3. ASPECTOS DETERMINANTES PARA A RESPONSABILIZAÇÃO DO ESTADO POR ACIDENTES EM RODOVIAS ADOTADOS NA JURISPRUDÊNCIA
A responsabilidade da Administração Pública no Brasil é presente na jurisprudência desde os momentos mais remotos. Cavalieri Filho , porém, sustenta, citando a Constituição Republicana de 1891, art. 79, que de início não se falava em excludente de responsabilidade estatal, mas “numa solidariedade do Estado em relação aos atos de seus agentes”, ou seja, fundada na culpa civil.
Entretanto, a partir da introdução normativa da teoria da responsabilidade objetiva por meio da Constituição de 1946, em seu artigo 194, observa-se uma oscilação no entendimento, entre a doutrina e as instâncias do judiciário, na aplicação das teorias ora expostas.
Assim aduz Nelson Flávio Firmino:
Assentadas essas premissas, infere-se, sem a menor dúvida, que concernente às ações comissivas do Estado, este responderá objetivamente. De outra sorte, a matéria não é pacífica quando se tratar de atos omissivos estatais, encontrando-se posicionamentos divergentes na doutrina e na jurisprudência.
Desta forma, a seguir, será feita uma breve exposição de julgados apreciados sobre a responsabilidade civil do Estado por omissão em acidentes ocasionados pela ausência de conservação e manutenção das rodovias, os quais foram selecionados com base em critérios quantitativos (casos que aparecem em maior frequência) e qualitativos.
No que se refere à matéria de cunho eminentemente constitucional, serão comentadas jurisprudências do Supremo Tribunal Federal, mas também não deixaremos de lado os julgados do Superior Tribunal de Justiça, cuja competência restringe-se, nos termos do art. 105, III da Constituição Federal , à uniformização da aplicação da lei federal infraconstitucional.
3.1 CASOS FUNDAMENTADOS NA RESPONSABILIDADE SUBJETIVA DO ESTADO
3.1.1 STJ - Recurso Especial nº 549.812 – CE.
Rel. Min. Franciulli Netto. Data do julgamento: 06/05/2004
O recurso especial em comento se refere a um caso de indenização por danos materiais e morais contra o Departamento Nacional de Estradas de Rodagens – DNER e a União Federal em decorrência de um acidente automobilístico ocorrido em trecho da rodovia federal, provocado por irregularidades no asfalto que chegou a culminar no falecimento do marido da autora.
O juízo de primeiro grau, neste caso, julgou procedente em parte a pretensão autoral e entendeu ser o DNER o único legitimado passivo na demanda, sendo este o responsável pelo dano sofrido, haja vista caber a ele a conservação da referida rodovia. Porém afastou a condenação dos danos materiais pela ausência de comprovação. A indenização, então, se limitou a R$ 60.000,00 (sessenta mil reais) a título de danos morais.
Após apelação pelo DNER, interposta pela Advocacia Geral da União, e recurso adesivo pela parte autora, o Tribunal Regional da 5ª região deu provimento em parte ao pedido do DNER para que se deduzisse da condenação o valor pago referente ao seguro obrigatório (DPVAT ) e, ao recurso adesivo da autora, para majorar o valor da indenização por danos morais para R$ 107.640,00 (cento e sete mil seiscentos e quarenta reais).
Assim sendo, em Recurso Especial, o DNER argumenta que, apesar de se tratar de conduta estatal omissiva e, desta forma, ensejar responsabilidade subjetiva, não houve a devida comprovação de culpa, ou seja, a recorrida não teve a preocupação em provar a omissão culposa ou dolosa da Administração Pública, mas apenas se limitou a argumentar sobre a prática do ilícito do poder público em manter sem conservação as estradas federais, como também definiu as causas do sinistro, única e exclusivamente, na existência do buraco na via. Ademais, aponta que os valores referentes à indenização por danos morais são exorbitantes.
