa do serviço público (faute du service); é a culpa anônima, não individualizada; o dano não decorreu de atuação de agente público, mas de omissão do poder público.

Como já se sabe, a noção de faute de service, expressão francesa que nos traz a ideia de culpa do serviço, apesar de ser, algumas vezes, traduzida imprecisamente como falha ou falta de serviço, trabalha em cima de três possíveis ocasiões: quando o serviço público não funcionou (omissão), funcionou atrasado ou funcionou mal.

Nos casos de má conservação das rodovias, possibilitando acidentes de trânsito pela omissão estatal, ficamos próximos da primeira circunstância que caracterizaria a falta de serviço, ou seja, quando o serviço público não funciona.

Partindo-se dessa premissa, e de acordo com os ensinamentos de Celso Antônio Bandeira de Mello, é perceptível que, para a teoria ora abordada, às condutas omissivas da Administração Pública somente se aplicam a responsabilidade subjetiva. E é somente tal responsabilidade que considera relevante a análise da culpa em seu sentido amplo (culpa em sentido estrito e dolo). Desta forma, a conduta omissiva capaz de gerar responsabilização, decorrente do descumprimento de um dever legal, apenas ocorre quando estiver presente a culpa.

Perlustre-se, ainda que, a responsabilização subjetiva do estado está longe e eximir o poder público de indenizar. A Administração somente deixaria de ser responsável com a devida comprovação que não tinha o dever de agir e, desta forma, sua conduta não provocou o evento danoso.

Desta mesma forma, entende Yussef Said Cahali, com base nos ensinamentos de João Donizeti Gandine e Diana Silva Salomão:

Nota-se, assim, “que não é necessário transmudar a responsabilidade objetiva em subjetiva para que a Administração se desvincule do dever de indenizar; basta que esta demonstre que não tinha o dever de agir e que, portanto, a sua conduta não foi, do ponto de vista jurídico, causa do evento danoso”.

2.4 A RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO ESTADO POR OMISSÃO

De acordo com a teoria objetiva da responsabilização, a caracterização da responsabilidade civil do Estado, por estar diretamente fundada no risco da atividade exercida pelo agente, independe de culpa, pois esta se apresenta irrelevante. Só se faz, então, necessária a presença do nexo causal entre o dano e a conduta do agente responsável para que haja a obrigação de indenizar.

Entretanto, diante da falta de ação da Administração Pública, há autores defensores tal teoria que não a generalizam para toda a espécie de omissão estatal. Há quem os considere como parte de uma teoria mista, mas, no presente trabalho, ainda os temos como quem advogam para a responsabilidade objetiva.

É o caso de Sérgio Cavalieri que, por exemplo, com base nos escólios de Guilherme Couto de Castro, defende tal responsabilidade objetiva do Estado nos casos de omissão específica. E, por isso, a diferencia da omissão genérica. Desta forma, cita trechos da obra do jurista:

Não ser correto dizer, sempre, que toda hipótese de dano proveniente de omissão estatal será encarada, inevitavelmente, pelo ângulo subjetivo. Assim o será quando se tratar de omissão genérica. Não quando houver omissão específica, pois aí há dever individualizado de agir.

Assim, Cavalieri Filho explica que a omissão específica se mostra caracterizada quando o Estado possibilita a ocorrência do evento danoso por não ter agido com o dever que tinha para impedi-lo. Desta forma, o prejuízo se deu principalmente pela inércia do poder público que contribuiu deixando todas as condições favoráveis ao cometimento do dano.

Como exemplo, o doutrinador deixa o caso em que um motorista, por estar embriagado, atropela e mata o pedestre na estrada. A responsabilização da Administração Pública só poderia ocorrer, desta forma, diante da omissão específica, ou seja, se o motorista, momentos antes, tivesse passado por uma patrulha rodoviária, mas os agentes públicos, por algum motivo, tivessem permitido que o tal prosseguisse viagem, aí se daria a responsabilidade objetiva do Estado.