No acórdão do STJ, o ministro relator inicia seu voto estabelecendo que a referida autarquia federal é responsável pela manutenção e preservação das rodovias federais e pelos danos que terceiros vierem a sofrer em decorrência de sua má conservação.
O magistrado ainda aduz que, em regra, com base no risco administrativo, a responsabilidade do Estado é objetiva e, para responsabilizá-lo, basta apenas a comprovação do dano e do nexo causal entre a conduta e o prejuízo. Entretanto pondera que, em caso de omissão estatal, ou seja, quando o serviço não funciona, funcional mal, deficiente, tardio ou insuficiente, invoca-se a teoria da responsabilidade subjetiva.
Completando o seu entendimento de adotar a responsabilidade subjetiva, o ministro Franciulli Netto cita os escólios de Celso Antônio Bandeira de Mello ao justificar que não cabe responsabilizar o Estado por um dano que não é de sua autoria, e que a responsabilidade só é cabível diante da ocorrência de descumprimento do dever legal em obstar o evento lesivo.
Desta forma, complementação dos argumentos do relator se dá com as argumentações de Bandeira de Melo quando este preleciona:
É que, em princípio, cumpre ao Estado prover a todos os interesses da coletividade. Ante qualquer evento lesivo causado por terceiro, como um assalto em via pública, uma enchente qualquer, uma agressão sofrida em local público, o lesado poderia sempre argüir que o “serviço não funcionou”. A admitir-se responsabilidade objetiva nestas hipóteses, o Estado estaria erigido em segurador universal! Razoável que responda pela lesão patrimonial da vítima de um assalto se agentes policiais relapsos assistiram à ocorrência inertes e desinteressados ou se, alertados a tempo de evitá-lo, omitiram-se na adoção de providências cautelares. Razoável que o Estado responda por danos oriundos de uma enchente se as galerias pluviais e os bueiros de escoamento das águas estavam entupidos ou sujos, propiciando o acúmulo da água. Nestas situações, sim, terá havido descumprimento do dever legal na adoção de providências obrigatórias. Faltando, entretanto, este cunho de injuridicidade, que advém do dolo, ou da culpa tipificada na negligência, na imprudência ou na imperícia, não há cogitar de responsabilidade pública.
O relator entende, assim, que os danos sofridos pela autora ensejam responsabilidade da Administração Pública quando presente o cunho de injuridicidade proveniente da culpa ou dolo.
Quanto à consideração sobre o dano e nexo causal, permaneceu o entendimento do juízo do primeiro grau pela presença destes, onde a Corte de origem considerou no sentido que “a causa do esvaziamento do primeiro pneumático foram os tais buracos existentes no local anterior ao do capotamento, e, à luz da doutrina administrativa, que se configuram o dano e o nexo causal que ensejam a responsabilidade civil do DNER”.
Portanto, pelos elementos supracitados encontrados no caso concreto e em observância ao Decreto-lei nº 512/69 , foi imposta condenação por danos morais ao DNER, haja vista ser este o responsável pela manutenção e preservação das rodovias federais, zelando pelo seu bom estado e segurança de seus usuários.
Ademais, a responsabilização subjetiva foi defendida pela consideração da teoria da falta do serviço ou culpa do serviço, já que, pela omissão estatal, a Administração Pública atuou de modo deficiente ou insuficiente. Com tudo isso, nesta hipótese, admitiu-se a presunção de culpa, haja vista a dificuldade do lesado em demonstrar que o serviço operou abaixo dos padrões devidos e, assim, culposamente.
Evidenciou-se, então, que as argumentações do ministro se baseavam nos escólios de Celso Antônio Bandeira de Melo, quando o renomado autor expõe que:
Em face da presunção de culpa, a vítima do dano fica desobrigada a comprová-la. Tal presunção, entretanto, não elide o caráter subjetivo desta responsabilidade, pois, se o Poder Público demonstra que se comportou com diligência, perícia e prudência – antítese da culpa –, estará isento da obrigação de indenizar, o que jamais ocorreria se fora objetiva a responsabilidade.
Como visto em capítulo anterior, existem circunstâncias que excluem ou atenuam o nexo de causalidade, a saber: força maior, culpa exclusiva da vítima ou de terceiro e culpa concorrente da vítima ou de terceiro. No presente caso, a Corte a quo, já desconsiderando as outras excludentes, também não levou em conta a presença de culpa concorrente da vítima com a argumentação, pois alegou que:
Considerando que o descontrole da direção se deu pelo esvaziamento do pneu, ou seja, por razão alheia à vontade do motorista, tem-se que a “manobra brusca direcional” feita pelo condutor e relatada pela perícia (fl. 26) não representa imperícia do condutor, mas consubstancia uma tentativa de recuperar o domínio da direção, cuja perda decorreu do esvaziamento de um segundo pneumático que, repita-se, foi causa pela exposição de seu par que já se encontrava vazia (fl. 241). Além disso, “em nenhuma parte do laudo, nem mesmo na que trata da dinâmica do evento, há sugestão de excesso de velocidade” (fl.241).
Por fim, a Corte Superior de Justiça, aplicando o princípio da razoabilidade, reduziu o valor referente à fixação da indenização devido a títulos de danos morais de 448,5 salários mínimos para 300 salários mínimos, dando parcial provimento ao recurso especial interposto pela União.
De qualquer forma, considerados todo o exposto, foi possível verificar a caracterização da responsabilidade estatal no caso concreto, razão pela qual o STJ reconheceu a obrigação estatal em ressarcir o dano. O que se deve destacar, porém, é que, sob a análise da responsabilidade subjetiva, foi fundamental a investigação de quatro determinantes: i) o dano; ii) o nexo causal; iii) a omissão e iv) o descumprimento de dever jurídico. A partir desse exame, considerou-se que a falta de manutenção da pista provocou a responsabilidade do Estado.
Ademais, pode-se concluir que a obrigação de provar a conduta culposa do Estado não ficou com a vítima, mas sim com o ente público. E, neste caso concreto, a União não logrou êxito em demonstrar que agiu sem culpa, o que significou a sua condenação pela má conservação da rodovia federal.
3.1.2 STF - Ag. Reg. no Recurso Extraordinário 585.007-2 – DF.
Rel. Min. Ricardo Lewandowski. Data do julgamento: 05/05/2009
Trata-se de agravo regimental sustentando reforma de decisão que negou seguimento a recurso extraordinário para que esta seguisse seu processamento.
No presente caso, o agravado sofreu avaria em seu veículo automotor por ter passado sobre buraco na via pública em decorrência da ausência de manutenção pelo órgão estatal. Sendo assim, buscou ser ressarcido pelos danos sofridos e obteve o direito de ser indenizado. Entretanto, o Distrito Federal, agravante, apelou da decisão, mas o acórdão atacado em sede de recurso extraordinário também reconheceu a presença da responsabilidade.
Ainda não conformado, o agravante, após não obter o seguimento ao recurso extraordinário, impetrou agravo regimental, porém não apresentou novos argumentos capazes de elidir as razões expendidas.
Ocorre que o Superior Tribunal Federal entendeu configurada, através da incidência da Teoria da Faute de Service, a responsabilidade subjetiva do Distrito Federal pelos danos que o autor sofreu em decorrência da omissão estatal em conservar a via pública, quando o agravante insistia que não ocorrera demonstração de culpa.
O relator, porém, encontrou a presença dos pressupostos necessários para caracterizar a responsabilidade subjetiva, haja vista a má prestação de serviço. Desta forma, cita o acórdão mantido:
Trata-se de recurso extraordinário contra acórdão que possui a seguinte ementa:
“ADMINISTRATIVO. CIVIL. AVARIA EM VEÍCULO AUTOMOTOR EM DECORRÊNCIA DE PASSAGEM SOBRE BURACO NA VIA PÚBLICA. OMISSÃO DE AGENTE PÚBLICO. RESPONSABILIDADE CIVIL SUBJETIVA. TEORIA DA FAUTE DU SERVICE. NECESSIDADE DE DEMONSTRAÇÃO DO NEXO DE CAUSALIDADE NORMATIVA E DA CULPA DO AGENTE PÚBLICO.