O Supremo Tribunal Federal já vem entendendo tal posicionamento, como se vê na decisão de relatoria do Min. Dias Toffoli que considera a teoria do risco administrativo nos casos de omissão específica. Como se vê:

CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. CIVIL. MANUTENÇÃO E CONSERVAÇÃO DE ESTRADA SOB A ADMINISTRAÇÃO DO DEPARTAMENTO NACIONAL DE ESTRADAS DE RODAGEM-DNER. OMISSÃO ESPECÍFICA. RESPONSABILIDADE CIVIL. TEORIA DO RISCO ADMINISTRATIVO. DANOS MATERIAS E MORAIS. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. SUCUMBÊNCIA RECÍPROCA.

O Relator, no julgamento citado, adotou a teoria defendida pelo Ilustre Sérgio Cavalieri, onde para a responsabilização do Estado se faz necessária a distinção da omissão genérica da específica. E, em se tratando de omissão específica, a responsabilidade do Estado é objetiva. Para ele, tratou-se de ausência do serviço por omissão específica do serviço público, pois o Estado possuía o dever legal de conservar a estrada, mas, pela ausência de manutenção, propicio a ocorrência do evento lesivo. Desta maneira conheceu do recurso e deu-lhe provimento para condenar o DNER ao pagamento da indenização.

E não se olvida que também há julgados aceitando o entendimento da responsabilidade subjetiva do Estado nos casos de omissão genérica, como se vê na decisão do TJRS abaixo exposta:

APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. INVASÃO DE PROPRIEDADE RURAL POR MEMBROS DO MOVIMENTO DOS SEM TERRA. 1. OMISSÃO GENÉRICA EM FORNECER SEGURANÇA PÚBLICA. RESPONSABILIDADE SUBJETIVA DO ESTADO. DEVER DE INDENIZAR. I. Comprovada a omissão do Poder Público em fornecer segurança adequada diante de invasão de integrantes do MST à propriedade rural. Incidência da teoria da faute du service, a configurar a responsabilidade subjetiva do Estado. [...]

Acrescente-se que, tendo o litígio subido ao Superior Tribunal Justiça, o recurso especial interposto pelo réu teve seu provimento negado e, ao ser impetrado agravo de instrumento junto ao Superior Tribunal de Justiça, a relatora Min. Ellen Gracie negou seguimento, concluindo pela responsabilidade do ente estatal.

Atualmente, é possível verificar julgados do Supremo Tribunal Federal adotando a corrente da responsabilidade objetiva do Estado em caso de omissões na conservação das rodovias:

1. O Tribunal Regional Federal da 4ª Região, em ação de indenização, concluiu pela responsabilidade do Departamento Nacional de Estradas e Rodagem ' DNER, à reparação por danos causados em veículos de propriedade dos autores, ocasionados por queda de barreira decorrente de má conservação da rodovia federal, nos seguintes termos: 'ADMINISTRATIVO. INDENIZAÇÃO. RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA. ILEGITIMIDADE PASSIVA. DNER. UNIÃO. FORÇA MAIOR. DESLIZAMENTO DE BARREIRA. POLÍCIA RODOVIÁRIA FEDERAL. LUCROS CESSANTES. PROVIMENTO PARCIAL DO RECURSO. 1. Não exime-se o Departamento Nacional de Estradas ' DNER, da responsabilidade civil objetiva decorrente de deslizamento de barreira em estrada federal, eis que é responsável pela conservação para o uso da população, havendo falha na prestação do serviço estatal. (...) Diante desse acórdão, a União, como sucessora do DNER , interpôs o presente recurso extraordinário (fls. 247-256), no qual se afirma violação ao art. 37, § 6º da Constituição Federal pois o Tribunal de origem reconheceu a responsabilidade do Estado,em sua forma objetiva, em evento ocorrido em virtude de caso fortuito ou força maior, evidenciado, no caso, pelas chuvas ocorridas na região. 3. A Procuradoria-Geral da República opinou pelo não-conhecimento do recurso (fls. 294-298). 4. O acórdão recorrido asseverou que ficou comprovado o nexo de causalidade entre a má conservação da rodovia e o efetivo dano causado aos autores, para reconhecer a responsabilidade da autarquia pelos prejuízos advindos dos lucros cessantes. Assim, rever a decisão recorrida para excluir a ocorrência de força maior implica análise dos fatos e das provas, em que se baseou o Tribunal a quo, o que é vedado em sede extraordinária, ante a incidência da Súmula STF 279. Veja-se o seguinte trecho do voto condutor do aresto atacado (fls. 230-236): 'Não pode a administração pública eximir-se pelo dano causado, sua responsabilidade existe, não por uma ação, mas por omissão da administração na realização de um serviço. O DNER é responsável pela conservação das estradas federais, devendo zelar pelo bom funcionamento para o uso por parte da população. Compete ainda, na construção e na manutenção, levar em consideração as condições do terreno, as condições climáticas da região, possíveis chuvas, tormentas, etc.(...) Deste modo, a tese do DNER, motivo de força maior, não deve prevalecer, visto que as chuvas não podem ser controladas, nem sua intensidade, nem suas proporções, mas suas conseqüência devem ser previstas, fato este que não ocorreu na referida região, vindo à tona o deslizamento ocorrido.' Nesse sentido, o RE 272.839/MT, rel. Min. Gilmar Mendes, 2ª Turma, DJ 08.04.2005 e o RE 425.800/RJ, rel. Min. Cármen Lúcia, DJ 13.06.2008, dentre outros. 5. Ante o exposto, nego seguimento ao recurso extraordinário. Publique-se. Brasília, 12 de fevereiro de 2009. Ministra Ellen Gracie Relatora (CPC, art. 557, caput).