Em se tratando de omissão de um comportamento de agente público, do qual resulte dano, por não ter sido realizada determinada prestação dentre as que incumbem ao Estado realizar em prol da coletividade, fala-se na incidência da Teoria da Faute du Service, e não em Responsabilidade Objetiva do Estado.
Assim, fazendo referência ao acórdão, o Min. Ricardo Lewandowski afirma que a pretensão recursal não merece prosperar, haja vista a existência de provas suficientes para se entender configurada a responsabilidade subjetiva do Distrito Federal pelos danos sofridos pelo autor em decorrência da má conservação da via pública. Sendo assim, destacou da decisão impugnada:
O apelante, em momento algum, comprovou a regularidade na manutenção da vias, em especial daquela apontada na inicial. As fotografias acostadas aos autos (fls. 21/23) dão conta de inúmeras imperfeições na pista, denotando serem elas antigas, não deixando dúvidas sobre a omissão do ente público, na conservação das vias públicas.
Ora, o caso relatado se encontrou um claro enquadramento da noção de falta de serviço, onde se admitiu, presumidamente, a culpa do Poder Público. Trata-se de uma presunção juris tantum, haja vista o lesado não dispor de todo o conhecimento das possibilidades estatais e considerando, também, o fato de a Administração Pública poder se eximir da responsabilidade ao provar a inexistência de omissão culposa e dolosa. Este é o entendimento de Celso Antônio Bandeira de Mello quando, inclusive, defende ser razoável, nestas circunstâncias, a ocorrência da inversão do ônus da prova.
Desta forma, restou demonstrado a inação do dever de agir do Estado e o mau funcionamento do serviço da Administração Pública, quando estes não procederam à conservação da via pública. Ademais, ainda com imagens fotográficas e evidências da antiguidade dos defeitos da pista, o órgão público não mostrou que sua omissão culposa era inexistente. Ficou então constatado, o dano, a omissão, a culpa e o nexo causal necessários à responsabilização.
3.2 CASOS FUNDAMENTADOS NA RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO ESTADO
3.2.1 STJ - Recurso Especial nº 979.284 – SC.
Rel. Min. Luiz Fux. Data do julgamento: 04/11/2008
Cuida-se de recurso especial interposto pela União Federal contra acórdão proferido pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região em que fixou indenização por danos morais no valor de R$ 3.000,00 (três mil reais), indenização por danos materiais no valor de R$ 69.362,86 (sessenta e nove mil trezentos e sessenta e dois reais e oitenta e seis centavos) e R$ 3.684,15 (três mil seiscentos e oitenta e quatro reais e quinze centavos) a título de lucros cessantes por mês de paralisação de trabalho desde a data do evento lesivo até a efetivação do pagamento.
A referida ação indenizatória proposta pelo autor em face da União Federal (DNER) se deu em razão de acidente de trânsito sofrido pelo mesmo em 16 de janeiro de 2001 na rodovia federal (BR 116), quando seu veículo, ao chocar-se com obstáculo proveniente de queda de uma barreira, incendiou-se e teve perda total.
No caso, ambas as partes interpuseram apelação. O autor requereu lucros cessantes referentes a um mês de trabalho e a majoração dos danos morais e, por sua vez, a União requereu denunciação da lide da empresa Sociedade Mafrense de Engenharia Ltda., pedido este que foi negado, e alegou, no mérito, que havia culpa exclusiva da vítima por trafegar em alta velocidade e desrespeitar as sinalizações existentes na via e também que se tratava de caso de força maior, não dando ensejo à responsabilidade objetiva do Estado.
Entretanto, as alegações pela União de excludentes de nexo de causalidade não foram suficientes para o Tribunal Regional Federal da 4º Região que entendeu demonstrado o nexo causal e reconheceu a responsabilidade objetiva do Estado pelo acidente de trânsito ocasionado pela má manutenção da rodovia federal, nos seguintes termos:
A União Federal, como sucessora do DNER, tem responsabilidade objetiva por manter as rodovias e por todos os fatos que decorram da sua ação ou omissão relacionados a essa obrigação. No caso em tela, o autor logrou provar essa responsabilidade da instituição pública. Por outro lado, não obteve êxito a ré ao excluir sua responsabilidade, ainda que objetiva, argüindo culpa exclusiva do autor. [...]
Em verdade, não restou provado nenhum desses fatores, pois o documento que alude ao excesso de velocidade do caminhão (fl. 160), não menciona em qual trecho ele trafegava na velocidade que excedia o permitido, logo, não pode ser imputado por conduta reprovável se não foi provado. Da mesma forma não teve êxito a União em provar que o espaço no local era suficiente para ser efetuado desvio, pois não foi feita prova com expert que levasse em consideração fatores alheios à distância no local, tais como velocidade, grau de inclinação da curva, visibilidade, condições da pista, fatores emocionais, etc.
Também argúi a ré tratar os autos de caso fortuito ou força maior, em vista de ser o acontecido decorrente de fator natural e imprevisível. O problema correu por falta de manutenção da estrada pela ré. É obrigação de a União manter as estradas em boas condições para tráfego, sendo contratados engenheiros capazes de prevenir esses acontecimentos. Tinha ela sim a condição e o dever de prever tal fato, e não o fez, caracterizando sua omissão e gerando o dever de indenizar.
Sendo assim, provado o nexo de causalidade, conclui-se que a ré é responsável pelo acidente de trânsito e conseqüentes danos.
É sabido que, não importando o entendimento adotado, o nexo de causalidade coloca-se como pressuposto imprescindível à responsabilização civil da Administração Pública. Por isso, no presente caso, os desembargadores federais, ao reconhecerem a responsabilidade civil objetiva do Estado, passaram a analisar a presença de nexo causal entre a omissão estatal e o dano sofrido pelo particular, já que não pode o Poder Público se responsabilizar por algo que não deu causa.
Desta mesma maneira, ensina Yussef Said Cahali:
Assim, o prejuízo de que se queixa o particular tem que ser consequência da atividade ou omissão administrativa: “A responsabilidade da Administração Pública, desvinculada de qualquer fator subjetivo, pode, por isso, ser afirmada independentemente de demonstração de culpa – mas está sempre submetida, como é óbvio, à demonstração de que foi o serviço público que causou o dano sofrido pelo autor”; pois “não está o Estado obrigado a indenizar se inexistir vínculo entre a omissão ou falha e o dano causado”.
Porém, inconformada, a União, na qualidade de sucessora do DNER, interpôs recurso especial, onde alegou não ter havido comprovação do dano moral, com negativa de vigência aos artigos 131 e 333, I , do CPC. Também requereu a aplicação do princípio da razoabilidade referente ao quantum indenizatório e, por fim, expôs que o fundamento do recurso, por se tratar de ato omissivo do Estado, se baseia na responsabilidade subjetiva e que, de qualquer forma, não existe comprovação de nexo causal entre a conduta estatal e o dano sofrido, haja vista a inexistência de provas nos autos que evidencie a falta de serviço quanto à manutenção da pista.
Ainda assim, o Min. Luiz Fux não vislumbrou que o acórdão recorrido havia apreciado a demanda de modo suficiente e que a alegação que não houve pronunciamento sobre todas as questões relevantes à demanda não merece acolhimento, pois o Tribunal se pronunciou de forma clara, ainda que o magistrado não se encontra obrigado a rebater cada um dos argumentos trazidos pela parte, bastando sua fundamentação ser suficiente para embasar a decisão.