Acima, verificou-se uma ementa referente à decisão de Recurso Extraordinário de relatoria da Min. Ellen Gracie, considerando a responsabilização objetiva do Estado, condenando o Departamento Nacional de Estradas e Rodagem – DNER por este ter se omitido em manter a boa conservação de rodovia e, por isso, propiciar danos a veículos com queda de barreiras.

2.5 CONCLUSÕES ACERCA DA DIVERGÊNCIA DOUTRINÁRIA

Pelo que já foi apresentado, nota-se que a responsabilidade do Estado por acidentes de transito ocasionados pela má conservação das rodovias se firma em uma conduta omissiva da Administração Pública. Porém, ao tratar deste comportamento, a doutrina se divide entre os que defendem a aplicação da responsabilidade subjetiva e os que defendem a responsabilização objetiva.

Assim sendo, a teoria da responsabilidade objetiva, nos casos de comportamentos omissivos do Estado, verifica a existência de um dano, a presença de um nexo causal entre o dano e a conduta estatal, a real existência de uma omissão da Administração e uma desobediência ao dever legal. Quanto à ótica subjetiva, existe a análise de tais elementos citados, acrescentando, ainda, a presença da culpa.

No que diz respeito à diferenciação da omissão genérica e específica para a caracterização da responsabilidade objetiva ou subjetiva, foi possível verificar que Cavalieri Filho defende a responsabilidade objetiva quando o Estado propicia a ocorrência do dano. Exatamente com esta discussão torna-se possível verificar a divergência doutrinária quanto à defesa da necessidade de comprovação de culpa para as condutas omissivas da Administração Pública.

Ocorre que, enquanto Cavalieri Filho entende que o dever individualizado de agir do Estado na omissão específica, que cria situação propícia para a ocorrência do dano, como suficiente para a demonstração que uma conduta omissa da Administração Pública pode gerar responsabilização objetiva, Celso Antônio Bandeira de Mello a compreende como uma hipótese em que se equipara à conduta comissiva da entidade estatal.

Na verdade, Celso Antônio Bandeira de Mello considera três tipos de situação ensejadora de responsabilização da Administração:

  • a) Casos em que é o próprio comportamento do Estado que gera o dano. Trata-se, portanto, de conduta positiva, é dizer, comissiva do Estado.

  • b) Casos em que não é uma atuação do Estado que produz o dano que o Poder Público tinha o deve de evitar. É a hipótese da “falta do serviço”, nas modalidades em que o “serviço não funcionou” ou “funcionou tardiamente” ou, ainda, funcionou de modo incapaz de obstar à lesão. Excluiu-se apenas o caso de mau funcionamento do serviço em que o defeito de atuação é o próprio gerador do dano, pois aí estaria configurada conduta comissiva produtora da lesão. Trata-se aqui, apenas, de conduta omissiva do Estado ensejadora (não causadora) de dano.