Ademais, ao se referir ao art. 333, inciso I, do CPC, o ministro relator justificou a ausência de violação ao referido dispositivo por se tratar de caso de aplicação da responsabilidade objetiva, nos termos da teoria do risco administrativo, sem necessidade para o lesado comprovar culpa na ação ou omissão estatal, considerando, ainda, que a Corte a quo se fundamentou no exame no conjunto probatório dos autos.
Bem se manifestou o magistrado, com base nos escólios de José dos Santos Carvalho Filho que aduz:
A marca característica da responsabilidade objetiva é a desnecessidade de o lesado pela conduta estatal provar a existência da culpa do agente ou do serviço. O fator culpa, então, fica desconsiderado como pressuposta da responsabilidade objetiva.
Para configurar-se esse tipo de responsabilidade, bastam três pressupostos. O primeiro deles é a ocorrência do fato administrativo, assim considerado como qualquer forma de conduta comissiva ou omissiva, legítima ou ilegítima, singular o coletiva, atribuída ao Poder Público (...). O Segundo pressuposto é o dano. (...) O último pressuposto é o nexo causal.
Pelo visto, conclui-se que, mais uma vez, a falta de conservação das estradas foi condição para a responsabilidade do Estado. Para se chegar a essa solução, verificou-se se alguns requisitos estavam presentes, quais sejam: i) o dano; ii) o nexo causal; iii) a omissão e iv) o descumprimento de dever jurídico.
3.2.2 STF – Agravo de Instrumento 816483 – MG.
Rel. Min. Cármen Lúcia. Data do julgamento: 27/09/2010
Cuida-se de um agravo de instrumento contra decisão que inadmitiu recurso extraordinário ao julgado do Tribunal de Justiça de Minas Gerais. Trata-se de uma ação de indenização por acidente de trânsito ocasionado pela má sinalização de buraco havido em via pública em que, na sentença de primeiro grau, o Estado foi condenado a pagar a importância de R$ 5.694,30 (cinco mil seiscentos e noventa e quatro reais e trinta centavos) a título de reparação por danos materiais.
Nesta circunstância, o Tribunal a quo, considerando o disposto no § 6º do art. 37 da Constituição Federal, confirmou a responsabilidade do Poder Público no dever de indenizar pelas imperfeições de seus serviços sem a obrigatória comprovação de culpa ou dolo, ainda que se trate de uma conduta omissiva.
Desta forma, os desembargadores não deram provimento ao recurso por verificar comprovado o nexo de causalidade e os danos sofridos pelo autor-apelado e reconhecendo, assim, como correta a sentença atacada, incluindo o quantum referente à indenização por danos matérias deferida.
Com tudo isso, o agravante alegou no recurso extraordinário que, no presente caso, não se aplica a teoria do risco administrativo, haja vista não se tratar de conduta estatal comissiva, devendo, desta forma, tratar-se de responsabilidade subjetiva o a situação discutida não é alcançada pelo disposto no art. 37, § 6º, da Constituição da República.
Todavia, a ministra relatora posicionou seu entendimento no sentido de que as condutas omissivas da Administração Pública também são abrangidas pela responsabilidade objetiva prevista no art. 37, § 6º, da Constituição Federal. Para tanto, se baseou em julgados do Supremo Tribunal Federal que trata do tema.
Eis demais jurisprudências do STF que seguem o entendimento da ministra Cármen Lúcia:
CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO ESTADO. OMISSÃO. DEVER DE FISCALIZAÇÃO DO MUNICÍPIO. ART. 37, § 6º, CF/88. NEXO CAUSAL. FATOS E PROVAS. SÚMULA STF 279. 1. Existência de nexo causal entre a omissão do Município e o dano causado ao agravado. Precedente. 2. Incidência da Súmula STF 279 para afastar a alegada ofensa ao artigo 37, § 6º, da Constituição Federal - responsabilidade objetiva do Estado. 3. Agravo regimental improvido.
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. AÇÃO DE REPARAÇÃO DE DANOS. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO ESTADO: § 6º DO ART. 37 DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. AGENTE PÚBLICO. ILEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM. O Supremo Tribunal Federal, por ocasião do julgamento da RE n. 327.904, Relator o Ministro Carlos Britto, DJ de 8.9.06, fixou entendimento no sentido de que 'somente as pessoas jurídicas de direito público, ou as pessoas jurídicas de direito privado que prestem serviços públicos, é que poderão responder, objetivamente, pela reparação de danos a terceiros. Isto por ato ou omissão dos respectivos agentes, agindo estes na qualidade de agentes públicos, e não como pessoas comuns'. Precedentes. Agravo regimental a que se nega provimento.
RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO ESTADO. ALEGADA FALTA DE COMPROVAÇÃO DE NEXO CAUSAL, EM VIOLAÇÃO AO § 6º DO ART. 37 DA CARTA DA REPÚBLICA. MATÉRIA PROBATÓRIA. SÚMULA 279 DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. O recurso, ao sustentar a ausência de provas hábeis a caracterizar o liame entre os danos causados à recorrida e a ação ou omissão da União, como exigido pelo dispositivo constitucional sob enfoque, pretende o reexame do conjunto probatório dos autos, o que é inviável ante o preceituado na mencionada súmula desta Corte. Recurso extraordinário não conhecido.
Com isso, apesar das variadas divergências doutrinárias e jurisprudenciais, evidencia-se o entendimento do STF em aplicar a teoria da responsabilidade objetiva aos casos de omissão da Administração Pública. Desta forma, a relatora negou seguimento ao agravo, haja vista as orientações de julgados daquele tribunal por ela apresentada não terem sido estranhas à decisão recorrida.
Sendo assim, apesar de em tópico anterior ser encontrado caso de reconhecimento de responsabilidade subjetiva pelo mesmo Tribunal, através de julgamento cujo relator foi o Min. Ricardo Lewandowski (Ag. Reg. no Recurso Extraordinário 585.007-2), o que constantemente ocorre em julgados do STF é a necessidade de se fazer reexame de provas para averiguação da responsabilidade estatal.
Desta forma, se a decisão atacada reconhece o tipo de responsabilização pela comprovação acostada aos autos, não cabe ao Supremo fazer uma nova análise dos elementos comprobatórios, haja vista a proibição de sua Súmula nº 279. Contudo, o STF, como guardião da Constituição e órgão máximo do Poder Judiciário, deve julgar causas em que estejam em jogo violações constitucional e dirimir divergências sobre determinado tema.
Portanto, no julgamento do presente agravo de instrumento, foi seguido o raciocínio de que a Responsabilidade do Estado por omissão na conservação em rodovia federal, causando acidente pela presença de buracos e pela ausência de devida sinalização, é suficiente para responsabilizar a Administração Pública bastando, para tanto, a demonstração do dono sofrido e do nexo causal.
O Superior Tribunal de Justiça, entretanto, tem continuado com a predominância do seu entendimento no sentido de que, em casos de omissão estatal, a responsabilidade do Poder Público se reveste de natureza subjetiva e, por isso, torna-se imprescindível a demonstração de culpa.
É o que percebe a doutrina:
Este Sodalício está dando preferência, atualmente, à aplicação da teoria subjetiva, nos casos de omissão. Em julgado exarado no REsp 721.439 pela Segunda Turma, cuja relatoria pertenceu à Min. Eliana Calmon, optou-se pela incidência da teoria subjetiva, sob a argumentação de que a ausência de serviço, o não agir, a omissão, só pode ser imputada ao Estado se comprovada sua culpa, ante a falha na prestação de serviço.
Logo, os julgados dos Tribunais Superiores estavam compreendendo a aplicação do §6º do art. 37 da Constituição Federal àquelas condutas comissivas do Estado. Porém, apesar de ainda existir divergência nas instâncias superiores, é o Supremo Tribunal Federal quem mais tem se voltado à aplicação da responsabilidade objetivas para os casos omissivos do Estado geradores de dano.