  • c) Casos em que também não é uma atuação do Estado que produz o dano, contudo é por atividade dele que se cria a situação propiciatória do dano, porque expôs alguém a risco (em geral – embora nem sempre – em razão da guarda de coisas ou pessoas perigosas). Nestas hipóteses pode-se dizer que não há causação direta e imediata do dano por parte do Estado, mas seu comportamento ativo entra, de modo mediato, porém decisivo, na linha de causação.

Como se vê na terceira hipótese supracitada, para tal doutrinador os exemplos que baseiam a argumentação da responsabilidade objetiva na omissão estatal não se mostram suficientes para justificá-la, pois o caso de dano dependente de situação produzida pelo Estado diretamente propiciatória é uma manifestação mediata de seu comportamento ativo.

Sendo assim, a omissão estatal específica é, na verdade, para Bandeira de Mello, um ato comissivo e trata-se, portanto, de risco suscitado. Por isso, os danos decorrentes do que foi constituído em prol de todos tem seus prejuízos que incidiram apenas por alguns absorvidos através da responsabilização objetiva do Estado.

Porém, Celso Mello também afirma que a omissão do Estado é condição e não causa de dano, ou seja, que quando o dano é propiciado por uma conduta omissiva, as lesões não são causadas pelo Estado, mas por evento alheio a ele. Assim, afirma o doutrinador que a omissão é condição do dano porque propicia sua ocorrência, embora não seja sua causa. Com tudo isso, o supracitado autor chega a receber severas críticas.

Borges defende que quando a Constituição Federal fala em causa no bojo do art. 37, §6º, se refere às condutas comissivas e omissivas e não a restringe a uma causalidade física, pois a omissão se encontra num plano abstrato-jurídico, é um não agir, é um ato inexistente, mas também pode ser causa de um evento.

Toshio Mukai também contesta o posicionamento de Celso Antônio Bandeira de Mello, dizendo ser a omissão causa e não condição do evento e asseverando que:

Em outros termos, o comportamento omissivo do agente público, desde que deflagrador primário do dano praticado por terceiro, é a causa e não simples condição do evento danoso. Portanto, há que se examinar, em cada caso concreto, se o evento danoso teve como causa a omissão grave de representante do Estado; se teve, a responsabilidade subjetiva do Estado (por culpa ‘in omittendo’) aparece; se não teve, isto é, se o dano ocorreu por omissão do funcionário, incapaz de ser caracterizado como causa daquele, tal omissão não gerará a responsabilidade civil do Estado.

Assim, o aludido doutrinador expões que a omissão é condição e não causa do dano ao afirmar que “as obrigações, em direito, comportam causas, podendo elas ser a lei, o contrato ou o ato ilícito”. Desta forma, prossegue “causa, nas obrigações jurídicas (e a responsabilidade civil é uma obrigação), é todo fenômeno de transcendência jurídica capaz de produzir um poder jurídico pelo qual alguém tem o direito de exigir de outrem uma prestação (de dar, de fazer ou não fazer)”.

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Sobre o autor
Rafael Diego Jaires da Silva

Graduado em Direito pela Universidade Federal de Alagoas (2012), com especialização em Direito Penal e Processo Penal pela Universidade Estácio de Sá (2015) e bacharelado em Teologia pela Faculdade de Teologia de Alagoas, convalidado pela Faculdade de Teologia Integrada (2018). Também é graduando em História Licenciatura pelo Centro Universitário de Maringá e mestrando em Administração Pública pela Universidade Federal de Alagoas. Atualmente, é assistente em administração da Universidade Federal de Alagoas e atua como advogado, especialmente no âmbito criminal.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Rafael Diego Jaires. Responsabilidade civil do Estado por omissão da função administrativa em casos de acidentes de trânsito provocados pela má conservação das rodovias. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3967, 12 mai. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/27908. Acesso em: 24 dez. 2024.

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